RESUMO: Este ensaio pretende analisar os aspectos mais relevantes dos princípios constitucionais elencados no novo Código de Processo Civil brasileiro, principalmente no que tange ao princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5o, XXXV, da CF), princípio da duração razoável do processo (art. 5o, LXXVIII, da CF), princípio do contraditório (art. 5o, LIV, da CF) e, por fim o princípio da publicidade dos atos processuais (art. 93, IX da CF). Sem a pretensão de exaurir a matéria, os temas serão tratados sob uma ótica sistemática, apontando as diversas nuances que a incorporação de tais normas processuais implicará na prática do direito processo civil à luz do neoconstitucionalismo. O assunto se mostra de extrema relevância diante da crescente constitucionalização do Direito Brasileiro, notadamente no âmbito do processo constitucional democrático.
PALAVRAS-CHAVES: princípios constitucionais. Normas fundamentais. Novo Código de Processo Civil.
ANALYSIS OF THE MOST IMPORTANT ASPECTS OF THE CONSTITUTIONAL PRINCIPLES ESTABLISHED BY THE 2015 BRAZILIAN CODE OF CIVIL PROCEDURE
ABSTRACT: This paper aims to analyze the most relevant aspects of the constitutional principles listed in the new Brazilian Civil Procedure Code, especially with regard to the principle of non-obviation of jurisdiction (Article 5º, XXXV of the Constitution.), the principle of reasonable duration of the process (art. 5º, LXXVIII, CF), the adversarial principle (art. 5º, LIV, CF) and finally the principle of publicity of procedural acts (art. 93, IX of the Constitution). Without pretending to exhaust the theme, the issues will be addressed in a systematic perspective, pointing out the different nuances that the incorporation of such procedural rules imply to the practice of civil law proceedings in the light of neoconstitutionalism. The subject is extremely relevant given the increasing constitutionalization of Brazilian law, notably under the scope of democratic constitutional process.
KEYWORDS: constitutional principles. Basic norms. New Civil Procedure Code.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição (Art. 3º Do NCPC); 3. Princípio da Duração Razoável do Processo (Art. 4o do NCPC); 4. Princípio do Contraditório (art. 7º do NCPC); 5. Princípio da Publicidade dos Atos Processuais (art.11 do NCPC); 6. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO.
Em linhas inicias, deve ser salientado que o Novo Código de Processo Civil, seguindo a tendência da constitucionalização do direito, previu em seus dispositivos, notadamente nos artigos 1o a 12, diversos princípios elencados pela Constituição da República Federativa do Brasil.
Salienta-se que mencionados princípios encontram-se, fundamentalmente, no Livro I, Titulo Único, Capítulo I, do Novo Código, denominado de Normas Fundamentais do Novo Processo Civil[1].
A posição topográfica de tais princípios denota a clara e evidente intenção do legislador brasileiro em evidenciar a aplicação de tais normas principilógicas, como vetores normativos indispensáveis à aplicação da nova legislação, à luz do neoconstitucionalismo[2].
Conforme arremata Fredie Didier Jr.[3]:
Embora se trate de uma obviedade, é pedagógico e oportuno o alerta de que as normas de direito processual civil não podem ser compreendidas sem o confronto com o texto constitucional, sobretudo no caso brasileiro, que possui um vasto sistema de normas constitucionais processuais, todas orbitando em torno do princípio do devido processo legal, também de natureza constitucional.
Ademais, deve ser frisado que o artigo inaugural do Código de 2015, indica que o processo civil será orientado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidas pela Constituição Federal.
2. PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO (ART. 3º DO NCPC)
Como é cediço, o art. 5o, inciso XXV da Constituição salienta que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
Mencionado princípio resta expressamente elencado no artigo 3o, caput[4], do Código de Processo de 2015, com redação praticamente idêntica ao texto constitucional.
Supracitados dispositivos legais asseguram o amplo e integral acesso ao Poder Judiciário como um dos princípios disciplinadores, garantindo tanto o acesso à via repressiva quanto à via preventiva[5].
Tal violação ou ameaça não se limita aos atos do Poder Público, devendo abranger conflitos de índole privada ou em decorrência de atos da Administração Pública.
Igualmente, a prestação jurisdicional que busca o Código de Processo Civil, seguindo os ditames do Estado Democrático de Direito, deve ser a prestação de forma efetiva e adequada, tutelando e realizando o direito material, através do uso das técnicas processuais postas à disposição das partes. De nada adianta uma garantia se esta não é adequada e nem efetiva, uma vez que o processo precisa ser adequado ao que busca tutelar.
De mais a mais, os parágrafos do art. 3o, sem olvidar da inafastabilidade, permitem expressamente a arbitragem[6], bem como a promoção consensual dos conflitos[7], devendo os operadores do direito estimular a composição amigável[8].
A respeito do tema, bastante elucidativo a explanação de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero[9]:
O novo Código tem como compromisso promover a solução consensual do litígio, sendo uma das suas marcas a viabilização de significativa abertura para a autonomia privada das partes o que se manifesta não só no estímulo a que o resultado do processo seja fruto de um consenso das partes (art. 3o, §§ 2o e 3o , CPC), mas também na possibilidade de estruturação contratual de determinados aspectos do processo (negócios processuais, art. 190, CPC, e calendário processual, art. 191, CPC). O juiz dirigirá o processo com a incumbência de promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais (art.139, V, CPC). Os conciliadores e mediadores judiciais são auxiliares do juízo cujas atribuições estão disciplinadas nos arts. 165 a 175, CPC.
Ademais, o incentivo às formas consensuais de resolução de conflitos foi regulamentada pelo próprio código, especialmente nos arts. 165 a 175. Tais disposições devem ser vistas de forma positiva pela doutrina e jurisprudência, uma vez que ser indiscutível que é a melhor forma de fomentar a pacificação social, desafogando o Poder Judiciário, que passará a funcionar de forma mais célere e adequada.
Outro ponto que merece destaque é que não se pode condicionar este direito a qualquer exigência que inviabilize o acesso ao Poder Judiciário[10], ressalvada a previsão contida no art. 217, §1o, da Constituição Federal, que prevê expressamente a necessidade de esgotamento das vias da Justiça Desportiva como condição para intentar o órgão jurisdicional.
Entretanto, cumpre salientar que o Pretório entende adequado o prévio requerimento administrativo como condição indispensável a demonstração do interesse de agir[11], inclusive em entendimento fixado em Repercussão Geral, vejamos:
Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E INTERESSE EM AGIR. 1. A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o art. 5º, XXXV, da Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso haver necessidade de ir a juízo. 2. A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas. 3. A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado. 4. Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo – salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração –, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão. 5. Tendo em vista a prolongada oscilação jurisprudencial na matéria, inclusive no Supremo Tribunal Federal, deve-se estabelecer uma fórmula de transição para lidar com as ações em curso, nos termos a seguir expostos. 6. Quanto às ações ajuizadas até a conclusão do presente julgamento (03.09.2014), sem que tenha havido prévio requerimento administrativo nas hipóteses em que exigível, será observado o seguinte: (i) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito; (ii) caso o INSS já tenha apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse em agir pela resistência à pretensão; (iii) as demais ações que não se enquadrem nos itens (i) e (ii) ficarão sobrestadas, observando-se a sistemática a seguir. 7. Nas ações sobrestadas, o autor será intimado a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção do processo. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado a se manifestar acerca do pedido em até 90 dias, prazo dentro do qual a Autarquia deverá colher todas as provas eventualmente necessárias e proferir decisão. Se o pedido for acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis ao próprio requerente, extingue-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o interesse em agir e o feito deverá prosseguir. 8. Em todos os casos acima – itens (i), (ii) e (iii) –, tanto a análise administrativa quanto a judicial deverão levar em conta a data do início da ação como data de entrada do requerimento, para todos os efeitos legais. 9. Recurso extraordinário a que se dá parcial provimento, reformando-se o acórdão recorrido para determinar a baixa dos autos ao juiz de primeiro grau, o qual deverá intimar a autora – que alega ser trabalhadora rural informal – a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado para que, em 90 dias, colha as provas necessárias e profira decisão administrativa, considerando como data de entrada do requerimento a data do início da ação, para todos os efeitos legais. O resultado será comunicado ao juiz, que apreciará a subsistência ou não do interesse em agir. (STF - RE 631240, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/09/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-220 DIVULG 07-11-2014 PUBLIC 10-11-2014)
No mesmo sentido, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema, em sede de recurso repetitivo representativo da controvérsia:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. NECESSIDADE.CONFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR AO QUE DECIDIDO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DO RE 631.240/MG, JULGADO SOB A SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL.
1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 631.240/MG, sob rito do artigo 543-B do CPC, decidiu que a concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento administrativo, evidenciando situações de ressalva e fórmula de transição a ser aplicada nas ações já ajuizadas até a conclusão do aludido julgamento (03/9/2014).
2. Recurso especial do INSS parcialmente provido a fim de que o Juízo de origem aplique as regras de modulação estipuladas no RE 631.240/MG. Julgamento submetido ao rito do artigo 543-C do CPC. (STJ - REsp 1369834/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/09/2014, DJe 02/12/2014)
2. PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO (ART.4o DO CPC/15[12]).
No texto constitucional, previsão análoga foi introduzida pela Emenda Constitucional 45/2004, deixando expresso e claro que o processo deve ser desenvolvido durante um tempo razoável, sem descuidar dos demais princípios e garantias constitucionais e processuais.
Não se pode olvidar que, por muitos anos, o processo civil no Brasil, perdurando aos dias atuais, é deveras moroso, enfraquecendo a efetividade jurisdicional e prejudicando a efetividade dos direitos fundamentais, criando situações ilegais e frequentemente injustas[13].
As mudanças legislativas, ainda sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, tentaram constantemente prestigiar a idéia de celeridade, apesar de nem sempre ser possível.
Assim, o princípio da duração razoável do processo teve como fundamental importância a adoção, além de um modelo efetivo e adequado, da necessidade que essa prestação seja célere. Tal princípio vincula as partes[14], os magistrados, e o legislador que deve criar mecanismos legais para impedir dilações indevidas[15].
Neste diapasão, bastante elucidativa a explanação de Alexandre Freitas Câmara[16]:
A solução da causa deve ser obtida em tempo razoável (art. 4o do CPC; art. 5o, LXXVIII, da Constituição da República), aí incluída a atividade necessária à satisfação prática do direito (o que significa dizer que não basta obter-se a sentença em tempo razoável, devendo ser tempestiva também a entrega do resultado na eventual atividade executiva). A garantia da duração razoável do processo deve ser compreendida, então, de forma panorâmica, pensando-se na duração total do processo, e não só no tempo necessário para se produzir a sentença do processo de conhecimento.
Entretanto, deve-se salientar que, quanto às dilações devidas estas também englobam as garantias processuais, tendo em vista que existe uma demora natural durante o processo, principalmente quanto há uma intensa necessidade de dilação probatória[17].
Assim, a análise, na maioria das vezes, deve ser feita de forma casuística, levando-se em consideração o princípio da razoável duração do processo, mas durante o tempo necessário para a adequada realização da pretensão deduzida em juízo.
4. PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO (ART. 7o DO NCPC[18]).
O princípio do contraditório está expressamente previsto no art. 5o, LV, da Constituição Federal, assegurando aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Apenas com a Constituição Federal de 1988, o contraditório deixou de ser apenas previsto para o processo penal, passando a alcançar os processos judiciais e administrativos, ampliando, assim, a sua abrangência.
Em uma visão moderna, o princípio do contraditório deve ser dividido em duas dimensões: formal e material. No primeiro caso, deve-se garantir às partes o direito de participação no processo. Por sua vez, a dimensão material se consubstancia na possibilidade de influência nas decisões proferidas pelo julgador.
Há de se concluir, consequentemente, que as partes devem ser devidamente intimadas dos atos, bem como deve ser aberta a possibilidade de resposta. No entanto, basta que se dê oportunidade concreta de reação, sendo ônus processual da parte a efetiva efetividade deste direito.
Em outras palavras, a realização do contraditório exige uma igualdade real entre as partes para que as reações possam igualar as posições processuais (princípio da paridade das armas[19]).
Por sua vez, a dimensão substancial do contraditório, decorre a impossibilidade do julgador decidir, mesmo no caso de questões de ordem pública, sem passar a matéria pelo contraditório[20], consoante o artigo 10 do Código de Processo Civil, ao dispor que o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.
Esse artigo foi positivado com o intuito de evitar uma tendência nefasta dos julgadores em decidir questões de ofício, mesmo que não tenha havido discussão prévia entre as partes, violando frontalmente o princípio do contraditório.
Discorrendo acerca do tema de maneira deveras elucidativa, Alexandre Freitas Câmara[21] afirma que:
A decisão judicial, portanto, precisa ser construída a partir de um debate travado entre os sujeitos participantes do processo. Qualquer fundamento ou decisão precisa ser submetido ao crivo do contraditório, sendo assegurada a oportunidade para que as partes se manifestem sobre qualquer possível fundamento. Isso se aplica, inclusive, às matérias cognoscíveis de ofício (como, por exemplo, a falta de legitimidade ou de interesse). Ser de ordem pública alguma matéria significa que pode ela ser apreciada de ofício, isto é, independentemente de ter sido suscitada por alguma das partes. Quer isto dizer, porém, que essas são matérias que o juiz está autorizado a suscitar, trazer para o debate.
Autorização para conhecer de ofício, porém, não é autorização para decidir sem prévio contraditório. As questões de ordem pública, quando não deduzidas pelas partes, devem ser suscitadas pelo juiz, que não poderá sobre elas pronunciar-se sem antes dar oportunidade às partes para que se manifestem sobre elas.
Essa vedação também deve ser seguida e observada no âmbito recursal, nos termos expostos no Novo Código de Processo Civil:
Art. 933. Se o relator constatar a ocorrência de fato superveniente à decisão recorrida ou a existência de questão apreciável de ofício ainda não examinada que devam ser considerados no julgamento do recurso, intimará as partes para que se manifestem no prazo de 5 (cinco) dias.
§ 1º Se a constatação ocorrer durante a sessão de julgamento, esse será imediatamente suspenso a fim de que as partes se manifestem especificamente.
§ 2º Se a constatação se der em vista dos autos, deverá o juiz que a solicitou encaminhá-los ao relator, que tomará as providências previstas no caput e, em seguida, solicitará a inclusão do feito em pauta para prosseguimento do julgamento, com submissão integral da nova questão aos julgadores.
Supracitado dispositivo legal é de clareza solar, referindo-se tanto aos fatos supervenientes quanto a questo?es que podem ser apreciadas de ofício pelo tribunal. Assim sendo, o relator, para poder decidir com base em qualquer dessas situações, deve, primeiramente, intimar as partes para que se manifestar a seu respeito.
Deve-se consignar que, caso a constatação de tais fatos seja observada durante a sessão de julgamento, esta deverá ser suspensa, a fim de garantir o direito ao contraditório, oportunizando o prazo de 5 (cinco) dias para manifestação.
5. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE DOS ATOS PROCESSUAIS (ART. 11 DO CPC/2015)
Por sua vez, outro princípio expressamente referido como norma fundamental do processo civil é o da publicidade, levando-se em consideração que em um Estado Democrático de Direito a publicidade dos atos do poder público deve ser sempre a regra, inclusive no que tange às demandas judiciais.
A Constituição Federal, de índole democrática, expressamente consagra-o[22], sendo igualmente notabilizado pelo Novo Código de Processo Civil[23].
Rui Portanova, ao se debruçar sobre tal princípio, sustenta fazer parte da essência de um processo a sua publicidade, razão pela qual pontua que a abertura para o conhecimento público dos atos não é uma qualidade só do processo, mas de todo e qualquer sistema de direito que não se embase na força, na exceção e no autoritarismo. A democracia não se compraz com o secreto, com o que não é notório[24]. (Portanova, Rui. Princípios do Processo Civil. 7ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, pág. 167)
O princípio da publicidade pode ser definido, assim, como uma garantia e controle do processo, permitindo que a sociedade como um todo exerça uma vigilância sobre o conteúdo dos atos processuais. A exceção figura nos casos em que o processo tramita em segredo de justiça (art. 189), sendo possível limitar o acesso ao ato processual às partes e seus procuradores, como também ao Ministério Público[25].
Duas são as funções deste princípio, quais sejam: proteção das partes contra juízos arbitrários e permissão do controle da opinião pública sobre o exercício da atividade jurisdicional.
Impende destacar, porém, as críticas feitas pelo professor Daniel Amorim Assumpção Neves[26] ao questionar, por exemplo, se os demais atos processuais, que não constituem em julgamento, seriam, em regra, públicos, ou se o acesso aos autos também deveria ser regido pelo referido princípio. Sob esse prisma, tece algumas considerações que merecem destaque:
“O tema da publicidade mitigada é previsto no art. 189 do Novo CPC. Infelizmente, já no caput do dispositivo legal encontra-se a equivocada expressão ‘segredo de justiça’, repetida no art. 11, parágrafo único. Ainda que se trate de expressão consagrada, não existe justiça em segredo, perdendo o legislador uma excelente oportunidade de extirpar a incorreta expressão do Código de Processo Civil. As hipóteses de ‘segredo de justiça’ são na realidade hipóteses de publicidade mitigada e assim deveriam ser chamadas pela legislação que versa sobre o tema. (...). Segundo o parágrafo único do art. 11 do Novo CPC, nos casos de segredo de justiça, pode ser autorizada, nos julgamentos o princípio da publicidade. Na realidade, mesmo tramitando em ‘segredo de justiça’, as partes, seus advogados ou defensores públicos e, quando for o caso, o Ministério Público, terão acesso a todos os atos do processo, e não só aos julgamentos. (...)."
No que pertine à publicidade em processos eletrônicos, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução nº 121/2010, com redação alterada pela Resolução nº 143/2011, com o escopo de dar efetividade ao § 6º do art. 11, da Lei nº 11.419/2006.
Em arremate, e apenas a título de ilustração, segue jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a respeito do supramencionado princípio:
“EMENTA: Embargos de declaração em recurso extraordinário com agravo. (...). Cabimento de embargos de declaração. 3. Plenário Virtual. Publicidade e motivação – art. 93, IX, CF. O julgamento pelo Plenário Virtual tem suficiente publicidade e produz decisões motivadas. Sistemática semelhante àquela do Plenário físico. (...) 9. Embargos de declaração rejeitados. (STF, ARE 859251 ED, Relator (a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22/10/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-222 DIVULG 06-11-2015 PUBLIC 09-11-2015)
6. CONCLUSÃO
Como se observa, tendo sido construído a partir de um modelo estabelecido pela Constituição Federal, o processo civil brasileiro é disciplinado pelos princípios constitucionais apresentados no decorrer deste ensaio, cujo rol, ressalte-se, não é exaustivo, em razão de existir outras normas fundamentais da Lei Adjetiva Civil que não estão consagradas de maneira expressa nos doze primeiros artigos do novo código.
Ademais, foi essa tendência da constitucionalização do direito processual que fez com que o legislador importasse para o Código de Processo Civil princípios e normas já elencadas na Constituição Federal, como os princípios acima destacados, razão pela qual a reunião destes em um capítulo específico do novo Código de Processo Civil veio facilitar a sua aplicação pelos operadores do direito, principalmente levando-se em consideração que tais princípios irão orientar a prática dos atos processuais dirigidos às partes, aos magistrados e a terceiros.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bastos, A. F. (2016). Novo Código de Processo Civil - Temas Inéditos, Mudanças e Supressões. Salvador: JusPODIVM.
Branco, G. F. (2015). Curso de Direito Constitucional 10ed. São Paulo: Saraiva.
Bulos, U. L. (2015). Curso de Direito Constitucional. São Paulo : Saraiva.
Câmara, A. F. (2016). O Novo Código de Processo Civil Brasileiro - 2ª Edição. São Paulo: Atlas.
Dellore, F. T. (2015). 1001 Dicas sobre o Novo CPC. São Paulo: Foco.
Fernandes, B. G. (2015). Curso de Direito Constitucional. Salvador: JusPODIVM.
Filho, M. M. (2015). Novo Código de Processo Civil - Modificações Substanciais. São Paulo: Atlas.
Humberto Theodo Júnior, D. N. (2015). NOVO CPC - Fundamentos e Sistematização. Rio de Janeiro: Atlas.
JR, F. D. (2015). Curso de Direito Processual Civil - Vol I - Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Conhecimento. Salvador: JusPODIVM.
Júnior, H. T. (2016). Curso de Direito Processual Civil - Volume I. Rio de Janeiro: Forense.
Medina, J. M. (2016). Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais.
Nery, N. N. (2015). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais.
Neves, D. A. (2015). Novo CPC - Código de Processo Civil - Inovações, Alterações e Supreções. São Paulo: Método.
Neves, D. A. (2016). Manual de Direito Processual Civil. Salvador: JusPODIVM.
Novelino, M. (2016). Curso de Direito Constitucional. Salvador : JusPODIVM.
Portanova, R. (2008). Princípios do Processo Civil. Porto alegre: Livraria do Advogado.
[1] A parte geral apresenta em seus primeiros 12 artigos as premissas normativas que servem de base a construção de um sistema unitário que deve sempre ser interpretado a partir do formalismo constitucional democrático embasado nos direitos fundamentais processuais. (Novo CPC – Fundamentos e Sistematização. Humberto Theodoro Júnior, Dierle Nunes, Alexandre Melo Franco Bahia e Flávio Quinaud Pedron. Ed. Forense. Rio de Janeiro 2015, p.22)
[2] O neoconstitucionalismo como modelo axiológico de constituição normativa reconhece, no panorama do constitucionalismo atual, a existência de constituições invasoras, as quais impregnam os ordenamentos de normas constitucionais, promovendo o fenômeno da constitucionalização do direito. (...)
Seria, melhor dizendo, uma constituição extremamente invasora, que se mistura com todos os assuntos e setores da vida política, social, econômica, cultural, religiosa e jurídica do Estado, condicionando a atividade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. (Curso de Direito Constitucional. Uadi Lammêgo Bulos. Ed. Saraiva. São Paulo, 2015, p.81)
[3] (Curso de Direito Processual Civil – Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de Conhecimento. Ed. JusPODIVM. Salvador, 2015, p 48)
[4] Art. 3o Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.
[5] Para conferir maior efetividade a este princípio, a Constituição assegurou a assistência judiciária integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (CF, art.5o, LXXIV), além de garantir a gratuidade das ações de habeas corpus e habeas data e, na forma da lei, dos atos necessários ao exercício da cidadania (CF, art. 5o, LXXXII). NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional conforme o Novo CPC. 13ª. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016. p. 411)
[6] § 1o É permitida a arbitragem, na forma da lei.
[7] § 2o O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.
[8] § 3o A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
[9] (Novo Código de Processo Civil Comentado. Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2015, p.97)
[10] Súmula 667 do Supremo Tribunal Federal: “Viola a garantia constitucional de acesso à jurisdição a taxa judiciária calculada sem limite sobre o valor da causa”.
[11] Mais uma vez devem ser levadas em conta a diferença da inafastabilidade da jurisdição e a necessidade de o autor ter interesse de agir representado pela existência de lide.
[12] Art. 4o As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.
[13] É evidente que sem efetividade, no concernente ao resultado processual cotejado com o direito material ofendido, não se pode pensar em processo justo. Não sendo rápida a resposta do juízo para a pacificação do litígio, a tutela não se revela efetiva. Ainda que afinal se reconheça e proteja o direito violado, o longo tempo em que o titular, no aguardo do provimento judicial, permaneceu privado do bem jurídico, sem razão plausível, somente pode ser visto como uma grande injustiça. (JÚNIOR, H. T. Curso de Direito Processo Civil – Volume I. Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2015, p.94)
[14] EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL.ACLARATÓRIOS QUE PRETENDEM, NOVAMENTE, A REDISCUSSÃO DO MÉRITO PLEITO MANIFESTAMENTE INCABÍVEL. ATENTADO AO DIREITO DE RECORRER E À JURISDIÇÃO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ CONFIGURADA. ARTS. 17, VII, C/C ART. 18, CAPUT E § 2º, DO CPC. EMBARGOS PROTELATÓRIOS REINCIDENTES. MULTA DO ART. 538, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO. EMBARGOS NÃO CONHECIDOS, COM APLICAÇÃO DE MULTA E CERTIFICAÇÃO DO TRÂNSITO EM JULGADO.
1. Configura afronta ao exercício da jurisdição e aos princípios democráticos de acesso à Justiça e de razoável duração do processo - contempt of court, as repetidas e infundadas insurgências recursais, devendo ser contida essa prática com os recursos previstos em lei.
2. Sendo manifestamente incabíveis os quatro aclaratórios já opostos, todos rejeitados ou não conhecidos, tem-se por caracterizada a litigância de má-fé, nos termos do art. 17, VII, devendo ser aplicada a multa e a indenização à parte embargada, nos termos do art. 18, além da multa por embargos protelatórios, na forma do do art. 538, parágrafo único, todos do CPC.
3. Adequada - e saudável à higidez da relação processual e ao exercício da jurisdição - a certificação do trânsito em julgado da última decisão proferida à luz da legítima pretensão recursal.
4. Embargos de declaração não conhecidos, com aplicação de multa e certificação do trânsito em julgado. (EDcl nos EDcl nos EDcl no AgRg nos EDcl no AgRg no AREsp 231.704/CE, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 20/08/2015, DJe 28/08/2015) (destaques acrescidos)
[15] Há que se ter em vista o princípio constitucional da razoável duração do processo, de modo que não há como prestigiar formalidade que se mostra prescindível. (AgRg no CC 140.409/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 25/11/2015, DJe 01/02/2016)
[16] (O Novo Código de Processo Civil Brasileiro. Ed. Atlas, São Paulo, 2016, p. 8)
[17] O que a Constituição e novo Código determinam é a eliminação do tempo patológico - a desproporcionalidade entre duração do processo e a complexidade do debate da causa que nele tem lugar. O direito ao processo justo implica direito ao processo sem dilações indevidas, que se desenvolva temporalmente dentro de um tempo justo. (MARINONI, Luiz. Novo Código de Processo Civil Comentado. Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2015, p. 97)
[18] Art. 7o É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.
[19] Hoje, o contraditório é entendido como simétrica paridade das partes na preparação do provimento. Por isso mesmo, importante ter em mente que o contraditório é garantia das partes, ou seja, daqueles a quem se destinam os eleitos do provimento. Sua inobservância representa causa de nulidade, de modo que deve ser sempre observado. (Fernandes, B. G. Curso de Direito Constitucional. 7ed. Salvador: Editora JusPODIVM, 2015, p. 449)
[20] A garantia do contraditório, no entanto, é mais ampla, e compreende também o direito de influir decisivamente nos destinos do processo. Há, pois, o direito de ser ouvido, de se manifestar, e de ter suas manifestações levadas em consideração. Veda-se, nesse contexto, a prolação de decisões surpresa para as partes, disso tratando o art. 10 do NCPC. (Medina, J. M. G. Novo Código de Processo Civil Comentado. 1ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 28)
[21] Câmara, A. F. (2016). O Novo Código de Processo Civil Brasileiro - 2ª Edição. São Paulo: Atlas, p. 10.
[22] Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
(…)
IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;
[23] Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.
Parágrafo único. Nos casos de segredo de justiça, pode ser autorizada a presença somente das partes, de seus advogados, de defensores públicos ou do Ministério Público.
[24] (PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. 7ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, p. 167)
[25] Os julgamentos realizados pelo Poder Judiciário serão Públicos, salvo quando a lei, no interesse público, determinar o contrário. Neste caso, a publicidade do ato ficará restrita às partes e seus procuradores. (Nery, 2015, p. 220)
[26] (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil. 2ª ed. rev e atual., Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2015, pág. 13).
bacharel em Direito pela Universidade Potiguar - UNP, Pós-graduada pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Norte - FESMP, Curso de Aperfeiçoamento na Área de Direito Público. Atualmente é Auxiliar Judiciária no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERNANDES, Ana Beatriz Gomes. Análise dos principais aspectos dos princípios constitucionais elencados pelo Código de Processo Civil de 2015 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 maio 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46570/analise-dos-principais-aspectos-dos-principios-constitucionais-elencados-pelo-codigo-de-processo-civil-de-2015. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Por: PRISCILA GOULART GARRASTAZU XAVIER
Precisa estar logado para fazer comentários.