RESUMO: A inversão do ônus da prova foi inserido no Novo Código de Processo Civil levando-se em consideração o princípio da isonomia e da cooperação processual em busca da verdade real, facilitando assim, maior acesso à justiça. Tal inovação refletirá na Justiça do Trabalho, pois será aplicada subsidiariamente.
Palavras-chave: Novo Código de Processo Civil. Direito Processual do Trabalho. Inversão do Ônus da Prova. Princípio da Isonomia e cooperação processual.
INTRODUÇÃO
O presente artigo fará reflexões acerca da inversão do ônus da prova à luz do Novo Código de Processo Civil (NCPC) - Lei nº 13.105 de 16 março de 2015, considerando as mudanças e seus reflexos no Direito Processual Trabalhista.
A prova, no âmbito do direito processual, é o meio utilizado para a demonstração da veracidade dos fatos controvertidos. A regra geral dispõe que os fatos devem ser provados, exceto em alguns casos como dispõe o art. Art. 374, do NCPC, quais sejam: os notórios, aqueles afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária, os admitidos no processo como incontroversos e, em cujo favor, milita presunção legal de existência ou de veracidade.
Tanto no Código de Processo Civil como no Processo do Trabalho, o ônus de provar as alegações incumbe à parte que as fizer. Entretanto, essa regra geral pode ser flexibilizada pelo Novo Código de Processo Civil, com vigência a partir de 16 de março de 2016, que trouxe algumas inovações acerca do ônus da prova, com aplicação subsidiária no Processo do Trabalho, que serão vistas ao longo do presente trabalho.
POSITIVAÇÃO DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E SEUS REFLEXOS NA JUSTIÇA DO TRABALHO
Entende-se que ônus da prova refere-se à responsabilidade atribuída à parte de confirmar as alegações contidas na manifestação processual, que pode ser na petição inicial ou na contestação.
O ônus da prova era regido pela regra estática e, nos termos do inciso I do art. 333, do CPC/1973, como regra, caberia ao autor provar o fato constitutivo do seu direito, e ao réu, os fatos modificativos, extintivos e impeditivos do direito do autor. Sendo assim, cada uma das partes tinha o conhecimento prévio em relação a quais fatos deveria atuar em termos probatórios.
No entanto, tal teoria, por vezes, gerava situações de injustiça, pois a parte hipossuficiente, muitas das vezes, não tinha como provar o fato constitutivo acerca do seu direito.
O Novo Código de Processo Civil, Lei nº 13.105/2015, que passou a vigorar em março de 2016, abrandou o sistema estático do ônus da prova ao consagrar expressamente a aplicação do sistema de distribuição dinâmica do ônus da prova, que consiste na possibilidade do magistrado de modificar a distribuição desse encargo, conforme as peculiaridades do caso concreto. Assim, é possível restabelecer eventual desequilíbrio das condições probatórias entre as partes, fazendo com que o encargo probatório dos fatos discutidos recaia sobre a parte que tenha mais facilidade para produzir a prova.
A teoria da inversão do ônus da prova foi positivada no Código de Defesa do Consumidor, expressa no art. 6º, inciso VIII, que defere ao magistrado a prerrogativa de inverter o ônus da prova nas ações de consumo, quando for revelada a hipossuficiência do consumidor, bem como a verossimilhança da alegação. Essa necessidade vem sendo percebida há algum tempo, tanto pela Justiça Comum, quanto pela Justiça do Trabalho. Percebendo, na prática, a dificuldade de realização de provas considerando as regras estáticas atinentes à distribuição do ônus das provas entre as partes, tanto a doutrina, como a jurisprudência no Direito do Trabalho vinham admitindo, em alguns casos, a inversão desse encargo, transferindo a prova, que seria do trabalhador, para o empregador, levando-se em consideração a proteção do hipossuficiente. Como exemplo, podem ser citadas algumas súmulas do TST sobre a inversão do ônus probandi: Súmula 6, inciso VIII, 16, 212, 254, 338, dentre outras. Ainda, decisões adotam a teoria da aplicação dessa distribuição dinâmica, in verbis:
EMENTA: INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. TÉCNICA DE JULGAMENTO CONSENTIDA PELA DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA. ATIVAÇÃO JUNTO AO DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO. A despeito da natural disparidade de forças que existe entre empregado e empregador, na maioria dos feitos processados perante esta Justiça Especializada, a norma processual do trabalho que trata da distribuição do ônus da prova não contempla expressamente a possibilidade da inversão do ônus da prova. Embora haja sua positivação em outros diplomas processuais, assim não ocorre entre nós. Isso, no entanto, não a afasta do Direito Processual do Trabalho. E, assim, a Justiça do Trabalho não está impedida de se valer dessa técnica de julgamento, podendo utilizá-la sempre que a distribuição dinâmica do ônus da prova assim recomendar. Sua aplicação encontra sólido suporte doutrinário e jurisprudencial, pelo que seu uso é não só possível, mas também recomendável, como imperativa medida de justiça. (00235-2009-063-03-00-4 RO, 6ª T., TRT 3ª R., Rel.: Convocado Vitor Salino de Moura Eça, in DeJT 6/12/10, g.o.)
Sendo assim, o juiz poderá inverter o ônus da prova do fato constitutivo, facilitando, assim, a busca pela verdade real e, consequentemente, o maior acesso à justiça por meio da cooperação procedimental.
O princípio da cooperação, importado do Direito europeu, seria o produto da atividade cooperativa entre o juiz ativo no centro das controvérsias e a participação ativa das partes, por meio da efetivação do caráter isonômico entre os sujeitos do processo, com vistas a neutralizar as desigualdades entre as partes. Assim, como já dizia Aristóteles, tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades. É essa a lógica que fundamenta a inversão do ônus da prova (DONIZETTI, 2016).
Nesse sentido, utiliza-se nada mais do que uma cooperação processual, de atribuir o ônus à parte que tenha melhores condições de produzi-la, pois o ônus probatório é um dever processual, uma necessidade para a formação da convicção do magistrado, sendo um dever de colaboração com o judiciário na descoberta dos fatos, conforme explícito art. 378, do NCPC “Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade.” Esse artigo é reflexo da regra geral expressa no art 6º, segundo o qual “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.”
Segundo artigo 818 da CLT, a prova das alegações incumbe à parte que as fizer, com aplicação subsidiária do 373 do novo CPC ( Lei nº 13.105/2015). Ou seja, o ônus da prova incube ao autor a demonstração dos fatos constitutivos de seu direito, e ao réu, a dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor. No entanto, uma das principais inovações trazidas no NCPC foi a positivação do § 1º, do art. 373, que traz a previsão da aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, com a possibilidade de inversão diante das peculiaridades do caso concreto, in verbis:
Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
§ 1o Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
[...]
Da inteligência do parágrafo primeiro do NCPC, extrai-se que o juiz, percebendo a impossibilidade ou a excessiva dificuldade de uma parte e a maior facilidade de obtenção da prova da outra, poderá atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
Tal artigo se aplica também ao Processo do Trabalho, vez que no art. 15 do NCPC está expresso que, na ausência de normas que regulem processos trabalhistas, as disposições do NCPC serão aplicadas supletiva e subsidiariamente. Tal medida contribuirá para a proteção da parte mais vulnerável e que se encontra em posição de desigualdade na relação jurídica, em razão de sua dificuldade ante a produção de provas, que na maioria das vezes é o obreiro.
O obreiro é parte hipossuficiente não apenas economicamente, mas também probatória, pois, na maior parte dos casos, o empregador é quem controla os meios capazes de demonstrar a veracidade dos fatos.
Contudo, importa salientar que permanece a regra geral da distribuição estática do ônus da prova, conforme exposto no caput e nos incisos I e II, do art 373 do NCPC retromencionado. Sendo assim, as partes iniciam o processo tendo conhecimento de quais fatos devem provar. No entanto, sem dúvida, há um avanço no sentido de que, nos casos peculiares, poderá o magistrado fazer a distribuição diversa da regra geral, qual seja: a inversão do ônus da prova, caso não existam nos autos outras provas suficientes à formação do convencimento a acerca dos fatos alegados pelas partes.
Tal inovação trazida no NCPC proverá grandes contribuições à Justiça do Trabalho, pois sabe-se que o critério da igual distribuição do ônus da prova nem sempre atende as necessidades do processo trabalhista, porque sobrecarrega o empregado que não tem as mesmas condições e facilidade do empregador. Assim, a tendência é redistribuir o ônus da prova com maiores responsabilidades para o empregador, no intuito de igualar as partes processualmente, observada a hipossuficiência do empregado, a sua subordinação ao empregador, entre outros.
Nesse sentido, cabe ao magistrado, no caso concreto, com fundamento na hipossuficiência da parte - geralmente o obreiro - determinar a inversão do ônus da prova, no sentido de se evitar situações que afrontem o princípio da razoabilidade e da isonomia.
O obreiro pode solicitar na petição inicial a inversão do ônus da prova, no entanto pode o magistrado, como parte atuante na direção processual, de ofício, inverter o ônus da prova, independentemente de requerimento da parte.
Na justiça comum, o melhor momento para a inversão é preferencialmente na fase de saneamento do processo. Sendo em outro momento, o magistrado deve assegurar a reabertura de oportunidade concedendo dilação probatória à parte a quem não incumbia inicialmente o encargo. Ocorre que, no Processo do Trabalho, não existe o saneamento do processo. Diferentemente do Processo Civil, o juiz na seara trabalhista toma conhecimento do processo em audiência, através da qual decidirá sobre a quem recairá o ônus da prova bem como sobre a possibilidade ou não da inversão. Entende-se, portanto, que o momento da audiência é, em regra, o momento que são produzidas as provas, ou seja, quando o juiz começa a instrução do processo, conforme o artigo 848, § § 1º e 2º da Consolidação das Leis Trabalhistas.
Mauro Schiavi (2009, p. 525, apud NEVES, 2016) apresenta dois momentos oportunos para aplicação da inversão do ônus probatório na Justiça do Trabalho, quais sejam: antes do início da audiência de instrução e na própria sentença, in verbis:
[...] a fim de resguardar o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, LV, da CF), a inversão do ônus da prova deve ser levada a efeito pelo Juiz do Trabalho antes do início da audiência de instrução, em decisão fundamentada (art. 93, IX, da CF), a fim de que a parte contra a qual o ônus da prova foi invertido não seja pega de surpresa e produza as provas que entende pertinentes, durante o momento processual oportuno.
A inversão do ônus da prova é a possibilidade, em determinadas situações, de o juiz transferir a obrigação de provar que seria do empregado para o empregador, analisando a necessidade de equilibrar a relação trabalhista. Nesse sentido, este encargo no Processo do Trabalho tem como objetivo a modificação da situação de desequilíbrio existente entre os principais sujeitos da relação de emprego, sobretudo no que diz respeito ao trabalhador. No entanto, cabe ressaltar que a inversão do ônus da prova não pode violar o contraditório, impedindo que a parte sucumba em momento sentencial por não ter cumprido ônus que não lhe era devido no início do processo. Situação essa que configuraria afronta ao art. 10 do CPC/2015: “O juiz pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício” (DONIZETTI, 2016).
O Código também possibilita, em seu art. 373, parágrafo 3º, que a distribuição diversa do ônus da prova pode ocorrer por mera convenção das partes, só não podendo fazê-la quando essa prova recair sobre direito indisponível da parte ou tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A prova é um meio processual que visa elucidar da verdade real para uma decisão de mérito justa e efetiva. O ônus da prova é um encargo, direcionado às partes, de produzir as provas pertinentes a convalidar alegações feitas em juízo.
A distribuição dinâmica do ônus da prova decorre dos princípios da igualdade e da cooperação entre os sujeitos do processo. Desse modo, deve o juiz aplicar esta nova regra analisando o caso concreto e suas peculiaridades, de forma a afastar injustiças, mas sem prejudicar a produção probatória para uma das partes.
O juiz, em decorrência dos seus poderes instrutórios, há de ter uma atuação intensa para a produção de provas, as quais embasarão, no momento da prolação da sentença, a formação de sua convicção e garantindo, assim, a prestação jurisdicional. Portanto, verificada a necessidade, o juiz pode e deve inverter o ônus probatório, dependendo do caso concreto, mantendo assim a efetivação da Justiça.
Diante do exposto, portanto, no Processo do Trabalho, a redistribuição do ônus da prova se faz necessária, levando-se em consideração que a prova para o obreiro é mais penosa e quase inatingível em certas circunstâncias. Então, se o obreiro não conseguir provar o alegado, o juiz, analisando o caso concreto, poderá transportar o ônus para o empregador que, não o provando, poderá ser admitido como verdadeiro.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Código de Processo Civil. Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 24 de mar. 2016.
DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 19 ed. Revisada e reformulada conforme o Novo CPC – Lei 13.105, de 16 de março de 2015 e atualizada de acordo com a Lei 13.256, de 04 de fevereiro de 2016 – São Paulo: Atlas, 2016.
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Mestre em ciências ambientais pela universidade federal fluminense. Graduada em direito pela universidade Salgado de Oliveira - Juiz de Fora - MG<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RINCO, Rosemay Martins. A distribuição do ônus da prova no processo do trabalho à luz do novo Código de Processo Civil - Lei Nº 13.105/15 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 maio 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46592/a-distribuicao-do-onus-da-prova-no-processo-do-trabalho-a-luz-do-novo-codigo-de-processo-civil-lei-no-13-105-15. Acesso em: 22 nov 2024.
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