Resumo: No presente artigo foram abordados, inicialmente, aspectos relevantes sobre o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional e a sua importância para facilitação do acesso à justiça. Em seguida, foram suscitadas questões atinentes à solução consensual dos conflitos e à adoção da autocomposição, consoante o artigo 3º da Lei nº 13.105/2015. Por fim, buscou-se, de maneira não exaustiva, explicitar dispositivos do novo Código de Processo Civil que consagram o acesso à justiça por meio da adoção da simplificação dos procedimentos e da cooperação processual.
Palavras-chave: Novo Código de Processo Civil. Princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional. Acesso à justiça. Autocomposição. Princípio da cooperação.
Sumário: Introdução; 1- O princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional e a problemática do acesso à justiça; 2- Apontamentos sobre o artigo 3º do novo Código de Processo Civil; 3- Outros aspectos do acesso à justiça sob a ótica do Novo Código de Processo Civil; Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO
O princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, consagrado no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, e no art. 3º do novo Código de Processo Civil, Lei nº 13.105/2015, impede que seja excluída da apreciação jurisdicional a ameaça ou lesão a direito.
Função louvável desse princípio é a de contribuir para facilitação do acesso à justiça, pois o seu objetivo principal é garantir que as pessoas que possuem pretensões em relação a um determinado bem jurídico possam ingressar em juízo, ter seus argumentos e pedidos apreciados e corretamente julgados de maneira célere, efetiva e adequada, permitindo, assim, o alcance da justiça do ponto de vista social.
A entrada em vigor do novo Código de Processo Civil consagra a busca pela facilitação do acesso à justiça a partir da interpretação do direito processual à luz da Constituição Federal e da solução consensual dos conflitos, seja durante o processo ou em um momento prévio, inclusive mediante a adoção de meios alternativos para resolução das lides, como a conciliação e a mediação.
Nesse sentido, o presente artigo visa demonstrar, de maneira não exaustiva, as ideias adotadas pelo atual Diploma Processual Civil que expressam uma mudança de paradigma com o escopo de garantir a prestação de uma tutela célere, efetiva e adequada, por meio da pacificação social e calcada na boa-fé e no princípio da cooperação processual.
1- O princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional e a problemática do acesso à justiça.
Princípios são “preceitos fundamentais que dão forma e caráter aos sistemas processuais” (Cintra, Dinamarco, Grinover, 2004, p. 50). Esses preceitos possuem notável relevância, uma vez que compõem, juntamente com as normas, o alicerce que confere legitimidade e autenticidade ao ordenamento jurídico.
O artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, preleciona que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Tal dispositivo constitucional consagra o princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional “segundo o qual o Judiciário pode ser invocado, por quem quer que seja, para exercer o poder jurisdicional, sempre que houver lesão ou ameaça de lesão a direito subjetivo (inciso XXXV do art. 5°)” (Bernardes, Ferreira, 2015, p. 135).
Para Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero “o direito à tutela jurisdicional deve ser analisado no mínimo sob três perspectivas: (i) do acesso à justiça; (ii) da adequação da tutela; e (iii) da efetividade da tutela” (2012, p. 628).
Nesse sentido, esclarecem os citados doutrinadores que o acesso à justiça relaciona-se à amplitude da prestação jurisdicional, na qual está inserida a tutela de direitos individuais, de direitos coletivos e o controle de atos administrativos.
Além disso, essa abrangência também está atrelada ao momento adequado para a propositura da ação, que, em regra, não se vincula ao esgotamento prévio de outras instâncias, e, por fim, ao custo financeiro do processo, que será gratuito apenas aos que comprovarem insuficiência de recursos, nos termos do art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal de 1988.
Ressalte-se que o princípio em tela não impõe aos órgãos judiciais a obrigatoriedade da análise do mérito de todas as questões que lhes sejam deduzidas ou a apreciação de pretensões que não alberguem interesses legítimos e reais, afigurando-se, portanto, relativo.
Sobre o assunto, Fredie Didier Jr. aduz que:
“Quando a Constituição fala de exclusão de lesão ou ameaça de lesão do Poder Judiciário quer referir-se, na verdade, à impossibilidade de exclusão de alegação de lesão ou ameaça, tendo em vista que o direito de ação (provocar a atividade jurisdicional) não se vincula à efetiva procedência do quanto alegado; ele existe independentemente da circunstância de ter o autor razão naquilo que pleiteia; é o direito abstrato” (2010, p. 2015).
Ademais, o princípio da inafastabilidade da jurisdição garante não apenas o acesso à justiça, mas também a prestação de uma tutela célere, efetiva e adequada.
Nesse contexto, o novo Código de Processo Civil, Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, em vigor desde 18 de março de 2016, consagra, nos termos do artigo 1º, a aproximação entre a Constituição e o direito processual, ao dispor que esse ramo da ciência jurídica será interpretado, disciplinado e ordenado conforme as normas e valores estabelecidos na Constituição Federal.
Daniel Amorim Assumpção Neves ensina que a visão moderna do princípio da inafastabilidade está assentada em quatro ideias principais, quais sejam: a ampliação do acesso ao processo, o respeito ao devido processo legal, mediante a observância do contraditório, a justiça e a eficácia da decisão proferida.
Cumpre transcrever as palavras do professor acerca dessas ideias:
“Em primeiro lugar, deve-se ampliar o máximo possível o acesso ao processo, permitindo-se que eventuais obstáculos sejam mínimos, senão inexistentes. Esse amplo acesso cresce em importância quando referente ao aspecto econômico da demanda e aos direitos transindividuais.
(...)
Uma vez ampliado o acesso, deve-se observar o respeito ao devido processo legal, em especial a efetivação do contraditório real e do princípio da cooperação. Significa dizer que as partes devem desempenhar um papel fundamental durante o processo, com ampla participação e efetiva influência no convencimento do juiz. De nada adiantará a ampliação do acesso se tal participação não for incentivada e respeitada no caso concreto. Essa ampla participação pode ser obtida por intermédio de um contraditório participativo, mediante o qual o juiz mantenha um diálogo permanente e intenso com as partes, bem como por meio do contraditório efetivo, sendo as participações das partes aptas a influenciar a formação do convencimento do juiz.
(...)
Amplia-se o acesso, permite-se a ampla participação, mas profere-se uma decisão injusta. É fácil perceber que nesse caso tanto o acesso como a ampla participação não levaram as partes a lugar algum. Em razão disso, a terceira “viga mestra” é a decisão com justiça, ainda que o conceito de justiça seja indeterminado, suscetível de certa dose de subjetivismo. O que se pode afirmar, com segurança, é que a missão de decidir com justiça não significa a permissão de julgamento por equidade, espécie de julgamento reservado às situações excepcionais, expressamente previstas em lei (art. 140, parágrafo único, do Novo CPC). Trata-se de preferir a interpretação mais justa diante de várias possíveis, ou, ainda, de aplicar a lei sempre se levando em consideração os princípios constitucionais de justiça e os direitos fundamentais.
Por fim, de nada adiantará ampliar o acesso, permitir a ampla participação e proferir decisão com justiça, se tal decisão se mostrar, no caso concreto, ineficaz. O famoso “ganhou, mas não levou” é inadmissível dentro do ideal de acesso à ordem jurídica justa. A eficácia da decisão, portanto, é essencial para se concretizar a promessa constitucional de inafastabilidade da jurisdição. A questão da eficácia pode ser enfrentada por três diferentes perspectivas.
Na primeira, a necessidade de tutela de urgência ampla, de forma a afastar concretamente o perigo da ineficácia representado pelo tempo necessário à concessão da tutela definitiva. Nesse tocante, o direito brasileiro encontra-se excepcionalmente servido, contando com a tutela cautelar, garantidora, e a tutela antecipada, satisfativa, ambas amplas e genéricas, cabíveis em qualquer hipótese e a qualquer momento desde que preenchidos os requisitos legais para sua concessão.
Em segundo lugar, a necessidade de aumentar os poderes do juiz na efetivação de suas decisões, o que se pode fazer – como o direito brasileiro vem fazendo – por dois caminhos distintos: a) disponibilizar ao juiz mecanismos de execução indireta, por meio dos quais poderá convencer o devedor de que o melhor a fazer é cumprir a obrigação. A execução indireta pode ocorrer de duas formas: ameaça de piora na situação atual (astreintes, prisão civil) ou oferecimento de melhora na situação atual (arts. 827, §1º, e 702, §8º, ambos do Novo CPC); b) aumentar as sanções processuais a serem aplicadas pelo juiz na hipótese de não cumprimento ou criação de obstáculos à efetivação da decisão judicial, com especial ênfase ao ato atentatório à dignidade da justiça (contempt of court), previsto no art. 77, §2º, do Novo CPC.
Em terceiro lugar, cumprir a promessa constitucional prevista no art. 5º LXXVIII, e no art. 4º do Novo CPC, que garante às partes uma razoável duração do processo por meio da adoção de técnicas procedimentais que permitam uma maior celeridade, naturalmente sem afastar as garantias constitucionais do processo. O raciocínio é bastante simples: quanto mais demore uma demanda judicial, menores são as chances de o resultado final ser eficaz, devendo-se atentar para essa realidade no momento da estruturação procedimental e da fixação das regras para a condução do processo. (2016, p. 3-6)
O novo Código de Processo Civil busca, em sua essência, minorar os obstáculos ao acesso à justiça, sejam eles temporais, econômicos ou de ordem social, por meio da simplificação dos procedimentos e da cooperação entre as partes, consagrando, dentre outros, o princípio da igualdade ou paridade de armas.
Saliente-se que o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional é complementado por outros, tais como: o do contraditório, da ampla defesa, da motivação das decisões por parte dos juízes, ou ainda do juiz natural. E todos eles convergem para o fim maior que é a efetivação do acesso à justiça.
Assim, resta demonstrada a impossibilidade de se dissociar o principio da inafastabilidade da tutela jurisdicional do acesso à ordem jurídica justa, uma vez que esse último é viabilizado pelo primeiro e representa a aceitação do maior número de pessoas em juízo, a oportunização do amplo direito de defesa e de contraditório e o respeito às garantias processuais.
2- Apontamentos sobre o artigo 3º do novo Código de Processo Civil
A lei nº 13.105/2015 elenca no artigo 3º o princípio da inafastabilidade da jurisdição e legitima a busca pela solução consensual dos conflitos, por meio da arbitragem, conciliação e mediação ou outros meios, nos termos descritos a seguir:
Art. 3o Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.
§ 1o É permitida a arbitragem, na forma da lei.
§ 2o O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.
§ 3o A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
Percebe-se, portanto, que foram consagrados no novo Código de Processo Civil princípios e valores expressos na Constituição Federal na busca pelo alcance de um processo rápido e eficiente, que favoreça o acesso à justiça e a adoção da autocomposição antes e durante o processo, como explica Daniel Amorim Assumpção Neves:
“Após alguma vacilação na doutrina e jurisprudência venceu a tese mais correta de que a arbitragem não afronta o princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto no art. 5º, XXXV, da CF. O Supremo Tribunal Federal corretamente entendeu que a escolha entre arbitragem e a jurisdição é absolutamente constitucional, afirmando que a aplicação da garantia constitucional da inafastabilidade é naturalmente condicionada à vontade das partes. Se o próprio direito de ação é disponível, dependendo da vontade do interessado para se concretizar por meio da propositura da demanda judicial, também o será o exercício da jurisdição na solução do conflito de interesse.
Nesse sentido, é elogiável o art. 3º, §1º, do Novo CPC, ao prever que não se excluirá da apreciação jurisdicional a ameaça ou lesão a direito, salvo os conflitos de interesses voluntariamente submetidos à solução arbitral. Ainda que seja apenas a consagração de uma realidade atualmente incontestável, é interessante o dispositivo explicitar tal realidade.
O já mencionado art. 3º, §1º, do Novo CPC parece ter consagrado o entendimento de que a arbitragem não é jurisdição, porque, ao prever a inafastabilidade da jurisdição, salvo arbitragem, fica claro que essa forma de solução de conflitos não é jurisdicional. E no mesmo sentido vai o art. 42 do Novo CPC ao prever que as causas cíveis serão processadas e decididas pelo juiz nos limites de sua competência, ressalvado às partes o direito de instituir juízo arbitral, na forma da lei”. (2015, p. 80)
Sobre a arbitragem é importante afirmar que a sua admissão envolve a existência de pessoas capazes e de controvérsia relativa a direitos patrimoniais disponíveis. A conciliação, por sua vez, será utilizada se não existir vínculo anterior entre as partes, ao contrário da mediação, que preferencialmente pressupõe a sua existência.
Ademais, a lei previu expressamente o dever dos juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público de estimular a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos, inclusive no curso do processo judicial, ou seja, tais institutos podem ser utilizados na fase pré-processual, processual ou na esfera administrativa, caso sejam criadas câmaras para solucionar os litígios.
As vias alternativas que se voltam para a pacificação das lides, como a mediação, a arbitragem e a conciliação representam uma economia no que concerne ao dispêndio financeiro que se observa em um processo que segue seu curso normal, além da própria economia de atos processuais, já que permite a solução simplificada e rápida do caso, resultando em uma maior eficiência no alcance do resultado pretendido.
Diante disso, é importante pontuar a mudança de paradigma observada a partir do advento do novo CPC, que optou pela adoção da cultura da paz e reforçou os deveres de boa-fé e cooperação, além da garantia de acesso a uma jurisdição adequada, efetiva e justa.
3- Outros aspectos do acesso à justiça sob a ótica do Novo Código de Processo Civil
Consoante já se aludiu, o Direito Processual Civil deve ter como foco principal a disponibilização de uma justiça eficiente, célere e de baixo custo, que possibilite a prestação da tutela pretendida no menor espaço de tempo possível.
Nessa ótica, observa-se a evolução do processo a fim de oportunizar a concessão de uma tutela jurisdicional efetiva e rápida, que produza efeitos jurídicos no momento certo e que, acima de tudo, proporcione decisões justas.
“Não basta aumentar o universo dos conflitos que podem ser trazidos à Justiça sem aprimorar a capacidade de produzir bons resultados. Nem basta produzir bons resultados em relação aos conflitos suscetíveis de serem trazidos à Justiça, deixando muitos outros fora do âmbito da tutela jurisdicional”. (Dinamarco, 2004, p. 114).
Com o escopo de viabilizar tais garantias, o regramento processual civil anterior já elencava, por exemplo: a possibilidade de cumulação de pretensões conexas em um único processo; a antecipação do julgamento de mérito; o aproveitamento dos atos processuais que, embora eivados de vício de forma, não acarretassem prejuízos; a utilização de procedimentos sumaríssimos; a denegação de provas inúteis; a coibição de incidentes irrelevantes para a causa; além de outros meios aptos a otimizar o andamento dos processos e o acesso à justiça.
O alcance da ordem jurídica justa importa necessariamente o contato com a justiça essencial, substancial. Para que isso ocorra é indispensável que aquele que ingressa em juízo tenha pelo menos o direito de que suas pretensões sejam submetidas à apreciação do Poder Judiciário e, desde que sejam legítimas e preencham os requisitos para que haja o julgamento, receba soluções acertadas, justas, no tempo correto e que realmente melhorem a sua situação em relação ao bem jurídico pretendido.
Desse modo, “só tem acesso à ordem jurídica justa quem recebe justiça. E receber justiça significa ser admitido em juízo, poder participar, contar com a participação adequada do juiz e, ao fim, receber um provimento jurisdicional consentâneo com os valores da sociedade. Tais são os contornos do processo justo, ou processo équo, que é imposto pela efetividade de um mínimo de garantias de meios e de resultados”. (Dinamarco, 2004, p. 115).
Dentro desse contexto, o novo Código de Processo Civil busca o aperfeiçoamento do funcionamento da ordem processual para o atendimento satisfatório daqueles que dela fazem uso, que expõem os seus interesses, suas pretensões e esperam, em contrapartida, resultados úteis, condizentes com a real situação e com o direito que dela decorre.
Conforme se esclareceu em tópico anterior, o novo CPC proporcionará o maior acesso do cidadão não apenas ao sistema jurisdicional do Estado, mas também aos meios alternativos de composição dos litígios, que permitem soluções com maior agilidade, harmonizando o interesse público e os anseios sociais com o tempo de duração do processo.
Acerca fixação da autocomposição como regra, determina o art. 334, da Lei nº 13.105/2015, que: “Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência”. Ressalte-se que o direito de defesa não será prejudicado pela conciliação, conforme esclarece o art. 335 e seguintes do novo CPC.
Com o escopo de incutir na sociedade a cultura da pacificação e da resolução alternativa das lides, o artigo 165 do diploma legal em comento elencou a criação de centros judiciários de solução consensual de conflitos, para realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e o desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.
O novo Código de Processo Civil consagra também a construção de um diálogo entre o julgador e as partes por meio do princípio da cooperação processual, que impõe deveres e obrigações recíprocos, decorre do devido processo legal, contraditório, boa-fé e está previsto no artigo 6º, cujo teor é o seguinte: “Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.
Sobre esse princípio, Daniel Amorim Assumpção Neves esclarece que:
“A doutrina nacional que já enfrentou o tema divisa fundamentalmente três vertentes desse princípio da cooperação, entendidas como verdadeiros deveres do juiz na condução do processo: (i) dever de esclarecimento, consubstanciado na atividade do juiz de requerer às partes esclarecimentos sobre suas alegações e pedidos, o que naturalmente evita a decretação de nulidades e a equivocada interpretação do juiz a respeito de uma conduta assumida pela parte; (ii) dever de consultar, exigindo que o juiz sempre consulte as partes antes de proferir decisão, em tema já tratado quanto ao conhecimento de matérias e questões de ofício; (iii) dever de prevenir, apontando às partes eventuais deficiências e permitindo suas devidas correções, evitando-se assim a declaração de nulidade, dando-se ênfase ao processo como genuíno mecanismo técnico de proteção do direito material” (2016, p. 15).
No que se refere ao dever de consulta, que deriva do princípio do contraditório, o artigo 10 do novo CPC diferencia a decisão de ofício daquela tomada sem a oitiva das partes ao determinar que: “O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”.
O dever de esclarecimento, por seu turno, consta no art. 357, § 3º do novo CPC nos seguintes termos: “Se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações”.
Esse dever de esclarecimento apresenta também outra dimensão especificada no artigo 489, §§ 1º e 2º do CPC/2015, relacionada ao dever de fundamentação das decisões pelo próprio juiz.
Por derradeiro, o dever de prevenção pode ser observado no art. 321 do Código de Processo Civil, que impõe ao juiz, antes de indeferir a inicial, determinar ao autor que a emende ou complete, indicando precisamente o que deve ser corrigido ou completado.
Ainda no que concerne ao princípio da cooperação, é importante citar o artigo 317 do novo CPC, o qual prevê “que antes de proferir sentença terminativa cabe ao juiz conceder à parte oportunidade, sempre que possível, de corrigir o vício. Como se pode notar da própria leitura do dispositivo, sendo o vício insanável, de nada adiantará dar oportunidade ao autor para saneá-lo, sendo nesse caso necessária, embora não desejada, a prolação da sentença terminativa” (Neves, 2016, p. 529).
Outrossim, no que tange à facilitação do acesso à justiça e à preocupação do legislador com a dificuldade do autor em qualificar o réu, o CPC/2015 elencou no art. 319, § 1º, que, se o autor não dispuser de informações como o nome, estado civil, CPF ou CNPJ e endereço do réu, poderá requerer ao juiz as providências necessárias para sua obtenção.
Ademais, § 3º do artigo supramencionado alude que “A petição inicial não será indeferida pelo não atendimento ao disposto no inciso II deste artigo se a obtenção de tais informações tornar impossível ou excessivamente oneroso o acesso à justiça”.
O acesso à justiça também é cristalizado por meio princípio da igualdade, consagrado no artigo 7º, do novo CPC, que assegura “às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório”.
Por derradeiro, o novo CPC passou a permitir a prática de atos processuais, o depoimento pessoal da parte, a oitiva de testemunhas, a acareação, a sustentação oral e o depoimento pessoal por videoconferência, nos termos dos seguintes dispositivos: art. 236, § 3º, art. 385, § 3º, art. 453, § 1º, art. 461, §2º, art. 937, §4º, também com o escopo de facilitar o acesso à justiça.
Ante o exposto, infere-se que a correta aplicação das disposições do novo Código de Processo Civil permitirá a concretização do acesso à justiça em sentido amplo, que representa direito fundamental da pessoa humana, e tornará possível a conscientização das pessoas em relação ao manejo correto de seus direitos e ao respeito a direitos alheios.
CONCLUSÃO
O direito como elemento que acompanha a evolução da sociedade apresenta-se como um dos instrumentos mais eficazes e importantes para se alcançar a pacificação dos conflitos que permeiam esse “universo” social extremamente diversificado.
Restou demonstrado no decorrer do presente artigo que o novo Código de Processo Civil busca romper os obstáculos impostos pelo legalismo exacerbado e pela burocratização da justiça por meio da facilitação dos procedimentos e da cooperação entre as partes, a fim de promover a universalização da tutela jurisdicional e facilitar o acesso de todos, mediante a redução dos entraves até então existentes, sejam eles econômicos, sociais ou temporais.
Ademais, esclareceu-se que a atual lei processual preleciona que o acesso à ordem jurídica justa pode ser alcançado não apenas por meio do processo em sentido estrito, mas também mediante os métodos alternativos de solução dos conflitos.
Além disso, restou evidenciada a consagração, no novo Código de Processo Civil, de princípios e valores expressos na Constituição Federal com o intuito de prestar uma tutela jurisdicional rápida, eficiente, consensual e que favoreça o acesso à justiça e a adoção da autocomposição antes e durante o processo.
Por fim, foram explicitados alguns dispositivos do CPC/2015 que traduzem a busca pela simplificação do acesso à justiça e a adoção da cultura da pacificação.
REFERÊNCIAS
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CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, DINAMARCO, Cândido Rangel, GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 20ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol 1. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil, Volume 1. 12ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2010.
MARINONI, Luiz Guilherme, MITIDIERO, Daniel, SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de Direito Constitucional, 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo. 1ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2016.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil, 7ª ed. São Paulo: Editora Método, 2015.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN. Técnica e Assessora Jurídica do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OTTONI, Maria Clara Góis Campos. O acesso à Justiça sob a perspectiva do novo Código de Processo Civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 maio 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46605/o-acesso-a-justica-sob-a-perspectiva-do-novo-codigo-de-processo-civil. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
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