RESUMO: A prescrição, definida como a perda da pretensão punitiva do Estado contra o criminoso em razão do decurso do tempo, é um tema sempre relevante dentro do contexto do Direito Penal brasileiro por ser a causa de extinção da punibilidade que se encontra sempre em debate nos âmbitos jurisprudenciais e doutrinários. Nesse ínterim, o presente trabalho tem por escopo abordar a prescrição da pretensão punitiva em abstrato no seu aspecto geral, trazendo um apanhado doutrinário dos conceitos deste instituto, a natureza jurídica e seu histórico. Tratará, também, das peculiaridades que circundam o instituto, sobretudo no que tange aos efeitos da declaração e aos diversos aspectos que interferem na forma de contagem do prazo em razão do concurso de crimes, da presença de causas de aumento ou diminuição, assim como a idade do agente.
Palavras-Chaves: Prescrição Penal – Direito de Punir – Inércia Estatal – Pretensão Punitiva.
ABSTRACT: The prescription, defined as the lost of State punitive claim against the criminal because of the running time, is a subject always important in the brazilian penal right context because of the extinction of the punishability that which is always found in the jurisprudential debate areas and doctrinal. This way, the work has the aim of analyze the punitive prescription in abstract, first, in the general aspects, bringing a doctrinal overview of the concepts from this institute, the legal nature and the historical. This work will treats also about the peculiarities surrounding the institute, especially regarding the effects of the declaration and the various aspects that affect in the form of time-limit on account of the crimes contest, the presence of increase or decrease of causes, as well as agent age.
Key Words: Penal Prescriptions – Punitive Right – State Intertia – Puntive Claim.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A prescrição é tida como causa de extinção da punibilidade, localizada no rol do art. 107 do Código Penal, sendo esta a classificação legal do instituto.
Ao se praticar um crime, nasce para o ente estatal o direito de punir o infrator, aplicando-lhe a sanção prevista no preceito secundário do tipo penal, ou seja, cometido o delito, o direito de punir, antes abstrato, passa a ser concreto.
Dessa forma, em um primeiro momento o Estado tem o direito de exigir a abstenção da prática delituosa. Concretizado o fato criminoso, nascerá, então, a pretensão punitiva consubstanciada na exigência do exercício da jurisdição penal.
Entretanto, o jus punitionis estatal só poderá ser exercido mediante o devido processo legal, o qual ensejará uma decisão final, onde o magistrado, a partir da pena cominada em abstrato, aplicará a punição concreta.
Com o trânsito em julgado da sentença condenatória, surgirá para o Estado o poder-dever de executar a pena em concreto, pois, após ser apurado o fato, chegou-se a conclusão de que o autor deverá ser punido.
Dessa forma, o presente trabalho pretende abordar a prescrição da pretensão punitiva, como sendo a conseqüência da inércia estatal em apurar e punir um fato definido como delituoso, a partir de uma perspectiva geral desse instituto, a qual abrange seu conceito, natureza jurídica e fundamentos.
2. ASPECTOS GERAIS DO INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO
2.1 CONCEITO
Feitas estas breves considerações, é possível conceituar a prescrição dentro do contexto trazido nas linhas anteriores e na visão de renomados doutrinadores penais.
Para Rogério Greco (2007, p. 729), a prescrição é “o instituto jurídico mediante o qual o Estado, por não ter tido capacidade de fazer valer o seu direito de punir em determinado espaço de tempo previsto pela lei, faz com que ocorra a extinção da punibilidade”.
Por sua vez, os conceitos formulados por Mirabete (2009, p. 386) e Damásio de Jesus (2010, p. 39) pouco se diferenciam quanto a sua essência, já que para o primeiro “a prescrição é a perda do direito de punir do Estado pelo decurso do tempo” enquanto o segundo aduz que “a prescrição penal é a perda da pretensão punitiva ou executória do Estado pelo decurso do tempo sem o seu exercício”.
A partir dos conceitos formulados, pode-se perceber que, independente da opção doutrinária a qual se venha optar, os fundamentos que alicerçam a prescrição penal são o decurso no tempo e a inércia do estado no exercício do seu jus puniendi.
2.2 NATUREZA JURÍDICA
A natureza jurídica do instituto da prescrição é um tema muito debatido no âmbito da doutrina possuindo, atualmente, três correntes que se destacam: a corrente jurídico-material, a corrente jurídico-processual e a corrente eclética ou mista.
2.2.1 Corrente Jurídico-Material
Esta corrente defende que a prescrição é um instituto de cunho material, preconizando que o decurso do tempo elimina a necessidade de punição, justificando a renúncia do Estado ao seu direito de punir.
Cezar Roberto Bitencourt (2000, p. 672) leciona no sentido de que “para o ordenamento jurídico brasileiro, a prescrição é instituto de direito material, regulado pelo Código Penal e, nessas circunstâncias, conta-se o dia do seu início.”
Nesse sentido, Fábio Guedes de Paula Machado (2000, p. 47) complementa os ensinamentos anteriores:
Alguns doutrinadores vêem na prescrição um instituto de direito material, levando em consideração que a mesma representa uma renúncia do Estado à pretensão punitiva ou à efetiva potestade de castigar, isto é, contemplando o conteúdo material da relação processual ou da relação executiva, figurando as suas duas acepções, pretensão punitiva e pretensão executória, como causa de exclusão da pena, conduzindo, portanto, à absolvição do sujeito.
E continua (MACHADO, 2000, p. 47): “não só impede o processo, senão também extingue o direito de punir. Como prescrição do direito e não como mera prescrição da ação, ela pertence, por sua matéria e natureza, não ao Direito Processual, e sim ao Direito Penal”.
2.2.2 Corrente Jurídico-Processual
A corrente jurídico-processual, por sua vez, assenta seu entendimento na dúvida e na dificuldade da apuração do crime já que a força das provas estaria enfraquecida, tendo em vista o lapso temporal entre o fato e o julgamento, ou seja, entende que este não é um instituto que exclui a pena, mas um obstáculo que impede a formação e desenvolvimento do processo.
Nesse ínterim, deve-se destacar a natureza peculiar das provas testemunhais, as mais freqüentes no âmbito do processo penal, sendo facilmente constatada sua fragilidade a partir da fluência de certo lapso temporal. Com efeito, a memória humana tem no tempo um fator de precarização, o que torna necessária sua produção célere, a fim de que seja preservada a verdade fática da lide penal.
Nesse sentido, as lições de Eduardo Reale Ferrari (1998, p. 19) são esclarecedoras acerca do tema:
A concepção jurídica-processual, assim, afasta-se da idéia das finalidades das sanções, ligando-se intimamente ao aspecto formal da produção da prova. Ainda que racionalmente compreendida e até certo ponto admitida, críticas devem ser postas a esta corrente, uma vez que esquece do próprio ilícito típico e das conseqüências jurídicas do delito, voltando apenas sua atenção às causas probatórias e à incerteza da punição, a desprezar que a injunção ou não da punição há de ser ponderada pela sua ineficácia. Se a punição futura for ineficaz quanto à sanção e seus fins, de nada adiantará comprovar a certeza ou incerteza da prova.
Assim, com o arcabouço probatório fragilizado, a busca da verdade real estaria seriamente comprometida, podendo ensejar um julgamento injusto, fato que justificaria a renúncia do Estado em aplicar uma punição duvidosa.
2.2.3 Corrente Eclética ou Mista
Esta terceira corrente entende que o instituto da prescrição possui uma natureza tanto de Direito Penal como de Direito Processual penal.
Para melhor esclarecê-la, trazem-se à baila os ensinamentos expostos por Miguel Reale Jr. (1998, p. 22): “esta corrente volta-se tanto à dificuldade para a produção das provas (de ordem processual) quanto à finalidade da pena, que tem sua utilidade mitigada pelo decurso do tempo (de cunho material)”.
2.3 HISTÓRICO DA PRESCRIÇÃO
Com o intuito de contextualizar a prescrição nos tempos hodiernos, necessária se faz uma análise histórica do instituto para que seja possível compreender como ele se encontra inserido no ordenamento jurídico atual.
Assim, visando fazer considerações mais contundentes sobre a origem da prescrição, é importante fazer remissão, de forma compilada, aos trabalhos dos doutrinadores Antônio Rodrigues Porto (1998, p. 7-8), Fábio Guedes de Paula Machado (2000, p. 1-2) e Eduardo Reale Ferrari (1998, p. 1-2) para destacar que, apesar da dificuldade em se precisar a origem do instituto em questão, ele foi identificado, primeiramente, nas injunções romanas com um caráter processual e se encontrava no texto da Lex Julia de adulteriis, que tratava dos crimes de adultério, estupro e lenocínio, abrangendo, posteriormente, a generalidade de crimes, com exceção do parricídio (matar pai ou mãe).
Na esteira do que aduzem Ferrari (1998, p. 3-4) e Machado (2000, p. 87), o instituto da prescrição fundava-se na idéia de que o tempo promoveria a purificação e o perdão do homem, com ajuda da religião, sendo fixado um prazo inicial de cinco anos, pois era o lapso temporal em que se promoviam as festas lustrais, evento religioso que pregava o perdão do homem. Posteriormente, através de teorias civilistas, a razão da prescrição passou a ser a inércia estatal, tendo sido fixado prazo de cinco anos para as ações públicas e um ano para as ações privadas.
Complementando estes ensinamentos, Antônio Lopes Baltazar (2003, p. 21) assevera: “Em Roma, à época de Deocleciano e Maximiliano, com a Lex Cornelia de injuriis o prazo prescricional passou a ser de vinte anos em relação aos crimes de ação pública, exceto os delitos carnais e o peculato, cujo prazo continuou a ser de cinco anos”.
No final do império Romano, alguns delitos considerados gravíssimos como o parricidium, a supositio partus e a apostasia, eram considerados imprescritíveis. O primeiro por considerar a família uma instituição sagrada; portanto a morte do chefe da família pelo filho não podia ficar sem punição pelo decurso do tempo; o segundo por influência do cristianismo, que se tornou religião oficial, que para evitar a perda dos seus seguidores ameaçava com punição eterna quem abandonasse a fé; o terceiro em decorrência do efeito da imprescritibilidade do estado das pessoas. Posteriormente, triunfou o princípio de que todos os crimes estavam sujeitos à prescrição (BALTAZAR, 2003, p. 21).
Este mesmo posicionamento também foi defendido por Beccaria (2002, p. 43-44) e se encontra externado em sua obra da seguinte maneira:
Quando se trata de crimes horrendos, cuja lembrança perdura por muito tempo na memória dos homens, se os mesmos forem provados, não deve ocorrer qualquer prescrição em favor do culpado que se subtrai ao castigo pela fuga. Tal não é, contudo, o caso dos crimes ignorados e pouco importantes: é necessário determinar um prazo após o qual o criminoso, bastante punido pelo exílio voluntário, possa retornar sem temer novos castigos.
Na idade média a prescrição passou a ter uma nova concepção, conforme preceitua Ferrari (1998, p. 5), de modo que admitia uma mitigação entre o comportamento do acusado e o decurso do tempo para que fosse concedido o perdão, o que não foi acatado pelo direito germânico, o qual só veio reconhecer a prescrição em sede de direito público nos meados dos Séculos XVI e XVII.
Complementando essas lições, Fábio André Guaragni (2006, p. 21) assevera que a prescrição foi recepcionada na idade média por influência do direito romano, exceto na Inglaterra, onde a regra era a imprescritibilidade dos crimes e das penas.
Na França, conforme o mesmo autor (GUARAGNI, 2006, p. 21-22), somente com o Código Penal de 1791 e com o Código de Instrução Criminal de 1808, foram inseridos os conceitos de prescrição da execução da pena e da ação penal.
Isso porque, a jurisprudência francesa admitiu, segundo Trippo (2004, p. 36), que da sentença condenatória “se originava, contra o condenado, uma actio judicati, a qual foi aplicada a prescrição romana trintenária. Nascia a prescrição da condenação na história”.
Ainda com amparo nas lições dessa autora (TRIPPO, 2004, p. 36), com influência dos ideais iluministas, no dia 25 de setembro de 1791, "o país fixou, pela primeira vez, em lei, a prescrição da condenação, a se consumar em vinte anos, reconhecendo-se essa prescrição para todos os gêneros de delitos pelo Código do 3º Brumário de 1791 (código dos delitos e das penas), no qual se fixou prazo de três anos para a prescrição da ação e de vinte anos para a execução das penas".
Contextualizando o instituto no direito pátrio, é preciso voltar até a época do Brasil colonial para que se possa ter a exata noção de como a prescrição evoluiu até chegar ao estágio que se encontra atualmente.
Na época colonial, o Brasil era regido pelas Ordenações Portuguesas e o Livro V das Ordenações Filipinas tratava sobre o Direito penal, não havendo nenhuma referência à prescrição, tendo como regra a imprescritibilidade dos delitos.
No Código de Processo Penal do Império, datado de 1832, foi onde houve a previsão expressa da prescrição da ação penal, no entanto, em seu artigo 65, havia um dispositivo no sentido de não reconhecer a prescrição das penas.
Aloysio de Carvalho Filho (Apud GUARAGNI, 2006, p. 23), em sua obra assevera que os critérios para aplicação da prescrição na época do império eram a afiançabilidade ou inafiançabilidade do crime e a ausência ou presença do acusado em lugar conhecido, de forma que se o crime fosse afiançável e o réu estivesse em lugar incerto ou não sabido, não havia o decurso do prazo prescricional, mas se estivesse em lugar sabido, porém fora do alcance da justiça, o prazo fluía normalmente, conforme previa o artigo 55 do Código Criminal Imperial.
Ainda segundo este renomado autor (CARVALHO FILHO Apud GUARAGNI, 2006, p. 23), de acordo como artigo 56 do referido código, nos casos de crimes inafiançáveis, em que o acusado se encontrasse ausente não fluía o lapso prescricional, exigindo-se, para a incidência da prescrição, que o réu estivesse presente de forma ininterrupta no local da jurisdição criminal, prescrevendo os crimes afiançáveis no prazo de seis anos e os inafiançáveis, no prazo de dez anos.
Com o advento da Lei 261/1841 e do Regulamento 120/1842, houve uma mudança na legislação onde passou a dispor que em casos de crimes inafiançáveis nos quais o réu estivesse em lugar incerto ou não sabido, não fluía o prazo prescricional, todavia, estando o acusado em lugar sabido no território do Império, o prazo seria de vinte anos nos crimes inafiançáveis e de dez anos para os crimes afiançáveis.
Somente em 20 de setembro de 1890, por meio do decreto 774 é que foi estabelecida no Brasil a prescrição da pretensão executória, consagrando as duas modalidades de prescrição conhecidas até hoje no ordenamento jurídico pátrio: a prescrição da pretensão punitiva e a prescrição da pretensão executória.
Nesse decreto, não mais se utilizava o critério da ausência ou presença do acusado para a contagem do prazo, mas sim a pena máxima cominada ao crime, salvo se o réu estivesse fora do país, caso em que seria possível a prescrição, porém com prazo mais longo.
Em 11 de outubro de 1890, foi promulgado o Código Penal da República o qual seguiu os passos do decreto citado e admitiu ambas as modalidades de prescrição subordinando-as ao mesmo prazo e limitando o prazo máximo de 20 anos, desconsiderando a localização do réu no território nacional como parâmetro a ser aplicado no cálculo da prescrição penal.
Sobre a prescrição neste período, é necessário recorrer aos ensinamentos de Benedetti (2009, p. 125):
Com o advento do Código da República de 1890, o direito criminal brasileiro, que já consagrava as prescrições da ação e da execução da pena, previu, para ambas as modalidades de prescrição, o mesmo prazo prescricional, sendo duramente criticado por Galdino Siqueira, que entendia ser de rigor diferenciar o tratamento destas questões, pois se o fundamento da prescrição era o esquecimento, haveria de se reconhecer que o juízo de certeza da sentença condenatória possui maior força para ser gravada no espírito público, e que, no caso de prescrição da ação, o acusado pode ser inocente.
Em 1923 surgiu mais uma inovação com o decreto nº 4.780, o qual alterou a redação do o artigo 85 do Código Penal de 1890, que é comentada por Benedetti (2009, p. 126) em seu trabalho:
Esta alteração disciplinou prazos para a prescrição das penas restritivas de direito (art. 34) e estipulou que a prescrição da ação fosse regulada pelo máximo da pena abstratamente cominada na lei, ou pela que for pedida no libelo, ou ‘pela que for imposta na sentença de que somente o réu houver recorrido’ (art. 35), bem como incluiu o despacho que confirma a pronúncia e a sentença condenatória recorrível no rol das causas interruptivas da prescrição.
No entanto, ressalva Guaragni (2006, p. 25), apesar dessas inovações, foi preservado o lapso temporal mínimo de um ano e máximo de vinte anos para a prescrição.
Em 1933, com a expedição do Decreto nº 22.494, surgiu o embrião do atual art. 115 do Código Penal, onde reduzia pela metade os prazos prescricionais da ação e da condenação para os que possuíam entre 18 e 21 anos, na data da prática do crime
Com a chegada do Código Penal de 1940, a prescrição penal passou a estar prevista no art. 107, inciso IV, como causa de extinção de punibilidade. Todavia, o artigo 118 desse diploma penal, antes de ser modificado pela Lei nº 7.209/84, previa, no seu parágrafo único, que a pena acessória, quando imposta na sentença ou resultante da condenação, não seria alcançada pela prescrição.
Seguindo a esteira do Código Penal de 1890, este “novo” código, previu prazos idênticos para a prescrição da pretensão punitiva e para a prescrição da pretensão executória.
A reforma de 1984, feita pela Lei nº 7.209/84, trouxe importantes alterações no Código Penal de 1940, podendo ser citadas como as mais relevantes, a eliminação da já citada regra que prevista no parágrafo único do artigo 118, além da alteração do parágrafo único do art. 109 o qual passou a dispor que vão se aplicar às penas restritivas de direito os mesmos prazos previstos para as privativas de liberdade.
Em 5 de outubro de 1988, tem-se a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil a qual refletiu no instituto ora estudado quando previu delitos imprescritíveis, como o racismo, disposto no artigo 5º, inciso XLII, e também a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, localizado no artigo 5º, inciso XLIV.
Por fim, a última alteração que interferiu na prescrição da pretensão punitiva foi feita pela da Lei nº 12.234/2010, reformando a redação dos artigos 109, inciso VI, do Código Penal, aumentando o prazo prescricional de dois para três anos, dos delitos cuja pena máxima prevista não excedem um ano.
3. A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA OU PRESCRIÇÃO PROPRIAMENTE DITA
Esta modalidade de prescrição é verificada antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória levando-se em consideração a pena máxima cominada ao delito. Tal matéria é considerada de ordem pública e deve ser reconhecida de ofício pelo juiz ou tribunal em qualquer fase da investigação ou da ação penal, como manda o art. 61 do Código de Processo Penal.
Com o advento da lei 11.719/2008, foi inserida como um dos fundamentos da absolvição sumária, previsto no art. 397, IV do CPP, possibilitando ao magistrado a absolvição do acusado na fase inicial do processo com base na prescrição, pois a incidência desta impede a apreciação do mérito da denúncia formulada.
3.1 CONCEITO
A prescrição da pretensão punitiva encontra-se regulada no art. 109 do Código Penal e é bem conceituada por Lozano Júnior (2002, p. 41) como “a exigência de subordinação do jus libertatis do criminoso ao jus puniendi do Estado”.
Nessa linha de pensamento, Damásio de Jesus (2010, p. 39) preceitua que:
Na prescrição da pretensão punitiva a passagem do tempo sem o seu exercício faz com que o Estado perca o poder-dever de punir no que tange à pretensão (punitiva) do Poder Judiciário apreciar a lide surgida com a prática da infração penal e aplicar a sanção respectiva. Titular do direito concreto de punir, o Estado o exerce por intermédio da ação penal, que tem por objeto direto a exigência de julgamento da própria pretensão punitiva e por objeto mediato a aplicação da sanção penal. Com o decurso do tempo sem o seu exercício, o Estado vê extinta a punibilidade e, por conseqüência, perde o direito de ver satisfeitos aqueles dois objetos do processo.
3.2 CONTAGEM DO PRAZO
Os prazos prescricionais irão variar de acordo com a quantidade de pena abstrata imposta no preceito secundário do tipo penal, nos moldes do rol previsto no art. 109 do Código Penal. Por ser um prazo de natureza material, a prescrição seguirá as regras previstas no art. 10 do Código Penal, quais sejam: a inclusão do dia do começo no cômputo do prazo e a contagem dos anos pelo calendário comum.
Nessa linha de pensamento, preconiza Julio Fabbrini Mirabete (2009, p. 391): “sendo a prescrição matéria de Direito Penal, prevalece a regra do art. 10 do CP, incluindo-se na contagem do prazo, qualquer que seja, o dia do começo”. E Damásio de Jesus (2010, p. 49) complementa: “qualquer que seja a fração do primeiro dia a ser contado, deve ser ela considerada como um dia por inteiro”.
Acerca do momento em que se inicia a contagem, o art. 111 do Código Penal traz quatro hipóteses: o dia em que o crime se consumou; no caso de tentativa, do dia em que cessou a atividade criminosa; nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência; nos crimes de bigamia e nos de falsificação ou alteração de assento no registro civil, da data em que o fato se tornou conhecido.
Segundo Damásio de Jesus (2009, p. 734): “o primeiro termo a quo é a data de consumação do delito. Constitui exceção à adoção da teoria da atividade no problema do tempus delicti. Em regra, o tempo do crime é o do momento da conduta do sujeito. Excepcionalmente, na prescrição, adota-se a teoria do resultado”.
Ainda conforme este mesmo autor (JESUS, 2009, p. 734), os crimes omissivos próprios teriam como marco inicial a data em que o sujeito deixou de realizar a conduta e os omissivos impróprios a data de produção do resultado. Nos crimes de mera conduta o termo inicial seria a prática do comportamento; no delito formal a consumação coincidiria com a realização do ato típico anterior à produção do resultado visado pelo agente; no preterdoloso e culposo o prazo iniciaria no dia em que ocorre o resultado.
Na segunda hipótese, que fala do crime tentado, Rogério Greco (2007, p. 737) traz que “no caso de tentativa, considera-se iniciado o prazo prescricional no dia em que cessou a atividade criminosa”.
Quanto aos crimes permanentes, traz-se à baila a valiosa lição de Mirabete (2009, p. 391):
“Nos crimes permanentes, o reconhecimento da prescrição é condicionado à cessação da permanência, de cuja data começa a fluir o prazo. Isso porque, no crime permanente, a ação é contínua, indivisível e o estado violador da lei se prolonga enquanto durar a consumação, dependente da conduta do agente. No caso em que o agente não cessa a conduta delituosa, o prazo inicia-se na data em que o Estado inicia a repressão criminal, através da instauração do inquérito ou do processo”.
Em relação à última possibilidade, Luiz Carlos Betanho (1997, p. 1.736) ensina que:
Por exceção, nos delitos de bigamia e de falsificação ou alteração de registro civil, o fluxo prescricional não se inicia da data de consumação dessas figuras criminosas, mas do dia em que tais delitos se tornaram conhecidos da autoridade pública. Embora os crimes sejam instantâneos, possuem eles efeitos permanentes, posto que perduráveis no tempo. Nesses casos, se aplicada a regra geral (da data da consumação), o agente poderia retardar indefinidamente o conhecimento da infração, enquanto a prescrição estaria correndo, para consumar-se, talvez, antes mesmo de descobertos o crime e seu autor.
Avançando no estudo da contagem do prazo prescricional, têm-se, também, causas que poderão alterar o quantum da pena e, conseqüentemente, modificar o prazo da prescrição a ser aplicada naquela situação em concreto. Dentre elas, é possível citar a desclassificação do fato na ocasião da prolação da sentença condenatória; as causas de aumento e diminuição da pena; e a idade do agente.
Na hipótese de haver desclassificação do fato imputado na inicial acusatória para um crime menos grave, quando da prolação da sentença condenatória, Damásio de Jesus (2010, p. 64) ensina que “Se o juiz, na sentença, não aceitando a qualificação jurídica do crime imposta na denúncia, desclassifica a infração para outra, o prazo prescricional da pretensão punitiva deve ser regulado pela pena máxima cominada a esta, desprezando-se à capitulação legal da acusação”.
E complementa (JESUS, 2010, p. 66): “Operada a desclassificação do tipo mais grave para figura típica de menor gravidade, o máximo da pena abstrata cominada a esta é que devia, desde o início, regular o prazo prescricional da pretensão punitiva”
Em relação às causas de aumento e diminuição, estas deverão ser levadas em consideração no momento da contagem do prazo prescricional, como ensina Fernando Capez (2003, p. 526) “por permitirem que a pena fique inferior ao mínimo ou superior ao máximo, devem ser levadas em conta no cálculo da prescrição pela pena abstrata”.
No entanto, o ilustre doutrinador (CAPEZ, 2003, p. 526) faz uma ressalva: “como se deve buscar sempre a pior das hipóteses, ou seja, a maior pena possível, leva-se em conta a causa de aumento que mais aumente e a causa de diminuição que menos diminua”.
Quanto à diminuição do prazo em razão da idade do agente na época do fato (maior de 18 e menor de 21 anos) ou na data da prolação da sentença condenatória (maior de 70 anos), conforme o art. 115 do Código Penal, esta se dá por motivos de política criminal.
Para esclarecer esses motivos, imprescindíveis são as lições de Rogério Greco (2007, p. 741-742):
A imaturidade daqueles que ainda não estão com a sua personalidade completamente formada, como acontece com aqueles que estão saindo da adolescência e entrando na fase adulta, pode conduzir à prática de atos ilícitos impensados. Além disso, a convivência carcerária do menor de 21 anos com criminosos perigosos acaba por deturpar a sua personalidade, razão pela qual, como medida despenalizadora, a lei penal reduz pela metade o cômputo do prazo prescricional, seja da pretensão punitiva ou da pretensão executória.
No tocante aos idosos, o mesmo doutrinador (GRECO, 2007, p. 742) aduz:
Com relação aos idosos, a reforma penal de 84 modificou a postura assumida pelo código de 1940, pois que, naquela época, exigia-se que o agente, a fim de se beneficiar com a redução do prazo prescricional, fosse maior de 70 anos ao tempo do crime. Hoje, com a nova redação dada ao art. 115 do Código Penal, exige-se seja ele maior de 70 anos na data da sentença penal condenatória.
3.3 CAUSAS SUSPENSIVAS E INTERRUPTIVAS DA PRESCRIÇÃO
As causas suspensivas e interruptivas da prescrição estão previstas, respectivamente, nos arts. 116 e 117 do Código Penal e possuem efeitos bem diferentes.
As causas suspensivas ou impeditivas da prescrição são a resolução em outro processo de questão a qual dependa o reconhecimento da existência de crime e o cumprimento de pena no estrangeiro. No entanto, outras causas suspensivas estão previstas ao longo da legislação penal, como a suspensão condicional do processo (art. 89 da lei 9.099/95), a suspensão do processo (art. 366 do CPP), suspensão atinente à imunidade processual parlamentar e a suspensão pela expedição de carta rogatória.
Segundo Guilherme de Souza Nucci (2008, p. 558) “suspender a prescrição significa apenas “congelar” o prazo prescricional que recomeçará a correr do ponto onde parou, tão logo a causa que fundamentou a suspensão termine”.
Aprofundando-se no tema, Ferrari (1998, p. 42) expõe que:
a suspensão prescricional significa sustação da perda do poder-dever do Estado em punir em face do decurso do tempo. O Estado diante de certos acontecimentos fica impossibilitado de exercer o jus persequendi e, em razão desses obstáculos, imperiosa será a alteração do prazo normal da prescrição. O processo, por conseguinte, não poderá ter o seu trâmite normal, restando obstado o desenvolvimento. Conseqüência direta da presença dos obstáculos será a dilação do prazo prescricional com a parada momentânea das ações, a indicar um hiato dos prazos prescricionais, e, portanto, necessária a sua alteração.
No que tange à suspensão do prazo enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime, prevista no art. 116, I do Código Penal, este inciso refere-se às questões incidentais previstas nos artigos 92 e 93 do Código de Processo Penal, sobre os quais leciona Mirabete (2009, p. 396): “se a decisão sobre a existência da infração depender da solução de controvérsia, que o juiz repute séria e fundada, sobre o estado civil das pessoas, o curso da ação penal ficará suspenso obrigatoriamente, e se depender de decisão sobre questão diversa, a suspensão é facultativa”.
O inciso II do art. 116 do diploma penal dispõe acerca do cumprimento de pena no estrangeiro. Conforme José Frederico Marques (1999, p. 505), “a razão desse impedimento está na impossibilidade de obter-se a extradição do criminoso; e como poderia o tempo de cumprimento da pena no estrangeiro ser tal que o da prescrição corresse por inteiro, consignou o legislador a regra em foco, para evitar que extinguisse o direito estatal de punir”.
Também é causa de suspensão do prazo prescricional, a suspensão condicional do processo prevista no art. 89 da lei 9.099/95. Tal suspensão aplica-se quando satisfeitos o requisitos legais e o crime possui pena mínima de até um ano, ocasião em que o processo ficará suspenso de 2 a 4 anos e, superado o período de prova, caso o acusado não descumpra as condições impostas terá sua punibilidade extinta, caso contrário, o processo seguirá normalmente.
Dessa forma, durante o período de prova, para que não haja a perda do direito de punir caso o acusado não cumpra as condições, a lei estabelece a suspensão do prazo prescricional nesta hipótese.
Sobre a suspensão da prescrição prevista nos artigos. 366 e 368 do Código de Processo Penal, a lição de Mirabete (2009, p. 396-397) é precisa:
Ao dar nova redação aos arts. 366 e 368 do CPP, a lei 9.271/96, criou mais duas hipóteses de suspensão do curso do prazo de prescrição. Segundo o primeiro dispositivo, se o acusado, citado por edital, não comparecer para ser interrogado nem constituir advogado, fica suspenso o processo e o prazo prescricional, estendendo-se a suspensão até que intervenha ele ou seu procurador nos autos do processo. Não prevê a lei limite para a suspensão do prazo, o que acarretaria a vedada imprescritibilidade, mas se tem acenado, como parâmetro, com o lapso temporal referente ao máximo da pena cominada ao delito.
E continua (MIRABETE, 2009, p. 397): “Nos termos do segundo artigo citado, também fica suspenso o prazo da prescrição, enquanto o acusado é citado por rogatória por se encontrar no estrangeiro, em lugar sabido, ou em legação estrangeira, cessando a causa suspensiva quando a carta é cumprida”.
Como outra causa de suspensão do prazo prescricional, deve ser exposta a imunidade parlamentar para o processo, a qual constitui, segundo Damásio de Jesus (2010, p. 88):
A hipótese de, recebida a denúncia por crime praticado após a diplomação, o STF deverá dar ciência à casa respectiva que, mediante pedido de partido político nela representado e pelo voto da maioria dos seus membros, poderá sustar o andamento da ação penal. O pedido de sustação será apreciado pelo Senado ou pela Câmara Federal no prazo improrrogável de 45 dias, a partir de seu recebimento pela mesa diretora. Sustado o processo, fica suspenso o prazo prescricional da pretensão punitiva enquanto durar o mandato parlamentar. Terminado o exercício do mandato e cessado o efeito da causa suspensiva da prescrição, a ação penal e a prescrição da pretensão punitiva retomam seu curso, se não ocorre causa de extinção da punibilidade, levando-se em conta o período anterior decorrido.
Expostas as causas suspensivas do prazo prescricional, passa-se à análise das causas interruptivas deste prazo, as quais se encontram elencadas no art. 117 do Código Penal.
Segundo Guilherme de Souza Nucci (2008, p. 559), “interromper a prescrição significa recomeçar por inteiro o prazo prescricional. As causas de interrupção do art. 117 do Código Penal são taxativas, não admitindo qualquer ampliação”.
Em relação às hipóteses interruptivas, elas serão distintas de acordo com o procedimento do delito sob apuração, pois caso tramite perante o rito do Tribunal do Júri as hipóteses de interrupção prescrição da pretensão punitiva são: o recebimento da denúncia ou da queixa; a decisão de pronúncia; a decisão confirmatória da pronúncia; a publicação da sentença ou acórdão condenatório recorríveis.
Sendo qualquer outro rito de tramitação para o delito, as hipóteses serão somente o recebimento da denúncia e a publicação da sentença ou do acórdão recorrível.
Como o rito do tribunal do júri engloba as hipóteses previstas para os outros ritos, será discorrido somente sobre este, fazendo os devidos apontamentos divergentes.
A primeira causa a ser tratada é a que consta no art. 117, inciso I, qual seja o recebimento da denúncia ou da queixa. Para Rogério Greco (2007, p. 746), “deve ser destacado o fato de que o Código Penal exige para fins de interrupção da prescrição, o recebimento, e não somente o oferecimento da denúncia ou da queixa”.
Damásio de Jesus (2010, p. 97) ainda acrescenta:
“havendo aditamento da denúncia para inclusão de coautor ou partícipe do crime, aplica-se o art. 117 §1º, 1ª parte. O recebimento da denúncia contra o primeiro coautor ou partícipe interrompe o prazo prescricional, estendendo seu efeito ao outro, de modo que o recebimento do aditamento não tem efeito interruptivo”.
Da maneira como foi exposta, estas formas de interrupção do prazo prescricional funcionarão da mesma maneira para os crimes dolosos contra a vida e para os demais crimes.
A segunda causa que enseja a interrupção do prazo prescricional é a prolação da decisão de pronúncia, prevista apenas para os crimes dolosos contra a vida e os conexos a estes.
Sobre o tema, João José Leal (1998, p. 487) ensina:
Nos crimes dolosos contra a vida, o julgamento é da competência do Tribunal do Júri. Recebida a denúncia e terminada a fase de instrução, o juiz entendendo que existem provas suficientes da autoria e do crime, pronuncia o acusado e o remete para julgamento pelo júri. Essa sentença de pronúncia é causa interruptiva da prescrição, anulando todo o prazo prescricional anterior. O mesmo ocorre se há recurso e o tribunal confirma os termos da pronúncia.
Complementando estes ensinamentos, Damásio de Jesus (2010, p. 97-98) aduz:
Sendo pronunciado por tentativa de homicídio e vindo a vítima a falecer, nova pronúncia deve ser proferida. Neste caso, a primeira deve ser considerada inexistente produzindo apenas a segunda efeito interruptivo da prescrição. Vindo o réu a ser absolvido no julgamento popular, ainda assim a pronúncia anterior conserva esse efeito. Se o réu é impronunciado ou absolvido sumariamente, vindo a ser pronunciado pelo tribunal em face de recurso oficial ou voluntário, o acórdão que o pronuncia também interrompe a prescrição.
Celso Delmanto (2000, p. 221), por sua vez, assevera:
“pode ocorrer que o acusado, em vez de ser pronunciado, tenha sido absolvido liminarmente ou impronunciado. Então, se a acusação recorre e o tribunal o pronuncia, haverá também a interrupção da prescrição. Não, porém, com base neste inciso III, mas com fundamento no nº II, pois tal decisão será de pronúncia e não confirmatória de anterior de pronúncia”.
Retomando as lições de Damásio de Jesus (2010, p. 98), tem-se que
“havendo desclassificação na fase da pronúncia, há dois princípios: se o juiz desclassificar o crime para outro, da competência do Júri, pronunciando o réu, a decisão interrompe a prescrição. Se o juiz desclassificar o crime para outro da competência do juiz singular, tal decisão não tem efeito interruptivo da prescrição”.
Ainda faz-se mister ressaltar a hipótese da desclassificação, pelo Conselho de Sentença, do delito de competência do Tribunal do Júri para outro da competência do Juiz Singular. Nesse caso, o STJ já possui o entendimento consolidado através da súmula 191 que diz: "a pronúncia é causa interruptiva da prescrição, ainda que o Tribunal do Júri venha a desclassificar o crime".
A confirmação da sentença de pronúncia é a causa interruptiva da prescrição presente no inciso III do art. 117 do Código e, segundo Celso Delmanto (2000, p. 221), “interrompe-se a prescrição pela decisão do tribunal que confirma a pronúncia. Assim, se o réu é pronunciado, não se conforma, recorre e o tribunal confirma a pronúncia, haverá nova interrupção da marcha processual”.
Guilherme de Souza Nucci (2008, p. 560), ainda acrescenta: “A razão de duas causas interruptivas, no procedimento do júri, explica-se pela complexidade e pela longa duração que ele normalmente apresenta”.
A última causa interruptiva do prazo prescricional, prevista no art. 117, inciso IV, inerente à prescrição da pretensão punitiva é a prolação da sentença ou acórdão recorrível.
A respeito desta hipótese, ensina Fernando Capez (2003, p. 527):
“a publicação de uma sentença ocorre na data em que o escrivão a recebe em cartório assinada pelo juiz. O acórdão que confirma a condenação não interrompe a prescrição, ao contrário do acórdão que confirma a pronúncia. Só haverá interrupção em um caso: se a sentença for absolutória e o acórdão a reformar, proferindo o veredicto condenatório”.
E finaliza (CAPEZ, 2003, p. 527-528):
“Portanto, o que interrompe a prescrição é a primeira decisão condenatória recorrível, monocrática ou colegiada, proferida no processo. Se da decisão condenatória não couber recurso, ainda que seja a primeira condenação proferida naquele processo, não haverá interrupção. A decisão que reconhece a semi-imputabilidade do acusado interrompe, pois é condenatória”.
Nesse ínterim, Nucci (2008, p. 561-562) traz à baila a questão do acórdão que majora ou agrava a pena:
O acórdão que eleva a pena é de interpretação duvidosa. Não é uma contraposição à sentença de primeiro grau, pois esta decisão concretizou uma condenação. Portanto, já teria servido para interromper a prescrição. Quando o colegiado resolve aumentar a pena, profere acórdão confirmando a condenação, porém com pena diferenciada. Pensamos que permanecerão as três hipóteses existentes: a) serve para interromper a prescrição; b) não serve para interromper a prescrição; c) somente serve para interromper a prescrição se for “não unânime”, portanto, sujeito a embargos.
Ainda se valendo dos ensinamentos deste doutrinador (NUCCI, 2008, p. 562), é preciso analisar a possibilidade da interposição de embargos declaratórios em face da sentença condenatória:
Para a interrupção da prescrição leva-se em consideração a data da sentença condenatória recorrível, mas não podemos deixar de registrar que há possibilidade de a parte interpor embargos de declaração. Se o efeito dos embargos for simplesmente tornar mais claro o conteúdo da decisão, sem alterar a pena, é natural que não se possa falar em nova interrupção da prescrição. Porém, se os embargos apontarem para omissão do juiz que, quando reconhecida, provoque a modificação da decisão, elevando a pena, parece-nos perfeitamente admissível que ocorra novamente a interrupção da prescrição, pois surgiu nova sentença recorrível.
Damásio de Jesus (2010, p.100), por sua vez, disserta acerca da hipótese de anulação da sentença que interrompeu o prazo prescricional da seguinte forma:
Anulada a sentença condenatória, perde o efeito interruptivo. E como a nova sentença não poderá aplicar pena mais grave que a imposta na anterior, uma vez proibida a reformatio in pejus indireta, a prescrição da pretensão punitiva, em seus períodos entre a consumação do crime e o recebimento da denúncia ou entre esta data e a publicação da nova sentença, deve ser regulada pelo quantum da primeira pena (da sentença anulada). Este é agora o máximo que poderá ser imposto.
Por fim, deve-se frisar que no caso do concurso de pessoas, previsto nos artigos. 29 e 30 do Código Penal, seja coautoria ou participação, o efeito interruptivo da prescrição da pretensão punitiva em relação a um dos participantes irá se estender aos demais.
3.5 CONCURSO DE CRIMES
O Código Penal brasileiro trouxe em sua estrutura três formas de concurso de crimes: o concurso material, previsto no art. 69; o concurso formal, previsto no art. 70; e a continuidade delitiva, prevista no art. 71. No entanto, apesar desses dispositivos preverem um acréscimo na pena cominada, o artigo 119 do diploma penal traz que “No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente”.
No concurso material, onde a ordem legal é a soma das penas para efeito de unificação, em se tratando da contagem da prescrição, ela se dará de forma isolada para cada um dos crimes imputados a determinada pessoa.
No concurso formal próprio, que deveria exasperar a pena de um sexto até a metade, Nucci (2008, p. 564) diz que “calcula-se a prescrição, quando houver concurso formal, sobre a pena do delito mais grave, utilizada como base para acrescentar o aumento”.
Já no crime continuado, apesar de se unificar as penas pare efeitos de cumprimento, quando se tratar de prescrição, deve-se tomar, isoladamente, cada delito, consoante preceitua a Súmula 497 do Supremo Tribunal Federal: “Quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação”.
3.6 EFEITOS DA PRESCRIÇÃO
A prescrição da pretensão punitiva possui efeitos peculiares classificados como primários e secundários, existindo, também, os efeitos extrapenais, dispostos nos artigos 91 e 92 do Código Penal. Assim, o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva, afastará todos os efeitos penais, principais e secundários, e extrapenais.
Damásio de Jesus (2010, p. 42), acerca do tema, ensina que:
A prescrição da pretensão punitiva tem efeito extintivo da punibilidade. O Estado perde o direito de invocar o Poder Judiciário no sentido de aplicar o direito penal objetivo no caso concreto, extinguindo-se a possibilidade jurídica de cominação da sanção penal. Diante disso, no caso de sua incidência, declarada a extinção da punibilidade, o Juiz deve ordenar o encerramento do processo. Existindo Inquérito Policial, seu prosseguimento constitui constrangimento ilegal. Havendo sentença condenatória, ela deixa de existir.
Ainda de acordo com a doutrina de Damásio de Jesus (2010, p. 42), um segundo efeito seria a impossibilidade de constar certidão dos livros do juízo e folha de antecedentes, na seguinte forma: “extinta a punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, por aplicação analógica do art. 748 do CPP, a eventual condenação anterior não deve ser mencionada na folha de antecedentes do réu, nem em certidão extraída dos livros no juízo, salvo quando requisitadas por juiz criminal”.
Outro efeito trazido por Lozano Jr. (2002, p. 46), “é o de impedir a análise do mérito da acusação, pois extinto o direito de punir do Estado, fica impossibilitado o exame de uma pretensão que não mais existe”.
Somado a estes posicionamentos, existem aqueles os quais afirmam que, apesar de ser um instituto de direito material, a prescrição também produzirá um efeito processual, como leciona Fábio Guedes de Paula Machado (2000, p. 131): “é forçoso reconhecer que a prescrição penal, uma vez ocorrida, é condição de ausência de interesse de agir por absoluta ausência de utilidade no deslinde da ação penal”.
Então, observada a prescrição, esta acarretará tanto a ausência de interesse de agir como a falta de justa causa para a ação penal, já que, o conceito dessa última engloba o da primeira.
Dessa forma, vislumbra-se que os efeitos da prescrição da pretensão punitiva possuem um viés tanto material, quanto processual, tendo como objetivo maior a impossibilidade de aplicação de qualquer conseqüência decorrente da prolação de uma sentença penal condenatória.
4. CONCLUSÃO
Ante o exposto, o presente trabalho trouxe à tona peculiaridades do instituto da prescrição da pretensão punitiva estatal, tema que possui enorme relevância, tanto no meio acadêmico, como na praxe forense, por ser a causa de extinção da punibilidade com o maior número de minúcias a serem estudadas.
Dessa forma, é possível notar que a prescrição penal figura como ferramenta de segurança do cidadão, por não permitir que o infrator fique, indefinidamente, aguardando punição por parte do Estado. Mais que isso, a prescrição figura como forma de garantir que aquele agente não possa mais sofrer qualquer efeito proveniente de eventual condenação.
Nesse contexto, este estudo trouxe, num primeiro momento, os aspectos gerais do instituto da prescrição penal, onde abordou uma variedade de conceitos dentro da doutrina, a natureza jurídica e seu histórico.
No segundo momento, foi destacada a prescrição da pretensão punitiva estatal, bem como seus desdobramentos no âmbito do Direito Penal e Processual Penal.
Diante disto, foram trazidos os principais aspectos do instituto, a partir de uma diversidade de opiniões, inclusive antagônicas, para propiciar a formação de posicionamento seguro visando sua aplicação no dia a dia jurídico.
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: Analista Judiciário do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (SJRN). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RENATO CAVALCANTI DUARTE GALVãO, . A prescrição de pretensão punitiva em abstrato no direito penal brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 maio 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46623/a-prescricao-de-pretensao-punitiva-em-abstrato-no-direito-penal-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
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