RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo contextualizar o surgimento das organizações sociais no ordenamento jurídico brasileiro, realizando uma abordagem específica sobre a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade dos dispositivos que trazem incentivos públicos às organizações sociais para a realização de suas atividades.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Administrativo. Terceiro Setor. Organizações Sociais. Incentivos Públicos.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Organizações Sociais – 3. Da Constitucionalidade dos Incentivos Concedidos às Organizações Sociais – 4. Considerações finais – Referências.
1. INTRODUÇÃO
O declínio do Estado Liberal, em virtude da atuação desregrada do mercado, trouxe a necessidade de uma reformulação do papel estatal na sociedade, surgindo uma nova proposta, conhecida como Estado Social, que se caracterizava pela busca da igualdade material e da justiça social, através do aumento das prestações materiais realizadas pelo Estado. Diante do novo cenário, a Administração Pública ampliou suas atribuições para que pudesse atender aos anseios da sociedade.
As inúmeras atividades assumidas pela nova forma de Estado trouxeram ao Brasil uma grande crise fiscal, notadamente no início da década de 80, sendo necessária uma reforma administrativa, reduzindo custos e aumentando a eficiência estatal. Foi criado, então, na década de 90, um plano diretor, que possuía diversas medidas com o objetivo de tornar a Administração Pública moderna e eficiente, superando os entraves que a burocracia administrativa trazia ao país.
A Administração Pública gerencial, como ficou conhecida essa nova modalidade de gestão, tinha como objetivos principais a menor participação do Estado na economia, atuando apenas como regulador e fomentador do mercado, a redução da máquina administrativa, a gestão eficiente dos recursos públicos e a transferência de atividades não exclusivas do Estado para entidades privadas sem fins lucrativos.
Com base no último eixo citado, a chamada publicização dos serviços não exclusivos de Estado, surgem os entes de cooperação, notadamente os Serviços Sociais Autônomos, as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, as Organizações Sociais e as Entidades de Apoio.
Algumas leis foram editadas para viabilizar a atuação dos referidos entes do terceiro setor. Regulamentando as Organizações Sociais, surge a Lei 9637/98, que prevê, dentre outras vantagens, a possibilidade de dispensa de licitação nas contratações realizadas pelas citadas Organizações, dispositivo que foi objeto de diversos questionamentos.
O Supremo Tribunal Federal, então, no julgamento da ADI 1923/DF, pacificou seu entendimento sobre as vantagens concedidas pelo Estado às Organizações Sociais, conforme se analisa a seguir.
2. ORGANIZAÇÕES SOCIAIS (OS’S)
As Organizações Sociais são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, que possuem atividades dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde.
Tais organizações surgiram, conforme já explicitado, em um momento de reforma administrativa no país, em que o Estado buscava uma redução de seu papel na sociedade, transferindo para o setor privado a prestação de alguns serviços públicos não-exclusivos.
Para que obtenha a qualificação de Organização Social, é necessário que se cumpram alguns requisitos previstos no art. 2º da Lei 9637/98, como, por exemplo, a proibição de distribuição de bens ou parcela do patrimônio líquido, em qualquer ocasião. Tratando dos requisitos para a qualificação como OS, Carvalho Filho (2009, p. 339) leciona:
Para habilitar-se como organização social, a lei exige o cumprimento de vários requisitos, como a definição do objeto social da entidade, sua finalidade não-lucrativa, a proibição de distribuição de bens ou parcelas do patrimônio líquido e a publicação anual no Diário Oficial da União de relatório financeiro, entre outros mencionados no art. 2º da Lei 9637/98. Por outro lado, devem possuir Conselho de Administração em cuja composição haja representante do Poder Público e de entidades da sociedade civil e membros eleitos dentre associados de associação civil e outros eleitos que tenham notória capacidade profissional e reconhecida idoneidade moral, tudo em conformidade com os percentuais fixados na lei reguladora.
Cumprido todos os requisitos e concedida a qualificação, a pessoa jurídica obterá o título de organização social, podendo celebrar um contrato de gestão. Esse instrumento formaliza a parceria com a Administração Pública, sendo fundamental para a consecução e fomento das atividades institucionais das organizações sociais. A doutrina critica o termo contrato de gestão, visto que não há uma contraposição de interesses, mas sim uma cooperação entre os pactuantes com o objetivo de realizar interesses mútuos, sendo mais correto, portanto, o chamá-lo de convênio.
O contrato de gestão deverá prever as responsabilidades, obrigações e atribuições do Poder Público e da contratada, devendo ser submetido, após aprovação pelo Conselho de Administração da Organização Social, ao Ministro de Estado ou autoridade supervisora da área correspondente à atividade fomentada, conforme dispõe o art. 6º, parágrafo único, da Lei 9637/98.
Firmada a parceria entre o ente público e a OS, vários benefícios poderão ser recebidos pela pessoa jurídica de direito privado. Inicialmente, o art. 12 da Lei 9637 prevê a possibilidade de recebimento de recursos orçamentários, sendo a liberação dos respectivos recursos realizada de acordo com o cronograma de desembolso fixado no contrato. Destaque-se que a Poder Público deve fiscalizar permanentemente as atividades e resultados decorrentes do contrato de gestão, conforme explica Carvalho Filho (2009, p. 340):
Diante da possibilidade de as organizações sociais receberem recursos financeiros do Poder Público, a lei exige que a este caiba exercer a fiscalização das atividades e proceder ao exame da prestação de contas das entidades (art. 8º). Qualquer irregularidade ou ilegalidade deve ser de imediato comunicada ao Tribunal de Contas, sob pena de responsabilização do agente fiscalizador.
Prevê, ainda, o mesmo dispositivo, a possibilidade de recebimento de bens públicos, mediante permissão de uso, dispensada a licitação.
Outra vantagem possível no contrato de gestão está no art. 14 da citada Lei, que autoriza a cessão de servidores públicos do Poder Executivo para as organizações sociais, com ônus para o cedente.
Por fim, inserido pela Lei 9648/98, que alterou a Lei 8666/93, diploma que rege as licitações, há a possibilidade de dispensa de licitação quando as organizações sociais forem contratadas pela Administração Pública para a prestação dos serviços contemplados no contrato de gestão.
Diversas críticas às várias vantagens recebidas pelas organizações sociais surgiram após a entrada em vigor da Lei 9637, sendo ajuizada a ADI 1923/DF contra diversos dispositivos da referida lei, bem como contra o art. 1º da Lei 9648/98, que modificou a Lei de Licitações para prever a dispensa de licitação nas contratações realizadas pelas Organizações Sociais.
Em abril de 2015, o Supremo Tribunal Federal julgou a citada Ação Direta de Inconstitucionalidade, proposta pelo Partidos dos Trabalhadores (PT) e pelo Partido Democrático (PDT), consolidando o entendimento sobre o tema.
3. DA CONSTITUCIONALIDADE DOS INCENTIVOS CONCEDIDOS ÀS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS
Destaque-se, inicialmente, que o PT e o PDT possuíam legitimidade para a propositura da ADI, visto que havia representantes de ambos os partidos no Congresso Nacional, não sendo necessária a prova de pertinência temática, já que são considerados legitimados universais.
Os referidos partidos alegaram, inicialmente, que a criação de organizações sociais seria uma forma de se furtar do regime jurídico de direito público, transferindo responsabilidades inerentes ao Estado para as pessoas jurídicas de direito privado.
Citavam, também, a inconstitucionalidade da ausência de licitação nas contratações realizadas pelas organizações sociais, visto que tais entidades recebem dinheiro público, bem como a violação do princípio da impessoalidade na permissão de uso de bens públicos sem a ocorrência de procedimento licitatório. Por fim, havia a objeção quanto à ausência de necessidade de concurso público para a contratação de pessoal para as referidas entidades do terceiro setor.
Analisando o tema, o STF afirmou, inicialmente, que as organizações sociais exercem papel relevante, sendo legítimo o programa de publicização do serviço público e constitucional a previsão de que tais organizações irão substituir a atuação de órgãos e entidades estatais, exercendo serviços públicos não exclusivos.
Quanto ao recebimento de recursos orçamentários e a cessão de pessoal e bens públicos, o Supremo decidiu que é lícita a intervenção indireta do Poder Público na economia, induzindo os particulares a executarem atividades de interesse social. Essa atuação indireta ocorre através da regulação do mercado ou concedendo incentivos e estímulos para as pessoas jurídicas de direito privado, como ocorre no caso das organizações sociais. Destaque-se que a Administração deve sempre fiscalizar a execução do contrato, verificando se os resultados planejados estão sendo alcançados. O STF, portanto, declarou constitucionais tais dispositivos, exigindo-se das organizações sociais o cumprimento das metas estabelecidas no contrato de gestão.
A função regulatória da licitação, que prevê a utilização do procedimento licitatório como instrumento de regulação de mercado, de modo a torná-lo mais competitivo, além de induzir determinadas práticas desejadas pelo Poder Público, foi o argumento utilizado pela Corte Suprema para declarar a constitucionalidade do art. 12, §3º, da Lei 9637/98, que prevê a dispensa de licitação na cessão de bens públicos para as organizações sociais, mediante permissão de uso, bem como do art. 24, XXIV, da Lei 8666/93, que prevê a possibilidade de dispensa de licitação caso o Poder Público contrate organizações sociais para exercer atividades abrangidas no contrato de gestão. Assim, tais dispensas têm por escopo incentivar a atuação do setor privado, colaborando com o Estado no exercício de suas atividades sociais. Destaque-se, ainda, que, mesmo com a licitação dispensada, a Administração Pública deve observar todos os princípios constitucionais na contratação direta.
Ponderou, ainda, o STF, que as organizações sociais, mesmo celebrando o contrato de gestão, não fazem parte da Administração Pública, não se submetendo ao rígido procedimento licitatório previsto na Lei 8666/93 quando realizarem contratações com terceiros. Entretanto, o procedimento deverá observar os princípios administrativos previstos na Constituição Federal, bem como os dispositivos do regulamento internam que regulam o processo de contratação.
Por fim, decidiu o Supremo que, em virtude do regime jurídico a que estão submetidas, a realização de concurso público para a contratação de empregados não é obrigatória para as organizações sociais, devendo, entretanto, haver o estabelecimento de um procedimento objetivo e imparcial nessa contratação.
Observa-se, portanto, que o Supremo Tribunal Federal não declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos impugnados, realizando uma interpretação conforme a Constituição para definir que os incentivos concedidos pelo Poder Público às organizações sociais são válidos, mas devem respeitar os princípios constitucionais, notadamente aqueles previstos no art. 37 da Lei Maior, bem como as metas e resultados exigidos no contrato de gestão.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme exposto, as organizações sociais surgiram no contexto da reforma administrativa decorrente da crise do Estado Social, havendo a necessidade de redução da máquina pública. A chamada publicização dos serviços públicos não exclusivos do Estado foi um dos meios encontrados para a redução de custos, consistente na transferência de determinados serviços públicos para pessoas jurídicas de direito privado.
Para que pudessem executar os serviços de forma mais eficiente, a Lei 9637/93 trouxe a possibilidade de concessão de vários benefícios para as organizações sociais após a celebração do contrato de gestão com o Poder Público. Tais dispositivos foram impugnados por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, julgada pelo STF no início de 2015.
Analisando a questão, o Supremo decidiu que os dispositivos que concedem incentivos às organizações sociais são constitucionais, mas devem respeitar os princípios da Administração Pública, sendo papel do Estado fiscalizar constantemente os contratos celebrados com as citadas organizações.
Conclui-se, portanto, que a participação do terceiro setor é fundamental para a concretização dos objetivos previstos no plano diretor da reforma do aparelho estatal, sendo válidas as normas que facilitam a parceria entre a Administração Pública e as pessoas jurídicas de direito privado, notadamente as organizações sociais.
REFERÊNCIAS
CARVALHO FILHO, José Afonso. Manual de Direito Administrativo. 22. ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2009.
DOS SANTOS, Mauro Sérgio. Curso de Direito Administrativo. 2ª. ed. Salvador: Jus Podivm, 2016.
LINS, Bernardo Wildi. Organizações Sociais e Contratos de Gestão. 1ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015.
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 25 ed. São Paulo: Malheiro, 2008.
NETO, Fernando Ferreira Baltar. Direito Administrativo. 6. Ed. Salvador: Jus Podivm, 2016.
SCATOLINO, Gustavo. Manual de Direito Administrativo. 2ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2014.
Advogado, graduado pela Universidade Federal do Ceará. Aprovados nos seguintes concursos: Procurador do Estado do Piauí, Procurador do Estado do Paraná, Procurador do Município de São Paulo, Procurador do Município de Salvador.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BEZERRA, Thiago Cardoso. A constitucionalidade dos incentivos concedidos às organizações sociais pelo Estado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 maio 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46624/a-constitucionalidade-dos-incentivos-concedidos-as-organizacoes-sociais-pelo-estado. Acesso em: 22 nov 2024.
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