Resumo: Durante a marcha processual, podem surgir questões prévias, as quais devem ser solucionadas anteriormente ao enfrentamento do tema central. São os chamados incidentes processuais. Tais questões não são exclusivas do processo de conhecimento, estando presentes também durante a fase da execução da sentença condenatória. A própria Lei de Execução Penal (Lei n° 7210/84), reconhecendo expressamente a existência destes procedimentos secundários, tratou do tema por meio de título específico, denominado “Dos incidentes de execução” - Título VII. O rol disciplinado no Título não é taxativo, havendo inúmeros outros na própria lei de execução penal, embora sem menção expressa. O objetivo do presente trabalho não é esgotar o tema, senão apenas discorrer a respeito dos institutos de maior destaque, a exemplo da conversão, do excesso ou desvio, da anistia e do indulto.
1. Introdução
No direito processual penal, a fase cognitiva do processo tem por objetivo o pronunciamento jurisdicional acerca da culpa ou inocência de determinado sujeito perante certo fato a ele imputado. Trata-se de uma das principais funções deste ramo do direito, distinguindo-o dos demais.
No desenrolar do processo podem surgir questões secundárias, que repercutem, todavia, sobre o objeto da demanda, merecendo solução antes de que se adentre ao mérito da causa principal. São as chamadas questões incidentes. Como exemplo podemos citar as exceções de suspeição ou impedimento, exceções de incompetência do juízo, de ilegitimidade, conflito de jurisdição, entre muitas outras.
Entretanto, tais questões não são exclusivas do processo de conhecimento, podendo ser verificadas também durante a fase da execução da sentença condenatória. De fato, conforme afirma Guilherme de Souza Nucci, “há questões e procedimentos secundários à execução da pena principal, merecedores de solução antes que esta termine”[1].
Por demandarem pronunciamento expresso por parte do magistrado competente, a existência das questões incidentes sempre foi um dos principais argumentos daqueles que defendiam a jurisdicionalização da execução penal, tais como a ilustre professora Ada Pellegrini Grinover, em contraposição àqueles que afirmavam ter a expiação da pena caráter tão somente administrativo (Teoria administrativista da execução da pena).
A própria Lei de Execução Penal (Lei n° 7210/84), reconhecendo expressamente a existência destes procedimentos secundários, disciplinou o tema por meio de título específico, denominado “Dos incidentes de execução” - Título VII.
Referido título é dividido em três capítulos, dispostos da seguinte forma:
-Capítulo I – Das Conversões (artigos 180 à 184);
-Capítulo II – Do excesso ou desvio (artigos 185 e 186) e;
-Capítulo III – Da anistia e do indulto (artigos 197 à 193).
O rol disciplinado no Título não é taxativo, havendo inúmeros outros na própria lei de execução penal, embora sem menção expressa.
Considerando que o objetivo do presente trabalho não é esgotar o tema, senão apenas tratar de alguns dos institutos de maior destaque, limitaremos nossa pesquisa aos incidentes constantes do Título VII da Lei de Execução Penal (conversão, excesso ou desvio, anistia e indulto).
2. Desenvolvimento
2.1. Das conversões
2.1.1 Conversão positiva
A conversão poderá ser positiva ou negativa. A primeira vem disciplinada pelo artigo 180 da LEP e trata da substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos. Passamos agora à sua detida análise.
Para que ocorra, há que se verificar a existência de uma série de requisitos objetivos e subjetivos, sem os quais fica obstada sua aplicação.
Três são os requisitos objetivos (ou extrínsecos): pena privativa de liberdade não superior a dois anos, cumprimento em regime aberto e cumprimento de, no mínimo, um quarto da pena.
Conforme aponta Guilherme de Souza Nucci, é interessante notar que o caput do artigo 180 não deixa claro se a pena de dois anos precisa ser fixada na sentença condenatória ou, simplesmente, ser o montante atual do cumprimento pelo condenado. Pela aplicação direta do princípio in dubio pro reu, deve-se ficar com a segunda interpretação, haja vista ser mais favorável ao condenado, desde que presentes os demais requisitos. A fim de facilitar o entendimento, lançamos mão de exemplo do citado doutrinador:
Condenado a seis anos de reclusão, iniciando no regime fechado, passando pelo semiaberto, quando atingir a marca de dois anos de pena faltante, estando no regime aberto, onde já cumpriu pelo menos um quarto, pode pleitear a conversão para pena restritiva de direitos[2].
Ainda que o sujeito da execução já tenha cumprido dois terços do total da pena em outros regimes (fechado e semiaberto), será indispensável que cumpra um quarto dos dois anos que lhe resta em regime aberto para que possa pleitear a conversão.
Quanto aos requisitos subjetivos (ou intrínsecos), deverá o magistrado verificar os antecedentes criminais do condenado, podendo negar-lhe o benefício quando forem muitos os crimes já cometidos, advindos de delitos dolosos e graves. Além disso, deve ser levada em conta a personalidade do sentenciado, favorecendo-se aqueles de boa índole, merecedores do afastamento de qualquer forma de prisão, ainda que aberta.
Entretanto, verifica-se que o instituto da conversão positiva raramente é usado na prática. De fato, conforme dito anteriormente, este benefício só pode ser aplicado a condenados inseridos no regime aberto. Considerando que na grande maioria das comarcas brasileiras, carentes de casas do albergado, o cumprimento de pena no regime aberto ocorre sem qualquer supervisão estatal, não há qualquer benefício ao condenado, que deixaria o conforto de sua vida rotineira para passar a uma prestação de serviços à comunidade, o que lhe tomaria muito mais tempo.
Quantos os procedimentos aplicáveis a este incidente de execução, deve ser verificado o disposto no Título VIII da LEP.
2.1.2. Conversão negativa
Ainda no que se refere ao incidente da conversão, verificamos sua ocorrência na modalidade negativa. Por ela, a pena restritiva de direitos é convertida em privativa de liberdade, conforme prescreve o artigo 181 da LEP.
Nesta hipótese, o condenado já obteve a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos quando da prolação da sentença condenatória, mas acabou incorrendo em uma das situações descritas nas alíneas do parágrafo primeiro do artigo 181, razão pela qual lhe será novamente imposta a perda da liberdade.
A conversão negativa ocorrerá quando o condenado:
a) Não for encontrado por estar em lugar incerto e não sabido, ou desatender à intimação por edital;
Tendo a sentença condenatória transitado em julgado, o réu será intimado para dar início ao cumprimento da pena restritiva de direitos. Todavia, caso não seja encontrado no endereço constante dos autos, sem que tenha havido qualquer comunicação concernente à mudança de domicílio, a intimação se dará por edital. O não atendimento equivale ao descumprimento, justificando a conversão da pena em privativa de liberdade.
Oportuna a decisão proferida pelo STF no habeas corpus n° 92012/SP, de relatoria da ilustre Ministra Ellen Gracie, 10.6.2008, por meio da qual foi afastada a ocorrência de constrangimento ilegal no acórdão do STJ que assentara, nos termos do art. 181, § 1º, a, da Lei de Execução Penal - LEP, a possibilidade de conversão da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade se o condenado estiver em lugar incerto e não sabido, haja vista que o réu que participou de todos os atos processuais e que, ciente da condenação, muda seu domicílio sem prévia comunicação ao juízo competente, viola o princípio da boa-fé objetiva que deve reger todas as relações jurídicas, inclusive entre o agente e o Estado.
b) Não comparecer, injustificadamente, à entidade ou programa em que deve prestar serviço;
c) Recusar-se, injustificadamente, a prestar o serviço que lhe foi imposto;
Nesse caso, deve o magistrado, previamente à conversão, ouvir o condenado, pois pode ocorrer que as atividades fixadas a título de cumprimento da pena restritiva de direitos configurem autêntico trabalho forçado ou cruel.
d) Praticar falta grave e;
e) Sofre condenação por outro crime à pena privativa de liberdade, cuja execução não tenha sido suspensa.
Afora as hipóteses acima descritas, a LEP ainda traz a possibilidade de conversão quando, no curso da pena privativa de liberdade, sobrevier doença mental ou perturbação da saúde mental. Nesse caso, o juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou da autoridade administrativa, poderá determinar a substituição da pena por medida de segurança, nos termos do que prescreve o artigo 183 da citada Lei.
A doença ou perturbação mental de que trata o dispositivo deve ser de caráter duradouro. Caso não seja, deve ser aplicado o artigo 41 do Código Penal, transferindo-se o condenado para o hospital de custódia pelo tempo suficiente à sua cura.
Embora existam controvérsias, a doutrina majoritária defende que a medida de segurança seja aplicada até o limite de tempo estabelecido na condenação, ou seja, cumprirá a medida de segurança pelo prazo máximo da pena.
Nesse sentido a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
Mister se faz ressaltar a diferença entre a medida de segurança prevista no Código Penal aos inimputáveis e a medida de segurança substitutiva, trazida pelo art. 183 da Lei de Execução Penal. Para os inimputáveis a lei prevê que a medida de segurança terá tempo indeterminado, durando enquanto perdurar a periculosidade do réu. Ao passo que a medida de segurança substitutiva é aplicada a quem foi julgado como imputável e no decorrer da execução da pena foi acometido por doença mental, estando, portanto, adstrita ao restante do tempo de cumprimento da pena (HC 12.957 – SP, 5? T., rel. Felix Fischer, 08.08.2000, v.u., DJ 04.09.2000).
Reestabelecendo o condenado a saúde plena, deve tornar a cumprir a pena privativa de liberdade, havendo, desse modo, a reconversão.
De forma idêntica ao que ocorre na conversão positiva, neste incidente aplica-se o procedimento prescrito no Título VIII da LEP.
2.2. Do excesso ou desvio
De acordo com o artigo 1° da LEP, “a execução penal tem por objetivo efetivar a disposições de sentença ou decisão criminal”. Cabe ao magistrado competente, portanto, zelar para que o cumprimento da pena seja feito nos termos definidos pela lei e pela sentença, buscando sempre a maior individualização possível.
Assegurar esta garantia é exatamente o objetivo do instituto em análise.
Havendo desvio (destinação diversa da finalidade da pena) ou excesso (aplicação abusiva do previsto em lei), instaura-se um incidente próprio, que correrá em apenso ao processo de execução.
São legitimados para suscitar o incidente de desvio ou excesso o Ministério Público, o Conselho Penitenciário e o sentenciado, além de órgãos como o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e o próprio juiz, entre outros, ligados à execução penal.
Não se pode esquecer de incluir neste rol de legitimados, ainda, o advogado, constituído ou dativo, por decorrência natural e lógica da consagração do princípio da ampla defesa na execução penal.
2.3. Da anistia e do indulto
De acordo com Guilherme de Souza Nucci, anistia é a declaração pelo Poder Público de que determinados fatos se tornam impuníveis por razões de utilidade social. Trata-se de perdão estatal concedido pelo Poder Legislativo, por meio de edição de lei federal.
Já o indulto poderá ser individual ou coletivo. Ambos representam a clemência estatal concedida pelo chefe do executivo, consubstanciado num decreto. A diferença entre eles, conforme se extrai do próprio nome, é que, enquanto o indulto coletivo tem por objetivo beneficiar um número indeterminado de condenados, o indulto individual beneficia um condenado em específico, levando-se em conta seu mérito incomum no cumprimento da pena. Esta forma de indulto também é conhecida como “graça”.
Tanto a anistia quanto o indulto constituem causas de extinção da punibilidade.
Como consequência da anistia, “o juiz, de ofício, a requerimento do interessado ou do Ministério Público, por proposta da autoridade administrativa ou do Conselho Penitenciário, declarará extinta a punibilidade”, nos termos do disposto no artigo 187 da LEP.
No que se refere ao indulto individual, poderá ser pleiteado por petição do condenado, por iniciativa do Ministério Público, do Conselho Penitenciário, ou da autoridade administrativa, como, por exemplo, o diretor do presídio.
Após a protocolização da petição contendo o pedido de indulto, a mesma será entregue ao Conselho Penitenciário, para elaboração de parecer e posterior encaminhamento ao Ministério da Justiça, conforme artigo 189 da Lei de Execução. A decisão do Presidente da República é eminentemente discricionária, podendo, inclusive, contrariar o parecer formulado pelo Conselho Penitenciário.
Tanto no indulto individual quanto no coletivo, sendo concedido o benefício pelo chefe do executivo, deverá o magistrado declarar extinta a punibilidade do condenado, nos termos do que prescreve o artigo 107, II, do Código Penal.
Diferentemente do que ocorre na anistia, onde o Poder Legislativo exclui a tipicidade do fato que foi anteriormente objeto de tipificação, apagando-se, por consequência, os antecedentes criminais, no indulto os antecedentes não serão apagados, podendo gerar, inclusive, reincidência.
3. Conclusão
Consoante demonstrado nos tópicos anteriores, conversão, excesso, desvio, anistia e indulto tratam-se de incidentes processuais verificáveis ao longo da execução penal.
No que tange especificamente ao excesso e ao desvio, procura-se limitar a aplicação da pena aos limites e objetivos legais, resguardando-se, em última análise, a dignidade do sujeito condenado.
Quanto aos demais (conversão, anistia e indulto), pode-se afirmar que tais institutos, quando bem aplicados, consubstanciam relevantes instrumentos de política penitenciária, pois, de um lado, contribuem para a reinserção dos indivíduos na sociedade e, de outro, diminuem os custos da manutenção do preso.
4. Referências Bibliográficas
BRASIL. STF. RHC n° 92.012 – SP. Rel. Ellen Gracie. DJU 10.06.2008
BRASIL. STJ. RHC n° 12.957 – SP, 5? T. Rel. Felix Fischer. DJU 04.09.2000.
COSTA JÚNIOR, Dijosete Veríssimo da. Anistia, graça e indulto. Renúncia e perdão. Decadência e prescrição. Jus Navigandi, Teresina, ano 2, n. 11, 20 abr. 1997. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/970>. Acesso em: 02 dez. 2011
MIRANDA, Rafael de Souza. Excesso de execução. Consequências jurídicas do cumprimento de pena em regime mais gravoso que o previsto na sentença ou decisão judicial. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2370, 27 dez. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/14077>. Acesso em: 02 dez. 2011.
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 5ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 5ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
[2] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 5ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Hugo Fellipe Martins de. Dos Incidentes de Execução Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 maio 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46746/dos-incidentes-de-execucao. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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