RESUMO: Este artigo analisa as normas do Código de Processo Civil de 2015 que tratam dos prazos para manifestação e da intimação da Fazenda Pública em juízo.
PALAVRAS-CHAVE: Código de Processo Civil de 2015 – Fazenda Pública – prazos para manifestação – intimação.
1. INTRODUÇÃO.
O processo se ampara em uma série de mecanismos que têm a função de assegurar a evolução do procedimento, garantindo que a sua finalidade, a realização da jurisdição, seja alcançada. Os prazos previstos no curso do procedimento são um dos principais instrumentos de progressão processual.
Mas os prazos para manifestação não podem ser analisados isoladamente. O seu transcurso está vinculado à forma pela qual a parte recebe o comunicado para realizar o ato que lhe cabe.
A legislação processual, consciente das dificuldades e peculiaridades inerentes à atuação do Estado em juízo, contém normas prevendo prazos diferenciados e forma de intimação especial em favor da Fazenda Pública, regramento que se caracteriza como prerrogativa processual.
Neste trabalho será apresentado um conceito de Fazenda Pública, os principais fundamentos das suas prerrogativas processuais, bem como serão analisadas as normas do Código de Processo Civil de 2015 que regulam os seus prazos para manifestação e a forma pela qual deve ser intimada.
2. DESENVOLVIMENTO.
Este trabalho tem por objetivo analisar as disposições legais existentes no Código de Processo Civil de 2015 sobre os prazos para manifestação e a intimação da Fazenda Pública em juízo.
Porém, qual a abrangência da expressão Fazenda Pública? E quais os fundamentos das normas que lhe atribuem prerrogativas processuais? As respostas para estas perguntas serão apresentadas a seguir, facilitando a compreensão do tema principal deste estudo.
2.1. Conceito de Fazenda Pública.
A origem da expressão Fazenda Pública é explicada por Hely Lopes Meirelles, que disse o seguinte:
A Administração pública, quando ingressa em juízo por qualquer de suas entidades estatais, por suas autarquias, por suas fundações públicas ou por seus órgãos que tenham capacidade processual, recebe a designação tradicional de Fazenda Pública, porque seu erário é que suporta os encargos patrimoniais da demanda. (1995, p. 619).
O uso da expressão Fazenda Pública, portanto, é uma lembrança de que o erário sofrerá as consequências pela derrota da Administração Pública na relação processual, e designa as pessoas jurídicas de direito público, tanto da administração direta como indireta. Estão abrangidos no conceito, portanto, a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como as suas autarquias e fundações. Nesse sentido, veja-se o que dizem Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero:
Entram no conceito de Fazenda Pública a Administração Pública centralizada (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e alguns entes que compõem a Administração Pública descentralizada, notadamente as autarquias e as fundações públicas. (2012, p. 210).
A referida abrangência do conceito de Fazenda Pública pode ser confirmada pela leitura de diversas previsões de prerrogativas no Código de Processo Civil de 2015 que elencam expressamente as referidas pessoas jurídicas. Veja-se, por exemplo, os artigos 183, 242, 269 e 496 do novo diploma processual cível.
A análise da jurisprudência corrobora as afirmações doutrinárias. Veja-se as seguintes ementas:
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA. PREPARO. RECOLHIMENTO PRÉVIO. DESNECESSIDADE. DESERÇÃO. INOCORRÊNCIA.
1. Sendo o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS autarquia federal equiparada em prerrogativas e privilégios à Fazenda Pública, nos termos do artigo 8º da Lei nº 8.620/93, não lhe é exigível o depósito prévio do preparo para fins de interposição de recurso, podendo efetuá-lo ao final da demanda, se vencido (Código de Processo Civil, artigo 27).
2. Recurso especial provido. Acórdão sujeito ao procedimento do artigo 543-C do Código de Processo Civil.
(REsp 1101727/PR, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, CORTE ESPECIAL, julgado em 02/08/2010, DJe 23/08/2010)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. EXTENSÃO DE VANTAGEM PECUNIÁRIA. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL JULGADOS PARCIALMENTE PROCEDENTES. EXECUÇÃO PROVISÓRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO UNÍSSONO NO ÂMBITO DA PRIMEIRA SEÇÃO.
1. A decisão proferida em desfavor da Fazenda Pública que objetive a liberação de recursos ou a inclusão, em folha de pagamento, de aumento, de equiparação ou de extensão de vantagem a servidores da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, aí incluídas a suas autarquias ou fundações, somente poderá executava após o definitivo trânsito em julgado. Precedentes: EREsp 1.121.578/RN, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, DJe 3/12/2010; e AgRg no Ag 1.218.555/RJ, Relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 10/5/2010.
2. No caso sub examine, foi reconhecido o direito dos exequentes, ora agravantes, ao percebimento do adicional por tempo de serviço laborado sob o regime celetista. Nessas condições, tendo em vista que a execução do título executivo importará na extensão de vantagem pecuniária a servidores federais, é mister aguardar o trânsito em julgado do decisum subjacente aos embargos de devedor.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AgRg no Ag 1351281/PR, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01/09/2011, DJe 06/09/2011)
Importante destacar que não integram o conceito de Fazenda Pública as empresas públicas e as sociedades de economia mista. Logo, em princípio, essas entidades da administração indireta não usufruem das prerrogativas próprias das pessoas jurídicas de direito público. Trata-se de consequência necessária do fato de concorrerem com o setor privado. Sobre a submissão de ambas ao regime próprio das empresas privadas, José dos Santos Carvalho Filho ensina:
Alias, essa é que deve ser a regra geral, o que se confirma pelo art. 173, §1º, II, da CF, que é peremptório ao estabelecer sua sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas quanto a direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias. Em outras palavras, não devem ter privilégios que as beneficiem, sem serem estendidos às empresas privadas, pois que isso provocaria desequilíbrio no setor econômico em que ambas as categorias atuam. Veda-se ao Estado-empresário a obtenção de vantagens de que também não possam usufruir as empresas da iniciativa privada. Inexistem, pois, privilégios materiais e processuais, como os atribuídos às entidades públicas, de que são exemplo as autarquias. (2012, p. 496).
Veja-se os seguintes julgados que confirmam que as prerrogativas processuais da Fazenda Pública, em regra, não se estendem às empresas públicas e sociedades de economia mista:
AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSUAL CIVIL. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. PRERROGATIVAS PROCESSUAIS CONFERIDAS À FAZENDA PÚBLICA QUE NÃO SE ESTENDEM À EMPRESA PÚBLICA. INTEMPESTIVIDADE DA APELAÇÃO. CONSEQUENTE INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO ESPECIAL. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO PARA NÃO CONHECER DO RECURSO ESPECIAL EM RAZÃO DE SUA INTEMPESTIVIDADE.
1. A Caixa Econômica Federal, instituição financeira sob a forma de empresa pública dotada de personalidade jurídica de direito privado, não goza das prerrogativas processuais concedidas à Fazenda Pública. Precedentes.
2. O termo inicial para a contagem do prazo para interposição de apelação, in casu, é o dia em que a sentença foi publicada no Diário Oficial.
3. Ultrapassado, em muito, o referido prazo, tem-se a intempestividade da apelação interposta pela empresa pública e, consequentemente, do recurso especial posteriormente apresentado.
4. Agravo regimental provido para não conhecer do recurso especial.
(AgRg no REsp 1458524/PB, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/02/2016, DJe 11/02/2016)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC) - AÇÃO DE COBRANÇA C/C REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS - DECISÃO MONOCRÁTICA DO MINISTRO PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUE, ANTE A INTEMPESTIVIDADE DA INTERPOSIÇÃO DO RECURSO, NEGOU SEGUIMENTO AO RECLAMO. IRRESIGNAÇÃO DA RÉ.
1. Não se conhece do agravo regimental interposto após esgotado o prazo legal de 5 dias previsto nos artigos 545 do CPC e 258 do RISTJ. Precedentes.
2. As normas que criam privilégios ou prerrogativas especiais devem ser interpretadas restritivamente, não se encontrando as empresas públicas, em regra, inseridas no conceito de Fazenda Pública previsto no art. 188 do CPC. Precedentes.
3. Agravo regimental não conhecido.
(AgRg no AREsp 762.268/SE, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 24/11/2015, DJe 30/11/2015)
PROCESSO CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL - REVISÃO DOS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA - INOVAÇÃO RECURSAL - PRECLUSÃO CONSUMATIVA - SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - INCIDÊNCIA § 3º DO ART. 20 DO CPC.
- O tema da sucumbência reciproca somente foi invocado no agravo regimental, não foi alegado nas razões da apelação cível ou nas contrarrazões ao recurso especial. Inovação recursal que não se admite.
- A expressão "fazenda pública" consignada no parágrafo 4º do artigo 20 designa apenas as entidades de direito público, não estando nela inserida as sociedades de economia mista e as empresas públicas.
- Tratando-se de sociedade de economia mista, esta Corte de Justiça firmou o entendimento de que não se aplica o § 4º do art. 20 do CPC, mas sim o § 3º do referido dispositivo.
- Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1335758/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/08/2013, DJe 22/08/2013)
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO. SÚMULA 115/STJ. PARANAPREVIDÊNCIA. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO. PRIVILÉGIOS PROCESSUAIS DA FAZENDA PÚBLICA. NÃO CABIMENTO. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos, com fundamento na Súmula 115/STJ.
2. "O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que as entidades paraestatais que possuem personalidade de pessoa jurídica de direito privado não fazem jus aos privilégios processuais concedidos à Fazenda Pública" (STF - AI 783.136 AgR/PR, Rel. Min. EROS GRAU, Segunda Turma, DJe 14/5/10) 3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no Ag 1360016/PR, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07/06/2011, DJe 20/06/2011)
A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos detém posição peculiar. Não obstante possuir natureza de empresa pública, portanto, de direito privado, usufrui, por expressa previsão legal e por exercer serviço público com exclusividade, das mesmas prerrogativas processuais atribuídas à Fazenda Pública. Veja-se:
PROCESSO CIVIL. CORREIOS. AÇÃO DE REPARAÇÃO CIVIL. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. Cuida-se, na origem, de Apelação contra sentença que extinguiu Ação de Reparação Civil promovida pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) contra o particular, ante o reconhecimento da ocorrência de prescrição trienal, nos termos do art. 206, § 3º, inciso V, do Código Civil.
2. A ECT, empresa pública federal, presta em exclusividade o serviço postal, que é um serviço público e assim goza de algumas prerrogativas da Fazenda Pública, como prazos processuais, custas, impenhorabilidade de bens e imunidade recíproca. Nesse sentido, o prazo de 5 anos previsto no Decreto 20.910/1932 para a Fazenda Pública deve ser aplicado também para a ECT.
3. Agravo Regimental não provido.
(AgRg no REsp 1400238/RN, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/05/2015, DJe 21/05/2015)
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT. CUSTAS. ISENÇÃO. ART. 12 DO DECRETO-LEI 509/69. REVOGAÇÃO PELA LEI 9.289/96. INEXISTÊNCIA. PRECEDENTES DESTA CORTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A jurisprudência firmada no âmbito da Primeira Seção está em que Lei 9.289/96, lei geral, não revogou o art. 12 do Decreto-Lei 509/69, por ser esta lei especial, que conferiu à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT as mesmas prerrogativas processuais da Fazenda Pública, inclusive a isenção de custas processuais.
2. Agravo Regimental desprovido.
(AgRg no AREsp 70.634/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/12/2011, DJe 02/02/2012)
2.2. Fundamentos das prerrogativas PROCESSUAIS da Fazenda Pública.
Os principais fundamentos das prerrogativas processuais da Fazenda Pública são os princípios da supremacia do interesse público e da igualdade. Na sequência deste artigo será explicado o conteúdo destes princípios e como eles justificam as prerrogativas processuais da Fazenda Pública.
2.2.1. Supremacia do interesse público.
As prerrogativas processuais da Fazenda Pública têm como fundamento central o princípio da supremacia do interesse público. Esse princípio deriva da conclusão de que, salvo justificativa relevante, o bem-estar da coletividade deve prevalecer sobre os interesses particulares. Parte da premissa de que não é razoável o sacrifício do interesse geral que conflita com o interesse individual não essencial.
O interesse público que tem supremacia sobre o interesse particular é aquele estabelecido pelas normas constitucionais e pelo restante do ordenamento jurídico. São objetivos da sociedade, visando o seu desenvolvimento e evolução nos mais diferentes aspectos da vida em comunidade. Veja-se o que disseram Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo sobre esse tema:
O princípio da supremacia do interesse público é um princípio implícito. Embora não se encontre enunciado no texto constitucional, ele é decorrência das instituições adotadas no Brasil. Com efeito, por força do regime democrático e do sistema representativo, presume-se que toda atuação do Estado seja pautada pelo interesse público, cuja determinação deve ser extraída da Constituição e das leis, manifestações da "vontade geral". Assim sendo, lógico é que a atuação do Estado subordine os interesses privados.
O princípio da supremacia do interesse público é característico do regime de direito público e, como visto anteriormente, é um dos pilares do denominado regime jurídico-administrativo, fundamentando todas as prerrogativas especiais de que dispõe a administração como instrumentos para a consecução dos fins que a tuição e as leis lhe impõem. (2015, p. 204).
A supremacia do interesse público é tanto um valor, que legitima as previsões legais que nele se fundamentam, como um princípio jurídico, extraído de um conjunto de normas que integram o Direito e que conferem prevalência do bem comum sobre o interesse particular. A supremacia do interesse público é estabelecida e definida por normas vinculantes que integram o Direito vigente. Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo disseram o seguinte sobre esse assunto:
O Estado, portanto, embora tenha assegurada pela ordem constitucional a prevalência dos interesses em nome dos quais atua, está adstrito aos princípios constitucionais que determinam a forma e os limites de sua atuação, como o princípio do devido processo legal, do contraditório e ampla defesa, da proporcionalidade, dentre outros. Conforme se constata, assim como ocorre com todos os princípios jurídicos, o postulado da supremacia do interesse público não tem caráter absoluto. (2015, p. 204).
Os direitos individuais, portanto, devem ser respeitados pelo Estado. O princípio da supremacia do interesse público não consiste numa autorização geral e irrestrita de desconsideração dos direitos individuais. A sua incidência é tópica, específica, e muitas vezes caracterizada como uma hipótese que excepciona ou mitiga determinado direito individual. Veja-se, por exemplo, que o direito de propriedade é reconhecido inclusive constitucionalmente. A existência do direito de desapropriação conferido ao Estado é manifestação da supremacia do interesse público, que deve ser exercido nas hipóteses e na forma prevista nas normas jurídicas, mitigando a faculdade do proprietário de dispor da coisa de acordo com a sua vontade.
O princípio da supremacia do interesse público, por exemplo, recomenda uma limitação especial aos encargos de sucumbência impostos à Fazenda Pública, principalmente nas causas de grande valor, com aptidão de impactar seriamente o orçamento do ente público vencido. Não seria razoável que toda a sociedade tivesse que suportar o pagamento de valores exorbitantes a título de honorários de sucumbência.
O reexame necessário, nos termos da lei, de determinadas sentenças contrárias à Fazenda Pública também deriva do princípio da supremacia do interesse público. É prudente que se garanta a reapreciação de causas significativas com resultado contrário à Fazenda Pública, assegurando, por exemplo, que não transitem em julgado sentenças flagrantemente contrárias ao entendimento jurisprudencial consolidado.
A supremacia do interesse público é uma das justificativas das previsões de prazos para manifestação diferenciados e intimação pessoal estabelecidas em benefício da Fazenda Pública, concedendo ao Estado mais tempo para preparo das petições e facilitando o controle dos andamentos processuais.
2.2.2. IGUALDADE.
A igualdade está intimamente vinculada à ideia de justiça. O tratamento desigual sem justificativa relevante é conduta reprovável, injusta.
No entanto, nem sempre a equivalência de tratamento é a medida adequada para realização de justiça. Pressupõe que os destinatários do tratamento equivalente estejam em igualdade de condições. Caso contrário, o tratamento equivalente será a causa de injustiça. Logo, o tratamento deve ser desigual na medida da desigualdade dos destinatários.
Sobre a relação entre justiça e igualdade, veja-se o que disse Herbert Hart na célebre obra O conceito de direito:
O princípio geral latente nessas diversas aplicações da ideia de justiça é que os indivíduos fazem jus, uns em relação aos outros, a uma certa posição relativa de igualdade ou desigualdade. Isso é algo a ser respeitado nas vicissitudes da vida social, quando os encargos ou benefícios têm de ser distribuídos; é também algo a ser restaurado, se tiver sido perturbado. Assim, considera-se tradicionalmente que a justiça mantém ou restaura um equilíbrio ou proporção, e seu princípio condutor frequentemente se formula com a frase "Devem-se tratar os casos iguais de forma igual"; embora precisemos acrescentar: "e tratem-se os casos diferentes de forma diferente". (2009, p. 206).
Importante destacar que a justiça do tratamento diferenciado dos desiguais depende da pertinência do critério de distinção. O tratamento diferenciado não pode ser arbitrário. Herbert Hart explicou deste modo a importância do critério de diferenciação:
[…] até que se estabeleça quais semelhanças ou diferenças são pertinentes, "tratem-se os casos iguais de forma igual" será uma fórmula necessariamente vazia. Para dar-lhe significado, precisamos saber quando, para os objetivos em vista, os casos devem ser considerados iguais e quais são as diferenças pertinentes [...]
A estrutura da ideia de justiça tem, portanto, certa complexidade. Podemos dizer que compreende duas partes: uma característica uniforme ou constante, resumida no preceito "Tratem-se igualmente os casos iguais", e um critério cambiante ou variável, usado para determinar quando os casos devem ser considerados semelhantes ou diferentes para determinado objetivo. (2009, p. 207).
As prerrogativas da Fazenda Pública no processo civil também se fundamentam no princípio da igualdade. O grande número de demandas envolvendo a Fazenda Pública, as formalidades da comunicação oficial envolvendo os órgãos públicos cuja manifestação técnica é essencial no processo, e a necessidade de impenhorabilidade dos bens públicos para garantia da continuidade dos serviços essenciais prestados à coletividade são algumas das condições peculiares que a diferencia dos demais litigantes, e que justificam as suas prerrogativas processuais como prazos prolongados para manifestação, intimação pessoal, procedimento de execução sem penhora e expropriação de bens, dentre outras.
2.3. PRAZOS PARA MANIFESTAÇÃO E INTIMAÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015.
Os prazos para manifestação e a forma pela qual a intimação é efetivada têm influência direta na gestão dos processos de que a Fazenda Pública faz parte, bem como na qualidade do trabalho jurídico a ser apresentado. As procuradorias da Fazenda Pública normalmente precisam administrar um volume significativo de processos, e muitas atuam com dificuldades financeiras, instalações físicas insuficientes, e com número de servidores abaixo do adequado. A previsão de prazos para manifestação diferenciados e a prerrogativa de intimação pessoal ajudam a superar esses obstáculos.
A legislação revogada estabelecia que os prazos para a Fazenda Pública contestar e recorrer deveriam ser, respectivamente, quadruplicados e duplicados (artigo 188 do Código de Processo Civil de 1973).
Não obstante a redação do artigo 188 do Código de Processo Civil de 1973, doutrinadores consagrados defenderam que o prazo em quádruplo se estenderia para todas as espécies de resposta do réu. Veja-se o que Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero comentaram a esse respeito:
O quádruplo é para responder a demanda e não simplesmente para contestar. Constituem respostas do réu a contestação, as exceções e a reconvenção (art. 297, CPC) e a todas essas respostas aplica-se o art.188, CPC. (2012, p. 210).
Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery também interpretaram a expressão contestar de forma ampla, equivalendo à resposta do réu. (2010, p. 470).
Entretanto, algumas manifestações da Fazenda Pública não dispunham de prazo diferenciado. O prazo para apresentação de contrarrazões, por exemplo, não sofria alteração. Nesse sentido, veja-se o que disse Leonardo José Carneiro da Cunha:
Como já se viu, o prazo em dobro conferido à Fazenda Pública pelo art. 188 do CPC tem pertinência apenas com a interposição do recurso, de tal maneira que a Fazenda Pública dispõe de prazo em dobro para recorrer, não colhendo essa prerrogativa o ato de responder ou de apresentar contra-razões a recurso.
Vale dizer que o prazo para a Fazenda Pública responder ou apresentar contra-razões a algum recurso é simples, não estando, no particular, beneficiada com a dobra conferida pelo art. 188 do CPC. (2007, p. 58).
O Código de Processo Civil de 2015 inovou na questão dos prazos para a Fazenda Pública se manifestar em juízo. Conforme o disposto no seu artigo 183, agora, a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público dispõem de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais.
Veja-se que não existem mais dois prazos diferenciados de acordo com o ato processual a ser praticado, tampouco limitação às espécies de manifestação processual da Fazenda Pública que têm seu prazo modificado. Com o advento do Código de Processo Civil de 2015 está em vigor previsão legal que estabelece prazo diferenciado único em benefício da Fazenda Pública, e em princípio aplicável para qualquer espécie de manifestação processual.
O parágrafo 2º do artigo 183 deixa claro que o prazo em dobro não se aplica quando a lei estabelecer, de forma expressa, prazo próprio para o ente público. Logo, os prazos para as manifestações processuais exclusivas da Fazenda Pública não são duplicados. Quando em tese já for prevista a prática de determinado ato processual pela Fazenda Nacional, seu prazo não sofre alteração. Quando a prática de determinado ato pela Fazenda Nacional decorrer simplesmente de circunstância do caso concreto, uma vez que a previsão legal não o reserva às pessoas jurídicas de direito público, seu prazo é dobrado.
A parte final do artigo 183 do Código de Processo Civil de 2015 consagra a prerrogativa da Fazenda Pública de ser intimada pessoalmente para a apresentação de manifestações processuais. O parágrafo 1º desse dispositivo legal esclarece que a intimação pessoal far-se-á por carga, remessa ou meio eletrônico. Esse benefício processual é de grande importância, pois assegura que a Fazenda Pública efetivamente receba os comunicados processuais para apresentação em juízo das manifestações em defesa do interesse público.
3. CONCLUSÃO.
Neste artigo se viu que os prazos são instrumentos assecuratórios da evolução do procedimento, e que o modo pelo qual a intimação é efetuada influencia a sua contagem.
Destacou-se que dentre as prerrogativas processuais da Fazenda Pública, que se justificam pelas peculiaridades envolvendo a presença do Estado em juízo, encontram-se prazos para manifestação diferenciados e forma específica de intimação.
Ressaltou-se que a expressão Fazenda Pública, indicativa de que os cofres públicos respondem pelas consequências do processo, abrange a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como suas autarquias e fundações.
Frisou-se que as empresas públicas e as sociedades de economia mista não integram o conceito de Fazenda Pública, tampouco usufruem das suas prerrogativas processuais, pois concorrerem com a iniciativa privada em igualdade de condições.
No entanto, lembrou-se que a Empresa Brasileira de Correios de Telégrafos dispõe das mesmas prerrogativas processuais da Fazenda Pública, por monopolizar a atividade que exerce e por força de previsão legal que lhe estende os referidos benefícios.
Informou-se que os princípios da supremacia do interesse público e da igualdade são os principais fundamentos das prerrogativas processuais da Fazenda Pública.
Explicou-se que o princípio da supremacia do interesse público implica a prevalência do interesse coletivo em conflito com interesse individual que não seja essencial. Registrou-se que o interesse coletivo preponderante e seus efeitos práticos são determinados pelo Direito. Logo, os direitos individuais devem ser respeitados. A consagração da prevalência do interesse público em norma jurídica implica exceção a direito individual conflitante. Listou-se alguns exemplos de prerrogativas processuais da Fazenda Pública que se legitimam com base no princípio da supremacia do interesse público.
Destacou-se que o princípio da igualdade, que se relaciona com a ideia de justiça, impõe o tratamento idêntico das situações equivalentes, bem como o tratamento diferenciado na medida das desigualdades pertinentes no caso concreto. Ressaltou-se que esse princípio fundamenta diversas prerrogativas processuais da Fazenda Pública, em decorrência das peculiaridades e dificuldades que envolvem a atuação do Estado em juízo.
Frisou-se que os prazos para manifestação e o modo pelo qual a intimação é efetivada influi no controle dos processos, bem como na qualidade da atuação judicial. Os prazos para manifestação diferenciados e a prerrogativa de intimação pessoal permitem que a Fazenda Pública suplante as dificuldades existentes para a defesa do Estado em juízo.
Lembrou-se que o Código de Processo Civil de 1973 previa que a Fazenda Pública dispunha de prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer, que doutrinadores renomados interpretaram que o prazo diferenciado se estendia para todas as respostas do réu, mas que nem todas as manifestações tinham seu prazo modificado, citando-se como exemplo o prazo para apresentar contrarrazões.
Explicou-se que o Código de Processo Civil de 2015 estabeleceu prazo em dobro para todas as manifestações da Fazenda Pública em juízo.
Destacou-se que na legislação revogada haviam prazos diferenciados de acordo com a espécie de ato processual a ser praticado, mas que não se estendiam para todos os tipos de manifestação, e que no novo diploma processual cível foi estabelecido um prazo especial único em benefício da Fazenda Pública, aplicável em tese a todas as suas manifestações. Frisou-se que os prazos próprios da Fazenda Pública não são duplicados.
Por fim, informou-se que o Código de Processo Civil de 2015 determina a intimação pessoal da Fazenda Pública, por carga dos autos, remessa ou meio eletrônico, e que essa prerrogativa é muito importante, pois garante que as pessoas jurídicas de direito público efetivamente recebam os avisos processuais para apresentação de manifestação em juízo.
4. REFERÊNCIAS.
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 23. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015.
BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869impressao.htm. Acesso em: 6 de maio de 2016.
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 6 de maio de 2016.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
CUNHA, Leonardo José Carneiro da Cunha. A fazenda pública em juízo. 5. ed. São Paulo: Dialética, 2007.
HART, H. L. A. O conceito de direito. 1. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009.
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil: comentado artigo por artigo. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2012.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 1995.
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
Procurador da Fazenda Nacional. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA) de Santa Maria/RS. Pós-graduado em Direito Eleitoral pela Universidade do Sul de Santa Catarina. <br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SCHMITT, Jonas Ernande. Os prazos para manifestação e a intimação da Fazenda Pública no Código de Processo Civil de 2015 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 jun 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46906/os-prazos-para-manifestacao-e-a-intimacao-da-fazenda-publica-no-codigo-de-processo-civil-de-2015. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Por: PRISCILA GOULART GARRASTAZU XAVIER
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