RESUMO: O presente artigo analisa a aplicação da Teoria da Encampação no âmbito dos Tribunais Superiores, bem como os requisitos necessários para tal.
PALAVRAS-CHAVE: Mandado de Segurança – Habeas Data - Teoria da Encampação – Jurisprudência – Superior Tribunal de Justiça.
1. INTRODUÇÃO
Os remédios constitucionais delineados na Carta Maior se prestam a efetivar direitos fundamentais que estão sendo infringidos, ou estão sofrendo a ameaça de o ser, sendo consideradas por grande parte da doutrina como “garantias fundamentais”.
As garantias fundamentais são estabelecidas pelo texto constitucional como instrumentos de proteção dos direitos fundamentais. São os instrumentos por meio dos quais é assegurado o exercício desses direitos, bem como a devida reparação, nos casos de violação.
Entre tais garantias, encontram-se o Mandado de Segurança e o Habeas Data. Nesses instrumentos de proteção, deve-se indicar uma “autoridade coatora”, sendo esta aquela responsável pelo ato supostamente inconstitucional que está a ferir direitos fundamentais de alguém. Ocorre que, comumente, a autoridade coatora é equivocadamente apontada pelo impetrante, o que desaguaria em uma extinção desses remédios sem o exame do mérito, à vista da ilegitimidade da autoridade apontada para figurar como coatora na ação.
De modo a aproveitar o remédio constitucional em qual se foi apontada uma autoridade coatora de forma equívoca, a doutrina e a jurisprudência se utilizam da denominada “Teoria da Encampação” que, preenchido os seus requisitos, permite a análise do mérito da ação mesmo em quando a autoridade coatora seria ilegítima.
Nesse estudo, iremos analisar a aplicação da Teoria da Encampação no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e quais são os requisitos necessários para a aplicação de tal teoria.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 Conceito da Teoria da Encampação
A Teoria da Encampação é utilizada quando o impetrante indica errônea autoridade coatora, mas a autoridade notificada encampa a impugnação e oferece a devida redarguição [1].
Em linguagem simplória, a Teoria da Encampação será utilizada quando a autoridade coatora equivocadamente apontada no remédio constitucional se manifesta sobre o mérito do ato impugnado, sendo que deverá ocorrer também o preenchimento de outros requisitos que serão adiante apontados.
Parte da doutrina critica a nomenclatura “encampação”, tendo em vista que trata-se de verdadeira usurpação de competência da verdadeira autoridade coatora do ato, e não mera encampação.
Vejamos então os julgados do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema e os requisitos apontados por sua jurisprudência.
2.2 A Teoria da Encampação no STJ
A teoria da encampação vem sendo utilizada pelos Tribunais Superiores há mais que uma década e, mesmo assim, não tem sido dada a devida importância ao instituto. Com o advento do Novo Código de Processo Civil, que possui entre seus alicerces estruturantes o Princípio da Primazia da Decisão Meritória, ganha ainda mais importância a Teoria da Encampação, pois, nos dizeres de Cândido Rangel Dinamarco, estamos diante da era de um processo civil de resultados, e resultado meritório é exatamente o que a Teoria da Encampação permite.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é abundante quanto ao tema, e, portanto, destacaremos apenas dois recente julgados como exemplos:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL.MANDADO DE SEGURANÇA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO.APLICABILIDADE.
1. A aplicação da teoria da encampação exige o preenchimento dos seguintes requisitos: (a) existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou informações e a que ordenou a prática do ato impugnado; (b) manifestação a respeito do mérito nas informações prestadas; (c) ausência de modificação de competência estabelecida na Constituição Federal. Precedentes.
2. Na espécie, (a) existe o vínculo de hierarquia entre a autoridade indicada na ação mandamental (Governador de Estado), e uma outra que é a verdadeiramente competente para a prática e desfazimento do ato administrativo (Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão - SEPLAG - nos termos do Decreto estadual nº 44.817/2008); (b) houve a defesa do ato praticado pelo órgão administrativo subalterno; (c) não há modificação da competência atribuída pela Constituição do Estado ao Tribunal de Justiça (art. 106, "c", da CE).
3. Agravo regimental não provido. (AgRg no RMS 43.289/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/12/2015, DJe 18/12/2015)
MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. INDEFERIMENTO DE PENSÃO POR MORTE. ATO IMPUGNADO DE COMPETÊNCIA DO COORDENADOR-GERAL DE GESTÃO DE PESSOAS. MINISTRO DE ESTADO DOS TRANSPORTES. ILEGITIMIDADE PASSIVA.
1. A autoridade que praticou o ato impugnado não foi o Ministro de Estado dos Transportes, senão o Coordenador-Geral de Recursos Humanos (atual Gestão de Pessoas), que, em mandado de segurança, não está submetido à competência constitucional deste Superior Tribunal.
2. Não há falar-se em (eventual) aplicação da teoria da encampação, somente aplicada quando não implica deslocamento da competência do órgão judicante.
3. Mandado de segurança denegado (art. 6º, § 5º, Lei 12.016/2009, c/c o art. 267, VI, CPC). (MS 20.937/DF, Rel. Ministro OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/02/2016, DJe 02/03/2016)
O primeiro julgado é didático. Para o Superior Tribunal de Justiça, em jurisprudência pacífica, é necessária para a utilização da teoria da encampação o preenchimento dos seguintes requisitos:
a) Existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou informações e a que ordenou a prática do ato impugnado;
b) Manifestação a respeito do mérito nas informações prestadas;
c) Ausência de modificação de competência estabelecida na Constituição Federal.
Analisemos cada um dos requisitos de forma individual.
Em relação a existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou informações e que ordenou a prática do ato impugnado, a priori, insta frisar que o vínculo hierárquico se manifesta através da subordinação entre órgãos e agentes públicos, sempre no âmbito de uma mesma pessoa jurídica. Portanto, não é possível a aplicação da teoria da encampação em quando a autoridade equivocadamente apontada como coatora e a real autoridade coatora integrarem pessoas jurídicas diversas, em razão da impossibilidade de existência de hierarquia entre elas.
Nesse primeiro requisito, verifica-se, também, a necessidade de que a autoridade coatora equivocadamente apontada preste as informações sobre a prática do ato, sendo que, se houver uma inércia que acabe por desaguar em ausência da prestação de informações pela autoridade, não será possível a aplicação da teoria em estudo.
Acerca da manifestação a respeito do mérito nas informações prestadas, tal requisito deixa claro que se faz imperioso que a autoridade equivocadamente apontada, disserte acerca do mérito do ato impugnado pelo remédio constitucional em suas informações, geralmente o defendendo, sendo que a simples alegação de ilegitimidade pela autoridade erroneamente apontada não basta para a aplicação de tal teoria.
Porém, insta salientar que nas hipóteses em que a autoridade coatora aduz sua ilegitimidade e, concomitantemente, se manifesta sobre o mérito do ato nas informações prestadas, será possível a aplicação da teoria da encampação, se preenchidos também os demais requisitos, conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA AUTORIDADE APONTADA COMO COATORA. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. REQUISITOS. AUSÊNCIA DE SUPERIORIDADE HIERÁRQUICA PARA REVER O ATO. INAPLICABILIDADE.
1. Deve ser aplicada a Teoria da Encampação quando a autoridade apontada como coatora no mandado de segurança - hierarquicamente superior à autoridade efetivamente legítima para figurar no pólo passivo -, mesmo aduzindo sua ilegitimidade, defende o mérito do ato impugnado, desde que não haja modificação da competência.
2. No concernente ao requisito da subordinação hierárquica, há que se ter em mente o seguinte desdobramento: para verificação da referida teoria, a submissão deve ser aquela que permite à "autoridade superior" rever o ato do seu subordinado. Se não existe tal competência, não se pode falar em encampação.
3. In casu, o que se observa é mera subordinação administrativa, isto é, o Superintendente apenas tem o "poder" de coordenar e gerenciar os processos de trabalho no âmbito da região fiscal. Como bem colocado no acórdão recorrido, não tem ele competência para interferir nas atividades de lançamento, donde se conclui não configurada a subordinação hierárquica como exigido. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1270307/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/03/2014, DJe 07/04/2014)
Quanto ao terceiro e último requisito, de certo tratar-se do requisito que mais utilizado pelo Superior Tribunal de Justiça para impedir a aplicação da teoria da encampação, à vista de que, por muitas vezes, a autoridade coatora erroneamente apontada defende o mérito do ato, porém, tal situação acaba por modificar competência estabelecida na Constituição Federal e por isso não deve ser admitida a aplicação da teoria em estudo. É farta a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ICMS. INSURGÊNCIA CONTRA A COBRANÇA DE TRIBUTO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO SECRETÁRIO DA FAZENDA ESTADUAL.
TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. INAPLICABILIDADE.
1. Nos termos do que decidido pelo Plenário do STJ, "[a]os recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Enunciado Administrativo n. 2) .
2. Esta Corte já decidiu que o Secretário de Fazenda não é parte legítima para figurar no polo passivo do mandado de segurança em que se discute a exigibilidade de tributos, situação análoga ao caso sub examine. Precedentes: RMS 37.270/MS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 22/4/2013; AgRg no RMS 39.284/MS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 24/6/2013.
3. É descabida, in casu, a aplicação da teoria da encampação pois, malgrado o Secretário de Estado da Fazenda tenha defendido o mérito do ato atacado pelo mandamus, sua indicação como autoridade coatora modifica a regra de competência jurisdicional do Tribunal de Justiça. Precedentes: AgRg no RMS 47.916/CE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 5/8/2015; EDcl no RMS 32.110/PA, Rel.
Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 19/4/2011; REsp 818.473/MT, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 17/12/2010.
4. Agravo regimental não provido. (AgInt no RMS 49.232/MS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/05/2016, DJe 18/05/2016)
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. POLICIAL MILITAR ESTADUAL.
EXCLUSÃO. ATO COATOR DO COMANDANTE. IMPETRAÇÃO SOMENTE CONTRA O SECRETÁRIO DE ESTADO. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. INAPLICÁVEL. MODIFICAÇÃO DA COMPETÊNCIA. PRECEDENTE.
1. Cuida-se de recurso ordinário interposto contra acórdão no qual o writ of mandamus foi extinto sem apreciação do mérito, por ilegitimidade passiva ad causam da autoridade indicada como coatora.
2. Informam os autos que o recorrente foi excluído da corporação policial militar por ato praticado pelo Comandante Geral (fls.
24-26), tendo impetrado o mandado de segurança apenas contra o Secretário de Estado de Segurança Pública.
3. No caso concreto, não houve a defesa do ato por parte do Secretário de Estado, que, desde o primeiro momento, postulou sua ilegitimidade para figurar no polo passivo; ainda, cabe frisar que não é possível aplicar a teoria da encampação nos casos em que tal determinação venha a modificar a competência jurisdicional ao processamento do feito mandamental. Precedente: MS 17.435/DF, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 1º/2/2013. Recurso ordinário improvido.
(RMS 44.464/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/02/2015, DJe 19/02/2015)
A observância da competência na espécie se faz absolutamente necessária, à vista que, tratando-se de autoridades coatoras quais os atos devam ser atacados em foro estabelecido pela legislação constitucional, a inobservância da regra de competência é causa de nulidade absoluta, não podendo se convalidar os atos praticados na hipótese.
Em que pese todos os julgados supras estarem relacionados a julgamentos proferidos em mandado de segurança, o Superior Tribunal de Justiça também já reconheceu a possibilidade da aplicação da teoria da encampação em habeas data:
CONSTITUCIONAL. HABEAS DATA. VIÚVA DE MILITAR DA AERONÁUTICA. ACESSO A DOCUMENTOS FUNCIONAIS. ILEGITIMIDADE PASSIVA E ATIVA. NÃO-OCORRÊNCIA. OMISSÃO DA ADMINISTRAÇÃO CARATERIZADA. ORDEM CONCEDIDA.
1. A autoridade coatora, ao receber o pedido administrativo da impetrante e encaminhá-lo ao Comando da Aeronáutica, obrigou-se a responder o pleito. Ademais, ao prestar informações, não se limitou a alegar sua ilegitimidade, mas defendeu o mérito do ato impugnado, requerendo a denegação da segurança, assumindo a legitimatio ad causam passiva. Aplicação da teoria da encampação. Precedentes.
2. É parte legítima para impetrar habeas data o cônjuge sobrevivente na defesa de interesse do falecido.
3. O habeas data configura remédio jurídico-processual, de natureza constitucional, que se destina a garantir, em favor da pessoa interessada, o exercício de pretensão jurídica discernível em seu tríplice aspecto: (a) direito de acesso aos registros existentes;
(b) direito de retificação dos registros errôneos e (c) direito de complementação dos registros insuficientes ou incompletos.
4. Sua utilização está diretamente relacionada à existência de uma pretensão resistida, consubstanciada na recusa da autoridade em responder ao pedido de informações, seja de forma explícita ou implícita (por omissão ou retardamento no fazê-lo).
5. Hipótese em que a demora da autoridade impetrada em atender o pedido formulado administrativamente pela impetrante – mais de um ano – não pode ser considerada razoável, ainda mais considerando-se a idade avançada da impetrante.
6. Ordem concedida.
(HD 147/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 12/12/2007, DJ 28/02/2008, p. 69)
Desse modo, em que pese ser de rara aplicação no âmbito da jurisprudência do STJ, é plenamente possível a utilização da teoria da encampação também nos habeas data, desde que estejam preenchidos os requisitos supra analisados e delineados pela jurisprudência da Corte Cidadã.
3. Conclusão
A teoria da encampação é abundantemente utilizada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, e certamente é de grande utilidade para a concretização dos princípios processuais constitucionais explícitos e implícitos.
A partir do Novo Código de Processo Civil, a teoria em análise ganhará ainda mais relevância, tendo em vista que o novo sistema processual tem por alguns de seus alicerces estruturantes o Princípio da Primazia da Decisão Meritória, o Princípio da Economia Processual e o Princípio da Celeridade, sendo que o aproveitamento dos remédios constitucionais através da utilização da Teoria da Encampação prestigia e corrobora com a observância de todos os princípios processuais supra destacados.
Desse modo, aguarda-se que a teoria da encampação tenha ainda maior destaque na doutrina e na jurisprudência com o advento da nova ordem processual civil, sendo de extrema relevância que os operadores do direito conheçam da jurisprudência dos Tribunais Superiores sobre o tema, bem como a apliquem, em busca de um processo civil de resultados.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 28ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, pg. 1073.
Advogado. Aprovado para o concurso de Juiz de Direito do Tribunal de Justiça da Paraíba (2016). Bacharel em Direito pela Faculdades Integradas Espírito-Santenses - FAESA. Pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Leopoldo Martins Moreira. A Teoria da Encampação na visão do STJ Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 jun 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46926/a-teoria-da-encampacao-na-visao-do-stj. Acesso em: 22 nov 2024.
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