RESUMO: O presente trabalho versa sobre os atos de improbidade administrativa previstos na Lei 8.429/92, identificando os sujeitos, as sanções e os procedimentos administrativo e judicial. A improbidade perfaz-se através da prática de condutas que não observam as normas legais nem os princípios administrativos. Assim, busca-se demonstrar as diversas formas de atos ímprobos, possibilitando a repreensão dessas ações.
Palavras-chave: Atos de improbidade. Sujeitos. Sanções. Procedimentos.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO, 2 SUJEITOS DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, 3 ATOS DE IMPROBIDADE, 3.1 ATOS QUE IMPORTAM ENRIQUECIMENTO ILÍCITO, 3.2 ATOS QUE CAUSAM LESÃO AO ERÁRIO, 3.3. ATOS QUE ATENTAM CONTRA OS PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS, 4 SANÇÕES, 5 PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO E PROCESSO JUDICIAL 6 CONCLUSÃO, 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1 INTRODUÇÃO
A improbidade administrativa é uma prática bastante combatida no âmbito da Administração Pública, pois atenta contra os bons costumes, à moral, à ética, à lei e, principalmente, ao interesse público. De acordo com Fernandes (1997, apud PALHANO, 2011), o vocábulo improbidade administrativa pode ser entendido da seguinte forma:
A palavra improbidade vem do latim, improbitas, átis, significando, em sentido próprio má qualidade (de uma coisa). Também em sentido próprio, improbus, i, que deu origem ao vernáculo improbus, i, em português, probo, quer dizer bom, de boa qualidade. O sentido próprio dessas palavras, pois, não se reporta, necessariamente, ao caráter desonesto do procedimento incriminado, quando se faz referência a administração de má qualidade [...].
Mediante análise do termo improbidade, faz-se mister conceituá-lo como uma forma de corrupção administrativa que desvirtua normas e princípios estabelecidos para garantir a retidão no serviço público. A mera ilegalidade, por si só, não configura a improbidade administrativa, devendo haver também a ausência de probidade e idoneidade.
Com o passar do tempo, viu-se a necessidade de impedir os diversos atos de desonestidade praticados pelo Poder Público. Diante disso, criaram-se legislações com o escopo de reprimir essas condutas.
Na Constituição de 1946 já se falava em ato ímprobo, como estabelece o art. 141, § 31 da referida norma, que informa que “a lei disporá sobre o seqüestro e o perdimento de bens, no caso de enriquecimento ilícito, por influência ou com abuso de cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica”.
Como visto, o enriquecimento ilícito, desde longa data, já havia sendo punido, configurando-se, portanto, como uma das modalidades de improbidade administrativa que se encontra inserida, atualmente, na Lei nº 8.429/1992.
Outra norma de grande relevância foi a Lei nº 3.164, de 1º de junho de 1957, denominada de Lei Pitombo-Godói Ilha que se destinava também a impor o sequestro e a perda dos bens adquiridos pelo servidor público, que se beneficiava em razão da função exercida.
Segundo o § 1º do art. 1º da referida legislação, essas medidas impostas deveriam ser decretadas no juízo cível. Ademais, o processo dar-se-ia por iniciativa do órgão ministerial ou do povo.
Posteriormente, surgiu a Lei nº 3.502, de 21 de dezembro de 1958 que recebeu o nome de Lei Bilac Pinto que também regulava o enriquecimento ilícito e em seu art. 4º informava que havia uma equiparação entre tal ato e os crimes contra a administração e o patrimônio público, o que acarretava aos responsáveis uma responsabilização criminal.
Nota-se que com a Constituição de 1967 permaneceu a preocupação em regulamentar as sanções para os atos de enriquecimento ilícito, bem como para a prática de atividades que causassem danos ao erário.
A norma de grande relevância foi a Constituição Federal de 1988 que abordou a proteção à probidade no âmbito da Administração Pública. Isso pode ser visualizado mediante redação do art. 37, § 4º da referida Constituição, que dispõe que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.
2 SUJEITOS DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Os sujeitos da improbidade administrativa classificam-se em passivos e ativos. Aqueles se referem às entidades que podem ser atingidas pelos atos ímprobos, enquanto estes, por sua vez, são os agentes públicos responsáveis pela falta de probidade e honestidade no exercício da atividade.
A Lei nº 8.429/92 elencou em seu art. 1º, os sujeitos passivos da improbidade administrativa:
Art. 1º Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.
Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.
O caput do referido dispositivo enumera as entidades que merecem a guarda da Lei de Improbidade. Dessa forma, ressaltou como sujeitos passivos as pessoas jurídicas de direito público, bem como as de direito privado pertencentes à Administração Indireta. Ademais, incluiu também as fundações, as empresas ou entidades criadas ou custeadas com mais de cinquenta por cento do patrimônio público.
A Administração Direta, formada por pessoas políticas, abrange a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Já a Administração Indireta é composta pelas autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista. As autarquias, as fundações públicas, bem como os Territórios, são pessoas jurídicas de direito público de natureza administrativa e não política. Embora, atualmente, não existam Territórios Federais, sua criação continua prevista constitucionalmente. As autarquias são criadas por lei para executar as atividades do ente que as originaram. As fundações podem ter personalidade jurídica, pública ou privada, que será atribuída pela lei. As empresas públicas e as sociedades de economia mista são pessoas jurídicas de direito privado. São criadas por meio de autorização legislativa e se diferenciam, por exemplo, quanto ao capital e a forma de instituição. As empresas públicas são instituídas mediante a forma de qualquer sociedade, enquanto que as sociedades de economia mista só admitem a forma de sociedade anônima. No que diz respeito ao capital, o das empresas é exclusivamente público, já o da sociedade de economia mista é formado por recursos públicos e particulares, havendo a predominância do capital público.
São ainda contempladas pela lei as empresas incorporadas ao patrimônio público que de acordo com Prado (2001, p. 63) “são aquelas cujo controle acionário, primitivamente a particulares, passa, por qualquer razão, a ser titularizado pelo Poder Público ou por ente de sua Administração indireta”. Sendo assim, o controle patrimonial pertencente anteriormente a particulares passa a ser incorporado por um ente público. Faz-se mister que a empresa incorporada continue existindo, do contrário, não haverá a titularidade do patrimônio a ser protegido.
No que concerne a entidade criada ou custeada pelo erário é importante destacar que a primeira pode ser definida como um ente que no momento da sua criação teve a maioria de seu patrimônio composto por dinheiro público. Em contrapartida, a segunda situação trazida pela Lei estabelece a entidade cuja receita anual é complementada, com mais de cinquenta por cento, com recursos públicos. No momento da prática do ato ímprobo, tais características devem ser preservadas para garantir a proteção assegurada pela Lei nº 8.429/92.
O parágrafo único ainda acrescentou as entidades não integrantes da Administração Direta nem da Indireta que recebem alguma subvenção ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público ou de entes criados ou custeados com menos de cinquenta por cento do patrimônio público. Nesse caso, a sanção pecuniária aplicável será proporcional ao ilícito causado aos recursos públicos incorporados às entidades.
Todos esses entes podem ser alvo da improbidade praticada pelos agentes públicos que se encontram definidos no art. 2º, da Lei nº 8.429/92:
Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.
Observa-se que o agente público, sujeito ativo da improbidade administrativa, pode ser conceituado como qualquer pessoa que realiza serviços para o Estado. Para ser enquadrado nessa qualidade não é necessário que haja um vínculo empregatício nem que a atividade seja remunerada. Verifica-se que há uma denominação ampla para o agente público, podendo este abranger quatro modalidades: os agentes políticos, os servidores públicos, os militares e os particulares em colaboração com o Poder Público.
Os agentes políticos, como o próprio nome já diz, são aqueles que estão inseridos no cenário político da organização estatal. Dessa forma, a Lei de Improbidade aplica-se ao Presidente da República, aos governadores, prefeitos, deputados, senadores, vereadores, bem como àqueles detentores de cargos de confiança que estão diretamente ligados a eles, como os ministros e secretários. É importante que sejam analisados com certa cautela, visto que há situações em que não serão alcançados pela referida lei.
No que concerne ao Presidente da República, vale destacar que a este não será aplicada a sanção de perda da função pública disciplinada na Lei nº 8.429/92, já que os atos praticados por ele que atentam contra a probidade na administração serão punidos como crime de responsabilidade, conforme estabelecido no art. 85 da Constituição Federal. Ademais, a pena de suspensão dos direitos políticos também não se aplicará à autoridade em comento, pois de acordo com o art. 53, parágrafo único, da CF, em caso de condenação à perda do cargo, aplicar-se-á a pena de inabilitação por oito anos para o exercício de função pública. Aos governadores aplicam-se também as mesmas regras.
A Carta Magna, em seu art. 53, dispõe sobre a imunidade dos parlamentares ao estabelecer que “os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Diante disso, os atos praticados por esses agentes que sejam caracterizados como crime de opinião não serão alcançados pela Lei de Improbidade, em razão da imunidade material prevista. Tal imunidade se estende também aos vereadores. Para Di Pietro (2010, p. 829), “a imunidade parlamentar, no entanto, somente se refere à responsabilidade criminal. Como a improbidade não constitui crime, não há impedimento a que a lei seja aplicada aos parlamentares”. Além da imunidade material há a imunidade formal, prevista no §2º do art. 53 da CF, que estabelece que “desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável [...]”. Contudo, tal prerrogativa não alcança os vereadores.
Os senadores, deputados e vereadores apenas serão responsabilizados por atos ímprobos se estiverem no exercício da função administrativa. Caso a atividade seja tipicamente legislativa não haverá a incidência da Lei nº 8.429/92. É importante ressaltar que a sanção de perda da função pública também não alcança esses parlamentares, em razão do art. 55, da CF, que prevê a perda do mandato por decisão da respectiva casa legislativa.
Integram também a categoria de agentes públicos, os servidores públicos, que são aqueles que exercem um trabalho de forma não eventual e possuem uma relação de dependência. Encontram-se inseridos tanto na Administração Direta quanto na Indireta, podendo ser classificados em: estatutários, empregados públicos e servidores temporários. Os primeiros de acordo com Pazzaglini Filho (2011, p. 10), são “titulares de cargos públicos efetivos ou em comissão e sujeitos ao regime jurídico estatutário”. Já os empregados públicos são regidos pela legislação trabalhista. Por fim, os servidores temporários são agentes contratados por tempo determinado para atender atividades temporárias de excepcional interesse público conforme disposto no art. 37, IX, da CF.
Outra classe de agentes públicos diz respeitos aos militares que foram retirados da categoria de servidores públicos por força da Emenda Constitucional nº 18/98. Trata-se de pessoas físicas integrantes das Forças Armadas, Polícias e Corpo de Bombeiros Militares. O regime atribuído a esses agentes é o estatutário que se encontra disciplinado em uma legislação própria dos militares.
Surgiram também os particulares em colaboração com o Poder Público.
Dessa forma, esses agentes são pessoas que prestam serviços à Administração, de forma remunerada ou não, e não possuem vínculo empregatício.
Vale registrar, ainda, a presença de terceiros que estão evidenciados no art. 3º, da Lei nº 8.429/92, o qual estabelece que “as disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta”.
3 ATOS DE IMPROBIDADE
A Lei nº 8.429/92, em seus artigos 9º, 10 e 11 elucida, respectivamente, os três tipos de improbidade administrativa: os atos que importam enriquecimento ilícito; que causam prejuízo ao erário; que atentam contra os princípios da Administração Pública. Esses atos ilícitos devem ser rigorosamente fiscalizados e punidos.
O agente público deve atuar dentro dos parâmetros legais e em conformidade com as suas atribuições. A improbidade vislumbra-se como uma má-gestão pública, o que pode acarretar danos ao interesse tutelado pela Administração. Necessita-se de uma supervisão das atividades funcionais, possibilitando, assim, uma maior segurança no exercício do Poder Público.
3.1 ATOS QUE IMPORTAM ENRIQUECIMENTO ILÍCITO
O ato de improbidade administrativa que gera um enriquecimento ilícito é aquele praticado em razão do exercício do Poder Público visando obter qualquer tipo de vantagem financeira não permitida. Nas palavras do art. 9º, caput, da Lei nº 8.429/92, encontra-se a regulamentação de tal ato:
Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionas no art. 1º desta Lei, e notadamente [...].
Esse locupletamento ilícito verifica-se, inicialmente, com o uso da palavra “auferir”, que significa lucrar, colher, obter proveito econômico, valendo-se do cargo, emprego, ou função pública exercida pelo agente.
É importante destacar que o enriquecimento ilícito apreciado pela lei em comento não possui ligação com o enriquecimento sem causa, já que este requer que haja um enriquecimento de uma parte e o empobrecimento da outra, havendo, portanto, um nexo de causalidade entre ambos, inexistindo causa jurídica.
Sabe-se que o agente público é remunerado pelo Estado, em razão da atividade exercida. Sendo assim, é necessário analisar essa contraprestação sob o prisma do princípio da razoabilidade, já que é comum deparar-se com situações em que o agente recebe determinadas vantagens, devido às datas comemorativas, não havendo, portanto, improbidade administrativa.
Depreende-se do artigo a nomenclatura “notadamente” que traduz a ideia de um rol exemplificativo das hipóteses que configuram o ato de enriquecimento ilícito. Dessa forma, constam no art. 9º, da Lei nº 8.429/92, doze incisos que elucidam tal prática. Passa-se, portanto, a análise de cada dispositivo.
Inicialmente, o art. 9º, I, da Lei nº 8.429/92, preceitua uma forma de enriquecimento ilícito:
Receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público.
Diante do exposto no inciso primeiro, nota-se que a caracterização do ilícito acontecerá quando aquele que estiver no exercício de um serviço público receber uma gratificação, comissão ou qualquer outra forma que possua valor patrimonial, mediante meios indevidos. O referido dispositivo deixa claro que mesmo que a percepção da vantagem seja em proveito de outrem estará configurado o ato. Outro elemento presente é a forma na qual pode se proceder a conduta, sendo ela direta ou indireta, esta se dar quando a vantagem ofertada não pertence ao patrimônio do titular do interesse, diferenciando-se da forma direta que se consubstancia com a entrega de vantagem econômica pertencente àquele que se beneficiará com a ação ou omissão do agente público, isto é, o próprio interessado. Por fim, exige-se que a função exercida pelo agente possua características e atribuições que tenham a potencialidade para satisfazer o interesse concreto, contudo, a efetiva satisfação não é algo essencial para que haja a improbidade do ato, pois é necessário que exista o recebimento da vantagem.
O inciso II pontifica o ilícito que se vislumbra por meio do tipo “perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1º por preço superior ao valor de mercado”. Vê-se que essa prática pode acarretar uma diminuição no patrimônio público, já que a contratação ocorre mediante valores exorbitantes.
Já no inciso III, o enriquecimento ilícito visualiza-se através do ato de “perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado”.
Diferentemente do dispositivo anterior que fazia menção a qualquer tipo de contratação feita pelas entidades públicas, este se refere à contratação de bem público, através da depreciação do preço, beneficiando o agente público que incorreu em tal prática, recebendo para tanto, uma vantagem indevida.
Encontra-se positivado no inciso IV, art. 9º da lei nº 8.429/92, o uso indevido de bens públicos:
Utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.
Fazendo uma análise da redação do inciso IV, a improbidade caracteriza-se quando o agente público, para satisfazer interesse particular, faz uso de bens à disposição ou pertencentes à Administração, bem como de trabalho daqueles que exercem serviços públicos, perpetrando-se, portanto, um desvio de finalidade. Conforme Bezerra Filho (2005, p. 51), “No âmbito da Administração Pública estadual ou municipal tem sido freqüente a identificação de carros locados que são postos à disposição de familiares de autoridades ou destas para fins exclusivamente pessoais, mas às custas do erário”. Vale ressaltar que quando houver autorização de uso de bens públicos, não haverá ilicitude em tal prática.
Outra maneira de identificar o enriquecimento ilícito é por meio do inciso V, art. 9º da lei nº 8.429/92, que prevê a prática de atividades ilícitas:
Receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem.
O dispositivo trouxe a figura da promessa de vantagem, não havendo necessidade, portanto, do efetivo recebimento de tal benefício, bastando apenas que o agente público tenha concordado em recebê-lo. A incidência da improbidade, nesse caso, é verificada quando o agente é indulgente com essas práticas ilícitas, sem reprimi-las, sendo omisso diante das irregularidades. Ademais, a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando e de usura são atos que estão inseridos também no âmbito penal, ocasionando a responsabilidade também em tal esfera.
Ainda acerca das hipóteses de enriquecimento ilícito, o inciso VI, art. 9º da lei nº 8.429/92, dispõe:
Receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei.
No que concerne a falsa declaração feita pelo agente público, é imprescindível que haja a identificação do caráter lesivo desse ato, embora não seja relevante a existência de dano ao erário. É comum essa prática na realização dos contratos administrativos, cujas empresas submetidas ao processo de licitação utilizam-se dos agentes públicos, mediante oferecimento de vantagens econômicas, para que sejam adulteradas determinadas informações que possam causar prejuízos à Administração.
O inciso VII disciplina o ato ímprobo como uma forma de “adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público”. Esse dispositivo faz alusão àqueles agentes públicos que possuem bens, cujos valores são desproporcionais a percepção de seus recursos, configurando um patrimônio incompatível com as condições financeiras adquiridas ao longo do exercício funcional na Administração Pública. No caso em apreço, o enriquecimento pode ser pessoal ou familiar, cabendo o ônus da prova ao autor da ação. Contudo, o agente acusado pode esclarecer a aquisição dos seus bens, desde que a entidade administrativa para a qual trabalhe tenha feito a exigência de declarações e documentos que comprovem a regularidade de seu patrimônio.
No tocante ao inciso VIII, art. 9º da lei nº 8.429/92, o legislador comenta:
Aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade.
O dispositivo trata do agente público que, em razão da sua atividade funcional, é contratado ou recebe comissão de pessoa física ou jurídica, para atender o interesse desta em detrimento do interesse da Administração. Segundo Prado (2001), havendo uma eventual colaboração gratuita com o titular do interesse, embora possa incidir em impedimentos funcionais e caracterizar uma infração disciplinar, não se configura como um ato de improbidade por enriquecimento ilícito, em razão da ausência da percepção de vantagem econômica.
O inciso IX preceitua que “perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza” é um ato desonesto. Em outros termos, é proibido ao agente público auferir benesse ilícita para favorecer interesse de terceiro com a liberação ou aplicação de recursos públicos. A proibição se refere ao fato da intermediação juntamente com o recebimento da vantagem.
A prática inserida no inciso X informa sobre “receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado”. Tal ato ímprobo atinge o poder-dever de agir do administrador público, que impõe a este a tarefa de sempre atuar em benefício do bem comum, não se omitindo de cumprir suas atribuições. Essa modalidade pode acarretar também a responsabilidade penal ao agente, pois se assemelha ao crime de prevaricação, tipificado no art. 319, do Código Penal que dispõe sobre o ato de “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.
O enriquecimento ilícito é identificado, ainda, no inciso XI, por meio da forma de “incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei”. Retrata-se uma prática muito comum na Administração, que deve ser rigorosamente combatida. O desvio de verbas fere a honestidade e a lealdade. Aquele que possui na composição de seu patrimônio bens ou valores pertencentes aos entes do Poder Público, de forma irregular, incorre na prática de improbidade.
Por fim, o legislador frisou no inciso XII a prática de “usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei”. É visível a presença do desvio de finalidade, já que a conduta realizada atinge diretamente o fim almejado pela Administração. O uso desses bens, para satisfazer interesse pessoal, configura o chamado abuso de poder.
3.2 ATOS QUE CAUSAM LESÃO AO ERÁRIO
A lei nª 8.429/92 traz expressamente em seu art. 10, caput, atos que acarretam prejuízos ao erário, sendo identificados, portanto, como atos de improbidade administrativa:
Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente [...].
A caracterização dessa modalidade de improbidade ocorre mediante a presença de dois requisitos: a ilegalidade e o dano ao erário. Aquele ato que prejudicar o sistema econômico do Poder Público, mas não for antijurídico, não poderá se consubstanciar como um ato ímprobo. Nessa linha, Pazzaglini Filho (2011, p. 63) entende que “[...] se ele causou prejuízo ao Erário agindo secundum legem, descabe falar em improbidade administrativa, nem, tampouco, em mera responsabilidade civil, que também tem por antecedente necessário uma ação ou omissão ilegítima”.
Depreende-se do dispositivo a menção ao prejuízo ao erário, ou seja, ao patrimônio público de caráter financeiro, não caracterizando as lesões de ordem artística, cultural, enfim, as que não possuam caráter econômico. Dessa forma, vale destacar a distinção entre erário e patrimônio público, conforme estabelece Pazzaglini Filho (2011, p. 62):
O Erário é a parcela do patrimônio público de conteúdo econômico-financeiro direto. Enquanto o conceito de patrimônio público é mais abrangente, pois compreende o complexo de bens e direitos públicos de valor econômico, artístico, estético, histórico e turístico, o de Erário, como parte integrante do patrimônio público, limita-se aos bens e direitos de valor econômico, ou seja, aos recursos financeiros do Estado, ao “Tesouro Público”.
Ainda com base na redação em comento, é importante ressalvar a conduta do agente, que poderá ser dolosa ou culposa, de maneira comissiva ou omissiva, necessitando apenas que a prática seja ilícita e provoque a depreciação do erário.
Da mesma forma que elencado no ato de enriquecimento ilícito, a presente prática de lesão ao erário também não possui um rol numerus clausus, em outros termos, não se encontram formas taxativas de configuração de tal ato. Sendo assim, o art. 10, da Lei nº 8.429/92, prevê, de forma exemplificativa, vinte e um incisos que caracterizam o tipo em questão.
A redação do inciso I identifica a improbidade por meio do ato de “facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei”. Esse tipo de improbidade é aquela em que o agente viabiliza a terceiros a apropriação de bens pertencentes à Administração, isto é, ele colabora com a efetivação da prática ilícita. Diante disso, há uma transferência da titularidade do bem, prejudicando, assim, o erário público.
Para o inciso II, é ímprobo o ato que “permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie”. Nesse caso, a ilicitude se dá mediante a utilização indevida dos bens e valores que constituem o patrimônio dos entes públicos, diferenciando-se, portanto, do inciso anterior, em que ocorre a transferência, ao invés da utilização. Como preceitua Prado (2001, p. 100), “a percepção de vantagem pelo agente público é irrelevante, bastando a constatação do dano ao erário, que, como salientado, decorre da privação temporária da utilização do bem ou recurso financeiro”.
Consta no inciso III, art. 10 da lei nº 8.429/92, a forma de doação ilegal:
Doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie.
Segundo Bezerra Filho (2005, p. 59), “a doação é o contrato mediante o qual uma parte, por espírito de liberalidade, enriquece a outra dispondo de um direito em seu favor e assumindo obrigação”. Tal instituto deve ser realizado conforme os trâmites legais. A doutrina classifica a doação como pura e com encargos. A primeira é aquela que se dá sem nenhuma imposição, predominando a liberdade. Já a doação com encargos, como o próprio nome já diz, vincula o donatário a uma condição imposta pelo doador, que será essencial para a aquisição do objeto da doação. Essa modalidade está ligada ao dispositivo em questão, que deixa claro a proibição de doação de bens ou recursos públicos que desvirtuam o interesse público.
Encontra-se no inciso IV, a prática de “permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado”. Esse tipo de ato é semelhante ao previsto no inciso III, do art. 9º, da Lei 8.429/92, diferenciando-se apenas pelo fato deste provocar o enriquecimento ilícito, enquanto aquele exige a lesão ao erário.
Vislumbra-se no inciso V a conduta do agente de “permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado”. É combatida a atuação do servidor que admite ou auxilia a transação de bens ou serviços superfaturados atingindo a integridade do acervo patrimonial público.
De acordo com o inciso VI, aquele que “realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea”, incorrerá em improbidade administrativa. Para Pazzaglini Filho (2011, p. 71), “operação financeira é qualquer transação que envolve dinheiro público, tais como empréstimo, operação de crédito em geral, emissão de títulos da dívida pública, aplicação de recursos públicos e assunção de obrigações financeiras”. Nota-se que as transações de caráter econômico devem respeitar o princípio da legalidade. Ademais, a aceitação de garantia insuficiente e inidônea denota a presença de irregularidade, caracterizando, assim uma operação ilegítima.
O inciso VII prevê como ilícito o ato de “conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie”. O benefício, seja ele de ordem administrativa ou fiscal, favorece aquele que preenche determinados requisitos exigidos por lei para obtê-lo. Tal concessão é vedada quando as condições impostas não são alcançadas. O agende público que defere a benesse sem amparo jurídico pratica ato de improbidade.
Com base no inciso VIII, o agente público não poderá “frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente”. A licitação identifica-se como um processo administrativo que tem como escopo a escolha da proposta mais vantajosa à Administração Pública. A regra é que se realize o processo licitatório, contudo, há previsão legal de casos em que este poderá não ocorrer, como se encontra estabelecido nas hipóteses do art. 17, da Lei 8.666/93. Portanto, não poderá haver vício jurídico no processo de licitação, nem esta será dispensada de forma irregular.
O inciso IX dispõe como ato de improbidade aquele que “ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento”. O legislador se preocupou em estabelecer os gastos públicos com o intuito de evitar desperdícios e irregularidades. Diante disso, é fundamental que as despesas sejam feitas em observância às normas legais em prol do interesse público.
O ato que causa dano ao erário, previsto no inciso X, consubstancia-se mediante a maneira de “agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público”. O agente público incumbido de arrecadar tributos ou renda, bem como de conservar o acervo patrimonial, possui o poder-dever de agir diante de tais atribuições, não podendo ser omisso, devendo cumprir devidamente suas funções.
Outra prática ímproba, presente no inciso XI, consiste em “liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular”. O agente pode ser responsabilizado por duas condutas contidas no referido inciso: liberação ilegal de verba pública e interferência que implique na aplicação indevida desta. Nesse segundo comportamento, o servidor, que agiu sob influência do agente público, responderá pelo ato de improbidade, mesmo que tenha atuado com culpa. O dinheiro público deve ser fiscalizado rigorosamente, sendo necessário que haja um controle de legalidade na sua liberação e aplicação.
A lesão ao erário ainda se faz presente através do ato que “permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente”, conforme previsto no art. 10, XII da Lei nº 8.429/92. O locupletamento ilícito é uma modalidade de improbidade prevista no art. 9º, da Lei 8.429/92. Nas hipóteses contidas nessa norma, configura-se o enriquecimento ilícito quando o agente público aufere vantagem econômica irregular. Já no caso do art. 10, XII, da referida legislação, não é o agente que recebe a vantagem, mas sim o terceiro que foi favorecido por uma conduta, dolosa ou culposa, do servidor.
Encontra-se positivado no inciso XIII, art. 10 da lei nº 8.429/92, o uso indevido de bens ou serviços públicos:
Permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.
Depreende-se da hipótese legal uma semelhança com o inciso IV, do art. 9º, da Lei 8.429/92. Contudo, vale registrar que no presente dispositivo, surge a figura do terceiro que se beneficia de um comportamento doloso do agente público. Este age de maneira que possibilite ao terceiro o uso de bens e serviços que pertençam à Administração ou estejam a disposição desta.
A Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, que “dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos e dá outras providências”, inseriu os incisos XIV e XV da Lei de Improbidade Administrativa.
O inciso XIV traz como improbidade o ato de “celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei”. A gestão associada significa uma reunião das entidades da Administração para atender objetivos em comum. Portanto, ela está presente nos consórcios públicos e estes, por sua vez, originam-se por contratos. O agente público que através da gestão associada firmar contrato ou convênio que tenha por finalidade prestar serviços públicos sem seguir os parâmetros legais poderá ser responsabilizado por improbidade administrativa. Ademais o ato somente será enquadrado como hipótese de lesão ao erário, se o dano efetivamente tiver ocorrido.
A legislação traz em seu inciso XV o ato de “celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei”. O contrato de rateio consiste em um tipo de acordo estabelecido entre os consorciados para que cada ente integrante contribua financeiramente para custear as despesas do consórcio público. Diante disso, o agente público que se utilizando de má-fé celebrar esse tipo de contrato de maneira ilícita e com insuficiência de prévia dotação orçamentária, acarretando prejuízos ao erário, responderá pela prática de improbidade administrativa.
A Lei nº 13.019/2014 acrescentou seis incisos, os quais giram em torno de práticas oriundas de parcerias firmadas entre a administração pública e entidades privadas, conforme se observa abaixo:
XVI - facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a incorporação, ao patrimônio particular de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores públicos transferidos pela administração pública a entidades privadas mediante celebração de parcerias, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
XVII - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores públicos transferidos pela administração pública a entidade privada mediante celebração de parcerias, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
XVIII - celebrar parcerias da administração pública com entidades privadas sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
XIX - agir negligentemente na celebração, fiscalização e análise das prestações de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas;
XX - liberar recursos de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;
XXI - liberar recursos de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular.
3.3 ATOS QUE ATENTAM CONTRA OS PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS
A Administração Pública é regida por diversos princípios que auxiliam no exercício do Poder Público. O art. 11, caput, da Lei nº 8.429/92 pontifica que “constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente”.
O agente público deve atuar com base nos preceitos instituídos no dispositivo em apreço. O dever de honestidade está intimamente ligado ao princípio da probidade administrativa que, por sua vez, impõe ao agente público o dever de lisura e honradez.
O administrador deve se revestir de imparcialidade e lealdade, em outros termos, o agente não pode se promover nem beneficiar outrem, em razão da atividade exercida, devendo agir com retidão. Ademais, os padrões legais precisam ser observados.
Nesse sentido, o tipo de improbidade em comento possui caráter residual, aplicando-se apenas quando o ato não se enquadrar nas outras formas de improbidade administrativa.
Merece destaque a distinção entre ilegalidade e improbidade, já que nem todo ato ilegal será ímprobo. O ato que ofende a lei para se configurar como improbidade deverá estar revestido de má-fé e desonestidade. Em razão disso, a ação ou omissão do agente público deve se vislumbrar através de uma vontade consciente de violar os princípios norteadores da Administração.
O art. 11 da Lei nº 8.429/92 preceitua atos que podem ser identificados como práticas desonestas que ofendem os princípios administrativos. Tais exemplos são elencados a partir do inciso I ao IX da referida norma.
O inciso I traz como exemplo de improbidade a conduta de “praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência”. Essa prática é vista como abuso de poder mediante a ocorrência do desvio de finalidade. O fim almejado pelo Poder Público é o bem comum que não pode ser desvirtuado para atender interesses alheios. Aquele que tem o dever de exercer o munus público deve direcionar sua atividade para o interesse coletivo. A discricionariedade presente no serviço público não permite ao administrador utilizar-se de seu cargo, emprego ou função para atender fins ilegais ou diferentes da sua área de atuação.
O ato de “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício”, previsto no inciso II, implica em uma forma de prevaricação, que na legislação penal tem como exigência a satisfação pessoal. No âmbito administrativo, apenas a conduta de atrasar a prática do ato, não o realizando em tempo hábil, ou a omissão, diante do dever de exercer sua atribuição, já resulta em improbidade, devendo estar atrelado a tais atos o elemento dolo.
O inciso III institui a prática ímproba de “revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo”. Dessa maneira, faz-se mister que o sigilo funcional seja preservado, o que não fere o princípio da publicidade, posto que há situações que exigem uma certa discrição em favor da segurança do Estado. Vale destacar que é essencial que os fatos sigilosos sejam acessíveis ao agente devido à atividade que este exerça.
Informa o inciso IV que “negar publicidade aos atos oficiais” é uma modalidade de improbidade que ofende o princípio constitucional da publicidade, impedindo, assim, a existência de transparência no serviço público. Determinados atos administrativos precisam ser publicados para que surtam efeitos no mundo jurídico.
O inciso V prevê o comportamento de “frustrar a licitude de concurso público”. Esse procedimento se encontra regulado no art. 37, II, da CF:
A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.
Como regra, o concurso é requisito indispensável para o ingresso no serviço público. A fraude nesse procedimento pode se dar, por exemplo, com a inclusão de cláusulas no edital que privilegiam determinadas pessoas, isto é, existência de vícios em sua estrutura, bem como pela divulgação de provas fora do prazo permitido. Trata-se de uma ofensa direta ao princípio da isonomia, pois alguns acabam se beneficiando em detrimento dos demais.
No inciso VI, o administrador que “deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo”, será responsabilizado com base na Lei de Improbidade Administrativa. Por força legal, é imposto ao agente público o dever de prestar contas. Caso este, utilizando-se de má-fé, seja omisso diante dessa obrigação, estará configurado o ato.
O inciso VII prevê a improbidade mediante a conduta que “revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço”. O presente dispositivo é um caso específico do ato previsto de forma mais ampla no inciso III. Consiste em uma exceção ao princípio da publicidade, sendo necessário que haja sigilo quanto às medidas política e econômica. Do contrário, a divulgação indevida poderá interferir no preço do bem ou serviço, privilegiando aqueles que tiveram prévio conhecimento.
O inciso VIII preceitua que “descumprir as normas relativas à celebração, fiscalização e aprovação de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas” é uma conduta que viola os princípios administrativos, uma vez que não observa as diretrizes legais existentes.
Por fim, a Lei nº 13.146/2015, que institui o Estatuto da Pessoa com Deficiência, acrescentou o inciso IX, o qual afirma que constitui ato de improbidade “deixar de cumprir a exigência de requisitos de acessibilidade previstos na legislação”.
4 SANÇÕES
As sanções civil, administrativa e penal são independentes podendo ser aplicadas de forma simultânea, conforme dispõe o caput do art. 12 da Lei 8.429/92:
Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato.
Tal autonomia não pode ser entendida de forma absoluta, já que em alguns casos uma decisão em determinada esfera poderá interferir nas demais. Isso ocorre quando houver absolvição criminal que negue a ocorrência do fato ou sua autoria, pois, nessa situação, a responsabilidade do servidor estará afastada, de acordo com o art. 126 da Lei nº 8.112/90.
Para aplicação das sanções, faz-se mister a observância ao princípio da razoabilidade, já que o caso concreto é que determinará se a sanção será de forma isolada ou cumulativa, devendo haver, portanto, uma análise da natureza e gravidade do fato.
As sanções abordadas na Lei de Improbidade estão elencadas no art. 12, I, II e III, da referida lei, quais sejam: perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, multa civil e proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.
A CF traz em seu art. 37, § 4º, algumas das sanções mencionadas, ao disciplinar que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.
A perda dos bens ou valores acrescidos de forma ilícita ao patrimônio do agente público é uma sanção que embora não esteja prevista constitucionalmente possui plena eficácia. Aplica-se aos atos de improbidade que importam enriquecimento ilícito e que causam lesão ao erário. A perda recai sobre os bens ou valores que foram frutos da prática ilícita, havendo, portanto, apenas uma restituição daquilo que foi adquirido de forma indevida. O patrimônio da entidade a qual o agente que cometeu a improbidade está vinculado será acrescido pelos recursos devolvidos.
Nesse sentido, esclarece o art. 18 da Lei de Improbidade que “a sentença que julgar procedente ação civil de reparação de dano ou decretar a perda dos bens havidos ilicitamente determinará o pagamento ou a reversão dos bens, conforme o caso, em favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito”.
No que concerne ao ressarcimento integral do dano, será essencial essa espécie de indenização nos casos de improbidade que acarretam prejuízos ao erário, pois nas demais modalidades, como enriquecimento ilícito e inobservância dos princípios da Administração, só haverá o ressarcimento se for comprovado o dano.
Dessa forma, preceitua o art. 21, I, da Lei nº 8.429/92 que a aplicação das sanções deve ocorrer independentemente da ocorrência do dano, salvo quando se tratar de pena de ressarcimento. Há situações em que os ilícitos não serão enquadrados como improbidade, contudo, haverá a possibilidade de responsabilizar civilmente os agentes com base nas normas disciplinadas no Código Civil.
A perda da função pública recai sob os três tipos de improbidade. É uma sanção que põe fim ao vínculo existente entre o agente público e a pessoa jurídica para a qual exerce atividades. O art. 20 da Lei de Improbidade ressalta que “a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória”. Sendo assim, a pena de perda da função não terá eficácia se houver algum recurso pendente.
Quanto à suspensão dos direitos políticos, também haverá a sua incidência nas três modalidades de improbidade, distinguindo-se apenas no que se refere aos prazos. Conforme dispõe o art. 12, I, da lei nº 8.429/92, os atos que geram enriquecimento indevido serão punidos com uma suspensão entre oito e dez anos. O art.12, II, da Lei de Improbidade, estabelece o prazo entre cinco e oito anos para os atos que causarem prejuízos ao erário. Nos casos de contrariedade aos princípios da Administração, o art. 12, III, da norma em apreço, prevê um período de suspensão entre três e cinco anos. A suspensão elencada determina que o agente fique privado temporariamente de exercer plenamente seu direito de votar e ser votado.
A multa civil não possui caráter indenizatório, limitando-se apenas a uma forma de punição, devendo ser aplicada de acordo com a gravidade do ato. O art. 12, I, da Lei nº 8.429/92 prevê uma multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial indevido. O inciso II da presente norma estabelece uma multa de até duas vezes o valor do dano. Por fim, de acordo com o art. 12, III, da lei em comento, para os atos que atentam contra os princípios administrativos, aplica-se uma multa de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente. E diferentemente do que ocorre com o ressarcimento integral do dano, a multa não deve ser estendida aos sucessores do agente responsável pelo ato ímprobo.
A penalidade de proibição de contratar com o Poder Público e de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário é aplicável a todas as formas de improbidade administrativa. Aquele agente que praticar atos que importam enriquecimento ilícito terá a punição por dez anos, conforme art. 12, I. Se os atos causarem danos ao erário, a privação ocorrerá por cinco anos, como previsto no art. 12, II. E se tratando de atos contrários aos princípios da Administração, a sanção terá uma duração de três anos, de acordo com o art. 12, III.
5 PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO E PROCESSO JUDICIAL
O procedimento administrativo e o processo judicial referentes à improbidade administrativa estão regulamentados do art. 14 ao 18 da Lei nº 8.429/92. Encontra-se expressamente previsto no art. 14, caput, que “qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa competente para que seja instaurada investigação destinada a apurar a prática de ato de improbidade”. Esse dispositivo é de suma importância, pois assegura a qualquer pessoa o direito de fiscalizar a atuação dos agentes públicos, promovendo, assim, a democracia. Diante disso, por meio de representação, os cidadãos poderão levar ao conhecimento da autoridade competente os atos eivados de improbidade.
O § 1º, do art. em análise, fixa que “a representação, que será escrita ou reduzida a termo e assinada, conterá a qualificação do representante, as informações sobre o fato e sua autoria e a indicação das provas de que tenha conhecimento”. Tais exigências revestem o ato de formalidade e devem ser rigorosamente observadas, sob pena de invalidade. Sendo assim, a identificação do representante é indispensável, visto que é proibido o anonimato. Quando a representação possui todos os requisitos legais, a autoridade permite que os fatos sejam apurados. Nessa linha de pensamento, o § 2º do art. 14 dispõe que se o fato estiver ligado aos servidores federais, a representação será processada de acordo com os arts. 148 a 182 da Lei nº 8.112/90. Caso se trate de servidor militar, o processamento dar-se-á mediante os regulamentos disciplinares.
A representação é um ato legítimo e formal que requer a observância dos princípios administrativos, devendo ser usada como um instrumento em prol do interesse público. Dessa forma, vale registrar a presença de um tipo penal na Lei de Improbidade, mais precisamente no art. 19 ao prevê que “constitui crime a representação por ato de improbidade contra agente público ou terceiro beneficiário, quando o autor da denúncia o sabe inocente”. Esse delito é semelhante ao estabelecido no art. 339, do Código Penal, que consiste no crime de denunciação caluniosa. Portanto, a representação não poderá conter falsas acusações, devendo o representante agir com honestidade aos fatos elencados.
O procedimento administrativo, que é de caráter investigatório, deverá ser levado ao conhecimento do Ministério Público e do Tribunal de Contas. Essa providência é um reflexo do princípio da publicidade que exige uma transparência no âmbito da Administração Pública e faz com que o órgão ministerial possa efetuar as devidas diligências, como a instauração de inquérito. Se houver fatos notórios que revelem a prática de improbidade, o processo será submetido a autoridade judicial competente que decretará o seqüestro dos bens do agente público investigado, mediante previsão do art. 16.
De acordo com entendimentos jurisprudenciais e doutrinários, a improbidade administrativa deve ser apurada por meio de uma ação civil pública que se encontra fundamentada no art. 129, III, da CF e disciplinada na Lei nº 7.347/85. Esta legislação deve ser apreciada em consonância com a Lei de Improbidade que, em seu art. 7º, determina que a autoridade torne indisponível os bens do indiciado por causar lesão ao erário ou enriquecer de forma ilícita. Da efetivação da medida cautelar, preconiza o art. 17 que a ação principal deverá ser proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, no prazo de trinta dias.
Impende frisar que o art. 17, §1º, da Lei nº 8.429/92, proibia expressamente a transação nesse tipo de ação, vedando-se, inclusive, a celebração de termo de ajustamento de conduta firmado pelo Ministério Público. Todavia, tal dispositivo foi revogado pela Medida Provisória 703/2015.
A prescrição das ações de improbidade administrativa está fixada no art. 23, da Lei nº 8.429/92:
Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:
I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;
II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego;
III - até cinco anos da data da apresentação à administração pública da prestação de contas final pelas entidades referidas no parágrafo único do art. 1o desta Lei.
A prescrição é um fenômeno que se consubstancia quando o agente não exerce seu direito dentro do prazo legal. Trata-se, portanto, de uma matéria de ordem pública. A Lei de Improbidade estabelece um prazo de cinco anos contados do término do exercício de mandato, cargo em comissão ou função pública para propor a ação. É importante destacar que o art. 37, § 5º, da CF disciplinou que “a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”. Por força constitucional, nota-se, portanto, que as ações de ressarcimento são imprescritíveis.
Por fim, vale registrar que com a expiração do prazo não será possível a apuração dos atos ímprobos, devido a isso é essencial a observância desse dispositivo para que haja uma devida fiscalização e aplicação da Lei de Improbidade.
6 CONCLUSÃO
A improbidade administrativa visualiza-se mediante a prática de três atos: ato que acarreta enriquecimento ilícito, ato que causa lesão ao erário e o que atenta contra os princípios administrativos. A legislação surgiu para regulamentar o disposto no art. 37, §4º da Constituição Federal. Vale registrar que a Lei 8.429/92 não estabeleceu de forma taxativa as condutas ímprobas. Outrossim, observa-se que é essencial a correta identificação desses atos para que haja um efetivo combate à corrupção administrativa
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Advogada. Graduada pelo Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ. Pós-graduada em Direito Público pela Universidade Anhaguera - Uniderp.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NASCIMENTO, Marcella Gomes do. Improbidade administrativa à luz da Lei nº 8.429/92 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 jul 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46992/improbidade-administrativa-a-luz-da-lei-no-8-429-92. Acesso em: 22 nov 2024.
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