RESUMO: O presente trabalho visa abordar a natureza jurídica das medidas socioeducativas e a polêmica jurisprudencial acerca dos efeitos que devam ser atribuídos a eventual recurso interposto. Desta feita, explica-se a ratio dos dois entendimentos, diametralmente opostos, o que implica, reflexamente, na possibilidade ou não da execução imediata da medida socioeducativa aplicada pelo juiz de 1º grau. Como a questão ainda não está pacificada, entendemos relevante tecer considerações acerca da temática e finalizar, filiando-nos, àquela que se apresenta mais compatível com a principiologia que guiou a Lei 8.069/1990.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo abordar sobre a orientação doutrinária e, sobretudo, jurisprudencial acerca da aplicação de medidas socioeducativas ao adolescente infrator e sua execução, se imediata ou não, especialmente a de internação, em cotejo com a análise dos efeitos de eventual recurso, consoante interpretação que deve ser feita no Estatuto da Criança e do Adolescente em conjunto com o Código de Processo Civil.
Sinaliza-se que o tema apresenta controvérsias e a jurisprudência ainda não está assentada em uma determinada direção, ficando a cargo da análise das peculiaridades do caso concreto.
Inicialmente, convém assinalar que tanto o adolescente como a criança podem cometer condutas ilícitas, as quais não serão consideradas como conduta criminosa, no sentido estrito da palavra, mas denominadas de ato infracional análogo a crime, por critério legal, consoante expressa previsão legal do art.103, do Estatuto da criança e do Adolescente. Isso porque, mormente critério biológico adotado por nosso legislador, os menores de 18 anos são absolutamente inimputáveis, sendo, pois, solucionáveis pela aplicação do estatuto a eles dirigido, eis que trata-se de um regramento que melhor confere proteção ao menor, dada a sua condição de pessoa em desenvolvimento e orientação pela necessária proteção integral, nos termos do art. 227, caput e §1º, da Constituição Federal c/c arts. 1º, 3º, 4º e ss. do ECA.
De tal sorte, nos termos do art. 2º, do ECA, somente o jovem infrator adolescente, aquele que possuir entre 12 anos e 18 anos de idade, na data da prática da conduta, poderá ser submetido à medida socioeducativa e/ou medidas protetivas. Já as crianças, indivíduos que apresentem até 12 anos incompletos na data do evento, somente poderão receber medidas protetivas, aquelas contidas no art.101, como expressamente previsto no art. 105, do mesmo Diploma.
As medidas previstas no art. 101, do Estatuto, tais como, inclusão da criança ou adolescente em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família; o acolhimento institucional e inclusão em programa de acolhimento familiar, bem como colocação em família substituta, são de índole protetiva, como o próprio legislador assim elege, ao inserir tais previsões dentro do Título II, que versa sobre medidas de proteção, e no bojo do capítulo II, as especifica. Desta feita, não há qualquer óbice ou dúvida acerca da sua aplicação e de sua essencial execução imediata.
Quando de sua aplicação, levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, como assevera o art. 100, do Estatuto, observando-se os princípios da condição da criança e do adolescente como sujeitos de direitos, titulares de direitos e garantias; observância de sua proteção integral e prioritária; responsabilidade primária e solidária do poder público à plena efetivação dos direitos assegurados a crianças e a adolescentes; o interesse superior da criança e do adolescente; à privacidade, em respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada; intervenção precoce, mormente atuação tão logo a situação de perigo seja conhecida; intervenção mínima; guiando-se pela observância da proporcionalidade e atualidade, quando a intervenção mostrar-se necessária e adequada à situação de perigo em que a criança ou o adolescente se encontram no momento em que a decisão é tomada; reafirmação da responsabilidade parental, onde a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e para com o adolescente; atentando-se ainda para a prevalência da família, dada prevalência às medidas que os mantenham ou reintegrem na sua família natural ou extensa, e, subsidiariamente, promovendo-se a integração em família substituta; obrigatoriedade da informação à criança e ao adolescente, respeitado seu estágio de desenvolvimento e capacidade de compreensão; oitiva obrigatória e participação da criança e do adolescente, na forma que determina a lei.
A discussão perfaz-se quanto às medidas socioeducativas previstas pelo ECA, tais como, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação, vez que, de modo genérico, limitam a liberdade e individualidade do adolescente infrator. Sua execução encontra-se positivada pelo regramento contido na Lei 12.594/2012 (Lei do Sinase).
Para tanto, quando da aplicação de qualquer medida socioeducativa, as peculiaridades do caso apresentado também precisam ser bem observadas, de modo que o magistrado as fixe adequadamente, observando o teor do art. 112, §1º, do ECA, que aduz que o juiz levará em conta a capacidade daquele agente em poder cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração, ressalvando-se que aos adolescentes portadores de doença ou deficiência mental devam receber tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.
Desta forma, na fixação de medidas socioeducativas de obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade e sobretudo a de internação em estabelecimento educacional, exige-se a existência de provas suficientes da autoria e da materialidade da infração, nos termos do art. 114, do ECA, sendo esta última aplicável de forma excepcional, somente quando estritamente necessária, observando-se pontualmente o rol taxativo e quando as demais medidas não mostrarem-se aptas a solucionar o caso.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 Medidas socioeducativas previstas no ECA
Anteriormente, quando vigente o Código Menorista e aplicação da “doutrina de situação irregular”, adotada antes do implemento da atual doutrina de proteção integral, esta, prevista na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente, aplicava-se apenas as chamadas “medidas de recuperação”. Tais medidas eram aplicadas quando verificados atos e comportamentos desviantes, ainda que não fossem análogos a fatos tipicamente previstos como crime.
À época, sem diferenciar criança e adolescente, a lei apenas aduzia sobre aquele menor de 18 anos e também o menor de 21 anos de idade que estivessem sob situação irregular, nos termos do contido no art. 2º, da Lei 6.697/1979, o chamado “Código Menorista”. Desta feita, o objetivo não cingia em conferir a proteção integral a todas as crianças e adolescentes, mas especificamente apenas àqueles que estivessem na denominada “situação irregular”, tais como, caracterizado o seu desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária, nos termos do art. 2º, inciso V, da Lei 6.697/1979. As medidas também seriam destinadas a menores carentes, abandonados, inadaptados e a infratores, de forma que não interessava que seu cumprimento se desse em unidades distintas e com maior ou menor nível de contenção, consoante o Código Menorista.
Atualmente, a legislação guiada pelo princípio da proteção integral, traz exemplificadamente medidas protetivas que devem ser aplicadas não somente caso o adolescente já tenha praticado alguma conduta delitiva análoga a crime/contravenção penal, podendo ser aplicadas com base no melhor interesse e dada a integral proteção da criança bem como do adolescente, preventivamente, que esteja sob situação de risco, em qualquer de suas formas, tais como, sem assistência familiar, por exemplo.
A nova legislação também trata de previsão da medidas específicas exclusivamente àquele jovem infrator, considerado adolescente, podendo ser dirigida e aplicável, excepcionalmente, até que ele complete 21 anos, inclusive, nos termos do parágrafo único, do art. 2º, do ECA, porquanto o tenha cometido quando ainda estivesse sob a menoridade civil, isto é, abaixo de 18 anos, considerando-se o seu desenvolvimento que na época dos fatos, ainda estaria sob formação e desenvolvimento.
Como simplifica Digiácomo (2013):
“(...) à luz da “Doutrina da Proteção Integral à Criança e ao Adolescente”, deve-se considerar que o limite etário para aplicação e execução de medidas socioeducativas de quaisquer natureza, a jovens que praticaram atos infracionais enquanto adolescentes, é de 21 (vinte e um) anos”.
Nessa senda, colaciona-se julgado do Tribunal de Justiça do Paraná:
“ADOLESCENTE. MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA. PRÁTICA DE ILÍCITO QUE REDUNDOU EM PRISÃO TEMPORÁRIA. CONTINUIDADE DA MEDIDA DE LIBERDADE ASSISTIDA, COM TRATAMENTO ESPECIALIZADO, entre os 18 e 21 anos de idade (ECA, art. 2º, § único). RECURSO PROVIDO. O Estado não deve desistir da aplicação de medida sócio-educativa ante a notícia da ocorrência de um deslize ao longo de sua execução, mesmo alcançando o limite dos 18 anos de idade, pois em tais casos se impõe solução inversa, com a realização e o incremento das ações sócio-educativas até então adotadas, pois do contrário estaria entregando à própria sorte aquele que mais necessita de apoio e orientação, daí advindo resultados indesejáveis tanto ao infrator quanto à sociedade. (Rec.Ap.ECA nº 2118-1/97. Rel. Des. Newton Luz. J. em 24/11/1997. Ac. nº 7821).
Consoante entendimento sumulado do Superior Tribunal de Justiça (Súmula nº 108), é atribuição exclusiva do magistrado a fixação de medida socioeducativa. Entre as medidas socioeducativas, aquelas aplicadas quando da prática de ato infracional, nos termos do art. 112, do ECA, tem-se:
“Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semiliberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI”.
Como destaca Rossato (2016), a paz social é uma das primeiras preocupações do Estado, e a busca disso se materializa mediante intervenções preventivas e repressivas, porquanto a ocorrência de ato infracional revela o desvalor social da conduta praticada, o que enseja a movimentação estatal de coibi-lo.
Destaca Barros (2014) que é perfeitamente possível a cumulação de medidas socioeducativas e de proteção a um adolescente, consoante o que se extrai do disposto no art. 113, que trata especificamente das medidas socioeducativas em conjunto com o disposto no art. 99, ambos do ECA, que atestam:
Art. 113. Aplica-se a este Capítulo o disposto nos arts. 99 e 100.
Art. 99. As medidas previstas neste Capítulo poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo.
Para tanto, os objetivos de tais medidas, nos termos do art. 1º, §2º, da Lei 12.594/2012 (Lei do Sinase) são: a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação; a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento de seu plano individual de atendimento; e a desaprovação da conduta infracional, efetivando as disposições da sentença como parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de direitos, observados os limites previstos em lei.
Serão consideradas como de execução em meio aberto, quais sejam: as previstas nos incisos I a IV, do art.112, do ECA; e somente como privativas de liberdade, as medidas de semiliberdade e internação, consoante art. 15, da Lei do Sinase. Assim, serão de atribuição do ente municipal as de aplicação em meio aberto. Por seu turno, ficarão a cargo do Estado as medidas socioeducativas privativas de liberdade.
Passemos, pois, a cingir nossa análise à medida socioeducativa, especialmente quando imposta a de internação e existência de recurso interposto, visando atacar a sentença, seus efeitos e consequências jurídicas.
A medida de internação (art. 121, do ECA) constitui-se medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Seu cabimento está expresso no art. 122, do ECA:
“Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando: I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.”
Dentre suas características, não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses, reafirmando-se a obrigatoriedade das atividades pedagógicas em sua execução, nos termos do art.123, parágrafo único.
Como pontua Digiácomo (2013):
“As medidas de proteção e socioeducativas devem ser aplicadas fundamentalmente de acordo com as necessidades pedagógicas da criança ou adolescente, e estas podem variar de tempos em tempos. Esta é a razão pela qual as medidas originalmente aplicadas devem ser constantemente reavaliadas, sendo substituídas sempre que não mais forem necessárias ou não estiverem surtindo os resultados desejados”.
Como dito alhures, para sua aplicação deve ser observado que o rol do art. 122, do Estatuto, apresenta natureza exaustiva e excepcional, onde somente poderá ser aplicada referida medida quando tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; por reiteração no cometimento de outras infrações graves; por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. Para tanto, ensina a doutrina que a gravidade do ato deve ser observada concretamente. É o que afirma também a jurisprudência firmada acerca do tema. Nesses termos, segue julgado elucidativo:
“Evidencia-se a existência de constrangimento ilegal na decisão que determinou a aplicação de medida socioeducativa de internação ao paciente baseada na gravidade abstrata do ato, sem apontar relevante motivo concreto que justificasse a imposição de medida mais gravosa. Ordem concedida para anular a sentença e o acórdão recorrido, apenas no que se refere à medida socioeducativa imposta, a fim de que outra seja aplicada ao paciente, que deverá aguardar a nova decisão em liberdade assistida. Julgado da 5ª Turma do STJ, no HC nº 110195/ES. Rel. Min. Arnaldo Esteves de Lima. J., em 14/04/2009. DJ 18/05/2009.
No mesmo sentido, há entendimento sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, que assegura que:
“O ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de internação do adolescente” - Súmula nº 492, 3ª Seção, julgado em 08/08/2012, DJe 13/08/2012.
A ratio disso é que o ato infracional análogo ao crime de tráfico ilícito de entorpecentes, a despeito da sua natureza hedionda, não dá ensejo, por si só, à aplicação da medida socioeducativa de internação. É que o ato análogo ao crime de tráfico de drogas não pressupõe violência ou grave ameaça à pessoa. Assim, o adolescente que pratica referida conduta pode até receber a medida de internação, no entanto, o magistrado deverá vislumbrar, no caso concreto, e fundamentar sua decisão em alguma das hipóteses elencadas pelo art. 122 do ECA.
A doutrina trabalha com 3 tipos de internação: provisória; por tempo indeterminado e a que se considera por tempo determinado.
A provisória é aquela que, ocorrendo auto de apreensão em flagrante por de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada do juiz, o adolescente sujeita-se provisoriamente e até o limite de 45 dias, como disposto no art. 108, do Estatuto. Desta feita, é assim denominada porquanto trata-se de medida cautelar, decretada antes da sentença.
A internação por prazo indeterminado, assim denominada porque não é fixado prazo de duração da medida. A lei apenas cuida em delimitar o prazo máximo de sua duração, que não poderá exceder de 03 anos, em tese, e sua liberação compulsória acaso o agente atinja a idade de 21 anos. Dessa sorte, a duração dependerá do projeto pedagógico e concluído seu objetivo, cessará a medida. Ressalta-se que a lei apenas atesta a necessidade de sua reavaliação, em pelo menos, a cada 06 meses, proferindo-se o seu seguimento mormente decisão fundamentada.
E, por fim, a internação por prazo determinado, assim denominada considerando-se o teor do §1º, do art. 122, do ECA, que trata da duração da internação prevista no inciso III, do art. 122, do ECA. Assim, havendo descumprimento reiterado e injustificável de determinada medida anteriormente imposta, caberá aplicação de internação, a qual não poderá ser superior a 03 (três) meses, por cada ato infracional, devendo ser decretada judicialmente após o devido processo legal. Esta será aplicada pelo juiz da execução, quando fase de execução de medida socioeducativa.
2.2 Recurso interposto contra sentença que aplica medida socioeducativa e seus efeitos
Quanto à eventual recurso interposto, a polêmica reside acerca do recebimento de seus efeitos: se apenas no efeito devolutivo ou devolutivo e suspensivo.
Por muito tempo, defendia-se que não haveria razão de ser aplicado o efeito suspensivo, consignando-se que qualquer medida socioeducativa revela, em verdade e essência, natureza propriamente pedagógica.
Entretanto, ao final de 2015, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça considerou que haveria de ser conferida uma interpretação sistemática do ECA e suas alterações em consonância, à época, com o disposto no CPC de 1973. Desta feita, a medida de rigor era de que fosse conferido também o efeito suspensivo aos recursos em sede de aplicação de medidas socioeducativas.
Nesse interim, é imperioso ressaltar que, silente o Estatuto, a doutrina e jurisprudência assinalam que quanto à fase inicial, qual seja, no processo de conhecimento, devem ser observadas, analogicamente, as disposições previstas pelo Código de Processo Penal, mormente observância de contraditório e ampla defesa e todas as garantias que se confere criminalmente ao acusado, diante da relevância e natureza do processo em que também se apura a ocorrência de fato análogo à conduta criminosa. Entretanto, conforme previsão expressa do ECA, na fase recursal, devem ser aplicadas as regras previstas no Código de Processo Civil, nos termos do art. 198, do ECA.
Pois bem, na decisão mencionada, explicitou-se que depois da Lei n.° 12.010/2009, houvera a revogação expressa do inciso VI do art. 198 do ECA, que sua redação original, previa:
“Art. 198: Nos procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude, inclusive os relativos à execução das medidas socioeducativas, adotar-se-á o sistema recursal da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil), com as seguintes adaptações: (Redação dada pela Lei nº 12.594, de 2012). (...) inciso VI: a apelação será recebida em seu efeito devolutivo. (Revogado pela Lei nº 12.010, de 2009)”.
Com isso, a regra que dali seria extraída, por ora, seria a de que os recursos fossem recebidos nos efeitos devolutivo e suspensivo, adotando-se consonância também com a norma esposada no art. 520 do Código de Processo Civil (atual art. 1.012 do CPC 2015), segundo a qual o recurso de apelação deverá ser recebido no seu duplo efeito.
Desta feita, naqueles moldes, não mais seria admitida a execução provisória de sentença que tivesse imposto medida socioeducativa, consoante julgado da 5ª Turma do STJ, no RHC 56.546/PE, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 03/12/2015).
Ressaltou-se, contudo, que somente se o juiz, na sentença, confirmasse a necessidade de internação cautelar do adolescente infrator, excepcionalmente, poderia afastar motivadamente aquele efeito suspensivo, podendo, como última ratio, o menor aguardar, já submetido à internação, o julgamento do seu recurso.
Entretanto, novamente, o tema foi enfrentado em meados de 2016. Nesta nova oportunidade, consignou-se, de turno da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que diante da interposição de recurso de apelação, a diretriz que se firma é que, a regra é pela possibilidade do imediato cumprimento de sentença que impõe medida socioeducativa, entre elas, a de internação, ainda que não tenha sido imposta internação provisória ao adolescente, em momento anterior, no curso daquele processo. Com efeito, não haveria razão sujeitar-se a tal condicionamento, eis que, por vezes, o magistrado prefere fixá-la ao final do processo, mormente um juízo de cognição exauriente.
Diante de uma análise com fito substancial, explica a Corte que quando da aplicação de medida socioeducativa, a intervenção do Poder Judiciário tem como missão precípua não pura e simples punição do adolescente em conflito com a lei, mas, especialmente, a sua ressocialização e a proteção. O julgado explica que postergar o início de cumprimento da medida socioeducativa imposta na sentença que encerra o processo por ato infracional importaria em “perda de sua atualidade quanto ao objetivo ressocializador da resposta estatal, permitindo a manutenção dos adolescentes em situação de risco, com a exposição aos mesmos condicionantes que o conduziram à prática infracional", conforme veiculado no Informativo 583, do STJ, no HC 346.380-SP, de relatoria da Ministra Maria Thereza de Assis Moura e relatoria para acórdão pelo Ministro Rogerio Schietti Cruz, julgado em 13/4/2016, DJe 13/5/2016.
É que a medida socioeducativa não representa “punição”, em seu sentido estrito, tal como a punição aplicada quando da intervenção do Direito Penal, mas revela-se, pois, como próprio e verdadeiro mecanismo de proteção ao adolescente e à sociedade, dada a sua natureza pedagógica e ressocializadora, não havendo falar em ofensa ao princípio da não culpabilidade, previsto no art. 5°, LVII, da CF, pelo seu imediato cumprimento.
Como explica Digiácomo (2013):
“O procedimento para apuração de ato infracional praticado por adolescente, embora revestido das mesmas garantias processuais e demandando as mesmas cautelas que o processo penal instaurado em relação a imputáveis, com este não se confunde, até porque, ao contrário deste, seu objetivo final não é a singela aplicação de uma “pena”, mas sim, em última análise, a proteção integral do jovem, para o que as medidas socioeducativas se constituem apenas no meio que se dispõe para chegar a este resultado (daí porque não é sequer obrigatória sua aplicação, podendo o procedimento se encerrar com a concessão de uma remissão em sua forma de “perdão puro e simples” ou com a aplicação de medidas de cunho unicamente protetivo, tudo a depender das necessidades pedagógicas específicas do adolescente - CF. arts. 113 c/c 100, caput, do ECA).”
Ademais, como pontuado no julgado, ainda que o adolescente infrator tenha respondido em liberdade por todo o processo que apurava a prática de ato infracional, a prolação de sentença impondo medida socioeducativa de internação autoriza o cumprimento imediato da medida imposta, porquanto em vista dos princípios que regem a legislação menorista, entre eles, o da intervenção precoce na vida do adolescente, positivado no parágrafo único, VI, do art. 100 do ECA.
Em outros termos: condicionar o cumprimento da medida socioeducativa ao trânsito em julgado da sentença ou mesmo a confirmação da sentença que acolhera a representação, pelo tribunal de 2º grau, constituiria verdadeiro obstáculo ao escopo ressocializador da medida imposta, além de permitir que o adolescente permanecesse em situação de risco, exposto aos mesmos fatores que o levaram à prática infracional.
Enfrentando, pois, pela análise processual, a despeito da revogação operada conquanto ao inciso VI, do art. 198 do referido Estatuto, assinala-se que continua a viger o disposto no art. 215 do ECA, o qual prevê que é possível o juiz poder conferir efeito suspensivo aos recursos, a fim de evitar dano irreparável ou de difícil reparação à parte, mas que não pode ser tido como regra.
À luz disso, não há impedimento para que, supletivamente, se invoque tal dispositivo e se conclua que os recursos serão recebidos, salvo decisão em contrário, apenas no efeito devolutivo aos recursos contra sentença que acolheu a representação do Ministério Público e impôs medida socioeducativa ao adolescente infrator, sob pena de, nas palavras expressas no julgado indicado, haver frustração da principiologia e dos objetivos a que se destina a legislação menorista.
Em suma, essa jurisprudência analisada por último, exarada por uma Seção, isto é, formada pela composição de duas Turmas, mediante uma interpretação sistêmica e teleológica, mostrou-se mais compatível com a doutrina de proteção integral do adolescente, com os objetivos a que se destinam as medidas socioeducativas e com a própria utilidade da jurisdição juvenil, que não pode reger-se por normas isoladamente consideradas.
De toda forma, precipuamente em relação à eventual internação aplicada, não restaria óbice à, por ventura, aplicação da norma contida no art. 654, §2º, do Código de Processo Penal, que assegura que os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal.
É dizer, o tribunal ad quem poderá conceder ordem de ofício, convencendo-se da inadequação da medida aplicada, podendo substituí-la, consoante julgado que data de 16/06/2016 - o qual não fora dado publicidade do seu número - asseverando-se que os Tribunais Superiores têm jurisprudência firmada no sentido de não caber habeas corpus contra decisão que indefere liminar, nos termos do enunciado n° 691 da Súmula do STF, segundo o qual não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar. Entretanto, referida óbice pode ser afastada em casos excepcionais, quando evidenciada a presença de manifesta ilegalidade ou teratologia na decisão impugnada.
No caso aventado, havia sido aplicada medida socioeducativa em localidade distante, não sendo observado o disposto no art. 49, inciso II, da Lei n. 12.594/2012, de que deve ser incluído em programa de meio aberto quando inexistir vaga para o cumprimento de medida de privação da liberdade, exceto nos casos de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa, quando o adolescente deve ser internado em unidade mais próxima de seu local de residência. Com efeito, a medida de semiliberdade aplicada à adolescente estava sendo cumprida em localidade diversa ante a ausência de estabelecimento adequado na localidade de sua residência familiar. Em consequência, intentou-se obter liminarmente a suspensão da decisão. Assinalou-se que o indeferimento da liminar intentada - para que se pudesse conferir efeito suspensivo à medida - ensejaria, pois a manutenção da medida de semiliberdade aplicada. Desta feita, o Tribunal a quo, ao indeferir a liminar, ratificou o decisum do magistrado sentenciante, e, referendado pelo STJ, no sentido de que prematuro seria o deferimento da liminar almejada, em observância das necessidades do caso concreto. Reputou a Corte Superior:
“Seria ilógico obstar o tratamento pedagógico julgado pelo MM. Juiz da fase cognitiva como o mais adequado, com base na interpretação literal do disposto no artigo 49, inciso II, da Lei do 12.594/2012. Entendimento diverso, inclusive, desvirtuaria os objetivos insculpidos no ECA acerca da proteção integral e do superior interesse do adolescente, pois criaria empecilhos ao direito de receberem o tratamento mais adequado às suas necessidades socioeducativas”.
Ao final, aquela Corte asseverou que mantinha o indeferimento da medida liminar, porquanto não atribuído o efeito suspensivo, afastando-se a Súmula 691, do STF, para então conceder ordem, de ofício, para que o paciente fosse transferido para casa de semiliberdade na localidade de sua residência, eis que nos termos do art. 49, inciso II, da Lei do Sinase, inexistindo vaga para o cumprimento da medida de privação da liberdade e tratando-se de ato infracional cometido sem grave ameaça ou violência à pessoa, constitui-se direito do menor que seja incluído em programa de meio aberto, na comarca da residência de sua família. Nesse sentido, citou-se: HC 285.538/SP, de relatoria do Ministro Sebastião Reis Júnior, DJe 2/4/2014; HC 316.873/SP, Rel. Ministro Felix Fischer, DJe de 12/8/2015.
Ademais, é de bom tom lembrar e estabelecer relação, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a sentença penal condenatória pode, após confirmação pelo tribunal ad quem, ter sua execução provisória, conforme cita-se o HC 126292, de relatoria do Ministro Teori Zavascki, porquanto a manutenção da sentença penal pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado, o que autoriza o início da execução da pena. Ademais, posteriormente, consoante aplicação da Súmula 717, do STF, quando do trânsito em julgado, deverão ser observados aplicação dos benefícios penais desde a provisoriedade de sua execução, aduzindo a Suprema Corte que não há ofensa às garantias da presunção de inocência e ao princípio do tribunal de 2º grau, cediço que a interposição de os recursos de fundamentação vinculada, isto é, recurso especial e extraordinário, não cuidam em conferir efeito suspensivo às decisões.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desse modo, conclui-se que a mais adequada interpretação é aquela que se atém à consideração de um sistema, isto é, que as normas não podem ser extraídas isoladamente, promovendo-se uma interpretação sistemática, e sem perder de vista, especialmente, os fins e objetivos da norma especial, observando-se também a interpretação teleológica. Assim, escorreita a ratio do julgado que atesta que não há necessidade da medida socioeducativa submeter-se ao trânsito em julgado ou mesmo confirmação por tribunal ad quem.
A uma, por não haver tais condicionamentos previstos expressamente na lei: não há previsão legal de que deva sujeitar-se ao efeito suspensivo, este, somente sendo possibilitado ser conferido em havendo probabilidade dano irreparável à parte, o que, pela fixação de medida socioeducativa, por si só, não enquadra-se em tal possibilidade.
A duas, porque não convém classificar a medida socioeducativa como uma espécie de sanção penal, cediço que ambas têm natureza jurídica e finalidade distintas. A pena, por excelência, tem caráter retributivo/punitivo, sendo dirigida ao agente imputável, que conhece ou pelo menos deva conhecer o caráter ilícito da conduta e, mesmo a título de culpa, na consideração do homem médio/prudente, assim poderia prever evitar o resultado.
A medida socioeducativa, por sua vez, é uma medida precipuamente pedagógica. Ela apresenta outra finalidade: não a de retribuir castigo, mas de educar e poder conscientizar aquele jovem, para que entenda o caráter ilícito de sua conduta, mostrando que não é desejável pelo ordenamento e trabalhar significativamente, de forma pedagógica, mostrando-lhe porquê de não se poder delinquir, as consequências advindas, e, conquanto caso, futuramente, imputável e reiterando no descumprimento de leis, ele entenda que poderá sofrer intervenção direta do direito sancionador - o Direito Penal - e suas penas, momento em que não mais caberá a observância e aplicação de toda a principiologia que o Estatuto lhe confere e lhe assiste. Mas, mais que isso, um de seus escopos é a imediaticidade em se retirar aquele jovem adolescente de situações de risco.
Lado outro, ainda que fosse a medida socioeducativa espécime de sanção penal ou analogicamente considerada, cediço que o “mais” (sanção penal) não se sujeita a trânsito em julgado para a sua execução, ao “menos” (medida socioeducativa) também não poderia se exigir.
Por fim, também calha asseverar que no caso de medida socioeducativa aplicada ao menor infrator, não há, em tese, prejuízo para que se obstaculize a sua execução, de modo que é pleno e juridicamente compatível que ela se dê imediatamente após a prolação da sentença.
Isso porque como explicitado, a medida socioeducativa apresenta seu viés pedagógico, prevista por critério do legislador, guiando-se sua aplicação pela adequação ao caso, consoante a observância de princípios e considerando necessária ao melhor desenvolvimento daquele adolescente, sob sua condição de pessoa em desenvolvimento e dada a necessidade de retirá-lo da situação de risco.
Assim, também não foi opção legislativa a observância do efeito suspensivo, sob pena de esvaziar as normas estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, sobretudo pelo caráter protetivo que se extrai de tais medidas ali pensadas e colocadas pelo legislador, porquanto traduzido no propósito da imediaticidade de seu cumprimento, que seria gravemente comprometido, caso reconhecida a sujeição das medidas educativas a efeito suspensivo de recurso, esperando confirmação da sentença por tribunal de 2° grau ou quiçá de seu trânsito em julgado para que fossem concretizadas, sob pena de não mais fazer sentido pedagógico e prático daquela medida fixada.
Ademais, cediço que, de toda forma, caso não seja adequada a medida aplicada, há possibilidade de o Tribunal assim reconhecer e decretar ordem de ofício para fixação de medida que melhor se enquadre ao caso concreto. Em verdade, o prejuízo que se mostra é de aquela medida fixada não venha a ser executada e concretizada contemporaneamente, não se atingindo os fins que visou o legislador ao criá-las; e a execução, caso se dê somente em momento futuro, incorrer como verdadeira “punição”, desprovida de qualquer escopo educacional.
Desta feita, aduzimos que se mostra acertada a mais recente jurisprudência do STJ, destacando-se que emanada por Seção, o que, tecnicamente, envolve uma decisão mais madura, formada por duas de suas Turmas, sinalizando-se a orientação que futuramente venha a ser a assentada por aquela Corte, superando-se aquele recente e isolado entendimento em sentido contrário.
REFERÊNCIAS
http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/Not%C3%ADcias/Not%C3%ADcias/Apela%C3%A7%C3%A3o-n%C3%A3o-impede-interna%C3%A7%C3%A3o-imediata-de-menor-que-respondeu-em-liberdade
ASSIS, Olney Queiroz; Kumpel, Vitor Frederico; Serafim, Antonio de Pádua; Assis, Ana Elisa Spaolonzi Queiroz, Noções gerais de direito e formação humanística, 1ª ed., 4ª tiragem, São Paulo, Editora Saraiva, 2014.
BARROS, Guilherme Freire de Melo, Estatuto da criança e do adolescente, 8ª ed., rev, ampl e atualizada, Salvador, Editora Juspodivm, 2014.
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NOVELINO, Marcelo. Manual de direito constitucional. – 8. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2013.
ROSSATO, Luciano Alves. Estatuto da criança e do adolescente: lei 8.069/1990 comentado artigo por artigo / Luciano Alves Rossato, Paulo Eduardo Lépore, Rogério Sanches Cunha. – 8. ed. rev., ampl. – São Paulo: Saraiva, 2016.
Advogada, inscrita na OAB-PI n.° 9.890, pós graduada em Direito Tributário pela Rede Anhanguera LFG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAVALCANTE, Patricia Luz. Aplicação de medidas socioeducativas e efeitos de recurso interposto Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 jul 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47012/aplicacao-de-medidas-socioeducativas-e-efeitos-de-recurso-interposto. Acesso em: 25 nov 2024.
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