Resumo: O presente artigo envolve a análise da responsabilidade civil do empregador por assaltos ocorridos durante a prestação de serviços, investigando se a falta de segurança no ambiente do trabalho é hábil a ensejar a responsabilização do empregador ou se trata de dever exclusivo do Estado garantir a segurança pública.
Palavras-chave: Responsabilidade civil do empregador. Segurança pública como dever do estado. Segurança no ambiente de trabalho.
1 INTRODUÇÃO
Como se sabe, a Constituição Federal, em seu artigo 7º, XXVIII, prevê a possibilidade de responsabilização do empregador, nos casos de dolo ou culpa, por acidente de trabalho (ou doença profissional a ele equiparável) que o empregado venha a sofrer. Acidente de trabalho decorre do exercício da atividade a serviço do empregador, que resulte em lesão corporal ou perturbação funcional, que cause a morte, perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho, podendo decorrer de problemas físicos ou mentais.
No que tange ao acidente de trabalhou ou a doença profissional, a normatização jurídica baseia-se, para eventual indenização, na teoria subjetiva. Assim para ser reconhecida a indenização deve ser comprovado o dolo, a negligência, a imperícia ou a imprudência, ou seja, deve ser investigada a culpa no sentido amplo.
O presente trabalho busca debater se o empregador possui responsabilidade pelos danos causados aos empregados em razão de assaltos ocorridos durante a prestação de serviços, diferenciando-se os casos em que se adota a teoria objetiva ou a subjetiva de responsabilidade do empregador.
Deve-se ponderar que se de um lado encontra-se o dever do Estado em garantir a Segurança Pública, conforme o art. 144 da Constituição Federal, do outro também se encontra a obrigação do empregador em prover a segurança de seus empregados, sob pena de se entender que contribuiu indiretamente para o fatídico resultado.
2 RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR E DEVER DE SEGURANÇA DO ESTADO
De início, é importante destacar sobre a matéria posta em debate que não é todo e qualquer dano que contraria os interesses dos empregados que são passiveis de serem indenizados, sob pena de se vulgarizar a sua acepção.
O dano é o prejuízo sofrido por alguém em decorrência da violação de um de seu patrimônio econômico ou moral. No entanto, para a caracterização do dano, apto a gerar o consequente direito à reparação, é necessário que seja praticado um ato ou que se tenha deixado de praticá-lo; que haja o resultado lesivo deste ato e que tenha havido nexo causal entre ambos.
No caso em análise, os assaltos sofridos no curso da jornada de trabalho no estabelecimento do empregador é matéria afeta à segurança pública. No entanto, isso não quer dizer que a empregadora, caso tenha sido omissa no oferecimento de segurança para seus empregados, esteja isenta de qualquer responsabilidade.
A questão merece um maior esclarecimento.
Sabe-se que a segurança pública é um dever do Estado. Este fato, no entanto, não isenta a empresa em absoluto de arcar com as consequências, diante de terceiros, dos perigos oriundos de suas atividades.
Com efeito, é dever do empregador zelar por um ambiente de trabalho saudável, adotando práticas tendentes a coibir danos de natureza moral ou emocional aos seus empregados, passíveis de indenização.
No caso dos assaltos, como regra geral, tem-se que se trata de fato estranho aos contratos de trabalho, consistindo em uma forma de excludente da responsabilidade civil, consoante o art. 398 do Código Civil:
“Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”
No entanto, não se trata somente de uma análise da letra fria da lei, uma vez que, tratando-se de atividades de risco, como a atividade bancária, majoritariamente entende-se que neste caso adota-se a responsabilidade objetiva do empregador, consubstanciada na teoria do risco.
Nesse contexto, vale destacar que parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, versa que haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Nestes casos de atividades de risco, deve responder o empregador pelos danos e traumas causados aos empregados, independentemente da análise da culpa em sentindo amplo. Isso porque, caso se entendesse de forma diversa, estariam os empregados entregues à sua própria sorte, sem segurança contra os riscos que estão submetidos diariamente. Há, portanto, o nexo de causalidade entre o trabalho de risco realizado e o assalto ocorrido. Afinal, quem se propõe a desenvolver uma empresa, assume o risco do negócio (CLT, art. 2°).
Assim, a medida que os assaltos se tornam frequentes e podem ser, de certo modo, “previsíveis” em razão da própria atividade de risco do empregador, tal possibilidade incorpora-se como risco do negócio e deixa de ser considerado como um “fortuito externo”, passando a ser entendido como um “fortuito interno”, consoante os ensinamentos de Sergio Cavalieri Filho.
Por outro lado, caso o empregador não exerça atividades de risco, para se imputar culpa ao empregador pelos assaltos ocorridos, é necessário analisar, no caso concreto, se há omissão na adoção das cautelas devidas para evitar a sua ocorrência. Assim, se restar comprovado que o empregador adotou medidas de segurança, ou seja, diligenciou de forma a evitar ou diminuir os riscos à segurança de seus empregados, não se pode imputar ao empregador a responsabilidade por ato lesivo aos empregados em virtude de assaltos ocorridos durante a execução dos serviços. Neste caso, trata-se de fato delituoso imputado a terceiro, não havendo o nexo de causalidade entre os assaltos ocorridos e qualquer ação ou omissão do empregador.
Tratando-se de responsabilidade subjetiva, faz-se necessário investigar se o fato ilícito (assalto) guarda alguma conexão com a atividade empresarial desenvolvida e se o empregador agiu com culpa.
Desse modo, deve-se investigar, primeiramente, se a atividade normal da empresa oferece risco acentuado aos empregados. Caso se vislumbre situações em que a atividade dos empregados exponha o empregado a situações cotidianas de riscos, é recomendável a aplicação da responsabilidade objetiva, não havendo que se perquirir se a empresa adotou ou não medidas de segurança aptas a impedir ou coibir o assalto, sendo a responsabilidade da empresa a medida que se impõe.
Lado outro, não se tratando de empresa que realize atividades de risco, como regra geral, aplica-se a responsabilidade civil subjetiva do empregador pela reparação de danos morais e materiais decorrentes de acidente do trabalho (art. 7º, XXVIII, da CF), devendo ser este responsabilizado apenas no caso de restar comprovada a sua negligência em diligenciar um ambiente de trabalho seguro aos seus empregados.
2.1 IMPOSSIBILIDADE DE DESCONTO DO SALÁRIO DO VALOR SUBTRAÍDO EM RAZÃO DO ASSALTO
No âmbito do Direito do Trabalho vigora o princípio da intangibilidade salarial, conforme previsão no artigo 462, § 1º, da CLT. Confira-se:
“Art. 462 - Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo.
§ 1º - Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde de que esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado. (Parágrafo único renumerado pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)"
De acordo com o referido artigo, para o reconhecimento da licitude dos descontos realizados no salário, é necessária a comprovação de que o dano sofrido pelo empregador foi, de fato, decorrente da conduta dolosa ou culposa do trabalhador, desde que previamente prevista em ajuste.
Ora, para que se admita descontos salariais do empregado em razão de assaltos ocorridos é necessário que se comprove a sua contribuição para o evento danoso, sob pena de se imputar a assunção dos riscos da atividade econômica ao empregado.
Tem-se, portanto, que os riscos da atividade econômica devem ser assumidos pelo empregador, sendo vedada a sua transferência, pura e simples, ao empregado. Deve, nessa linha de intelecção, a empresa provar que o dano decorrente do assalto foi causado pelo empregado. Caso não comprove a atuação culposa do empregado para o evento danoso, é considerado ilícito o desconto salarial realizado.
3 CONCLUSÃO
Diante do exposto, tem-se que a ocorrência de assaltos durante a prestação de serviços é considerada acidente de trabalho. Nesse passo, segundo o texto constitucional, o empregador é responsabilizado, nos casos de dolo ou culpa, por acidente de trabalho (ou doença profissional a ele equiparável) que o empregado venha a sofrer, o que caracteriza a responsabilidade subjetiva do empregador, como regra geral.
Incumbe ao empregador, que se beneficia do trabalho prestado, proporcionar medidas de segurança no ambiente de trabalho, pois é o responsável por zelar pela integridade física e mental dos empregados, devendo adotar todas as medidas preventivas de segurança aptas a propiciar um ambiente de trabalho seguro e saudável.
Adotando-se a teoria clássica da responsabilidade civil, não havendo culpa não há obrigação de reparar o dano. Assim, caso os assaltos atinjam os empregados durante a prestação de serviços provocando danos morais e materiais, caso não seja comprovado o nexo de causalidade entre o evento ocorrido e a responsabilidade do empregador por proporcionar um ambiente de trabalho seguro, não haverá elementos para estabelecer a responsabilidade do empregador. Nestes casos, cabe a analisar a questão sob o prisma da responsabilidade civil subjetiva do empregador, entendendo-se o assalto como caso de fortuito interno, derivado de ato de terceiro. Portanto, a culpa do empregador pela violência sofrida por seus empregados só emerge quando se verifica a sua negligência no cuidado com a segurança.
No entanto, será caso de aplicação da responsabilidade civil objetiva – segundo a qual a obrigação de reparar o dano existe independentemente da culpa que possa ser atribuída ao responsável pela reparação – quando a atividade normal da empresa for perigosa. Nesta hipótese, não é necessária analise da culpa para responsabilização do empregador, pois ele deve adotar as cautelas necessárias para amenizar o risco de sua atividade, com a finalidade de garantir um ambiente mínimo de segurança. Portanto, provado o dano (ofensa a integridade física ou moral do obreiro) e o nexo causal, deve a empresa ser responsabilizada pelo mal sofrido pelo empregado, pois nesses casos o infortúnio ocorrido pelo assalto não é apenas responsabilidade do Estado.
4 REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 10 Julho de 2016.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília, DF, 10 jan. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 10 Julho de 2016.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010
DELGADO, Maurício. Godinho Curso de Direito do Trabalho. 2011.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações. 4ª edição.RJ
MARTINS, Sergio Pinto. Comentários à CLT. 2012.
Bacharel em Direito pela Universidade Paulista – UNIP. Bacharel em Letras-Português pela Universidade de Brasília –UnB. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Estácio de Sá. Foi escriturária do Banco do Brasil no período de 2010 a 2011. Foi técnica judiciária do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios em 2013. Foi analista processual do Ministério Público da União no período de 2013 a 2017, ocasião em que atuou como analista processual na Procuradoria Regional do Trabalho da 10ª Região – PRT/MPT. Atualmente, é membro da Advocacia-Geral da União - AGU, instituição na qual atua como Advogada da União.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Erica Izabel da Rocha. Responsabilidade do empregador por assaltos ocorridos durante a prestação de serviços Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 ago 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47162/responsabilidade-do-empregador-por-assaltos-ocorridos-durante-a-prestacao-de-servicos. Acesso em: 22 nov 2024.
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