Resumo: O Código de Processo Civil de 2015 tem como principal finalidade a simplificação processual, a fim de garantir ao jurisdicionado uma prestação mais célere e eficaz. Em decorrência disso, as tutelas antecipada e cautelar passaram a integrar as tutelas de urgência, medidas que o juiz adotará sempre que verificar a presença do fummus boni iuris e do periculum in mora. A busca por celeridade e simplicidade processual deve ser priorizada, tendo em vista a enorme demanda posta ao Judiciário.
Palavras-chave: Tutelas de urgência. Estabilização. Efetividade jurisdicional. Código de Processo Civil de 2015.
1. INTRODUÇÃO
A sociedade brasileira, desde a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 1973, vem passando por um processo de inserção contínua de novas tecnologias. Uma dessas inovações foi a internet, rede que propaga milhares de informações em intervalos mínimos de tempo.
Tais mudanças acarretaram uma nova dinâmica no meio social, a qual se caracteriza pela velocidade.
Ocorre que a codificação processual civil não acompanhou o desenvolvimento social em voga, fato que tem gerado enorme insatisfação popular, tendo em vista que o processo, por sua própria natureza, demanda certo lapso temporal para que se desenvolva. Esta duração, todavia, causa sérios obstáculos à efetividade jurisdicional.
Diante deste cenário, a doutrina tem buscado conferir um maior grau de instrumentalidade ao processo, a fim de que se adeque ao “modelo constitucional do processo civil” inserido pela Carta Magna de 1988.
2. TUTELAS DE URGÊNCIA NO NOVO CPC
A Constituição Cidadã previu, em seu artigo 5º, diversas garantias fundamentais que devem ser respeitadas, dentre as quais ganham especial destaque o acesso à justiça, o devido processo legal e a duração razoável do processo.
O Estado deve buscar meios para que tais princípios sejam respeitados, tendo em vista que sua observância implica na efetividade jurisdicional, constituindo-se em corolários do Estado Democrático de Direito.
Humberto Theodoro Júnior, neste ponto, assim dispõe:
Durante quase duas décadas o Código de Processo Civil de 1973 tem sofrido numerosas alterações, todas justificadas pela busca da efetividade da tutela jurisdicional, inspirando-se sempre nas garantias constitucionais do acesso à justiça, mediante observância do devido processo legal, da moderna visão da instrumentalidade e da duração razoável do processo, bem como do emprego de medidas tendentes a garantir a celeridade de sua tramitação.[1]
É de se ressaltar que a noção de instrumentalidade do processo ganhou especial relevo a partir do fortalecimento do princípio do acesso à justiça, ao qual foi conferido caráter fundamental, porquanto impôs que os cidadãos deveriam buscar o auxílio do Poder Judiciário para evitar lesões ou ameaças a direitos, não podendo o Estado se escusar do cumprimento de tal função.
Frise-se que tal “norma de otimização” deverá ser justa e efetiva, a fim de conferir a segurança prevista no ordenamento jurídico, como resta encartado no próprio preâmbulo da Carta Magna ao salientar que o Estado Democrático será destinado a assegurar a segurança como forma de solução pacífica das controvérsias.
É diante deste cenário que surge a ideia de uma nova codificação processual civil, a qual foi levada ao Senado Federal mediante o Projeto de Lei nº. 166/2010, que teria como objetivo principal simplificar o processo, tornando-o mais célere e justo, a fim de atender aos anseios da sociedade.
A simplificação do processo proposta pelo novo CPC se expressa em cinco pontos principais, os quais restaram expressos na exposição de motivos do PLS nº. 166/2010.
Com evidente redução da complexidade inerente ao processo de criação de um novo Código de Processo Civil, poder-se-ia dizer que os trabalhos da Comissão se orientaram precipuamente por cinco objetivos: 1) estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal; 2) criar condições para que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente à realidade fática subjacente à causa; 3) simplificar, resolvendo problemas e reduzindo a complexidade de subsistemas, como, por exemplo, o recursal; 4) dar todo o rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado; e, 5) finalmente, sendo talvez este último objetivo parcialmente alcançado pela realização daqueles mencionados antes, imprimir maior grau de organicidade ao sistema, dando-lhe, assim, mais coesão.[2]
Pela leitura do excerto acima, depreende-se que os membros competentes para a elaboração do projeto estão buscando reduzir as complexidades do processo, adequando-o ao modelo constitucional vigente.
O novo Código de Processo Civil, conforme salientado, tenta estreitar as relações entre o processo e a Constituição, adotando normas que expressem a feição processual dos direitos fundamentais.
Os pontos 2, 3 e 4 expressam a enorme preocupação que hodiernamente existe acerca da efetividade jurisdicional. O PLS nº. 166/2010 tenta possibilitar aos magistrados a oportunidade de julgar os processos de acordo com a realidade fática que o caso impõe. Para isso, preserva alguns institutos da codificação de 1973 que deram resultados positivos, estabelece novos mecanismos e prevê uma nova forma de aplicação de alguns meios de tutela.
Por fim, tem-se a organicidade do sistema, critério mais formal que foi propositadamente previsto como o último objetivo, a fim de passar a mensagem de que a nova codificação primará pela simplicidade das formas procedimentais do processo.
O seguinte excerto extraído da exposição de motivos do PLS nº. 166/2010, muito bem expressa essa intenção:
Não se deixou de lado, é claro, a necessidade de se construir um Código coerente e harmônico interna corporis, mas não se cultivou a obsessão em elaborar uma obra magistral, estética e tecnicamente perfeita, em detrimento de sua funcionalidade.
De fato, essa é uma preocupação presente, mas que já não ocupa o primeiro lugar na postura intelectual do processualista contemporâneo.[3]
Portanto, para se chegar a um processo justo e célere, faz-se necessário que este não seja visto como uma estrutura rígida e absoluta, mas sim como um fenômeno maleável e relativo que sempre buscará as alternativas mais adequadas para a solução da situação in concretum.
Diante desta situação, ganha relevo a nova linha adotada pela doutrina de aproximação entre a tutela cautelar e a tutela antecipada, prevendo o Código de Processo Civil de 2015, atualmente em vigor, a inclusão no sistema processual da tutela de urgência, trazendo normas procedimentais mais simplificadas e que integram as duas formas de tutela, cautelar e antecipada.
Nessa toada, Juvêncio Vasconcelos Viana destaca que o projeto de novo CPC trouxe um regime jurídico único para as tutelas de urgência, o qual terá como principal escopo uniformizar os procedimentos da tutela antecipada e da cautelar[4].
As aproximações entre a tutela cautelar e a antecipada já vinha sendo uma tendência na doutrina moderna, em decorrência da própria instrumentalidade.
Essa nova concepção de tutela de urgência (cautelar e antecipada) passou a ganhar forma na sistemática processual pátria a partir da introdução do § 7º ao artigo 273, o qual previu a fungibilidade entre ambas as formas de tutela.
O “regime jurídico único” das medidas de urgência poderá acarretar uma “evolução” e uma “involução” do sistema processual brasileiro.
“Evolução” pelo fato de que a concessão de medidas emergenciais se dará de forma mais simples, não devendo se ater a peculiaridades formais que somente dificultavam a prestação da tutela jurisdicional.
“Involução” pelo prisma de que a tutela cautelar poderá ser suprimida pela constante e, algumas vezes, inapropriada utilização da tutela antecipada, o que poderá gerar o desaparecimento das medidas cautelares.
É bom enfatizar que a preferência pela celeridade não pode se sobrepor aos princípios da duração razoável do processo e do devido processo legal, uma vez que a demanda necessita de tempo para que se estabeleça a dialeticidade que lhe é característica e para que o juiz possa analisar todos os fatos e fundamentos trazidos à lide, formando seu convencimento, para então proferir uma sentença justa e eficaz.
3. ESTABILIZAÇÃO DAS TUTELAS DE URGÊNCIA
O Código de Processo Civil de 2015, ainda quanto à tutela de urgência, prevê um instituto que visa a estabilizar as medidas assecuratórias concedidas, ou seja, tais medidas ganhariam caráter satisfativo, fato que viria a desnaturar a natureza eminentemente provisória das mesmas.
Todavia, para que ocorra a estabilização é necessário o preenchimento de dois requisitos específicos, quais sejam: i) que a medida seja antecedente e ii) que o réu, quando citado, não impugne a concessão da medida.
Quanto a tal instituto, Juvêncio Vasconcelos Viana ressalta:
Sempre aprendemos que as medidas cautelares e antecipatórias seriam marcadas pela provisoriedade. Mas, a vingar a ideia de estabilização, uma decisão proferida em cognição sumária, antecedente à causa, trará em si própria a possibilidade - acaso não impugnada - de perpetuar seus efeitos. O pedido principal (posterior, de mérito) torna-se algo eventual. O juiz decidirá, extinguirá o processo, mas manterá a eficácia do provimento (sem que se fale aí em cois julgada). Trata-se de medida nova, inspirada em outras do Direito estrangeiro (em especial do francês), e que, sem dúvida, trará perplexidades.[5]
É interessante frisar que a estabilização da medida não faz coisa julgada, tendo em vista que o evento foi decidido mediante cognição sumária. Desta feita, poderá a parte ajuizar ação com o intuito de solidificar tal medida no cenário jurídico, isto é, tornar-lhe imutável[6].
Tal ideia está consagrada no texto do artigo 283 do Código de Processo Civil de 2015, vide:
Art. 293. A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revogar, proferida em ação ajuizada por uma das partes.
Parágrafo único. Qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos autos em que foi concedida a medida para instruir a petição inicial da ação referida no caput.[7]
Fundamental destacar uma contradição que se impõe com a aplicação do instituto da estabilização. As tutelas cautelar e antecipada, pela codificação de 1973, tinham como uma de suas características principais a provisoriedade, servindo como um “remédio” para neutralizar ou eliminar os efeitos do periculum in mora. A partir do estudo dessa característica, a precariedade do provimento assecuratório era consequente lógico, uma vez que poderia ser alterado ou, até, extinto quando atingisse sua finalidade, resguardar o bem jurídico.
No entanto, com a estabilização, as tutelas de urgência perdem seu caráter provisório, passando a ser satisfativas. Ocorre que tal satisfatividade não é absoluta, mas sim relativa, ao passo que a medida estabilizada não poderá fazer coisa julgada. Contudo, a satisfatividade relativa impõe a provisoriedade, a qual não se coaduna com o fenômeno da estabilização.
Posto isso, verifica-se que existem diversos pontos do Código de Processo Civil de 2015 que merecem ser profundamente debatidos, a fim de que não se instituam mecanismos contraditórios, os quais, em vez de simplificar o processo, irão torná-lo mais complexo.
4. CONCLUSÃO
O Código de Processo Civil de 2015, formalmente instituído pelo Projeto de Lei nº 166/2010, tem como principal objetivo tornar o processo mais simples e célere, mas sempre observando as garantias constitucionais individuais, trazendo como uma de suas inovações a exclusão do Livro IV, deslocando-se a tutela cautelar para a parte geral do Código.
Além disso, prevê o instituto da estabilização, o qual confere um caráter satisfativo às medidas urgentes concedidas de modo antecipado e não contestadas pela parte adversa.
Tal instituto guarda certa impropriedade, tendo em vista que afasta característica intrínseca das tutelas de urgência, a provisoriedade, no entanto estabelece que a medida estabilizada não faz coisa julgada.
Ora, as medidas satisfativas são conclusivas, posto que absolutas. No caso, portanto, ter-se-á uma satisfatividade relativa, que representa a provisoriedade.
Portanto, nota-se que os juristas encarregados pela elaboração do Código de Processo Civil de 2015, primando pela celeridade, buscaram alternativas para simplificar o processo, tornando-o mais flexível e conferindo-lhe uma noção cada vez mais instrumental, a fim de garantir, aos que buscam o Poder Judiciário, a efetividade jurisdicional.
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[1] JÚNIOR, Humberto Theodoro. O compromisso do Projeto de Novo Código de Processo Civil com o processo justo. Revista de Informação Legislativa. Vol. 48, n. 190, 2011, pp. 237-263.
[2] BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei nº 166/2010. Dispõe sobre o anteprojeto do novo código de processo civil. Disponível em: http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/anteprojeto.pdf. Acesso em: 11 de março de 2014. Texto original.
[3] BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei nº 166/2010. Dispõe sobre o anteprojeto do novo código de processo civil. Disponível em: http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/anteprojeto.pdf. Acesso em: 11 de março de 2014. Texto original.
[4] “[...] um “regime jurídico único” para a tutela de urgência, ou seja, uma uniformização na forma de pugnar, obter e efetivar uma e outra. A tutela cautelar, hoje, nos leva a uma duplicação de processos (o cautelar e o principal); já a tutela antecipada é pedida nos próprios autos. É inegável que, de tempos para cá, tem se investido muito mais nas aproximações que nas diferenças entre as medidas de urgência. A futura disciplina consagrará isso, também revelando uma clara linha de simplificação.” VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Op. cit., p. 130.
[5] VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Op. cit., p. 130.
[6] “A tutela de urgência e de evidência podem ser requeridas antes ou no curso do procedimento em que se pleiteia a providência principal. Não tendo havido resistência à liminar concedida, o juiz, depois da efetivação da medida, extinguirá o processo, conservando-se a eficácia da medida concedida, sem que a situação fique protegida pela coisa julgada.” BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei nº 166/2010. Dispõe sobre o anteprojeto do novo código de processo civil. Disponível em: http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/anteprojeto.pdf. Acesso em: 11 de março de 2014. Texto original.
[7] BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei nº 166/2010. Dispõe sobre o anteprojeto do novo código de processo civil. Disponível em: http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/anteprojeto.pdf. Acesso em: 11 de março de 2014. Texto original.
Graduado pela Universidade Federal do Ceará.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALVES, Alan Pinto Teixeira. Código de Processo Civil de 2015 e tutelas de urgências Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 ago 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47171/codigo-de-processo-civil-de-2015-e-tutelas-de-urgencias. Acesso em: 22 nov 2024.
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