RESUMO: O presente trabalho orientar-se-á no sentido da análise das provas no tocante à embriaguez na condução de veículo automotor, bem como sobre as respectivas alterações inseridas pela Lei nº. 12.760/2012. É fato público e notório que os meios de comunicação transmitem constantemente notícias de acidentes de trânsito ocorridos, em sua grande parte, em virtude de os condutores de veículos automotores estarem alcoolizados, o que acaba por aumentar progressivamente a estatística do número de mortes de pessoas em decorrência de tal hipótese fática. Nesse rumo, a própria população clamava pela criação e efetiva aplicação de leis que viesses a punir tais condutas de forma cada vez mais severa, de modo a reprimir tais condutas, sob pena de, não o fazendo, ver impunes pessoas alcoolizadas que insistem em conduzir veículos automotores, colocando em risco a vida e a integridade física das pessoas, Vislumbra-se, pois, que a Lei nº. 12.760/2012 surgiu como mecanismo de combate e prevenção aos acidentes de trânsitos relacionados à ingestão de bebida alcóolica ou substâncias análogas capazes que reduzem a capacidade psicomotora dos condutores. A época em que se deu sua publicação (final de dezembro/2012) torna patente a preocupação do legislador no tocante à aplicação e vigência imediata do referido dispositivo legal.
A verdade é que a lei trouxe mudanças benéficas e que com certeza refletirá de forma positiva na postura dos aplicadores e estudiosos do direito, tendo em vista que trouxe consigo inovadoras diretrizes que dinamizarão principalmente o trabalho de fiscalização (da polícia), uma vez que concede uma maior quantidade de mecanismos de prova, bem como corrige alguns erros cometidos pelo legislador pretérito no que diz respeito aos tipos penais. Somado a isso, serve como medida de combate adotada pelo Estado, em conjunto com as diversas campanhas que estão sendo veiculadas nos meios de comunicação social, de sorte que possibilite uma significativa conscientização do condutor de veículo automotor.
Com isso, com a implementação e alterações trazidas pela Lei nº 12.760/2012 busca-se cada vez mais conscientizar e educar os condutores de veículos motorizados para que tal meio de transporte que os deslocam para onde desejar com segurança, podem se utilizados sobre os efeitos do álcool ou substâncias análogas funcionar como uma verdadeira arma que põe em risco a integridade física de um número indeterminado de pessoas.
Palavras-chave: Provas. Embriaguez. Veículo automotor. Acidentes de trânsito. Alterações. Lei nº. 12.760/2012.
1. Introdução
A ciência do Direito deve acompanhar as transformações e perceber os anseios da sociedade hodierna e, nesse sentido, o próprio ordenamento jurídico reconhece a necessidade da observância dos clamores sociais, como reza o art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.
É fato notório que o desenvolvimento da tecnologia aliada ao intenso processo de globalização fez com que nos últimos anos a sociedade se desenvolvesse com grande intensidade, o que acarretou num aumento significativo da produção veículos automotores em todas as localidades, desde a região metropolitana até as cidades menos desenvolvidas.
Nessa esteira, a legislação brasileira teve que se aperfeiçoar juntamente com a sociedade, oportunidade em que foram criadas normas para regulamentar esta evolução. Com isso, no ano de 1997 foi criado o Código de Trânsito Brasileiro, cuja finalidade precípua era regulamentar o trânsito em todo o território nacional, abarcando desde questões administrativas até sanções penais.
Com o transcorrer do tempo, diante do surgimento mais intenso de alguns comportamentos humanos, bem como do aumento da frota de veículos, foi necessária a criação de mecanismos para combater e inibir o ato de que pessoas sob o efeito do álcool pudessem conduzir qualquer tipo de veículo automotor, circunstâncias que levaram, de início, a criação da Lei nº. 11.705/2008, amplamente conhecida como “Lei Seca”, que alterou alguns dispositivos do Código de Trânsito Brasileiro. Acontece que no ano de 2012 esta norma sofreu novas alterações trazidas pela Lei nº. 12.760/2012, sendo este o objeto do presente estudo.
O ordenamento jurídico pátrio é dotado de uma grande quantidade de normas, distribuídas por seus diversos ramos. Um dos pilares normativos e sociais que tem recebido grande atenção por parte da mídia e da própria sociedade diz respeito às novas regras estabelecidas no Código de Trânsito Brasileiro, conhecida pela população como “A nova Lei Seca”. No ano de 2008 foi promulgada a Lei nº. 11.705/2008, alterando pela primeira vez e aplicando sanções severas para os condutores de veículos automotores que estivessem sob a influência de qualquer substância alucinógena.
A norma destacada no parágrafo anterior ganhou significativa repercussão perante a mídia brasileira e na sociedade em geral, sendo assim formuladas diversas críticas em relação a mesma, tanto a favor quanto contrário a sua aplicação.
O fato é que ao longo dos anos a lei veio sendo aplicada de forma eficaz, porém, ainda era perceptível pelas autoridades competentes que a norma possuía pontos de impotência social. Destarte, o legislador ordinário teve que criar novos mecanismos de aplicação e que surtisse efeitos na sociedade brasileira, fato que se deu por intermédio da Lei nº. 12.760/2012.
Assim sendo, o presente trabalho concentrar-se-á na alteração legislativa perpetrada quanto ao crime de embriaguez ao volante, dando-se ênfase a análise das modificações trazidas pela Lei nº. 12.760/2012, com a finalidade de que se possibilite a real compreensão dos fins sociais almejados pela referida lei.
Na época da vigência da Lei 11.705, de 19 de junho de 2008, a penalidade era considerada gravíssima, e o valor da multa que deveria ser pago para quem dirigia qualquer tipo de veículo automotor era de cinco vezes o valor desta multa gravíssima, totalizando assim um valor a ser pago de R$ 957,70 (novecentos e cinquenta e sete reais e setenta centavos).
Com o advento da Lei 12.760, de 20 de dezembro de 2012, a penalidade permaneceu com natureza de gravíssima, porém, a alteração existente neste tipo legal foi de que a multa não seria mais cinco vezes o valor da multa gravíssima, mas sim foi agravada para dez vezes este valor. Com isso, a multa para quem pratica a infração de dirigir qualquer tipo de veículo automotor sob influência de álcool ou qualquer substância que possa causar
dependência, com previsão no artigo 165, do Código de Trânsito brasileiro é de R$ 1915,40 (um mil e novecentos e quinze reais e quarenta centavos).
A medida administrativa presente no artigo 165, do Código de Trânsito brasileiro também sofreu alterações: no advento da Lei 11.705 a medida administrativa tinha como intuito a “retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação”
Analisando este trecho legal, o veículo permanecia retido até o momento que um condutor habilitado fosse até o pátio e o retirasse. Não vinha expresso nesta norma e nem fazia menção a qualquer artigo acerca do prazo que o veículo pudesse permanecer naquele pátio, até que o mesmo pudesse ser recolhido até o depósito.
Outra inovação importante trazida pela Lei nº. 12.760/2012, que não pode-se deixar de destacar foi a modificação do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro.
Urge destacar, por oportuno, que a redação revogada do artigo acima elucidado previa que o crime de embriaguez ao volante estava caracterizado toda vez que fosse constatada a concentração de 6 decígramas de álcool por litro de sangue. Desse modo, era necessário que tal concentração numérica fosse devidamente comprovada. Para que isto fosse possível, apenas o exame de sangue e o bafômetro eram considerados meio de prova idôneo e adequado para alcançar a conclusão exigida pelo tipo penal, tendo sido esta a posição que prevaleceu na jurisprudência, superando a divergência inicial diante do entendimento de que a prova testemunhal também poderia demonstrar a embriaguez, prevalecendo, com isso, a interpretação restritiva do tipo penal e, efetivamente, os 6 decígramas de álcool por litro de sangue somente poderia ser constadado através do exame de sangue ou teste do etilômetro.
A nova redação do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro trazida pela Lei nº. 12.760/2012 retirou do caput a parte que previa, para tipificação do crime, a exigência da concentração de 6 decígramas de álcool por litro de sangue. Agora, exige que o condutor esteja com a capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência.
Frise-se que, ao invés de um tipo penal engessado, que exigia a prova numérica e quantitativa da concentração de álcool no sangue, passou-se a admitir a influência do álcool afetando a capacidade psicomotora do condutor para que esteja configurado o delito.
Não bastasse isso, a alteração legislativa fez questão destacar o alargamento dos meios de prova que poderão ser utilizados para a comprovação da embriaguez ao volante, nos termos do § 2º do aludido dispositivo.
Ainda que desnecessário este dispositivo, uma vez que no sistema processual vigora o princípio da liberdade de provas, desde que lícitas e morais, a redundância demonstra preocupação do legislador não só em evitar dúvidas quanto às possibilidades probatórias, como indicar meios de prova que se revelam úteis para demonstrar situações de embriaguez. É o caso da previsão de admissão de vídeos para comprovação da alteração do estado psicomotor do condutor. De qualquer forma, peque-se por excesso e não por omissão. Bem vinda a previsão.
O fato é que não é mais necessária a realização do bafômetro ou exame de sangue para que haja a prisão em flagrante por crime de embriaguez ao volante. Se antes bastava a negativa pelo condutor em se submeter a tais exames, diante do principio de que ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo, hoje basta a existência de prova testemunhal para que haja, no mínimo, a condução do indivíduo até a Delegacia de Polícia para deliberação pela Autoridade Policial.
A grande questão será apurar quando o conduzido está com a sua capacidade psicomotora alterada pelo uso de álcool ou de outra substância psicoativa que cause dependência.
Duas questões importantes devem ser colocadas. Senão vejamos.
A primeira é que o norte orientador para a averiguação da alteração psicomotora está na Resolução 206 de 20 de outubro de 2006 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) que, em seu anexo, elenca diversas diretivas para tal aferição. Citando algumas, exemplificativamente, estão aspectos quanto à aparência (sonolência, olhos vermelhos, vômitos, soluços, desordem nas vestes, odor de álcool no hálito), atitude (agressividade, arrogância, exaltação, ironia, dispersão), orientação (se o condutor sabe onde está, sabe a data e a hora), dentre outros. Desta forma, já se tem diversos aspectos que devem ser sopesados para a aferição da alteração do estado psicomotor.
A segunda questão e que pode gerar polêmica foi a insistência legislativa em manter no dispositivo, ainda que num parágrafo (§1º, I, do art. 306, CTB), menção à concentração de 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou 0,3 miligramas de álcool por litro de ar alveolar
Destaque-se que o parágrafo primeiro do artigo 306 do Código de Trânsito, expressamente, refere que as condutas previstas no caput serão constatadas por concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar.
Como as condutas previstas no caput são conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada, e o parágrafo 1º e seu inciso I dizem que esta conduta pode ser aferida quando constatada concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar, surge algumas indagações: Uma vez realizado o exame de sangue ou teste do bafômetro e comprovadas as concentrações de álcool já mencionadas, estará automaticamente configurado o crime de embriaguez no volante? Ou seja: alcançados aqueles patamares de concentração etílica, há uma presunção de que a capacidade psicomotora está alterada? Esta presunção é relativa ou absoluta?
Para se chegar a uma conclusão, singelas e objetivas considerações são imperiosas.
Em primeiro lugar, note-se que a exigência de concentração mínima de álcool no organismo do condutor foi retirada do caput do artigo 306, CTB. Logo, o legislador não quis mais lidar com este parâmetro para a caracterização do crime. Ao invés de um parâmetro rígido, engessado e enclausurado em números (teor alcoólico), adotou um parâmetro flexível e consentâneo com a realidade das ruas e que realmente desencadeia acidentes e mortes: a influência do álcool na direção de veículo automotor.
Nesta linha de raciocínio, trabalhar com a ideia de que, uma vez constatados 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar, o crime estará caracterizado de plano, é desconstruir a alteração que o legislador fez no caput do artigo 306, CTB.
A opção legislativa foi de privilegiar a influência de álcool alteradora dos sentidos, e não números rígidos de concentração alcoólica. Isto porque haverá indivíduos com tolerância mais acentuada ou não ao álcool que poderão apresentar concentração etílica muito superior aos níveis previstos na lei e, nem assim, apresentarão comprometimento das atividades psicomotoras. Outros, com dois copos de cerveja, terão exaltação ou torpor suficiente para causar sensível alteração em suas habilidades mentais e físicas e, desde já, ficarem inaptos a guiar veículos automotores.
Dessa maneira, tem-se que a mera constatação dos níveis de 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar não constitui presunção absoluta de atividade psicomotora alterada pelo uso de álcool. Isto pode não se confirmar no mundo dos fatos e a lei não pode se dissociar desta realidade.
Ademais, as regras mais elementares de hermenêutica determinam que o caput (cabeça do artigo) é o fio condutor para a interpretação de seus parágrafos e incisos. Neste contexto, se a cabeça do artigo fez uma escolha em privilegiar o critério da alteração da atividade psicomotora, presumir que concluída pela mera constatação dos níveis de álcool já mencionados seria ir contra a própria razão da alteração legislativa. A mens legis aponta para alteração dos sentidos comprovada no caso concreto e até mesmo quando a concentração de álcool seja inferior àquela estipulada no inciso I do parágrafo primeiro do artigo 306 do CTB.
Como se vê, foram significativas as modificações trazidas pela Lei nº. 12.760/2012, necessárias ao atendimento do clamor social que, muitas vezes, assiste a impunidade de pessoas que ainda insistiam em conduzir veículos automotores sob o efeito do álcool, pondo em risco a vida de outras pessoas.
Assim, o estudo das alterações trazidas pela lei acima destacada se faz de extrema importância, tendo em vista o acontecimento de diversos crimes de trânsito causados por embriaguez ao volante de veículos automotores, tão intensa e comumente noticiados pelos diversos meios de comunicações.
1.2. Justificativa
É público e notório que os meios de comunicação transmitem constantemente notícias de acidentes de trânsito ocorridos, em sua grande parte, em virtude de os condutores de veículos automotores estarem alcoolizados, o que acaba por aumentar progressivamente a estatística do número de mortes de pessoas em decorrência de tal hipótese fática.
Com isso, a própria sociedade clamava pela criação e efetiva aplicação de leis que viessem a punir tais condutas de forma cada vez mais severa, sob pena de se ver impunes pessoas alcoolizadas que insistem em conduzir veículos automotores, colocando em risco a vida das pessoas de uma forma geral.
Daí é importante que se dê a interpretação correta e adequada as inovações trazidas pela Lei nº. 12.760/2012, haja vista que embora existam interpretações no sentido de que tais modificações afrontam direitos individuais do cidadão, há de se levar em consideração que se está diante de um crime de perigo abstrato, cujo bem jurídico tutelado juridicamente pertence a toda coletividade.
Diante disso, pode-se concluir que a Lei nº. 12.760/2012 trouxe inovações mais severas, posto que relativiza alguns direitos individuais do cidadão em nome de um bem jurídico maior, isto é, a proteção da coletividade, eis que os acidentes com vítimas fatais, causados por condutores embriagados, têm se tornado cada vez mais frequente.
A análise detida de tais modificações trazidas pela legislação explicitada no parágrafo anterior, é primordial para o alcance real da interpretação sistemática e teleológica de tal norma jurídica, no sentido de que se possa compreender que direitos individuais não podem ser tomados como absolutos, devendo, portanto, serem relativizados em nome de um bem jurídico maior a ser protegido, qual seja, a vida de outrem.
Pensar diferente seria contrariar todo o ordenamento jurídico, vez que se protegeria interesses individuais do cidadão, mesmo que este viesse a cometer a repudiada conduta de dirigir sob o efeito de álcool, inclusive definida como crime à luz do CTB, mesmo que colocando em perigo de vida, indistintamente, toda a coletividade, como acontece nesses casos de delitos perpetrados por condutores embriagados.
Assim sendo, o estudo teórico das modificações trazidas pela Lei nº. 12.760/2012 é imprescindível para uma correta compreensão da finalidade objetivada por tal legislação, notadamente o seu fim social.
Nessa esteira, destaque-se que, sob o ponto de vista delitivo da conduta em questão, a alteração do artigo 306 do CTB abandonou o critério fechado do índice de teor alcoólico, privilegiando o critério da alteração da atividade psicomotora. Neste contexto, o teor alcoólico verificado no exame de sangue e teste do bafômetro servirão, no máximo, como certeza da ingestão de bebida alcoólica, mas não prova cabal da alteração da atividade psicomotora.
Desse modo, os níveis de concentração etílica previstas no inciso I do parágrafo primeiro do artigo 306 do Código de Trânsito geram mera presunção relativa de alteração da atividade psicomotora, podendo ser desconfigurada quando demonstrado que o condutor está situado no tempo, espaço, local, não possui fala arrastadas, estado de sonolência ou qualquer outro sinal indicativo de alteração das suas habilidades motoras e mentais, nos termos da Resolução 206/2006 do Contran.
É esta uma interpretação que se acredita mais consentânea com o que é revelado pela praxis envolvendo crimes de trânsito, bem como garante elementos mais seguros para a aferição da culpabilidade do condutor. E isto, não há dúvidas, se revela vital no sistema processual penal, pois somente uma culpabilidade apurada com o máximo de segurança e garantias possíveis é que poderá relativizar a Presunção de Inocência de que é detentor todo indivíduo que interage num contexto social baseado no Estado Democrático de Direito.
A denominada “Nova Lei Seca” (Lei nº. 12.760/2012) resolveu a questão da quantificação de álcool por litro de sangue, exigida na redação anterior do artigo 306, caput, e com isso ampliou a possibilidade de responsabilização penal, o que é positivo.
Como dito, tais modificações trazidas pela lei em questão foram impulsionadas pelas elevadas cifras de mortos e lesionados em acidentes de trânsito envolvendo embriaguez ao volante, a pretexto de endurecer a resposta penal para tais situações típicas.
A ampliação de tal responsabilização penal tem o condão de inibir cada vez mais os crimes desta natureza.
Destarte, o estudo teórico mais aprofundado sobre as alterações trazidas pela lei em questão é de extrema valia para sua correta interpretação e aplicabilidade.
1.2 Objetivo Geral
O objetivo geral do presente trabalho é analisar as modificações trazidas pela Lei nº. 12.760/2012, notadamente quanto ao ato de se conduzir veículos automotores sob o efeito de substâncias que comprometam a capacidade psicomotora, tendo em vista ser tal hipótese fática a causa das elevadas cifras de mortos e lesionados em acidentes de trânsito.
1.3 Objetivos Específicos
Os objetivos específicos deste estudo consistem, basicamente, nos seguintes:
- Analisar a repercussão social trazida pelas alterações da Lei nº. 12.760/2012, enfatizando em geral seus pontos positivos e negativos perante a população;
- Explicitar como era a aplicação do Código de Trânsito Brasileiro no advento da Lei nº. 11.705/2008 e como está sendo a aplicação da norma após a promulgação da Lei nº. 12.760/2012, tanto na esfera administrativa quanto na esfera criminal;
- As possíveis circunstâncias sociais que levaram à criação, bem como as alterações legislativas trazidas pela Lei nº. 12.760/2012;
- Buscar uma interpretação sistemática e teleológica de tais modificações com o objetivo de melhor compreender o fim social almejado pela citada lei.
1.4 Metodologia da Pesquisa
A metodologia a ser utilizada na pesquisa será a dedutiva, buscando na lei, doutrina e jurisprudência, de forma sistemática, subsídios para uma melhor compreensão das alterações legislativas ora em análise. Para tanto, serão utilizados livros, artigos, periódicos e demais trabalhos científicos na área.
Quanto ao método de procedimento será o monográfico, tendo sido empregada como técnica a pesquisa bibliográfica e documental, buscando sempre uma abordagem multidisciplinar, caminhando entre as diversas searas do Direito.
Vale destacar, ainda, que a pesquisa será elaborada através de um estudo descritivo-analítico dos dispositivos trazidos pela Lei 12.760/2012, o que acabou por gerar significativas inovações no Código de Trânsito Brasileiro.
2. Aspectos históricos destacados do Código de Trânsito Brasileiro
A primeira legislação de trânsito no Brasil surgiu em 27 de outubro de 1910, dezessete anos após a chegada do primeiro automóvel no país. Esta legislação se deu através do Decreto nº. 8.324, que aprovou o regulamento para o serviço subvencionado de transporte por automóveis (LEITE, 2011, p. online).
Este Decreto, dentre outros aspectos inerentes à circulação de veículos, apresentava as medidas de segurança que os motoristas deveriam seguir na condução do automóvel, destacando-se a prevista em seu artigo 21, onde os motorneiros, assim chamados naquela época, mantivessem a todo tempo controle da velocidade de seu veículo, devendo vir a diminuir a marcha ou até mesmo parar toda vez que o veículo pudesse causar acidente (LEITE, LIMA; 2011, 2011; p. online, p. online).
Outros requisitos do Decreto nº 8.324/1910, exigidos na segurança dos veículos que transitariam nas vias, bem como dos próprios condutores, estariam elencados nos artigos 18 a 26, no capitulo intitulado como Material Rodante e Medidas de Segurança, in verbis:
“Art. 18. Nenhum automóvel poderá ser posto em serviço sem prévio exame do engenheiro fiscal, que deverá proceder ás experiências eme julgar convenientes, afim de verificar que não apresenta nenhuma causa de perigo, sendo empregado no trafego da estrada. A infracção deste artigo sujeita o concessionário á penalidade estatuída pelo art. 33
Art. 19. Os automóveis terão reservatórios, tubos e quaesquer peças destinadas a conter explosivos, ou inflamáveis, construídos de modo a não deixar escapar, nem cair matéria alguma que possa causar incêndio ou explosão, e bem assim :
a) aparelhos dispostos de modo tal, que seu emprego não apresente nenhuma causa de perigo, e não possa causar danos pelo desprendimento de gazes deletérios:
b) órgãos de manobras bem dispostos de modo que o motorneiro possa acioná-los sem deixar de prestar toda a atenção ao caminho que for percorrendo ;
c) o raio visual para frente do veículo deve ser completamente livre e o monômetro e outras aparelhos indicadores, que o motorneiro deve sempre ter á vista, devem ser colocados de modo a serem facilmente consultados. Durante a noite serão estes aparelhos bem iluminados;
d) o veículo deve ser disposto de modo a obedecer facilmente ao aparelho de direcção e a voltar com facilidade nas curvas de pequeno raio e os órgãos de direcção deverão oferecer todas as garantias de perfeita solidez.
Art. 20. Os automóveis devem ser providos de aparelhos aperfeiçoados que façam a inversão do movimento com rapidez, e serão providos de dois sistemas de freios distintos, bem aperfeiçoados e bastante eficazes, de modo a poderem, em dado momento, cada um de per si, suprimir automaticamente a acção propulsora do motor, ou neutralizá-la.
Art. 21 . O motorneiro deve estar constantemente senhor da velocidade de seu veículo, devendo diminuir a marcha ou mesmo parar o movimento, todas as vezes que o automóvel possa ser causa de acidentes. A velocidade deverá ser reduzida o mais possível nos pontos da estrada, onde, por qualquer obstáculos, não se possa estender á distancia o raio visual, ou quando atravessar caminhos ou ruas de povoados.
Art. 22. A velocidade comercial mínima para o transporte de mercadorias será de 6 kilometros por hora e a do transporte de viajantes, de 12 kilometros, devendo os automóveis empregados satisfazer a essas condições de serviços.
Art. 23. A aproximação dos automóveis deverá ser anunciada á distancia por uma buzina ou trompa.
Art. 24. Os automóveis, rebocando outros veículos não poderão circular sem que satisfaçam as exigências do art. 17, e cada veículo rebocado será provido do mesmo sistema de freios, suficientemente eficazes, suscetíveis de serem acionados, quer pelo mortoneiro, quer pelo guarda-freio especial.
Art. 25. O motorneiro ao deixar o veículo é obrigado a tomar todas as precauções para evitar acidentes e suprimir o ruído do motor.
Art. 26. O trafego será feito com automóveis e veículos, cujo numero será fixado nos contractos que forem celebrados, nos termos deste regulamento e, uma vez inaugurado, não poderá ser interrompido. (DEPARTAMENTO NACIONAL DE TRÂNSITO, p. 21-22).”
Em 28 de janeiro de 1941, foi promulgado o Decreto-Lei nº 2.994/41, chamado de Código Nacional de Trânsito, o qual teve duração de apenas oito meses, sendo revogado pelo Decreto-Lei nº 3.651/41, Decreto-Lei este que atribuiu aos Estados à regulamentação do trânsito de veículos automotores, devendo a legislação se adaptar a Lei Nacional (LIMA, 2011, p. online).
Na data de 21 de setembro de 1966, foi criado pela Lei nº 5.108, o segundo Código Nacional de Trânsito, que tinha em seu contexto 131 artigos, sendo que antes mesmo de sua regulamentação sofreu a primeira alteração em 1967, pelo Decreto nº 237/1967. O Código Nacional de Trânsito de 1966, que durou por 31 anos, foi revogado na data de 23 de setembro de 1997, pela Lei nº 9.503/97, chamado então de Código de Trânsito Brasileiro, que apenas passou a vigorar em 22 de janeiro de 1998 (LEITE, 2011, p. online).
O Código de Trânsito brasileiro rege-se pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, pela Convenção de VIENA e pelo Acordo do MERCOSUL (LEITE, 2011, p. online).
Atualmente, o Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97) dispõe de 20 capítulos e 341 artigos, sendo apenas 17 artigos vetados, tendo o legislador inserido o capítulo XIX, intitulado como DOS CRIMES DE TRÂNSITO, que tipificavam os crimes praticados na condução de veículos automotores, então chamado de crimes de trânsito em espécie. A seção I, do capítulo XIX, é composta de 11 artigos, que vão do artigo 291 ao artigo 301, ficando revogados os artigos 299 e 300. Nesta seção são especificadas as regras dos crimes de trânsito em espécie, dispostos na seção II do mesmo capítulo. Nesta seção II, também composta de 11 artigos, tendo inicio no artigo 302 e finalizado no artigo 312, são determinadas as penas aplicadas aos condutores que cometerem os crimes de trânsito em espécie, ou seja, crimes praticados unicamente na direção de veículos automotores.
É cediço que a Ciência do Direito, que tem o condão de estabelecer regras jurídicas para adequada e harmoniosa convivência social, deve acompanhar as transformações e perceber os anseios da sociedade hodierna e, nesse sentido, o próprio ordenamento jurídico reconhece a necessidade da observância dos clamores sociais, como estabelece o art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.
É público e notório que o desenvolvimento da tecnologia aliada ao intenso processo de globalização fez com que nos últimos anos a sociedade se desenvolvesse com grande intensidade, o que acarretou num aumento significativo da produção de veículos automotores em todas as localidades, desde a região metropolitana até as cidades menos desenvolvidas.
Com isso, diante de tais circunstâncias, a legislação brasileira teve que se aperfeiçoar para atender os anseios sociais oportunidade em que foram criadas normas para regulamentar esta evolução. Nesse contexto, foi criado, no ano de 1997, o Código de Trânsito Brasileiro, cuja finalidade precípua era regulamentar o trânsito em todo o território nacional, abarcando desde questões administrativas até sanções penais.
Com o passar do tempo, em virtude do aumento da prática de alguns comportamentos humanos, bem como do aumento da frota de veículos, foi necessária a criação de mecanismos para combater e inibir o ato de que pessoas sob o efeito do álcool pudessem conduzir qualquer tipo de veículo automotor, circunstâncias que levaram, de início, a criação da Lei nº. 11.705/2008, amplamente conhecida como “Lei Seca”, que alterou alguns dispositivos do Código de Trânsito Brasileiro. Acontece que no ano de 2012 esta norma sofreu novas alterações trazidas pela Lei nº. 12.760/2012.
Na verdade muito se discute no Brasil acerca da realidade do trânsito, porém, pouco efetivamente do que dali se extrai é efetivamente aplicado. Ainda assim, a implementação do que se discute em muitos casos não surte o efeito esperado, sendo em algumas ocasiões um contra-senso para com a realidade social brasileira.
Notícias sobre trágicos desastres envolvendo veículos automotores já perpassam nosso cotidiano, tornando-se uma infeliz normalidade.
Vislumbra-se que se diverge muito acerca do quantum referente a mortes em acidentes de trânsito. Os números variam entre 40,45 e 50 mil mortes/ano, tendo sido esse último dado divulgado em 02 de maio de 2007, após a palestra “Trânsito: uma questão de cidadania”, proferida em 26 de abril de 2007 pelo ex-diretor do Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN), José Roberto de Souza Dias, como atividade integrante do II Seminário Nacional Movimentos Sociais, Participação e Democracia, promovido pelo Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais da Universidade Federal de Santa Catarina.
Tal catastrófica estatística de uma morte em cada 11 minutos, acaba de superar o número de baixas totais de norte-americanos na Guerra do Vietnã, estimado em 47 mil. Adotando esse paradigma, percebe-se a realidade do trânsito no Brasil como uma Guerra não declarada, em tempo de paz e, o pior, cada vez mais intensa.
Urge destacar, por oportuno, que o número considerado de 50 mil mortes anuais em virtude de acidentes de trânsito no Brasil, leva em conta apenas as mortes no local do acidente (60%) e aquelas ocorridas no Hospital nas primeiras 24 horas após o evento desencadeador (40%), o que traz à discussão, sem sombra de dúvidas, uma cifra obscura que pode tornar esse já penoso dado ainda mais elevado, visto o número de óbitos que ocorrem após 24 horas do resgate e que não são aqui contabilizados.
Dessas mortes, 70% estão relacionadas ao consumo de álcool, sendo a maioria das vítimas jovens com idade entre 18 e 26 anos.
Ampliando os horizontes, ainda há que se considerar que, numa frota nacional de aproximadamente 27 milhões de veículos, 640 mil envolvem-se anualmente em acidentes, num complexo de um acidente para cada 31 segundos, vitimando, parcialmente, outras 300 mil pessoas.
O custo total derivado de acidentes de trânsito no Brasil supera a casa dos 5,3 bilhões de reais por ano3. Só o afastamento temporário ou definitivo para o trabalho – a perda de produção – significa 42,8% desse total. Os custos com os veículos representam 28,8%, e com o atendimento médico-hospitalar e reabilitação das vítimas outros 15,5%. A pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), só não contabilizou os acidentes ocorridos nos trechos não urbanos das rodovias, nem a dor de vítimas e parentes, tendo sido postos a “ponta do lápis” todos os outros componentes de custos, desde resgates a congestionamentos.
Diante dessa triste realidade, a legislação brasileira concernente ao uso das vias terrestres por pessoas e veículos vem ampliando-se com grande rapidez, porém, algumas vezes de forma desconexa e desorganizada, deixando uma série de lacunas e imprecisões.
A Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), em vigor há pouco mais de 8 anos, já foi alterada sete vezes. As Leis nº 9.602/98, 9.792/99, 10.350/01, 10.517/02, 10.830/03, 11.275/06, 11.334/06, 11.705/2008 e a 12.760/2012 alteraram alguns artigos do CTB visando melhor adequar a legislação existente à realidade do trânsito.
2.1. Conceito de Trânsito
O conceito de trânsito, consignado no art. 1º, § 1º, do CTB, é apresentado, de maneira mais sintética, no Anexo I do Código. Em ambas as definições, verifica-se que, diferentemente do que muitos imaginam, trânsito não traduz apenas a ideia de movimento, mas abrange também a imobilização na via pública. Vejamos:
Art. 1º.
[...]
§ 1º Considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga.”
[...]
TRÂNSITO - movimentação e imobilização de veículos, pessoas e
animais nas vias terrestres. (CTB, 1997, grifo nosso).
Comparando-se as duas definições apresentadas, inicialmente pode-se equiparar as expressões “circulação” e “movimentação”, dando-se a ideia de uma utilização dinâmica das vias. A mesma equivalência não se aplica no entanto quando se trata do uso de maneira estática, uma vez que o termo “imobilização”, utilizado no Anexo I, é mais abrangente do que as situações elencadas no § 1º do art. 1º do CTB.
Verifica-se de pronto a impropriedade de somar a operação de carga ou descarga ao final do texto legal, pois está se enquadra no conceito de estacionamento, por força legal. Vejamos:
Art. 47.
[...]
Parágrafo único. A operação de carga ou descarga será regulamentada pelo órgão ou entidade com circunscrição sobre a via e é consideradaestacionamento. (CTB, 1997).
Analisando-se, portanto, as situações consideradas pelo CTB como exemplos de imobilização e considerando-se incorporada a operação de carga ou descarga ao conceito de estacionamento, teremos as seguintes espécies do gênero imobilização:
PARADA - imobilização do veículo com a finalidade e pelo tempo estritamente necessário para efetuar embarque ou desembarque de passageiros;
ESTACIONAMENTO - imobilização de veículos por tempo superior ao
necessário para embarque ou desembarque de passageiros;
INTERRUPÇÃO DE MARCHA - imobilização do veículo para atender
circunstância momentânea do trânsito. (CTB, 1997).
Percebe-se que tais conceitos, a começar por suas redações, contemplam apenas a imobilização de veículos, não havendo, na verdade, previsão no Código de Trânsito de situações que regulem a utilização estática da via pública por pessoas ou animais.
O Capítulo IV do CTB, que trata dos pedestres e condutores de veículos não motorizados, retrata, dos arts. 68 a 71, apenas a forma de utilização da via para circulação dos pedestres, fazendo uma única menção à parada (de forma genérica e não como sinônimo de embarque e desembarque, logicamente), quando proíbe a imobilização do pedestre sobre a pista, sem necessidade, uma vez iniciada sua travessia. A seguir:
Art. 69. Para cruzar a pista de rolamento o pedestre tomará precauções de segurança, levando em conta, principalmente, a visibilidade, a distância e a velocidade dos veículos, utilizando sempre as faixas ou passagens a ele destinadas sempre que estas existirem numa distância de até cinquenta metros dele, observadas as seguintes disposições:
[...]
III - nas interseções e em suas proximidades, onde não existam faixas de travessia, os pedestres devem atravessar a via na continuação da calçada, observadas as seguintes normas:
[...]
b) uma vez iniciada a travessia de uma pista, os pedestres não deverão aumentar o seu percurso, demorar-se ou parar sobre ela sem necessidade.(CTB, 1997).
Quanto aos animais, embora a utilização das vias por eles esteja englobada no conceito de trânsito e, portanto, regulamentada pelo CTB, cabe ressaltar que, por razões óbvias, que impossibilitam a exigência de seu cumprimento por seres irracionais, as regras não se aplicam diretamente a esses, mas sim aos seus responsáveis, o que fica claro quando da análise do disposto no art. 53, que obriga a condução dos animais por um guia, norma esta que se complementa com a medida administrativa capitulada no artigo 269, inciso X, de recolhimento de animais que se encontrem soltos nas vias e na faixa de domínio das vias de circulação (restituindo-se aos seus proprietários, após o pagamento de multas e encargos devidos). Senão vejamos:
Art. 53. Os animais isolados ou em grupos só podem circular nas viasquando conduzidos por um guia, observado o seguinte:
[...]
Art. 269. A autoridade de trânsito ou seus agentes, na esfera dascompetências estabelecidas neste Código e dentro de sua circunscrição,deverá adotar as seguintes medidas administrativas: [...]
X - recolhimento de animais que se encontrem soltos nas vias e na faixa de domínio das vias de circulação, restituindo-os aos seus proprietários, após o pagamento de multas e encargos devidos. (CTB, 1997).
Sendo assim, há de se preferir o conceito de trânsito trazido pelo Anexo I do CTB, tendo em vista que as três formas de utilização da via, previstas no § 1º do artigo 1º, não atingem as pessoas e os animais, mas apenas os veículos, o que permite concluir, de maneira bem simplista, que trânsito significa, pura e simplesmente, “utilização da via pública” (não importa por quem, não importa para quê).
2.1 Embriaguez: Aspectos Introdutórios
É irrefutável dizer que a embriaguez constitui um dos maiores problemas sociais da atualidade, caracterizando-se, neste sentido, como a razão original de uma série de crimes, acidentes e fracassos pessoais de um número bastante significativo de indivíduos.
E no que diz respeito ao trânsito, tal constatação adquire contornos ainda mais preocupantes, conforme revela Pinheiro, in verbis:
“O problema da embriaguez em acidente de trânsito é realmente grave. As estatísticas não demonstram em que proporção real os acidentes são devidos em sua totalidade, ou em parte, ao efeitos do álcool sobre os motoristas e pedestres. Isso porque inúmeras circunstâncias ficam desconhecidas ou são escondidas, dadas as posições dos acidentados, dos indiciados, das partes enfim, denominado Roger Piret esse fato como a conspiração do silêncio.”
Desse modo, vale salientar alguns pontos básicos desse mal, iniciando pela conceituação do termo “embriaguez”, bem como de suas espécies em particular. Senão observemos.
2.1.1 Conceito de Embriaguez
Em síntese, a embriaguez consiste na intoxicação aguda e transitória causada pelo álcool ou substâncias de efeitos análogos, cujas consequências variam desde uma ligeira excitação até o estado de paralisia e coma.
De acordo com Plácido e Silva, o vocábulo “embriaguez” é derivado de embriagar-se, do latim inebriare (embebedar-se, embriagar-se e, neste sentido, significa “(...) o estado em que se encontra a pessoa, que se embriagou ou está embriagada, pela absorção ou ingestão de bebidas alcoólicas ou de substâncias de efeitos análogos”.
2.2.2 Espécies de Embriaguez
De acordo com Masson, na legislação penal brasileira, a embriaguez pode ser: voluntária ou incidental, culposa, preordenada ou acidental.
É voluntária ou incidental aquela em que o indivíduo ingere bebidas alcoólicas com a intenção de embriagar-se, não querendo praticar infrações penais, pois sua vontade restringe-se a exceder os limites permitidos para a ingestão do álcool ou substâncias de efeitos análogos.
A embriaguez culposa consiste na espécie em que a vontade do agente é somente beber, e não embriagar-se, ficando embriagado, todavia, pelo exagero no consumo do álcool.
Nos termos do art. 28, inciso II, do Código Penal Brasileiro as duas espécies de embriaguez acima citadas, não excluem a imputabilidade penal, sejam completas ou incompletas.
Já a embriaguez preordenada ou dolosa corresponde à espécie em que o sujeito propositadamente se embriaga para cometer uma infração penal, funcionando, neste caso, embriaguez como fator de encorajamento para a prática do crime ou da contravenção penal. Tal espécie, além de não excluir a imputabilidade penal, funcional como agravante genérica (art. 61, II, do CP), incidindo na segunda fase do critério trifásico para o fim de exasperar a pena.
A embriaguez acidental ou fortuita é a que resulta de caso fortuito ou força maior. No caso fortuito o indivíduo não percebe ser atingido pelo álcool ou substância de efeitos análogos, ou desconhece uma condição fisiológica que o torna submisso às consequências da ingestão do álcool. No caso de força maior, o sujeito é obrigado a beber, ou então, por questões profissionais, necessita permanecer em recinto cercado pelo álcool ou substâncias de efeitos análogos.
A embriaguez acidental ou fortuita, se completa, capaz de ao tempo da conduta tornar i agente inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, exclui a imputabilidade penal (art. 28, § 1º, CP).
De outra banda, a embriaguez acidental ou fortuita incompleta, ou seja, aquela que ao tempo da conduta retira do agente parte da capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, autoriza a diminuição da pena de 1(um) a 2/3 (dois terços), equivalendo, portanto, à semi-imputabilidade (art. 28, § 2º, CP).
3. Embriaguez ao volante sob a ótica da Lei nº. 11.705/2008
Em que pese não haver informações fidedignas acerca da quantidade real de vítimas, por estatísticas confiáveis, o que por si só é lamentável, sabe-se incontestavelmente que a cada ano o Brasil o número de acidentes automobilísticos envolvendo embriaguez aumenta substancialmente tolhendo vidas humanas, afora as sequelas físicas e psicológicas geradas pela combinação álcool + direção. Se esta conduta criminosa é censurável, justificada pelo Poder estatal no âmbito administrativo e penal, lamentável é a ausência de políticas de trânsito adequadas, perenes, cumpridas com a aspereza que o problema exige.
Nesta esteira, vislumbra-se que o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), em toda sua modesta vigência, já foi alvo de importantes alterações no que diz respeito a motoristas que conduzem veículo automotor sob influência etílica. As recentes e mais significativas alterações foram instituídas pela Lei nº. 11.705/08 e 12.760/12, sendo a análise das citadas alterações legislativas objeto deste trabalho.
Por questão de sequência lógica, neste capítulo analisar-se-á especificamente as alterações trazidas no âmbito administrativo e penal pela Lei nº. 11.705/08, notadamente no texto dos artigos 165, 276, 277 e 306 do Código de Trânsito Brasileiro.
3.1 Embriaguez ao volante como Infração Administrativa
3.1.1 Alteração Parcial na Redação do Artigo 165, CTB
O artigo 165 do CTB, no seu texto original, já havia sido objeto de alteração por força da Lei 11. 275/06, que excluiu a taxa de alcoolemia contida na norma que era “superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue”, como pressuposto para a configuração desta infração administrativa. Com o advento da Lei 11.705/08, o preceito primário definidor da conduta passou vigorar “dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: infração – gravíssima”.
Analisando o texto anterior, verificamos que o caput do artigo foi alvo de singela modificação, apenas redacional, para adequá-lo à linguagem médico jurídica. Ao não mencionar “entorpecentes” e nem mesmo “drogas” em seu texto e sim “substância psicoativa que determine dependência”, esclarece que as substâncias que impedem o condutor de veículo automotor a dirigir não se restringem apenas ao álcool e às drogas ilícitas, mas abarca qualquer espécie de substâncias capazes de provocarem dependência física ou psíquica e que atuem sobre o sistema nervoso, provocando alterações em seu funcionamento e que possam ser prejudiciais à segurança viária. Por isso, a mudança, embora meramente formal, tinha fundada justificativa.
De outra banda, a nova redação atribuída ao artigo 165, do CTB, recebeu críticas por ter adotado a nomenclatura usada recentemente pela Lei Antidrogas – Lei 11.343/06 – que não emprega em seu texto o termo “substâncias psicoativas”, mas sim a expressão “drogas”, definidas por esta lei como “substâncias ou produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União”.
Por sua vez o artigo 66 da aludida lei, é taxativo ao definir como “drogas as substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial, da Portaria SVS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998”. Assim, o legislador perdeu a ideia de uniformização em termos de nomenclatura jurídica, a ser aplicado tanto na esfera administrativa, quanto penal.
3.1.2 Taxa de Alcoolemia
Analisando a redação atribuída ao caput do art. 165, nota-se que se manteve a expressão “sob a influência de álcool” [...], já contida no texto original do CTB. A mencionada lei, portanto, não exige um estado de embriaguez clinicamente comprovado, mas sim que o condutor esteja dirigindo veículo automotor “sob influência etílica”. Consoante preceitua Jesus (2008):
[...] dirigir veículo automotor, em via pública, ‘sob a influência’ de álcool ou substância similar significa, sofrendo seus efeitos, conduzi-lo de forma anormal, fazendo ziguezagues, ‘ costurando’ o trânsito, realizando ultrapassagem proibida, ‘colado’ ao veículo da frente, passando com o sinal vermelho, na contramão, com excesso de velocidade, etc.
Nesse sentido também leciona Gomes (2008):
O estar "sob influência" exige a exteriorização de um fato (de um plus) que vai além da embriaguez, mas derivado dela (nexo de causalidade). Ou seja: não basta a embriaguez (o estar alcoolizado),
impõe-se a comprovação de que o agente estava sob "sua influência", que se manifesta numa direção anormal (que coloca em risco concreto a segurança viária). [...]. Basta que a direção tenha sido anormal (em zig-zag, v.g.): isso já é suficiente para se colocar em risco a segurança viária.
Dessa forma, de acordo com a Lei ora analisada, para que o delito se configure na seara administrativa, já não há mais necessidade de o motorista apresentar uma taxa mínima de alcoolemia, conforme prescrevia o texto original do dispositivo, o qual foi objeto de posterior alteração. Em consequência disto, de acordo com a norma, basta que o condutor tenha feito uso e se encontre sob a influência de qualquer tipo de bebida alcoólica para que infrinja a lei e possa ser punido com as rígidas sanções administrativas previstas no preceito secundário da norma em comento.
Defendia a doutrina majoritária que o álcool reage de forma diferente, segundo o grau e a resistência de cada organismo. Discutia-se, por isso, se era razoável e até mesmo justo, punir de modo uniforme e isonômico, situações que, na prática, poderiam ser desiguais.
Percebe-se que o abandono da taxa de alcoolemia teve por escopo justamente apaziguar a polêmica doutrinária que se formava acerca do tema. A alteração teve, também, outro objetivo, de natureza mais prática: permitir a constatação da presença de álcool no sangue do motorista, por outros meios de prova, além dos exames periciais.
Na hipótese de recusa do condutor em se submeter a qualquer um destes exames médicos perícias técnicas, o texto legal, com sua reformulação, abrange possíveis casos de autuação de motorista alcoolizado por simples constatação do agente de trânsito.
Por esta ótica, nos parece que a intenção do legislador foi a de punir com “tolerância zero” quem for surpreendido na direção de veículo automotor em estado etílico. Em complemento, o artigo 276, CTB, em sua nova redação destaca que “qualquer concentração de álcool por litro de sangue” é suficiente para a caracterização da infração administrativa de embriaguez ao volante.
3.2 Penalidades Administrativas
As penalidades administrativas cominadas aos condutores que infrinjam a norma contida no artigo 165, CTB, foi mantida com o mesmo conteúdo repressivo, aprovado pela Lei 11.705/08. Desta forma, não houve alteração na natureza da infração administrativa. O texto do preceito secundário continua com a mesma redação:
Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:
Infração - gravíssima;
Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por
12 (doze) meses;
A infração continua classificada como “gravíssima”, com a multa sendo majorada em cinco vezes. Além disso, a sanção pecuniária continua acompanhada da penalidade administrativa de suspensão do direito de dirigir e complementada pelas medidas de retenção do veículo e recolhimento do documento da Carteira Nacional de Habilitação.
Desta forma, a alteração ocorreu precisamente para ajustar a penalidade de suspensão do direito de dirigir ao Princípio da Temporalidade, cabível às sanções de natureza administrativa. Agora, vem expresso na norma o prazo máximo de doze meses de suspensão do direito de dirigir a que ficará sujeito o motorista infrator.
Como se observa esse conjunto de penalidades administrativas representa medidas bastante severas, haja vista que estamos lidando com normas de natureza administrativa e não criminal e a aplicação de forma cumulada destas sanções. Tal forma de resposta punitiva se revela ainda mais severa se considerarmos a incidência múltipla de sanções, aplicadas ao condutor que apresente mínima concentração de álcool no sangue. Tudo isto, no âmbito administrativo do Poder do Estado.
3.3 Margens de Tolerância
No artigo 276 do CTB, precisamente em seu Parágrafo Único, está previsto a possibilidade para “casos específicos” o estabelecimento excepcional de “margens de tolerância” de concentração de álcool no sangue.
O legislador reconhecendo que algumas substâncias contidas em medicamentos utilizam o álcool em sua composição delegou ao Poder Executivo a competência para disciplinar “as margens de tolerância para casos específicos”. Visando regular o tema, o Decreto 6488/08, reafirmou: A lei antiga falava em 6 decigramas para caracterizar infração. Segundo a nova redação do artigo 165 do CTB, dirigir sob a influência de álcool (qualquer índice) caracteriza infração de trânsito, no entanto, a própria lei trouxe a previsão de margens de tolerância visando garantir que condutores incluídos nos casos especiais não sejam prejudicados, além de considerar também uma possível margem de erro do equipamento.
Com relação ao tratamento excepcional para “casos específicos” com a utilização de “margens de tolerância”, determina o aludido Decreto que será definido por Resolução do CONTRAM a ser expedida de acordo com proposta formulada pelo Ministério da Saúde.
Portanto, até que não se regulamente a respeito, as “margens de tolerância” não poderia ficar em suspenso, de forma que o artigo 1°, §2°, do Decreto em comento, regulou provisoriamente, até a edição de tais normas, que a margem de tolerância será de “dois decigramas por litro de sangue para todos os casos” e no caso de aferição por meio do aparelho “etilômetro” será de “um décimo de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões”. Mas para aferir tão pequena quantidade de álcool é necessário que o motorista se submeta ao teste no aparelho etilômetro ou a outro exame capaz de comprovar com precisão a taxa de alcoolemia.
3.4 Procedimento para Apurar a Taxa de Alcoolemia
O legislador estabeleceu que o condutor de veículo automotor envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo da fiscalização de trânsito sob a suspeita de dirigir alcoolizado, será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícias, ou outro exame que por meios técnicos ou científicos permitam certificar seu estado etílico, nos termos do artigo 277 e seus parágrafos, do CTB, com a vigência da Lei 11.705/08:
Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.
§ 1o Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos.
§ 2o A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor.
§ 3o Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo.
A Lei 11.705/08 não trouxe alterações no “caput” e §1° do citado artigo, desta forma, os testes para aferição da alcoolemia ou efeitos de substâncias psicoativas permanecem os mesmos (exame de sangue, exames clínicos, etilômetro, constatação pelo senso comum do agente de trânsito, dentre os demais admitidos em direito).
3.4.1 Abordagem pelo Agente Fiscalizador de Trânsito
O artigo 165, CTB, prevê duas situações em que o agente de trânsito tomará a iniciativa de submeter o condutor de veículo a um dos exames capazes de indicar a taxa de álcool no sangue. A primeira refere-se ao condutor envolvido em acidente de trânsito. Neste caso, a realização do teste ou exame de alcoolemia se justifica pelo interesse público e, também, das partes envolvidas, de se produzir materialidade acerca da sobriedade etílica ou embriaguez de cada um dos motoristas, com a finalidade de fornecer elementos para a instrução criminal e responsabilização civil.
A segunda hipótese é a do motorista alvo de fiscalização de trânsito. São as fiscalizações de rotina, onde os agentes de trânsito verificam se o condutor e veículo trafegam em conformidade com as normas previstas no Código de Trânsito Brasileiro e seus regulamentos promulgados pelos órgãos competentes.
Neste caso, a sujeição do condutor ao teste ou exame de alcoolemia possui caráter meramente preventivo e visa impedir que motoristas em estado etílico permaneçam ao volante de um veículo e venham a expor a risco a segurança dos demais usuários das vias de trânsito.
Pela leitura do texto legal, entende-se que é obrigatória a realização do exame de alcoolemia nos dois casos apontados. No caso de abordagem em blitze de trânsito, o procedimento só deverá ser adotado quando houver fundadas razões que evidenciarem ter o motorista ingerido bebida alcoólica ou estar conduzindo seu veículo automotor de maneira anormal.
E no caso de envolvimento em acidente de trânsito, por haver interesse público e das partes envolvidas, o teste ou exame de alcoolemia parece ser justificar-se.
3.4.2 Formas de Constatação da Alcoolemia
Quanto às formas de constatação de alcoolemia, com a redação anterior dada pela Lei nº. 11.705/2008 estabelecia no caput do artigo 277, CTB, que o condutor “será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame...” a fim de apurar seu grau etílico. O exame clínico entende-se aquele realizado por médico, que pela observação dos indicadores, irá mensurar o grau de embriaguez apresentado pelo agente infrator. Já a perícia é realizada em laboratórios especializados, que utiliza procedimentos técnicos e científicos, para constatar a taxa de álcool no sangue do motorista.
A embriaguez pode ser constatada também mediante teste realizado no aparelho de ar alveolar, denominado de etilômetro e conhecido popularmente como bafômetro. Seu uso está previsto no artigo 277, CTB, que complementa “outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN”, permitam mensurar a taxa alcoólica no sangue do condutor.
Todavia, o referido dispositivo teve significativa alteração, que será analisada no próximo capítulo que tratará das alterações trazidas pela Lei nº. 12.760/12.
3.4.3 Recusa do Motorista em se Submeter a Testes ou Exames de Alcoolemia
Conforme ditames trazidos com o advento da Lei 11.705/08, o § 2° do art. 277, do CTB, aprimorou a redação do anterior, reiterando com melhor técnica a determinação de que a infração do artigo 165 do CTB poderá ser caracterizada pelos agentes de trânsito por todos os meios legais de prova em direito admitidos, acerca dos “notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor” (grifo nosso).
Acerca do tema ensinam (Leal; Leal, 2008):
Desta forma, quando houver suspeita de que o condutor tenha ingerido bebida alcoólica ou, no dizer da lei, esteja dirigindo “sob influência do álcool”, a primeira iniciativa da autoridade de trânsito é a de submetê-lo ao teste de alcoolemia por ser procedimento de maior funcionalidade e precisão científica e menos invasivo à
privacidade e à dignidade da pessoa humana, que se encontra na figura de cada condutor devidamente habilitado segundo as leis estabelecidas pelo Estado. Cremos que o teste do bafômetro é o que melhor atende a estes requisitos. Somente no caso de inexistência do bafômetro ou de recusa deste aparelho é que o condutor deverá
ser submetido a outro tipo de exame médico pericia.
Assim, a interpretação deve ser feita de forma sistemática, somente depois de verificada a recusa, cabe ao agente de trânsito relatar que o motorista estava conduzindo veículo automotor “sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa” e pormenorizar, os sinais objetivos e indicadores do uso destas substâncias, produzindo, assim, a materialidade necessária para a configuração da embriaguez no âmbito administrativo.
Nota-se, que às singelas modificações do § 2° do citado artigo, proporcionaram a manutenção do sistema anterior, aprimorando a semântica.
Refere-se ao fato de que o novo texto deixa mais cristalino o entendimento de que o campo de incidência é estritamente administrativo, não devendo extrapolar para a seara penal, com vistas ao artigo 306 do CTB.
Tal fato é verídico porque na nova redação o legislador diz expressamente que é “a infração do artigo 165 do CTB”, que pode ser comprovada por outros meios legais de prova. No que tange a parte criminal segue imprescindível a prova pericial ou ao menos a documentação formal do teste do etilômetro, a qual poderia ser equiparada à primeira.
Já o § 3° do artigo 277 do CTB, na redação dada pela Lei nº. 11.705/08, determina que o condutor que se negar a colaborar com os testes e exames previstos no “caput” será penalizado com as sanções previstas para a infração administrativa do artigo 165 do aludido codex. Nesse sentido leciona Marcão (2009):
§ 3o: “Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo”. Pecou o legislador ordinário. Nada obstante a letra expressa da lei, que é taxativa ao impor que nas situações catalogadas no caput do art. 277 o condutor será submetido aos procedimentos que menciona, e que a recusa configura infração administrativa (§ 3.°), na verdade o condutor não está obrigado, e a autoridade nada poderá contra ele fazer no sentido submetê-lo, contra sua vontade, a determinados procedimentos visando apurar concentração de álcool por litro de sangue. [...] Pelas mesmas razões [...], também a infração administrativa prevista no § 3.° do art. 277 do Código de Trânsito Brasileiro, não subsiste.
Nesse sentido, Gomes (2008) apoia esta defesa dizendo “A prova da embriaguez se faz por meio de exame de sangue ou bafômetro ou exame clínico”.
Contudo, é cediço que ninguém está obrigado a fazer prova contra si mesmo. O sujeito não está obrigado a ceder seu corpo ou parte dele para fazer prova.
Importante ressaltar que este parágrafo aduz que o condutor sujeito à fiscalização pode, amparado por preceitos Constitucionais, negar-se tão somente ao teste no aparelho etilômetro e do exame de sangue, posto que diante da recusa ao exame clínico, pode ser submetido ao previsto no § 3°. Gomes (2008) acrescenta que:
O sujeito não está obrigado a ceder seu corpo ou parte dele para fazer prova. Em outras palavras: não está obrigado a ceder sangue, não está obrigado a soprar o bafômetro. Havendo recusa, resta o exame clínico (que é feito geralmente nos Institutos Médico-Legais) ou prova testemunhal. O motorista surpreendido, como se vê, pode recusar duas coisas: exame de sangue e bafômetro. Mas não pode recusar o exame clínico. E se houver recusas deste exame? Disso cuida o § 3.° abaixo. § 3.° Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer os procedimentos previstos no caput deste artigo.
Desta forma havendo a recusa do motorista embriagado em se submeter aos exames e testes que comprovem a alcoolemia, aí incluindo o teste do bafômetro, não restará outra opção se não a aplicação das penas contidas no artigo 165, CTB.
3.4.4 Autuação e Legitimidade
O artigo 277 do CTB, na redação dada pela Lei nº. 11.705/08, estabeleceu que o condutor de veículo automotor envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo da fiscalização de trânsito sob a suspeita de dirigir alcoolizado, será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícias, ou outro exame que por meios técnicos ou científicos permitam certificar seu estado.
No entanto, muitos condutores de veículo se recusam em submeter-se a tais testes, arguindo o princípio esculpido no artigo 5°, inciso II, da Constituição Federal, como também na falta de obrigatoriedade de permitir a produção de prova contra si mesmo, o que afrontaria o preceito da amplitude de defesa e igualmente previsto no artigo 5°, inciso LV, da Carta Magna.
Sobre o tema, colaciona-se trecho de um artigo no qual a situação foi muito bem abordada pelo Procurador da República Calabrich (2008):
É um princípio jurídico pacificamente aceito que ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo (tradução do brocardo latino nemo tenetur se detegere). Lido o princípio de outra forma, diz que ninguém pode ser constrangido a contribuir para a própria acusação. Assim, o agente de trânsito ou qualquer outra autoridade não podem forçar ninguém a fazer o teste do bafômetro nem a se submeter a nenhum outro procedimento que possa resultar em uma prova contrária a seus interesses. Considerando esse princípio, a lei, como visto, tratou de prever sanções (precisamente as referidas penalidades e medidas administrativas) para aquele que se recuse a fazer o teste, de modo a tornar interessante para o motorista tal opção – para não ser punido administrativamente, o motorista pode arriscar o exame. O motorista, dessa forma, terá sempre a opção; jamais poderá ser "forçado" (coagido) a realizar o exame. A recusa a se submeter ao exame não é, a rigor, um "direito" do motorista, e sim uma obrigação, para cujo descumprimento a lei prevê sanções no âmbito administrativo. Mas, estando o condutor ciente de que pode ser punido administrativamente, a não submissão ao exame é, afinal, uma opção exclusivamente sua. As alternativas à sua frente, assim, são: (a) submeter-se ao exame e arriscar conseqüências penais mais gravosas, caso seja detectada uma concentração superior a 6 decigramas por litro de sangue; ou (b) não se submeter ao exame e sofrer as sanções administrativas previstas no art. 165 do CTB, a serem aplicadas de imediato (apreensão da habilitação e retenção provisória do veículo) e ao final de um processo administrativo regular (multa e suspensão do direito de dirigir por 12 meses). Claro que todas essas considerações, na prática, não valem para o motorista que não tem dúvidas quanto a seu estado de embriaguez. Aquele que não ingeriu nenhuma bebida alcoólica provavelmente não terá nenhuma objeção quanto a se submeter a qualquer exame.
Diante deste cenário, a recusa do motorista em se submeter-se aos testes ou exames que comprovem a alcoolemia implica na constatação pelo agente de trânsito dos sinais de embriaguez, uma vez que ninguém poderá ser coagido a se auto-incriminar.
Este procedimento é administrativamente viável e legítimo porque existe previsão legal para a adoção destas medidas, de forma excepcional, somente se admitindo em último caso, como derradeiro recurso probatório da ocorrência desta grave infração de trânsito, ou seja, quando é impossível a comprovação por qualquer outro exame técnico ou científico.
De outra banda, cabe frisar que a prova testemunhal é tida como idônea e capaz de sustentar a autuação em flagrante dos condutores que se encontrem “sob influência alcoólica”.
É cediço que a lei exige mais que a prova testemunhal, pois o § 2° em estudo, preceitua que o agente fiscalizador de trânsito, indique os notórios sinais de embriaguez apresentados pelo motorista, mediante provas lícitas em direito admitidas. Desta forma, não bastaria a prova testemunhal isolada, mas corroborada por outros indícios, seria suficiente para a caracterização administrativa do delito em comento.
3.5 A Embriaguez ao volante na esfera criminal
Com o advento da Lei 11.705/08, a nova dicção do texto legal contido no artigo 306 do CTB, passou a ser objeto de grande discussão e questionamento por parte da comunidade jurídica. Ressaltamos que as impropriedades e contradições encontradas no aludido artigo, sugerem uma notável insegurança jurídica, que influenciará as futuras decisões dos Tribunais, de modo que a norma venha a se tornar inaplicável por conta das limitações que lhe são inerentes. Para embasar tal afirmação, vamos analisar o conteúdo textual do artigo 306, com a vigência da Lei 11.705/08:
Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.
Cabe ressaltar, que a dita “tolerância zero” atribuída a aludida lei, refere-se apenas às infrações de trânsito de caráter administrativo. O tipo penal contido no artigo 306 do CTB trouxe em seu bojo o índice de seis decigramas de álcool por litro de sangue: “conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas, ou sob influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência” (grifo nosso).
Nota-se, que a nova dicção do tipo penal extinguiu a necessidade de potencialidade de dano decorrente da conduta do agente. O texto de lei anterior fazia menção a “conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem”. Acerca do tema acrescenta Brutti (2008):
Antes da reforma, a infração consumava-se no exato momento do cometimento do comportamento anormal à direção do veículo automotor, após ter o condutor ingerido substância alcoólica ou de efeitos análogos. Agora, basta a condução do veículo em estado de embriaguez alcoólica para a subsunção do comportamento ao tipo.
De acordo com a redação dada pela Lei nº. 11.705/08, para que haja tipicidade do delito encartado no artigo 306 do CTB, é necessário que o condutor, envolvido em acidente automobilístico ou alvo de fiscalização por agentes de trânsito, apresente a concentração alcoólica igual ou superior a seis decigramas por litro de sangue, seja tal concentração aferida por meio do aparelho etilômetro, seja por meio de exame clínico ou pericial.
A despeito disso, interpreta-se que o tipo subjetivo se perfaz no ato de conduzir veículo automotor em via pública estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas, ou ainda, sob a influência de qualquer outra substância psicoativa. No mesmo sentido é o entendimento de Marcão (2008):
Conduzir, [...] significa, dirigir, colocar em movimento mediante acionamento dos mecanismos do veículo. Veículo automotor: [...] ‘todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios [...]’. Via pública: superfície por onde transitam veículos, pessoas e animais, compreendendo a pista, a calçada, o acostamento, ilha e canteiro central. [...] Para a conformação típica do art. 306 é imprescindível que o condutor se ponha a dirigir veículo automotor na via pública. O legislador passou a entender que conduzir o veículo na via pública nas condições do art. 306, caput, do Código de Trânsito nacional, é conduta que, pó si, independentemente de qualquer outro acontecimento, gera perigo suficiente ao bem jurídico tutelado, de molde a justificar a imposição de pena criminal.
A fonte precípua do direito é a lei e, neste caso, o tipo penal exige que o condutor tenha em seu organismo uma concentração de álcool estipulada pelo artigo 306 CTB. A título de exemplo, imaginemos um caso hipotético, em que um condutor está dirigindo seu veículo automotor em estado de torpor etílico e é surpreendido por uma fiscalização, onde é convidado pelo agente de trânsito a realizar o teste no bafômetro. Ante a recusa do motorista em se submeter ao teste no etilômetro (bafômetro) e a ceder material sanguíneo, este será encaminhado à autoridade policial para as devidas apreciações e possíveis sanções no âmbito
administrativo (normas previstas nos artigos 165 c/c 277,§ 3°, com a redação da Lei nº. 11.705/08, CTB).
Posto que, para a caracterização do delito de embriaguez na seara criminal, não basta a prova testemunhal de que o agente apresentava sinais de embriaguez (voz pastosa e odor etílico). A perícia médica, por sua vez, orientada pela Portaria de 05. 10.2009, do Instituto Médico Legal (IML), que regula o procedimento do exame clínico nos casos de embriaguez ao volante, não é capaz de aferir, isoladamente e de forma precisa, a taxa de alcoolemia apresentada pelo agente infrator.
Desse modo, a menos que condutor embriagado consinta em cooperar com os agentes de trânsito e se submeta ao teste no bafômetro ou ceda material sanguíneo, faltará à comprovação da materialidade do crime. Assim leciona Lima (2008):
Diante dessa exigência legal, o exame clínico de embriaguez e a prova testemunhal não tem mais valor probante, devido á exigência legal de 6 (seis) decigramas de concentração alcoólica por litro de sangue, que poderá ser aferida de plano pelo teste do etilômetro (ar alveolar pulmonar) ou pelo exame de sangue (alcoolemia), aos quais o infrator poderá recusar-se a fazer, diante da garantia Constitucional prevista no artigo 5°, LXIII, segundo a qual ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo.
Sobre a obrigatoriedade do exame de sangue e do etilômetro é certo que ninguém será obrigado a produzir prova contra si mesmo.
Nessa esteira, verifica-se que o legislador foi demasiadamente rigoroso com a embriaguez ao volante como infração administrativa, já na seara criminal, criou uma celeuma jurídica, ante a dificuldade de colheita da materialidade do crime, ou seja, da efetiva comprovação por meios técnicos de que o motorista conduzia veículo automotor com seis decigramas de álcool por litro de sangue.
3.6 Embriaguez ao volante sob o ponto de vista da Lei nº. 12.760/2012
Em meados de dezembro do ano de 2012 entrou em vigor a Lei nº 12.760 que alterou diversos dispositivos do Código de Trânsito Brasileiro, notadamente os artigos 165, 262, 276, 277 e 306.
Referida lei tem como objetivo primordial sanar ou ao menos reduzir o significativo número de mortes e lesões corporais decorrentes de acidentes de trânsito, além de aperfeiçoar algumas falhas técnicas do legislador passado, de sorte que ao elaborar o tipo penal referente à Embriaguez ao volante foi demasiadamente brando, tendo acabado por deixar diversos casos de embriaguez no trânsito, sem solução, o que acabou por gerar uma certa sensação de impunidade em grande parte da sociedade.
Urge destacar, por oportuno, que a citada lei foi publicada, tendo eficácia plena desde logo, não havendo previsão de período de vacatio legis, o que comprova que a intenção do Poder Executivo ao sancioná-la era de que o referido diploma legal fosse utilizado com rigor com a maior brevidade possível, de modo que o objetivo precípuo era reduzir o grande número de homicídios e lesões corporais que vêm, hodiernamente, acontecendo na direção de veículo automotor, por conta do uso de álcool ou substâncias análogas, e que acomete toda população.
3.7 Alterações legislativas
3.7.1 O novo artigo 165 – demonstrativo inicial de intolerância com o motorista embriagado
No tocante às mudanças realizadas no texto legal, cumpre inicialmente destacar a ocorrida no artigo 165 do CTB, in verbis:
Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)
Infração - gravíssima; (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)
Penalidade - multa (dez vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses. (Redação dada pela Lei nº 12.760, de 2012)
Medida administrativa - recolhimento do documento de habilitação e retenção do veículo, observado o disposto no § 4o do art. 270 da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997 - do Código de Trânsito Brasileiro. (Redação dada pela Lei nº 12.760, de 2012)
Parágrafo único. Aplica-se em dobro a multa prevista no caputem caso de reincidência no período de até 12 (doze) meses.
Da análise do dispositivo legal, constata-se inicialmente que a inovação legislativa perceptivelmente aconteceu no sentido de dobrar a multa prevista como penalidade para o indivíduo que conduz veículo automotor sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância que reduza sua capacidade psicomotora. Com a nova redação do artigo acima destacado, verifica-se que o condutor flagrado em tal situação descrita se submeterá, independentemente das medidas de polícia judiciária cabíveis, a multa de 10 (dez) vezes e suspensão do direito de dirigir por exatos 12 (doze) meses.
A antiga redação do supracitado dispositivo legal previa idêntico período de suspensão do direito de dirigir. Todavia, a multa era mais branda, isto é, de 05 (cinco) vezes, fato que, por si só, demonstra o objetivo do legislador em dispensar tratamento mais severo ao indivíduo que for flagrado sob efeito de álcool ou substância análoga na condução de veículo automotor.
Por último, ainda em relação ao aludido dispositivo legal, importa enfatizar a reprimenda ainda mais severa estabelecida no seu parágrafo único, que trata do caso de reincidência do condutor, no período de 12 (doze) meses. Nessa hipótese fática, deverá ser aplicada em dobro a multa estabelecida como penalidade no mencionado dispositivo.
3.7.2 Artigo 276 – Concentração de álcool ínfima sujeita o embriagado às medidas administrativas
O ora analisado dispositivo legal não abandonou o método de verificação do estado do condutor a que se reporta o art. 165 do CTB. Conforme dispõe o artigo 276 do Código de Trânsito Brasileiro, com a nova redação que lhe foi dada pela Lei nº. 12.760/2012, e que segue abaixo destacada, vislumbra-se que qualquer concentração de álcool por litro de sangue ou por litro de ar alveolar de condutor que dirige veículo automotor sob o efeito de tais substâncias, o sujeita às penalidades previstas naquele primeiro artigo.
Art. 276. Qualquer concentração de álcool por litro de sangue ou por litro de ar alveolar sujeita o condutor às penalidades previstas no art. 165. (Redação dada pela Lei nº 12.760, de 2012)
Parágrafo único. O Contran disciplinará as margens de tolerância quando a infração for apurada por meio de aparelho de medição, observada a legislação metrológica.
A previsão legal acima destacada deixa nítido que não há necessidade de que o motorista apresente certa concentração de álcool por litro de sangue ou por litro de ar alveolar, isto é, apenas se faz necessário que o indivíduo apresente qualquer nível de concentração de álcool em seu organismo, para que seja submetido às medidas indicadas no retrocitado diploma legal.
Conclui-se de tal dispositivo que, mesmo o indivíduo apresentando pequeno nível de álcool no organismo, o que o impediria, em tese, a sua sujeição às penas do artigo 306 do CTB, o qual se destina a reprimir a conduta de embriaguez ao volante, o cidadão terá que arcar com a multa de 10 (dez) vezes e se sujeitar à sanção correspondente à suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses.
Nessa esteira, possivelmente o objetivo do legislador foi o de acabar com a sensação de impunidade no que tange à conduta ilícita do condutor embriagado, tendo em vista que o mesmo não ficará impune, de modo que se sujeitará primordialmente à suspensão do seu direito de dirigir, haja vista ter ingerido qualquer quantidade de álcool ou substância análoga que possa por em risco a incolumidade de outrem.
3.7.3 Art. 277 – Métodos de aferição da embriaguez
No que se refere à redução da capacidade psicomotora do condutor, por conta da embriaguez, ou mesmo pelo próprio fato de tal sujeito estar dirigindo veículo motorizado sob a influência de substância psicoativa que determine sua dependência, o citado dispositivo legal, disciplina que esta poderá ser confirmada por teste, perícia, exame clínico, ou outro procedimento diverso, que serão devidamente regulamentados e disciplinados pelo Contran.
Art. 277. O condutor de veículo automotor envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito poderá ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que, por meios técnicos ou científicos, na forma disciplinada pelo Contran, permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência. (Redação dada pela Lei nº 12.760, de 2012)
§ 2o A infração prevista no art. 165 também poderá ser caracterizada mediante imagem, vídeo, constatação de sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora ou produção de quaisquer outras provas em direito admitidas. (Redação dada pela Lei nº 12.760, de 2012)
§ 3o Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo
Porém, resta esclarecer sobre a dúvida que se instaura sobre a aplicabilidade imediata ou não do citado dispositivo legal, tendo em vista a sua clarividência ao revelar que o estado de embriaguez, bem como a influência de substância psicoativa que determine dependência, verbos nucleares do tipo penal correspondente ao crime de embriaguez ao volante, posto no artigo 306 do CTB, e das demais penalidades e medidas administrativas, podem se constatar por intermédio de procedimentos a serem regulamentados pelo Contran.
Assim sendo, diversos profissionais da área jurídica estão optando pela não aplicação desta lei neste ponto, tendo em vista a ausência de regulamentação, de sorte que entendem ser esta uma norma penal em branco, pois dependente de regulamentação capaz de lhe proporcionar eficácia.
3.7.4 Art. 306 – Embriaguez ao volante
Passado essa primeira discussão verificada sobre as alterações advindas da Lei nº. 12.760/2012, chega-se ao ponto culminante do presente estudo, qual seja, o crime de Embriaguez ao volante, tipo penal bastante discutido, de forma geral, nos dias atuais, em especial pelo elevado índice de óbitos decorrentes de acidentes de trânsito causados por condutores de veículos automotores embriagados.
Nessa linha de raciocínio, destaque-se a redação primitiva do artigo 306 do CTB, em vigência desde meados de 1997 e que somente veio a ser alterado pela Lei 11.705, de 19 de Junho de 2008:
“Art. 306 - Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem”.
Registre-se que desde o início, a intenção original do legislador foi exatamente a de tipificar penalmente a conduta de dirigir sob o efeito de álcool ou substância de efeitos análogos.
3.7.4.1 Natureza do tipo penal
Urge frisar, por oportuno, que o provável equívoco ocorrido quando da redação do citado artigo tenha sido a submissão do ato consumativo do crime à exposição de perigo de dano a incolumidade de outrem, isto é, o delito era anteriormente na vigência da redação primitiva um delito de perigo concreto, portanto, de difícil comprovação, haja vista que obrigatoriamente deve-se demonstrar que a ação do agente expôs, no caso in concreto a incolumidade de terceiros a perigo.
Por isso, vale salientar que o delito atinente ao crime de perigo concreto necessita da comprovação do risco ao bem jurídico protegido, isto é, o tipo penal pugna pela exposição a perigo de vida ou da saúde de outrem.
Vislumbra-se, pois, um verdadeiro absurdo, eis que a conduta de uma pessoa que se embriagava, de forma volitiva, e conduzia veículo automotor, somente seria punido se fosse demonstrado que esta atitude colocou em risco a incolumidade física de terceiros, como se fosse tolerável o fato de pura e simplesmente um sujeito embriagado conduzir um veículo que pode vir a ceifar vidas inocentes, posto sua potencialidade letal..
Por tal razão, em virtude da integral inaplicabilidade do disposto com a redação primitiva do artigo 306 do CTB, entrou em vigência no ano de 2008 a nova redação do mencionado dispositivo de lei, cuja redação é a seguinte:
“Art. 306 - Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”.
Com isso, com a aludida modificação do tipo penal, este deixou de ser um delito de perigo concreto, passando a ser um crime de perigo abstrato, não exigindo, portanto, a comprovação do risco ao bem juridicamente protegido. Em assim sendo, pode-se afirmar que há uma presunção legal do perigo, que, por isso, não precisa ser necessariamente provado.
Além disso, analisando-se sob o ponto de vista prático o tipo penal, infere-se que o legislador se equivocou pelo cometimento de excesso. Fica claro até mesmo em uma leitura perfunctória que a exigência de certa dosagem alcóolica no sangue do motorista apenas seria confirmada com a utilização do aparelho etilômetro, ou mesmo com a doação de material sanguíneo para análise laboratorial, somente possível em caso de concordância do condutor.
Porquanto, tal dispositivo legal muito embora corretamente desvincule o tipo penal no que tange a um crime de perigo concreto, fez surgir outro óbice quanto a sua aplicação, justamente a prova necessária à consumação do delito, que somente seria conseguida no caso de anuência por parte do condutor. Do contrário, o motorista aparentemente embriagado somente se submetia às penalidades estritamente administrativas, a exemplo da multa que, ao contrário do delito em questão, não exigia a ratificação de certo nível de álcool no sangue para sua aplicabilidade.
3.7.4.2 Tentativa de aplicação plena do tipo penal
Nessa esteira, casos existiam em que o condutor se encontrava em nítido estado de embriaguez, inúmeras vezes até flagrados por câmeras e presenciado por testemunhas, entretanto, tais provas se faziam inúteis em virtude da vinculação do tipo penalmente previsto a quantidade de dosagem alcoólica no sangue desses indivíduos.
Dessa maneira, ante a constatação de inúmeras hipóteses fáticas como a acima narrada, vislumbrou-se a ideia de que se necessitava de para sanar tais inconvenientes.
Foi aí que surgiu a Lei 12.760/2012, que estabeleceu a nova redação do artigo 306 do CTB. Senão vejamos:
“Art. 306 - Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência”.
Apenas numa análise perfunctória já se percebe uma grande evolução no que se diz respeito ao disposto na redação anterior, eis que se retirou do caput do tipo penal a exigência de certa quantidade (dosagem) alcóolica no organismo do indivíduo para consumação do delito.
No entanto, analisando-se o artigo 306 de uma forma sistemática, vislumbra-se que a exigência de certo nível de dosagem no sangue no organismo do indivíduo não foi excuída definitivamente do tipo, mas sim deslocada para a parte do parágrafo primeiro, servindo a partir de então como um dos meios para se constatar o estado de embriagues do condutor.
Destarte, é de suma importância o destaque de que a dosagem alcóolica no sangue apenas passou a servir como um dos meios possíveis de se constatar a embriaguez, juntamente com os mais variados meios de prova elencados no referido parágrafo, in verbis:
“As condutas previstas no caput serão constatadas por:
I – concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou
II – sinais que indiquem, na forma disciplinadas pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora.”
Vislumbra-se, inicialmente, que um antigo problema enfrentado pelas autoridades policiais restou-se devidamente superado, haja vista que pelo fato de a antiga redação somente mencionar a concentração de álcool por litro de sangue e ser silente no tocante à concentração de álcool por litro de ar alveolar, atestável pelo aparelho etilômetro, não mais há que se questionar sobre a possibilidade de prisão quando o único meio de prova for o resultado obtido através do bafômetro.
Porquanto, pode-se concluir que o mencionado diploma legal trouxe inovação no tocante a tal questão, de sorte que prevê de forma clara e transparente que a concentração de álcool no ar dos pulmões, convertida pelo aparelho etilômetro, se faz suficiente para a prova da embriaguez.
Tal dispositivo legal destacado é complementado pelo parágrafo segundo que determina que a verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia, perícia, vídeo, exame clínico e prova testemunhal ou outros meios de prova em admitidos em direito, ressalvado o direito a contraprova.
Destarte, verifica-se que ficou consagrando no texto do novo parágrafo segundo do art. 306 do CTB, o princípio da liberdade das provas, tão conhecido no ordenamento pátrio, que acaba por abri um leque diverso ao aplicador do direito, permitindo-se a produção de qualquer tipo de prova, desde que não se figure como prova ilegal, ilícita ou imoral.
4. Considerações finais
É público e notório que os meios de comunicação transmitem constantemente notícias de acidentes de trânsito ocorridos, em sua grande parte, em virtude de os condutores de veículos automotores estarem alcoolizados, o que acaba por aumentar progressivamente a estatística do número de mortes de pessoas em decorrência de tal hipótese fática.
Com isso, a própria sociedade clamava pela criação e efetiva aplicação de leis que viessem a punir tais condutas de forma cada vez mais severa, sob pena de se ver impunes pessoas alcoolizadas que insistem em conduzir veículos automotores, colocando em risco a vida das pessoas de uma forma geral.
Vislumbra-se, pois, que a Lei nº. 12.760/2012 surgiu como mecanismo de combate e prevenção aos acidentes de trânsitos relacionados à ingestão de bebida alcóolica ou substâncias análogas capazes que reduzem a capacidade psicomotora dos condutores. A época em que se deu sua publicação (final de dezembro/2012) torna patente a preocupação do legislador no tocante à aplicação e vigência imediata do referido dispositivo legal.
A verdade é que a lei trouxe mudanças benéficas e que com certeza refletirá de forma positiva na postura dos aplicadores e estudiosos do direito, tendo em vista que trouxe consigo inovadoras diretrizes que dinamizarão principalmente o trabalho de fiscalização (da polícia), uma vez que concede uma maior quantidade de mecanismos de prova, bem como corrige alguns erros cometidos pelo legislador pretérito no que diz respeito aos tipos penais. Somado a isso, serve como medida de combate adotada pelo Estado, em conjunto com as diversas campanhas que estão sendo veiculadas nos meios de comunicação social, de sorte que possibilite uma significativa conscientização do condutor de veículo automotor.
Dessa forma, pretende-se com a implementação da Lei nº 12.760/2012 cada vez mais conscientizar e educar os condutores de veículos motorizados para que tal meio de transporte que os deslocam para onde desejar com segurança, podem se utilizados sobre os efeitos do álcool ou substâncias análogas funcionar como uma verdadeira arma que põe em risco a integridade física de um número indeterminado de pessoas.
Diante disso, pode-se concluir que a Lei nº. 12.760/2012 trouxe inovações mais severas, posto que relativiza alguns direitos individuais do cidadão em nome de um bem jurídico maior, isto é, a proteção da coletividade, eis que os acidentes com vítimas fatais, causados por condutores embriagados, têm se tornado cada vez mais frequente.
Com isso, inconteste é a conclusão no sentido de que a legislação acima citada trouxe diversas inovações, cujo objetivo precípuo é reprimir com maior severidade aquele que, sob o efeito do álcool ou de substâncias análogas que comprometa sua capacidade psicomotora, põe em risco não só sua vida como a de inúmeras pessoas inocentes.
Por fim, vislumbra-se que tais alterações trazidas pela Lei nº. 12.760/2012, busca, sobretudo, diminuir a hipótese fática acima narrada, que tem causado um aumento significativo das elevadas cifras de mortos e lesionados nos acidentes de trânsito.
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Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal de Campina Grande. Servidor Público da Justiça Federal de Primeiro Grau na Seção Judiciária da Paraíba TRF da 5ª Região, onde ocupa o cargo efetivo de Técnico Judiciário - Área Administrativa. Especialista em Direito Penal pela FIS (Faculdades Internacional Signorelli).<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARROS, Enio Gustavo Lopes. A prova da embriaguez e as alterações trazidas pela Lei 12.760/2012 no Código de Trânsito brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 ago 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47174/a-prova-da-embriaguez-e-as-alteracoes-trazidas-pela-lei-12-760-2012-no-codigo-de-transito-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
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