RESUMO: O presente artigo trata do negócio jurídico processual, instrumento que ganhou destaque no novo Código de Processo Civil, com significativa ampliação dos poderes das partes no procedimento para elaboração de uma solução do conflito de interesses.
1 – INTRODUÇÃO
O ano de 2016 ficará marcado pela entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, apesar da resistência daqueles que queriam ampliar o período da vacacio legis. Elaborado por uma comissão de juristas notáveis no assunto e amplamente discutido pela comunidade acadêmica e por profissionais operadores do Direito, o Codex veio com objetivo de corrigir falhas do diploma de 1973 e adequar o sistema processual brasileiro à realidade atual, a fim, principalmente, de conciliar duas garantias fundamentais que não vinham sendo asseguradas efetivamente: o acesso ao Poder Judiciário e a razoável duração do processo (incisos XXXV e LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal).
A ampliação da perseguição de direitos pelos seus titulares, se por um lado revela uma importante característica da consolidação do Estado Democrático de Direito, por outro exige um sistema processual preparado para fazer frente ao inevitável crescimento do volume de conflitos sociais que demandam uma intervenção estatal. O agora revogado CPC foi originalmente centrado na solução de contendas individuais por um terceiro imparcial: o juiz. Ocorre que, com o passar do tempo, esse modelo tornou-se ineficiente, revelando problemas como decisões diferentes para situações semelhantes, a depender do julgador que examina o caso, o que afronta a segurança jurídica e o princípio da isonomia previsto no caput do artigo 5º da Constituição da República, e a morosidade do Poder Judiciário, não sendo raros os exemplos de ações que levaram mais de 10 anos para transitarem em julgado. É bem verdade que, a fim de equacionar esses problemas, foram criadas soluções como a objetivação dos recursos extraordinário e especial, a instalação de juizados especiais para julgamento de causas com menor complexidade, em que é estimulada a auto-composição dos conflitos e a lei de arbitragem. Tais propostas, contudo, não foram suficientes para resolver as falhas apontadas, o que evidenciou a necessidade de elaboração de um novo código de processo civil, substituindo o antigo, já retalhado.
Atenta aos problemas do sistema processual então vigente, a comissão responsável pela elaboração do anteprojeto do novo diploma, buscando dar maior efetividade ao processo, deu ênfase a duas características importantes na proposta: coletivização do processo, a fim de, com soluções uniformes, garantir maior segurança jurídica, isonomia e celeridade processual, sem, entretanto, comprometer a independência funcional dos julgadores, e ampliação dos poderes das partes no processo, como forma de se aproximar de uma decisão que atenda aos seus interesses, tornando mais democrática a prestação jurisdicional. Nesta última, um dos assuntos que se destaca é o negócio jurídico processual.
2 – NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL
Segundo Flávio Tartuce, negócio jurídico pode ser definido como o ato jurídico em que há a composição de interesses das partes com uma finalidade específica[1]. Decorre do exercício da autonomia privada, da liberdade negocial. Trata-se do ajuste de vontades voltado à produção de um resultado específico.
Ainda sob a égide do CPC de 1973 já eram possíveis negócios jurídicos processuais, como o foro de eleição, a suspensão do processo e distribuição do ônus da prova.
O artigo 190 do CPC de 2015, que vem sendo chamado de cláusula geral do negócio jurídico processual, trouxe a possibilidade de as partes plenamente capazes promoverem alterações no procedimento e em determinadas regras processuais, quando a causa versar sobre direitos disponíveis. Eis o teor do referido dispositivo:
Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.
Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.
Em diversos outros pontos da lei nova foi prevista a possibilidade de maior participação das partes no processo. Destaque-se a possibilidade escolha de mediador ou conciliador (art. 168), fixação de calendário para a prática de atos processuais (art. 191) e delimitação das questões discutidas de fato e de direito no saneamento (art. 357, §§ 2º e 3º). Isso levou a doutrina a classificar os negócios jurídicos em típicos e atípicos. Aqueles são os expressamente autorizados pela norma; estes, por sua vez, fundam-se na cláusula geral supracitada e não tem previsão específica da possibilidade de flexibilização do ato.
Como visto, o negócio jurídico processual não é exatamente uma novidade no CPC de 2015. Ocorre que, à exceção do foro de eleição, não tem sido muito utilizado ou estudado no Brasil. Ademais, é inegável que houve uma significativa ampliação no processo dos poderes das partes, destinatários finais da prestação jurisdicional, que podem agora convencionar sobre vários aspectos do procedimento, cujas regras tradicionalmente eram consideradas cogentes e de ordem pública, ajustando-o às peculiaridades do caso concreto.
Essa alteração aponta para uma preocupação dos responsáveis pela elaboração do Código com a efetividade do processo, que é o último meio que as partes encontram para tutelar os seus interesses jurídicos. O processo não é visto como um fim em si mesmo, mas como um meio de obter o direito material discutido. Nesta senda é fundamental permitir uma maior participação das partes envolvidas na construção da solução do caso concreto, transferindo para elas poderes para dispor sobre atos que tradicionalmente eram definidos de maneira rígida pela legislação.
Vale ressaltar que os negócios jurídicos processuais serão sempre sujeitos ao crivo do juiz, que decidirá sobre a validade do ajuste. Ocorre que a lei não delimitou precisamente os critérios para aferição da sua regularidade, o que será objeto de construção doutrinária e jurisprudencial. Nessa tarefa, um importante vetor pode ser o art. 187 do Código Civil, segundo o qual “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. Além disso, é praticamente consenso entre os doutrinadores que se propuseram a examinar o tema que algumas regras estão excluídas da disponibilidade das partes, como os poderes do juiz e a competência absoluta. Outras, no entanto, geram maior discussão sobre a possibilidade de negociação. Apenas a prática judiciária será capaz de consolidar os limites aos ajustes.
Por fim, cumpre esclarecer que a faculdade de alterações no procedimento não implica adoção do sistema processual de liberdade das formas procedimentais, em que não há uma ordem legal pré-estabelecida, possuindo as partes amplos poderes para a prática dos atos. No caso brasileiro, o que há é a possibilidade de adaptação das regras legalmente fixadas pelas partes às peculiaridades do caso concreto.
3 – CONCLUSÃO
Das alterações promovidas no sistema processual brasileiro com a elaboração do Código de 2015, em especial a ampliação dos poderes das partes por meio de instrumentos como o negócio jurídico, fica claro que houve uma tentativa de atribuir maior efetividade ao processo, visto menos sob uma perspectiva menos teórica e mais prática, como um meio para a solução de conflitos de interesses. Não se está aqui a defender que o direito processual civil perdeu sua autonomia, passando a acessório do direito material. Pelo contrário! A elaboração de um novo diploma geral, mais coeso e pensado a partir da situação atual dos conflitos jurídicos, das relações sociais e do funcionamento do Poder Judiciário brasileiro, solucionando problemas e antinomias há muito apontadas pela doutrina, contribui para o amadurecimento da disciplina. No entanto, essa autonomia é defensável do ponto de vista teórico, doutrinário. Na aplicação prática, o processo deve sempre se basear pelos interesses das partes envolvidos no conflito, que, sem dúvidas, serão melhor atingidos se elas puderem participar da construção de uma solução. Nesse ponto, o negócio jurídico processual é um instrumento que merece destaque no CPC de 2015. Para que alcance seu propósito, é necessário que os advogados passem a explorar mais o instituto e os juízes efetivamente permitam essa atuação, democratizando a prestação jurisdicional. Se bem aproveitada, certamente a negociação trará importantes avanços para a solução de conflitos pelo Estado-Juiz, aproximando a decisão dos interesses das partes e contribuindo para a razoável duração do processo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Alvim, Rafael. Cláusula geral de negociação processual no NCPC. Disponível em: <http://www.cpcnovo.com.br/blog/2015/04/29/clausula-geral-de-negociacao-processual-no-ncpc/> Acesso em 27/03/2016.
Arenhart, Sergio Cruz; Marinoni, Luiz Guilherme; Mitidiero, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. 1ª Ed. São Paulo: RT, 2015.
Assumpção, Daniel Amorim. Novo CPC: inovações, alterações e supressões comentadas. São Paulo: Método, 2015.
Duarte, Antonio Aurélio Abi Ramia. O novo código de processo civil, os negócios processuais e a adequeção procedimental. Revista do GEDICON - V. 2 - dez./2014.
Nóbrega, Guilherme Pupe da. Os negócios processuais no CPC/15. Disponível em: <http://m.migalhas.com.br/coluna/processo-e-procediment>o/229056/os-negocios-processuais-no-cpc15> Acesso em 27/03/2016.
[1] Tartuce, Flávio. Manual de Direito Civil. 4ª Ed. São Paulo: Método, 2014, p. 178..
Bacharel em Direito pela UnB; Técnico Judiciário no Tribunal Superior do Trabalho.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOURA, Luiz Henrique Damasceno de. Negócio jurídico processual no novo CPC Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 ago 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47181/negocio-juridico-processual-no-novo-cpc. Acesso em: 22 nov 2024.
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