RESUMO: o presente trabalho tem por objetivo analisar umas das principais inovações do Regime Diferenciado de Contratação – RDC, instituído pela Lei nº 12.462/2011, qual seja: a previsão de sigilo do orçamento estimado para a contratação até o final do procedimento licitatório. Para tanto, foram analisados os ensinamentos da doutrina nacional, bem como as recomendações de órgãos internacionais sobre o tema. Abordou-se ainda a constitucionalidade da norma, atacada pela ADI nº 4645, sob alegação de ofensa ao princípio da publicidade. Por fim, são destacados os riscos de desvios de conduta pelos condutores do procedimento, que podem prejudicar a aplicação correta do instituto e, consequentemente, comprometer a competitividade do certame.
Palavras-chave: orçamento sigiloso, Regime Diferenciado de Contratação (RDC), licitações públicas.
INTRODUÇÃO
O Regime Diferenciado de Contratação – RDC foi instituído no ordenamento jurídico brasileiro pela Medida Provisória nº 527, convertida na Lei nº 12.462/2011, sob a justificativa de garantir celeridade às contratações necessárias ao atendimento das exigências de infraestrutura para a realização, no Brasil, da Copa das Confederações da FIFA 2013, da Copa do Mundo FIFA 2014 e dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016.
Apesar de inicialmente justificado na necessidade de garantir a realização dos eventos esportivos, foi instituído, em verdade, um novo estatuto sobre licitações públicas. Esta constatação pode ser observada no tratamento de temas, em sua maioria, não relacionados com as necessidades específicas das contratações para os referidos eventos esportivos e confirmada com a ampliação posterior e progressiva do novo regime para áreas estratégicas do governo.
Hoje, o Regime Diferenciado de Contratação é aplicável, além das hipóteses inicialmente previstas, também para contratações necessárias à realização das ações integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento, das obras e serviços de engenharia no setor dos sistemas públicos de ensino e de pesquisa, ciência e tecnologia, bem como no âmbito do Sistema Único de Saúde e da segurança pública. O RDC aplica-se, ainda, às obras e serviços de engenharia para construção, ampliação e reforma e administração de estabelecimentos penais e de unidades de atendimento socioeducativo e àquelas relacionadas a melhorias na mobilidade urbana ou ampliação de infraestrutura logística.
O novo regime introduziu uma série de novidades em face do modelo legal da Lei nº 8.666/93 visando ampliar a eficiência das contratações públicas. Dentre as principais inovações trazidas pelo RDC, o ponto mais polêmico, ao menos sob a perspectiva da mídia e dos agentes políticos, é a previsão de sigilo do orçamento estimado para a contratação até o encerramento do procedimento licitatório.
O presente trabalho propõe-se a analisar o tema do orçamento sigiloso nas licitações públicas, com fulcro na doutrina pátria e recomendações internacionais, bem como verificar a constitucionalidade da medida.
1. Orçamento sigiloso: o diferimento da publicidade do orçamento estimado
O art. 6º da Lei nº 12.462/11 dispõe:
Art. 6º Observado o disposto no § 3o, o orçamento previamente estimado para a contratação será tornado público apenas e imediatamente após o encerramento da licitação, sem prejuízo da divulgação do detalhamento dos quantitativos e das demais informações necessárias para a elaboração das propostas.
§ 1º Nas hipóteses em que for adotado o critério de julgamento por maior desconto, a informação de que trata o caput deste artigo constará do instrumento convocatório.
§ 2º No caso de julgamento por melhor técnica, o valor do prêmio ou da remuneração será incluído no instrumento convocatório.
§ 3o Se não constar do instrumento convocatório, a informação referida no caput deste artigo possuirá caráter sigiloso e será disponibilizada estrita e permanentemente aos órgãos de controle externo e interno. (destacou-se)
O novo regime estabeleceu como regra a não divulgação do orçamento estimado pela Administração do objeto licitado até o encerramento do certame, excepcionados os casos nos quais, em razão do critério de julgamento utilizado, maior desconto ou melhor técnica, o valor estimado deverá constar no instrumento convocatório (art. 6º, § 1º e § 2º).
As controvérsias em torno do tema surgem em razão da ruptura com a legislação tradicional que exige a veiculação do orçamento elaborado pelo poder público como informação indispensável aos licitantes qualquer que seja a modalidade de licitação, consoante disposto nos arts. 6º, IX, f, 7º, §2º, II e §8°, e art. 40, §2º, II da Lei nº 8.666/93.
A legislação do pregão, por sua vez, não exige necessariamente a divulgação do orçamento estimado juntamente com o edital, desde que a informação conste nos autos do procedimento licitatório, nos termos do art. 3º, III da Lei nº 10.520/02, entendimento este corroborado pela jurisprudência do Tribunal de Contas da União[1].
Ressalte-se, inicialmente, que no RDC continua sendo imprescindível a elaboração do orçamento estimado pela Administração, ato fundamental para a condução do processo e que estará disponível permanentemente aos órgãos de controle externo e interno, restringindo-se apenas a sua divulgação aos licitantes temporariamente durante o transcorrer do certame.
A justificativa do legislador para modificar a regra da legislação geral é evitar que a divulgação do orçamento influencie a elevação dos valores das propostas e o êxito das práticas de cartéis, contribuindo assim para o aumento da competitividade e economicidade[2], argumentos já defendidos por parte da doutrina há algum tempo.
Nesse sentido, colaciona-se o posicionamento de Marcos Juruena Villela Souto, que antes da introdução do novo regime, já sustentava a não publicação do valor estimado antes da sessão de julgamento:
Outro tema dos mais polêmicos diz respeito à necessidade de divulgar ou não a estimativa de preços em que se calca a Administração para realizar ou não a despesa. (...)
Ocorre que, se divulgados esses valores, reduz-se em muito a margem de competição, retornando aos mesmos problemas que levaram à supressão da licitação por preço-base, que era o grande número de empates.
Logo, é preciso interpretar a norma também de acordo com o método histórico, além de utilização do princípio da competitividade[3].
Embora não haja dados empíricos a confirmar a premissa de que o desconhecimento do orçamento estimado é apto a produzir a redução do valor das propostas, os especialistas reconhecem efetivamente tal efeito com base na aplicação da teoria econômica, especialmente a teoria dos leilões[4].
Os estudiosos da ciência econômica demonstram que, em regra, a não divulgação do orçamento estimado incentiva comportamentos competitivos pelos interessados, conduzindo a elaboração de propostas mais vantajosas para o interesse público.
Isto porque, com a divulgação do orçamento estimado, as propostas convergem para patamares próximos ao valor anunciado, distorcendo os preços, pois os licitantes deixam de calcular os seus próprios custos para se basear no orçamento publicado[5]. Quando o valor orçado pela Administração é desconhecido, a tendência é aumentar a competitividade com a consequente redução do valor das propostas[6].
Esta prática permite contratações mais vantajosas para o Poder Público mesmo em caso de existir licitantes em conluio, pois os cartéis perdem o valor de referência e terão que oferecer propostas menores do que habitualmente fariam, já que deverão compensar a menor probabilidade de ganhar o certame[7].
Percebe-se, pois, o inegável papel que o orçamento estimado possui para estimular propostas mais vantajosas para a Administração. Sendo o valor orçado exacerbado, haverá o alinhamento das propostas com o preço anunciado, minimizando os ganhos que a disputa livre poderia gerar[8].
No RDC, a importância do valor orçado pelo órgão licitante é ainda maior, pois a Lei nº 12.462/11 faz coincidir o preço estimado com o valor máximo que a entidade administrativa poderá pagar pela contratação, diferentemente do que ocorre na sistemática da Lei nº 8.666/93, onde, em princípio, não há valor máximo.
Considerando que não se admitirá proposta superior ao valor orçado, o tratamento dado ao tema será diferenciado, uma vez que se busca agora não mais o valor médio do objeto licitado, mas o preço máximo que poderá ser pago ao contratado e propostas acima deste valor serão desclassificadas.
Ocorre que, na prática administrativa, nota-se uma grande dificuldade do órgão licitante em estimar o real valor da contratação compatível com o mercado[9]. Nesta perspectiva, a não divulgação do orçamento estimado poderá tornar mais competitivo o certame, possibilitando maior vantagem para o interesse público.
O sigilo do orçamento antes do oferecimento das propostas segue a lógica do mercado, pois havendo a divulgação anterior não há estímulos para que os interessados ofereçam valores significativamente mais baixos do que sabem que a Administração está disposta a pagar.
A restrição à divulgação do orçamento é inclusive ferramenta utilizada internacionalmente para garantir eficiência aos procedimentos de compras públicas. Neste sentido veja-se a recomendação da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), contida nas Diretrizes para combater o conluio entre concorrentes em contratações públicas (Guidelines for fighting bid rigging in public procurement):
Use um preço máximo somente quando ele for baseado em minuciosa pesquisa de mercado e os funcionários estejam convencidos de que ele é muito competitivo. Não publique o preço, mas o mantenha confidencial, em arquivo, ou o deposite junto a outra autoridade pública[10].
No mesmo sentido, o Regulamento Federal de Aquisições Públicas dos Estados Unidos (Federal Acquisition Regulation), diploma que regula os procedimentos de contratações no âmbito Federal, dispõe, em sua Seção 36.203 (c), que o orçamento elaborado pelo poder público deve ser mantido em sigilo, exceto se permitido pela legislação do órgão, in verbis:
O acesso às informações referentes ao orçamento elaborado pela Administração deve-se limitar aos funcionários cujos deveres requerem tal conhecimento. Uma exceção a esta regra é possível durante as negociações contratuais de serviços especializados, em que se permite a quebra do sigilo durante as negociações do contrato na medida em que considerada necessária para se chegar a um preço justo e razoável. O montante global do orçamento governamental não deve ser divulgado, exceto se permitido pela legislação do órgão[11].
A Seção 36.204 do Regulamento Federal de Aquisições Públicas complementa dispondo que os avisos de licitação de obras devem conter especificações do objeto em termos de características físicas e faixa estimada de preço, mas que em hipótese alguma os dados sobre a magnitude da obra podem revelar o valor do orçamento estimado pela Administração[12].
2. Constitucionalidade da medida
Apesar das recomendações por parte da doutrina nacional e da prática internacional, esta inovação é atacada pela ação direta de inconstitucionalidade nº 4645, que questiona a constitucionalidade da disciplina instituída pelo art. 6º, sob alegação de ofensa ao princípio da publicidade, consagrado nos artigos 5º, XXXIII, e 37 da Constituição Federal.
O art. 5º, XXXIII da Carta Magna assegura a todos a publicidade de informações de interesse coletivo ou geral, ressalvadas apenas aquelas cujo sigilo seja imprescindível para a segurança da sociedade e do Estado. O dispositivo constitucional assegura a transparência dos atos do Poder Público, um dos pilares da forma republicana de governo, de modo que os administrados tenham condições de acompanhar e fiscalizar a gestão estatal.
No entanto, como em regra acontece com os princípios constitucionais, o dever de publicidade da Administração pode ceder em face de situações que envolvam a busca da realização de outros valores igualmente protegidos pela Constituição. Existem várias hipóteses em que a divulgação prévia dos atos poderia inviabilizar a consecução de finalidade atinente ao interesse público. É o caso, por exemplo, das ações de fiscalização e do sigilo das propostas apresentadas no procedimento licitatório.
No âmbito das contratações públicas, o princípio da publicidade objetiva, basicamente, divulgar o certame a todos os possíveis interessados, de maneira a garantir a competitividade e a isonomia entre os licitantes, bem como viabilizar aos administrados amplo controle do procedimento licitatório[13].
Com a divulgação postergada do orçamento elaborado pela Administração não se vislumbra transgressão de qualquer destas finalidades. A publicidade posterior visa atender ao princípio da economicidade e não prejudica a análise dos atos praticados pelos órgãos de controle interno e externo, ou por qualquer cidadão, uma vez divulgado o valor estimado.
Destaque-se que o art. 6º da Lei nº 12.462/11 resguarda a divulgação do detalhamento dos quantitativos e das demais informações necessárias para a elaboração das propostas. Estando o objeto da licitação devidamente especificado, a publicidade do orçamento não se mostra indispensável para que os interessados possam elaborar suas propostas, tendo em vista que os custos são calculados pela entidade administrativa com base nos preços do próprio mercado, aos quais os potenciais licitantes possuem amplo acesso, na maioria das vezes em melhores condições do que a própria Administração[14].
Outros fatores também podem fornecer um parâmetro a respeito do custo estimado sem necessariamente deixar claro o valor máximo admitido no certame. É o que acontece com a regra do art. 15, §2º da Lei nº 12.462/11, que dispensa a publicação do edital no Diário Oficial para obras, bens e serviços cujo valor estimado encontre-se abaixo de determinado valores; bem como com a possibilidade da exigência de garantia da execução contratual com a demonstração de capital social mínimo ou de patrimônio líquido mínimo.
Alguns doutrinadores visualizam nestes pontos óbices práticos à operacionalização do sigilo[15]. Todavia, ainda que se fixe uma margem de preço dentro da qual se encontra o orçamento estimado, a não divulgação precisa deste valor continua a proporcionar maior competitividade ao procedimento do que quando divulgado o custo estimado pela Administração.
Ressalte-se, inclusive, que a não divulgação do orçamento estimado já é praticada e considerada válida no cenário brasileiro no âmbito das licitações realizadas pela Petróleo Brasileiro S. A. - PETROBRAS. O Tribunal de Contas da União, ao examinar hipótese similar ao art. 6º da Lei nº 12.462/11, já reconheceu a possibilidade de se afastar a publicidade prévia quando a divulgação do valor estimado constituir “óbice intransponível à atividade negocial da empresa”[16].
Em precedente mais recente, a Corte de Contas manifestou-se nos seguintes termos:
A Lei de Licitações, em especial o disposto no art. 40, §2º, inciso II, pode ser afastada pela Petrobras nos casos em que a publicidade das planilhas de estimativa de preço for prejudicial à atividade-fim da empresa, isto é, no caso em que constitua óbice instransponível à sua atividade negocial[17].
Mesmo em tais casos, o Tribunal de Contas da União destacou a necessidade de elaboração e apresentação do orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários, sempre que solicitado, aos órgãos de controle, aos quais incumbe adotar as medidas necessárias para preservação do sigilo dessas informações[18].
Com isso, evidencia-se mais uma vez que o objetivo da Lei nº 12.462/11 é viabilizar contratações comerciais em condições compatíveis com as realizadas pelo setor privado, proporcionando maior competitividade e, por consequência, maior economia para o Poder Público.
Note-se, assim, que não há que se falar em violação ao princípio da publicidade, uma vez que o sigilo é temporário e parcial e justifica-se na medida em que visa atender outro princípio igualmente constitucional, o da eficiência, pois a tendência esperada é que a nova regra gere contratações mais vantajosas para a Administração[19].
Ultrapassada a inconstitucionalidade da medida, cumpre analisar a viabilidade do sigilo do orçamento estimado sob a perspectiva prática na Administração Pública brasileira e os riscos associados a esta novidade.
Embora muito razoável na teoria sob a perspectiva econômica, a grande questão sobre o tema é se, de fato, a informação será mantida sigilosa. Surge o temor compreensível de vazamento do orçamento estimado em face do cenário atual de corrupção nas contratações públicas.
No RDC, o Poder Público está obrigado a manter o sigilo, devendo adotar, destarte, todas as ações possíveis para tanto. A fim de que esta inovação possa cumprir o propósito a que se propõe é imprescindível que o sigilo seja efetivamente mantido. Mostra-se, então, necessária a preparação de todos os órgãos nos quais tramite a informação e a qualificação de seus servidores, que deverão zelar pela confidencialidade da informação.
Nesta perspectiva, considerando a necessidade de garantir a segurança das informações de caráter sigiloso, o Tribunal de Contas da União editou a Portaria nº 85, de 03 de abril de 2012, definindo os procedimentos relativos ao trâmite de matérias sigilosas que integrem os processos de licitação da Administração Pública Federal no âmbito do Regime Diferenciado de Contratações.
O art. 2º, §3º do referido ato normativo, estabelece que “ficarão responsáveis pelo sigilo de matérias em tramitação no Tribunal todas as pessoas que tiveram acesso ao processo ou a qualquer de suas peças, devendo ter seus nomes rigorosamente registrados na movimentação dos autos”.
Trata-se de medida que visa minimizar possíveis desvios irregulares da informação sigilosa por meio da responsabilização dos servidores que tiverem acesso ao orçamento estimado. Entretanto, ainda assim, permanece aberta a oportunidade para corrupção. Isto porque esta é uma circunstância cultural que não será tão facilmente eliminada com um novo diploma normativo.
Ao dar ao servidor público uma informação que é essencial para o sucesso dos licitantes, cria-se o risco de desvios éticos que ocasionem favorecimentos irregulares. Na atual conjuntura brasileira, tal iniciativa estimularia condutas escusas e ilegais.
No mesmo sentido, Marçal Justen Filho sustenta que o sigilo do orçamento produz o enorme risco de reintrodução de práticas extremamente nocivas adotadas antes da Lei nº 8.666/93, in verbis:
Se algum dos licitantes obtiver (ainda que indevidamente) informações acerca do referido valor, poderá manipular o certame, formulando proposta próxima ao mínimo admissível. O sigilo acerca de informação relevante, tal como orçamento ou preço máximo, é um incentivo a condutas reprováveis. Esse simples risco bastaria para afastar qualquer justificativa para adotar essa praxe[20].
Com efeito, difícil acreditar que a partir de hoje a Administração estaria imune a suas patologias e que o procedimento passará a ocorrer exatamente como esperado pelo legislador.
O problema desta inovação trazida pelo art. 6º da Lei nº 12.462/11 não está na sua inconstitucionalidade, mas na sua dificuldade prática de efetividade e aplicação. Do ponto de vista jurídico, o sigilo do orçamento é constitucional e justificável, todavia, ponderando acerca da possibilidade de contratações públicas mais vantajosas e as chances de desvios no procedimento, o fato é que o risco trazido por esta inovação é suficiente para se evitar esta prática.
Da análise da Lei nº 12.462/11, observa-se que o diferimento da publicidade do orçamento estimado previsto no Regime Diferenciado de Contratações representa uma ruptura com a atual legislação geral em vigor, visando a eficiência nas compras públicas, por meio da busca pelo melhor custo-benefício para a Administração.
O novo regime inova ao estabelecer o sigilo temporário do orçamento estimado para a contratação até o fim do procedimento licitatório, permitindo que a Administração realize contratações mais vantajosas para o interesse público.
A novidade do orçamento sigiloso foi acompanhada de muitas críticas, mas não se trata de instituto desconhecido do ordenamento jurídico brasileiro. Consiste em prática inspirada nas boas experiências nacionais e internacionais e também nas más experiências proporcionadas com a aplicação da Lei Geral de Licitações.
Da análise realizada, não se verificou inconstitucionalidade material nas inovações trazidas pelo novo regime. Com efeito, não há que se falar em violação ao princípio da publicidade, pois o sigilo é temporário e parcial e justifica-se na medida em que visa atender outro princípio igualmente constitucional, o da eficiência, pois a tendência esperada é que a nova regra gere contratações mais vantajosas para a Administração.
Conforme exposto, a restrição à divulgação do orçamento é inclusive ferramenta utilizada internacionalmente para garantir eficiência aos procedimentos de compras públicas.
Observa-se que, em tese, a ideia é interessante e se devidamente aplicada pode produzir bons resultados. No entanto, o problema reside justamente no desafio de aplicar corretamente o instituto sem que haja desvios de conduta pelos condutores do procedimento.
A questão da postergação da publicidade do orçamento estimado suscita o questionamento sobre em que medida a informação será mantida sigilosa, pois, no cenário atual, o vazamento de informações privilegiadas apresenta-se como ameaça real a inviabilizar o caráter competitivo do certame.
Assim, fica evidente o desafio operacional suscitado para a aplicação do instituto em análise, pois o Regime Diferenciado de Contratações Públicas, bem como nenhum outro processo de contratação, não está imune aos riscos a ele subjacentes.
REFERÊNCIAS
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FERREIRA, Daniel; SANTOS, José Anacleto Abduch. Licitações para a Copa do Mundo e as Olimpíadas – Comentários sobre algumas inovações da Lei nº 12.462/11. Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n. 216, p. 171-183, fev. 2012.
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MOTTA, Carlos Pinto Coelho. BICALHO, Alécia Paolucci Nogueira. RDC: Contratações para as copas e jogos olímpicos: Lei nº 12.462/2011, Decreto nº 7.581/2011. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
RIBEIRO, Mauricio Portugal; PRADO, Lucas Navarro; PINTO JÚNIOR, Mário Engler. Regime diferenciado de contratação: licitação de infraestrutura para Copa do Mundo e Olimpíadas. São Paulo: Atlas, 2012.
SOUTO, Marcos Juruena Villela. apud OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende; FREITAS, Rafael Véras de. O Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) e a administração de resultados. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 9, n. 35, p. 9-36, out./dez. 2011.
[1] Neste sentido, os seguintes acórdãos: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 114/2007, Plenário. Processo nº 023.782/2006-4. Rel. Min. Benjamin Zymler. Sessão: 07/02/2007. Diário Oficial da União de 09 de fevereiro de 2007; BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 517/2009, Plenário. Processo nº 032.442/2008-8. Rel. Min. Raimundo Carreiro. Sessão: 25/03/2009. Diário Oficial da União de 31 de março de 2009; e BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 392/2011, Plenário. Processo nº 033.876/2010-0. Rel. Min. José Jorge. Sessão: 16/02/2011. Diário Oficial da União de 23 de fevereiro de 2011.
[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade nº 4645. Informações Presidenciais. p. 34. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=4138546>. Acesso em: 17 dezembro de 2012.
[3] SOUTO, Marcos Juruena Villela. apud OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende; FREITAS, Rafael Véras de. O Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) e a administração de resultados. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 9, n. 35, p. 9-36, out./dez. 2011. p. 27.
[4] CARDOSO, André Guskow. O Regime diferenciado de contratações públicas: a questão da publicidade do orçamento estimado. In: JUSTEN FILHO, Marçal; PEREIRA, Cesar A. Guimarães (Coord). O Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC): comentários à Lei nº 12.462 e ao Decreto nº 7.581. Belo Horizonte: Forúm, 2012. p. 73-99. p. 85.
[5] BLANCHET, Alberto Luiz. apud MOREIRA, Egon Bockmann; GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Licitação pública: a lei geral de licitações/ LGL e o regime diferenciado de contratações/ RDC. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 158.
[6] LIRA, Bruno; NÓBREGA, Marcos. O Estatuto do RDC é contrário aos cartéis em licitação? Uma breve análise baseada na teoria dos leilões. Revista Brasileira de Direito Público – RDP, Belo Horizonte, ano 9, n. 35, p. 37-60, out./dez. 2011. p. 53.
[7] Idem, ibidem. p. 53.
[8] MOREIRA, Egon Bockmann; GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Ob. cit. p. 158.
[9] Muitas vezes a ocorrência de sobrepreço/superfaturamento nos custos estimados pela Administração para obras e serviços de engenharia deve-se a projetos básicos/executivos deficientes, muito comuns quando o tema é contratação de obras públicas.
[10] No original: “Use a maximum reserve price only if it is based on thorough market research and officials are convinced it is very competitive. Do not publish the reserve price, but keep it confidential in the file or deposit it with another public authority”. Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Guidelines for fighting bid rigging in public procurement. Disponível em: <http://www.oecd.org/competition/cartelsandanti-competitiveagreements/42851044.pdf>. Acesso em: 15 de dezembro de 2012. p. 07.
[11] No original: “Access to information concerning the Government estimate shall be limited to Government personnel whose official duties require knowledge of the estimate. An exception to this rule may be made during contract negotiations to allow the contracting officer to identify a specialized task and disclose the associated cost breakdown figures in the Government estimate, but only to the extent deemed necessary to arrive at a fair and reasonable price. The overall amount of the Government’s estimate shall not be disclosed except as permitted by agency regulations”. Code of Federal Regulations. Title 48: Federal Acquisition Regulations System. Chapter 1: Federal Acquisition Regulation. Subchapter F: Special Categories of Contracting. Part 36: Construction and Architect-Engineer Contracts. Subpart 36.2 - Special Aspects of Contracting for Construction. Disponível em: <https://www.acquisition.gov/far/current/html/Subpart%2036_2.html#wp1084226>. Acesso em 18 de novembro de 2012.
[12] No original: “Advance notices and solicitations shall state the magnitude of the requirement in terms of physical characteristics and estimated price range. In no event shall the statement of magnitude disclose the Government’s estimate. Therefore, the estimated price should be described in terms of one of the following price ranges: (…)”. Code of Federal Regulations. Ob. cit.
[13] CARDOSO, André Guskow. Ob. cit. p. 87.
[14] A entidade administrativa ao avaliar os custos da futura contratação deve coletar preços praticados no mercado. Em se tratando do custo global de obras e serviços de engenharia, o art. 8º, §3º, da Lei nº 12.462/11 estabelece que “deverá ser obtido a partir de custos unitários de insumos ou serviços menores ou iguais à mediana de seus correspondentes ao Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (Sinapi), no caso de construção civil em geral, ou na tabela do Sistema de Custos de Obras Rodoviárias (Sicro), no caso de obras e serviços rodoviários”. O §4º do mesmo artigo dispõe que “no caso de inviabilidade da definição dos custos consoante o disposto no § 3º deste artigo, a estimativa de custo global poderá ser apurada por meio da utilização de dados contidos em tabela de referência formalmente aprovada por órgãos ou entidades da administração pública federal, em publicações técnicas especializadas, em sistema específico instituído para o setor ou em pesquisa de mercado”. Nesse sentido, incabível o argumento segundo o qual a não divulgação do orçamento inviabilizaria a elaboração das propostas pelos interessados, uma vez que estes possuem amplo acesso aos preços de mercado e às publicações técnicas especializadas. Em sentido contrário, Alécia Bicalho e Carlos Motta entendem que “o detalhamento dos quantitativos e das demais informações necessárias para a elaboração das propostas previstas no caput do art. 3º poderá ser insuficiente a suprir a ausência da informação fundamental representada pelo orçamento, sua composição financeira e sua origem de solidez”. MOTTA, Carlos Pinto Coelho; BICALHO, Alécia Paolucci Nogueira. RDC: Contratações para as copas e jogos olímpicos: Lei nº 12.462/2011, Decreto nº 7.581/2011. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 97.
[15] FERREIRA, Daniel; SANTOS, José Anacleto Abduch. Licitações para a Copa do Mundo e as Olimpíadas – Comentários sobre algumas inovações da Lei nº 12.462/11. Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n. 216, p. 171-183, fev. 2012. p. 179.
[16] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1.854/2009, 2ª Câmara. Processo nº 017.810/2006-5. Rel. Min. Raimundo Carreiro. Sessão: 14.04.2009.
[17] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1.062/2011, Plenário, Processo nº 010.733/2005-4. Rel. Min. Walton Alencar Rodrigues. Sessão: 27.04.2011. Diário Oficial da União de 05 de maio de 2011.
[18] Idem, ibidem.
[19] RIBEIRO, Mauricio Portugal; PRADO, Lucas Navarro; PINTO JÚNIOR, Mário Engler. Regime diferenciado de contratação: licitação de infraestrutura para Copa do Mundo e Olimpíadas. São Paulo: Atlas, 2012. p. 71.
[20] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 14 ed. São Paulo: Dialética, 2010. p. 550.
Advogada. Graduada em Direito pela Faculdade de Direito do Recife (UFPE). Pós graduada em Direito Administrativo e Direito Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AMORIM, Amanda Lins Brito Faneco. Orçamento sigiloso: uma breve análise sobre diferimento da publicidade do orçamento estimado no âmbito do Regime Diferenciado de Contratação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 ago 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47188/orcamento-sigiloso-uma-breve-analise-sobre-diferimento-da-publicidade-do-orcamento-estimado-no-ambito-do-regime-diferenciado-de-contratacao. Acesso em: 22 nov 2024.
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