Palavras-chave: Sistema prisional; Conflitos carcerários; Discurso midiático.
-Meu irmão, meu irmão, que coisas estás dizendo? Ora, tu derramaste sangue! – gritou Dúnia em desespero.
- Que não param de derramar – emendou quase caindo em fúria -, que continuam derramando e sempre derramaram no mundo como uma cascata, que derramam como champanhe, pelo qual coroam no capitólio e depois chamam o coroado de benfeitor da humanidade. (Crime e Castigo).
E tu, juiz vermelho, se dissesses em voz alta o que já fizestes em pensamentos, todos gritariam: Fora com esse imundo, com esse verme venenoso!... (Assim falou Zaratustra).
INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa construir uma crítica em relação à maneira como a mídia aborda, em suas manchetes jornalísticas e demais meios de comunicação, os conflitos carcerários no Brasil, bem como de que modo o discurso por ela utilizado influencia a opinião pública, criando preconceitos que envolvem a figura dos apenados.
Em um primeiro momento, será abordada a realidade carcerária, de forma a explicitar que a pena privativa de liberdade não é cumprida da forma como a Constituição Federal e a legislação penal esparsa garantem, tendo em vista que essas asseguram todos os direitos que não foram atingidos pela sentença ou pela lei. Isso significa que, excetuando a liberdade, os direitos políticos e outros correlatos, as demais garantias constitucionais deveriam ser mantidas para aquele que cumpre pena. Todavia, os estabelecimentos prisionais brasileiros demonstram que muitos apenados são submetidos a condições sub-humanas de vida, sequer sendo respeitados os direitos fundamentais estampados na nossa Carta Magna. Em razão disso, surgem as rebeliões e os motins (dentre outros conflitos carcerários), como uma forma de reivindicar essas garantias mínimas previstas no ordenamento jurídico.
Após, será demonstrada como a mídia, normalmente, trata as questões dos conflitos carcerários, visivelmente despreocupada em informar para a sociedade quais motivos levaram à ocorrência destes, difundindo na sociedade um discurso de medo.
Por fim, será refletivo como o discurso midiático faz com que a sociedade se afaste cada vez mais da realidade penal, criando preconceitos com os aprisionados e com as pessoas que terminam de cumprir sua pena privativa de liberdade, deixando-lhes em uma condição equiparada a dos “apátridas”, como definiu Lafer, e dificultando a inserção do ex-apenado na sociedade.
1. REALIDADE PENAL E CONFLITOS CARCERÁRIOS
No século XVIII, os contratualistas, com destaque a Jean-Jacques Rousseau, explicaram a tese de que, para que a sociedade não viva em um conflito generalizado, é necessário o estabelecimento de um contrato social – a lei. Beccaria (2009, p. 18/19) segue o mesmo caminho, afirmando que “somente a necessidade obriga os homens a ceder uma parcela de sua liberdade; disso advém que cada qual apenas concorda em por no depósito comum a menor porção possível dela, quer dizer, exatamente o que era necessário para empenhar os outros e mantê-lo na posse do restante”. Nesse sentido, o direito de punir seria a reunião de todas as pequenas parcelas de liberdade cedidas, sendo que todo o exercício de poder que dele se afasta (desvirtuando suas finalidades, portanto) constitui abuso, e não justiça.
Explicando as funções da pena, o desembargador Nassif (2002, p. 197/198) informa que ela tem como objetivo à recuperação do agente, tratando-se, em tese, de aplicar medidas orientadas para ressocialização do delinquente. Nas suas palavras, o “cumprimento da sanção, para realizar o seu conteúdo teleológico, deveria, por exemplo, resultar em preparação profissional, ensinar a fazer uso do ócio de uma forma construtiva, educar, melhorar as relações pessoais e despertar a consciência socioaxiológica”. Todavia, sabe-se que a pena carcerária não atinge essas funções. Carvalho (2008, p. 214) orienta que “com a crise do Estado providência, desde a gradual predominância da razão mercadológica em detrimento das garantias sociais, o discurso (oficial) sobre a segurança pública, e nele o carcerário, é novamente alterado”. Assim, as possibilidades de arcar com compromissos do Estado-lei ideologizado no século XVIII seriam irreais. A realidade prisional brasileira não busca a ressocialização dos condenados, mas sim, isola em muros onde as garantias legais, mesmo os mais simples direitos fundamentais, não são observadas.
A exposição de motivos da Lei de Execuções Penais (LEP) justifica que suas disposições objetivam duas ordens de finalidades: a correta efetivação dos mandamentos existentes nas sentenças ou outras decisões, destinados a reprimir e a prevenir os delitos, e a oferta de meios pelos quais os apenados e os submetidos às medidas de segurança venham a ter participação construtiva na comunhão social, destacando que as penas e medidas de segurança devem realizar a proteção dos bens jurídicos e a re-incorporação do autor à comunidade.
Respeitando essa finalidade, o artigo 3º da LEP apregoa que ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pena lei – ou seja, excetuando a liberdade, os direitos políticos e outros correlatos, as demais garantias constitucionais deveriam ser mantidas para aquele que cumpre pena privativa de liberdade.
Em 1988, a execução penal adquiriu feição constitucional, rompendo com a lógica que tornava o preso mero objeto nas mãos da administração pública. O artigo 5º disciplinou que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante (III), que não haverá penas cruéis (XLII, alínea e), que as penas serão cumpridas em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado (XLVIII), que serão assegurados aos presos o respeito à integridade física e moral (XLIX), bem como que às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação (L).
Entretanto, essa parte da Carta Maior dificilmente é aplicada. Carvalho compara a situação dos apenados com a categoria de apátridas definida por Celso Lafer. Esse último doutrinador ensinou:
[...] à medida em que os refugiados e apátridas se viram destituídos, com a perda da cidadania, dos benefícios do princípio da legalidade, não puderam se valer dos direitos humanos, e não encontrando lugar – qualquer lugar – num mundo como o do século XX, inteiramente organizado e ocupado politicamente, tornaram-se efetivamente desnecessários, porque indesejáveis erga omnes, e acabaram encontrando o seu destino e lugar natural nos campos de concentração (LAFER, 1997, p. 58).
A partir disso, Carvalho (2008) explica que a condição de apátrida para Lafer não estaria apenas vinculada à tradicional distinção entre nacionais e estrangeiros, mas provocaria a perda dos elementos mínimos de conexão com a ordem jurídica interna dos Estados, retirando dessas pessoas seu status de cidadania, considerando isso, inclusive, algo como uma “morte civil”.
Os apenados, ao ingressarem no sistema prisional, passam à condição de esquecidos pelo Estado e pela sociedade. A massa e alguns profissionais do Direito ignoram o que ocorre ali dentro, olvidando-se, inclusive, que, após o cumprimento da pena, eles retornarão para o convívio social, sendo poucos os que se preocupam com ilegalidades que podem estar ocorrendo naquele local.
Luiz Flávio Gomes e Alice Bianchini (2002, p. 155) expõem que o Brasil é um dos países de maior taxa de crescimento penitenciário. De 1992 a 1999, esse crescimento foi de 70%, de 1990 a 2000, o crescimento foi de mais ou menos de 160%, enquanto a população brasileira, no mesmo período, só cresceu cerca de 40%. O índice de superlotação carcerária chega a quase 100%, isso significa que o número de vagas não comporta a atual população carcerária. Dessa realidade, só se pode concluir que a situação carcerária é extremamente caótica, e que ao contrário do que prevê a constituição, o cumprimento de pena revela-se cruel e sem respeito à integridade física ou moral dos apenados. Dessa realidade, Carvalho (2008) conclui que a normatividade e o cotidiano acabam por gerar situação indescritível: a brutalização genocida da execução da pena.
Trancados na instituição total, sem apoio social ou oficial e vivendo em condições extremamente precárias, restam poucas alternativas aos presos para fazerem efetivar seus direitos. Diante disso, a única maneira eficaz de romper com o silêncio totalitário dos muros prisionais é através dos conflitos carcerários, visualizados principalmente nas fugas, rebeliões e motins.
Carvalho (2008, p. 221) diferencia esses conflitos, explicando que a fuga é a saída do preso sem consentimento, é a evasão da pessoa presa de forma pacífica ou mediante uso de violência contra a pessoa ou coisa, ou sob ameaça. Já os motins e as rebeliões são atos de resistência no interior da instituição total, sendo o motim a sublevação de internos contra a administração prisional, implicando atitudes de desordem e tumulto, e a rebelião o ato ou efeito da revolta. A principal diferença entre os dois últimos é o estágio de aquisição do controle da instituição – a rebelião seria o estado anterior ao motim, uma desordem com incapacitação parcial das atividades normais do presídio, enquanto o que pelo motim, é tomado conta e inviabilizada totalmente a administração da unidade prisional.
Todos são movimentos coletivos de rebeldia, e normalmente, tem como causa a revolta com o sistema. Bitencourt (1993, p. 205) afirma que “os motins carcerários são os fatos que mais dramaticamente evidenciam as deficiências da pena privativa de liberdade. É o acontecimento que causa maior impacto e o que permite à sociedade tomar consciência, infelizmente por pouco tempo, das condições desumanas em que a vida carcerária se desenvolve... O motim rompe o muro de silêncio que a sociedade levanta ao redor do cárcere”.
Como causas principais dessa revolta, vislumbram-se a demora do Judiciário na apreciação dos direitos do preso; a deficiência da assistência judiciária; a violência e injustiças praticadas nos estabelecimentos; problemas ligados aos entorpecentes; superlotação carcerária; má-qualidade da alimentação; assistência médica e odontológica; problemas ligados à corrupção; e falta de capacitação dos funcionários das penitenciárias, principalmente os diretores.
Diante do exposto, conclui-se que, na maioria dos casos, os conflitos carcerários só ocorrem quando os apenados estão insatisfeitos com o tratamento a eles dirigido, ou com a atuação judicial e da administração da penitenciária. Nesse sentido, Carvalho (2008, p. 223/224) cita conclusão do jornalista Marcos Rolim “ao invés de tratarmos os motins, simplesmente, como graves atentados à ordem disciplinar, seria mais correto concebê-los como sintomas, mais ou menos violentos, dessa mesma ‘ordem’ fundada no seqüestro institucional da cidadania dos encarcerados”.
2. DISCURSO MIDIÁTICO E SEUS REFLEXOS PARA A SOCIEDADE
Sabe-se que a mídia é grande formadora de opinião. Entretanto, geralmente, a informação é transmitida de acordo com o seu interesse, utilizando recursos psicológicos para atrair a atenção do público. Rolim (2009, p. 189) afirma que “toda e qualquer matéria, por mais ‘objetiva’ e circunscrita àquilo que se entende como a ‘realidade fática’ estará sempre estruturada em uma idéia moral. Antes mesmo da matéria, aquilo que aparece como ‘o fato’ já é o resultado de uma escolha subjetiva que aparece naturalmente, como se fosse uma evidência, apenas na medida em que nossos valores morais são, para nós mesmos, ‘evidentes’”.
Nessa lógica, é criado na sociedade um senso comum, que variará de acordo com os interesses perpassados pelos meios de comunicação. Por exemplo, quando um crime é noticiado, são formados estereótipos, gerando comoção e medo no meio em que o fato ocorreu. A simples manchete da notícia já é carregada de ideologias e pré-conceitos tendenciosos, que persuadirão a opinião pública.
Rolim (2009, p. 193) explica que o “sensacionalismo é um termo que denota a tentativa de submeter a percepção do público às ‘sensações’, à realidade sensível, garantindo-se, assim, o excitamento funcional à venda da notícia. (...) O público, saturado com notícias sobre atos mórbidos que vitimam inocentes, sente-se muito concretamente ameaçado. (...) Esse efeito terá repercussões importantes quanto à sensação de insegurança”.
Dessa forma, a mídia difunde o medo, justificando políticas públicas muitas vezes repressivas – como a tomadas das favelas pelas unidades de polícia pacificadoras, por exemplo -, criando na população uma necessidade de criminalização de condutas, bem como punições mais rigorosas.
Gomes e Bianchini (2002, p. 159) doutrinam: “Políticos e comunicadores sociais nefastos e inescrupulosos, que banalizam diuturnamente a violência, na medida em que já não necessitam vangloriar a pena de morte (...), louvam-na, particularmente em tempos eleitorais, com a estelionatária tese de sua perpetuidade (...) Agora o que se pretende é a eternização do espetáculo de fabricação de um tipo específico de deliqüencia (e delinqüente)”.
A imparcialidade é ainda maior quando da retratação da população carcerária. Cristina Rauter, em artigo publicado no periódico Veredas do Direito, refere imagens exibidas no Jornal Nacional no dia 27 de maio de 2006:
[...] o texto da matéria pretendia mostrar que mesmo num presídio de segurança máxima os presos ainda contestavam os agentes penitenciários, e isso era inadmissível (...) Servidos como um dos pratos principais do jantar do brasileiro, no sábado à noite, estava essa obscura matéria jornalística. Obscura porque não se sabem quais são os seus verdadeiros interesses (...) Mostrar que os presos resistem à prisão, às suas rotinas, à revista ostensiva realizada pelos agentes penitenciários durante o conturbado período “pós-maio de 2006”, essa foi a tônica do noticiário. A resistência de presos mostrada como algo fora do comum, que não deveria acontecer, é um fato preocupante, por aponta para o extermínio (RAUTER 2006, p. 86/87).
As notícias sobre conflitos carcerários dificilmente saem do comum. São repassadas, em regra, de forma descompromissada com as suas causas, ressaltando as consequências e vitimizando os agentes penitenciários.
Esse interesse de sempre mostrar os apenados como “vilões” pode ser visualizado em manchetes como as publicadas no jornal “Folha de S. Paulo” em 12/09/2011: Rebelião em penitenciária faz agente refém em Maringá (PR), também em 19/06/2011: Presos agridem agentes em tentativa de rebelião em Cuiabá (MT) e, ainda, em 26/06/2011: Rebelião deixa cinco feridos em Goiás. Consta na matéria dessa última manchete: “A PM não soube informar o motivo da rebelião, que teve início por volta das 17h30 e terminou às 21h30”.
Ainda, manchete do jornal O Globo, em 24/04/2009, trouxe o seguinte texto: Rebelião danifica estrutura do presídio e causa tumulto no sul de Minas Gerais, ressaltando o descaso com a dignidade da população carcerária e com os motivos os quais fizeram com que os apenados se rebelassem, ressaltando as possíveis consequências negativas do conflito para a sociedade.
No jornal Zero Hora, destacam-se as seguintes manchetes sobre rebeliões: dia 03/03/2011: Presos fazem rebelião no Presídio de Lajeado e três são baleados pela BM; 03/06/2010: Presos queimam colchões e fazem rebelião no Presídio Estadual de Alegrete.
Ressalte-se que as manchetes supracitadas só ilustram a maioria das informações passadas pelos aludidos jornais. Poucas foram as notícias que trataram das causas ou da legitimidade das reivindicações, como se vislumbra em matéria publicada no dia 09/11/2010 no jornal O Globo: “Após 27 horas, termina rebelião em presídios do Maranhão: ‘Os rebelados reclamavam de maus-tratos e da superlotação no presídio Reivindicavam ainda agilidade nos processos pela Justiça e água no presídio’”.
A mídia sensacionalista expõe matérias desse tipo em que é divulgada a violência e revelam os apenados como constantes criminosos. Em troca disso, chamam a atenção do público alvo e ganham audiência, sem levar em consideração o impacto cultural causado na sociedade, pois muitas vezes se tratam de fatos distorcidos ou, pelo menos, mal explicados.
Em consequência, a sociedade estabelece opinião fixa a respeito daqueles que saem da prisão. Em 1932, Mira y López (2005, p. 297/298) já doutrinava que é claro e evidente que a organização social em que se vive “priva o delinqüente sinceramente arrependido dos recursos necessários para voltar a reintegrar-se normalmente nela; por toda a parte é recebido com apreensão, desconfiança ou repulsa (...) Esses fatores se unem (...) para formar o tipo denominado ‘delinquente habitual’, que constitui uma endemia nas grandes cidades e um mau exemplo nas pequenas”.
Isso significa que, com seu discurso estimulador do medo e dos preconceitos, a mídia, que deveria repassar a informação imparcialmente para que cada indivíduo construísse uma opinião própria; perpetua um círculo vicioso injustificável – em que aquele que delinqüiu, além de passar anos no silêncio dos muros prisionais, isolado dos direitos garantidos a qualquer pessoa que viva sobre o território pátrio, vai sair do sistema (que deveria ser ressocializador) sem possibilidade de se integrar novamente à sociedade e com mínimas chances de buscar melhores condições de vida – o que pode fazer com que um indivíduo o qual, em circunstâncias normais, não voltaria a cometer crimes, transforme-se em um criminoso pela perversa influência do meio (Nassif, 2002).
Por fim, conforme conclui Rauter:
[...] os presos resistem e sempre resistiram, de forma mais ou menos organizada, ao sistema prisional. O funcionamento atual desse sistema no Brasil possui características que o tornam campeão em violações de direitos humanos. O clima gerado no país, de clamor pelo encarceramento de bandidos e por prisões mais duras, tem como efeito que se incrementem ações policiais que, quando não resultam em mortes, geram mais e mais encarcerados. [...] Trabalha-se a opinião pública no sentido de considerar que a tortura de bandidos é válida [...]. Ao pensarmos essas difíceis questões a partir de do que é semelhante, ficaremos necessariamente sem compreender a singularidade do fenômeno da violência brasileira [...]. Essa parece ser a consequência mais evidente desse discurso: justificar o poderoso aparelho policial e penal montado contra os mais pobres no Brasil [...] (RAUTER, 2006, P. 92/94).
Diante disso, imperioso concluir que a mídia brasileira, por repassar as informações que ela entende adequadas, em regra, só agrava a situação do condenado ainda preso e do que já cumpriu sua pena e tenta se ressocializar.
Os contratualistas justificavam a lei como uma forma da sociedade viver em harmonia. Dessa forma, a repressão penal seria um consenso entre todos, para que a paz imperasse nas cidades. Desde então, aqueles que cometem crimes são isolados da vida civil e encarcerados em prédios que deveriam possuir uma estrutura adequada para não só penalizar, mas reeducar e “ressocializar” o criminoso que, um dia, sairia das grades prisionais.
Mas a idealização de um sistema carcerário se mostra muito mais simples que
a sua concretização. No Brasil, a Lei de Execuções Penais foi criada por dois motivos primordiais: garantir a efetiva execução da sentença penal condenatória, bem como garantir os direitos do preso que não são atingidos pela pena, para sua participação na comunhão social e re-incorporação no meio de onde foi retirado.
Corroborando o segundo objetivo da LEP, a Constituição Federal estabeleceu
garantias básicas para os encarcerados, como a não aplicação de penas cruéis ou perpétuas, e o respeito à integridade física e moral desses.
Entretanto, o prédio carcerário e seus “moradores” são esquecidos pela sociedade. Assim como os “apátridas” definidos por Lafer, dos apenados é retirado seu status de cidadania, ficando quase como imunes à aplicação das garantias legais. Visando romper o silêncio dos muros prisionais, os apenados utilizam-se de meios para chamar a atenção dos aplicadores da lei e da sociedade, mediante, por exemplo, rebeliões e motins. Tais condutas não são uma opção dentre os meios de reivindicação que lhes é possível, pois apenas mediante a realização de conflitos carcerários é que o prédio da referida instituição volta a ser alvo de atenção e preocupação.
Ocorre que, na maioria das vezes, o objetivo pretendido é refletido de maneira oposta. Isso porque as notícias veiculadas sobre o acontecimento, normalmente, só possuem um objetivo: atrair o público difundindo um discurso do medo. Dificilmente serão noticiadas as causas que deram origem ao conflito, o que se transmite são as consequências do ato – número de mortos, principalmente se eles forem policiais, os resultados físicos no prédio, os reflexos para a população civil – não encarcerada – que vive nos redores do local do evento.
A consequência diretamente vislumbrada será a formação de preconceitos contra a população carcerária. Os apenados – que já são vistos como delinquentes por estarem na cadeia – ganham um estereótipo de constantes violadores da lei, que não devem merecer respeito ou confiança.
Tudo isso gera um círculo vicioso, em que aquele que sai da cadeia é visto com desconfiança e medo, o que só agrava a dificuldade de reinserção na sociedade daquele que um dia passou pelos muros prisionais. Dessa forma, aquilo que era para ser como uma das finalidades da pena transfigura-se numa utopia – que certamente, só auxiliará para o aumento da criminalidade e possibilidades de reincidência.
Portanto, conclui-se que a mídia, mediante o seu discurso do medo, impõe um comportamento geral na sociedade, que passa a ver com preconceito e desconfiança os apenados e ex-apenados. Dessa forma, ao mesmo tempo em que ela gera na sociedade um sentimento de insegurança e necessidade de mais rigor penal, contribui indiretamente para o aumento da criminalidade, na medida em que dificulta a reinserção dos condenados que já cumpriram sua pena e criam opiniões desvirtuadas acerca da realidade carcerária brasileira.
REFERÊNCIAS
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Advogada. Bacharel em Direito na Universidade Federal de Santa Maria.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DARONCH, Bruna. Os conflitos carcerários e os reflexos no discurso midiático Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 ago 2016, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47204/os-conflitos-carcerarios-e-os-reflexos-no-discurso-midiatico. Acesso em: 25 nov 2024.
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