RESUMO: o presente trabalho pretende analisar a formação dos valores que serviram de fundamento para a construção do processo civil brasileiro e como se deu a superação do modelo cientificista de processo em favor de sua compreensão à luz do princípio da efetividade da tutela jurisdicional.
Palavras-chave: Estado Liberal. Paradigma Cientificista. Positivismo Filosófico. Positivismo Jurídico. Estado Social. Pós-positivismo. Influências sobre o processo civil. Efetividade da tutela jurisdicional.
1. INTRODUÇÃO
A doutrina processual civil, atualmente, reconhece que o princípio da inafastabilidade da jurisdição (direito de ação), consagrado pelo art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, representa, na verdade, o princípio da efetividade da tutela jurisdicional, do qual decorre o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.
Passa-se a compreender que a existência do processo está diretamente ligada ao alcance dos fins para os quais foi instituído, ou seja, ganha relevo a compreensão do processo como instrumento ético de realização de direitos.
A presente investigação está estruturada em 03 (três) capítulos. O primeiro é destinado ao estudo das ideias liberais e dos valores do paradigma cientificista – racionalismo científico e, mais à frente, positivismo jurídico –, os quais exerceram forte influência sobre o direito processual civil, e nos chegaram, mais propriamente, pela doutrina italiana, através das lições da Escola Sistemática.
Trata o segundo capítulo das características e influências do Código de Processo Civil de 1973 à luz dos valores acima descritos: a função declaratória da jurisdição, a universalização do procedimento, a plenariedade, a inexistência de provimentos antecipatórios, a rígida separação entre cognição e execução, a prevalência da atividade de conhecimento, a classificação trinária das sentenças e a universalização das sentenças condenatórias.
O terceiro capítulo, por seu turno, trata da superação do Estado Liberal e da queda do ideal de racionalidade da modernidade, com o consequente advento do Estado Social e do movimento pós-positivista, bem como, as implicações destes fenômenos históricos e ideológicos sobre a compreensão da atividade jurisdicional.
2. DA INFLUÊNCIA DOS VALORES DO LIBERALISMO CLÁSSICO E DO PARADIGMA CIENTIFICISTA SOBRE A FORMAÇÃO DO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO
2.1. O Estado Liberal Clássico e sua influência sobre a caracterização da atividade jurisdicional
O confronto entre a liberdade individual e o absolutismo monárquico – confronto este fundado a partir do ideal jusnaturalista[1], segundo o qual há um conjunto de pretensões humanas válidas, cuja legitimidade repousa em valores transcendentes hábeis a estabelecer limites à atuação estatal – faz surgir a célula do Estado de Direito de matriz liberal.
A crença na existência desse espaço de liberdade inato a todo homem, aliada à tradição iluminista, segundo Barroso, “foi o combustível das revoluções liberais e fundamento das doutrinas políticas de cunho individualista que enfrentaram a monarquia absoluta”[2]. A burguesia, defensora das liberdades individuais, prepara o caminho para sua chegada ao poder, que se concretiza com a Revolução Francesa de 1789.
Surge, pois, o Estado Liberal.
Os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, contudo, em um Estado marcado pelo formalismo extremo, não se concretizam. A declaração política desses valores, desvinculada de sua efetivação no campo social, constitui, verdadeiramente, uma ideologia de classe. O Estado Liberal, projetado para atender a todos os homens, passa a ser, em verdade, o de uma única classe – a burguesia.
O liberalismo nascente traz consigo uma série de transformações na sociedade, na economia, na política, e, consequentemente, no campo jurídico.
No plano social, a nobreza e o clero perdem seus privilégios – institui-se a igualdade jurídica (formal) entre os homens –; na economia, por sua vez, garante-se a liberdade de produção e de mercado mediante a não intervenção do Estado na vida dos indivíduos; no campo político, vale a doutrina da separação dos poderes formulada por Montesquieu; o jurídico, a seu turno, passa a ser caracterizado pelo formalismo e pela abstração do direito em face da realidade social.
2.1.2. A doutrina do Liberalismo
Na doutrina do liberalismo, o Estado sempre foi considerado um inimigo, cuja atuação deveria ser contida para preservar a esfera de liberdade do indivíduo, titular de direitos inatos.
O insigne professor Paulo Bonavides ilustra bem esta realidade:
Na doutrina do liberalismo, o Estado foi sempre o fantasma que atemorizou o indivíduo. O poder, de que não pode prescindir o ordenamento estatal, aparece, de início, na moderna teoria constitucional como o maior inimigo da liberdade.
[...]
O indivíduo, titular de direito inatos, exercê-los-ia na Sociedade, que aparece como ordem positiva frente ao Estado, ou seja, frente ao negativum dessa liberdade, que, por isso mesmo, surde na teoria jusnaturalista rodeado de limitações, indispensáveis à garantia do círculo em que se projeta, soberana e inviolável, a majestade do indivíduo.[3]
O Estado Liberal, portanto, buscava resguardar a liberdade dos cidadãos, e, para tanto, valeu-se do princípio da legalidade, contudo, em sua dimensão meramente formal. Qualquer ingerência na vida dos particulares deveria ser meticulosamente regulada por lei, e como lei, entenda-se aqui, lei em sentido estrito, cuja produção derive unicamente do poder legislativo.
Observa-se, desta forma, que a lei passa a valer unicamente por sua fonte de produção. Assim, de algum modo, substitui-se o absolutismo do regime anterior pelo absolutismo do legislativo[4]. Os poderes executivo e judiciário assumiram uma clara posição de submissão em relação ao poder legiferante.
O executivo deveria ter atuação limitada às leis, ao passo que o judiciário seria, em relação a elas, um mero aplicador, excluída qualquer atividade de conformação da lei ao caso concreto.
Montesquieu chegou a afirmar que o judiciário deveria ser a boca que pronuncia as palavras da lei. Em outro momento, o filósofo iluminista afirmou ser o judiciário um poder nulo.
Vejamos as palavras de Montesquieu:
Entretanto, se os tribunais não devem ser fixos, os julgamentos devem sê-lo a um tal ponto, que nunca sejam mais que um texto fixo da lei. Se representassem uma opinião particular do juiz, viver-se-ia na sociedade sem saber precisamente os compromissos que nela são assumidos.[5]
E mais à frente:
Dos três poderes dos quais falamos, o judiciário é, de algum modo, nulo.
[...]
Poderia acontecer que a lei, que é ao mesmo tempo clarividente e cega, fosse em certos casos muito rigorosa. Porém, aos juízes não são, conforme já dissemos, mais que a boca que pronuncia as palavras da lei, seres inanimados que desta lei não podem moderar nem a força nem o rigor.[6]
Montesquieu, embora tenha se voltado contra os abusos do antigo regime, lançou, através de sua doutrina política da separação de poderes, as bases para a tirania do legislativo[7]. Em verdade, em Hobbes já é possível notar a idéia de um poder judiciário submisso, cuja única função seria declarar as palavras da lei, o que, certamente, influenciou a doutrina da separação de poderes de Montesquieu.
Para corroborar essa posição, extrai-se um trecho da obra “Leviatã”, de Thomas Hobbes:
Que a lei nunca pode ser contrária à razão é coisa com que nossos juristas concordam, assim como com que não é a letra (isto é, cada uma de suas frases) que é a lei, e sim aquilo que é conforme a intenção do legislador.
[...]
Portanto o que faz a lei não é aquela jurisprudentia, ou sabedoria dos juízes subordinados, mas a razão deste nosso homem artificial, o Estado, e suas ordens. E sendo o Estado, em seu representante, uma só pessoa, não é fácil surgir qualquer contradição nas leis, e quando tal acontece a mesma razão é capaz, por interpretação ou alteração, de eliminar a contradição. Em todos os tribunais de justiça quem julga é o soberano (que é a pessoa do Estado). O juiz subordinado deve levar em conta a razão que levou o soberano a fazer determinada lei, para que sua sentença seja conforme esta, e nesse caso a sentença é uma sentença do soberano, caso contrário é dele mesmo, e é injusta. [8]
Ovídio Baptista, ao tratar da doutrina política da separação dos poderes de Montesquieu, escreveu:
É indispensável, no entanto, acrescentar ao racionalismo, tão presente na formação da ciência jurídica moderna, especialmente no direito processual civil, novos ingredientes que expliquem o fenômeno. Um deles, talvez o de maior significação, decorre da doutrina política da “separação de poderes”, marcada pela influência de Montesquieu, mas que nos vem, mais propriamente de Thomas Hobbes, a reduzir o Poder Judiciário a um poder subordinado, ou melhor, a um órgão do poder, cuja missão institucional não deveria ir além da tarefa mecânica de reproduzir as palavras da lei, de modo que a jurisdição não passasse de uma atividade meramente intelectiva, sem que o julgador lhe pudesse adicionar a menor parcela volitiva. [9]
Segundo a ideologia liberal burguesa, o princípio da legalidade possui estreita ligação com o princípio da liberdade. A lei limita tanto a atividade do Estado quanto dos particulares, e, deste modo, indica o quantum de liberdade é outorgado aos cidadãos.
O Estado Liberal, semelhantemente, alberga o princípio da igualdade, porém, em uma perspectiva unicamente formal, ou seja, alheio às diferentes necessidades impostas pela realidade material. A lei geral e abstrata direcionar-se-ia a todos, nunca a um único indivíduo, portanto, sempre dispensaria tratamento igualitário.
Nessa quadra, o Estado Liberal, através desse suposto tratamento igualitário, preocupava-se em proteger os cidadãos das ingerências estatais, mas não das diferentes realidades e necessidades sociais.
Nesse sentido, precisas as palavras de Marinoni:
Como o Estado liberal não se preocupava em proteger os menos favorecidos e em promover políticas públicas para uma organização comunitária mais justa, mas apenas em manter em funcionamento os mecanismos de mercado, sem qualquer com as diferenças das posições sociais, qualquer interferência do Estado junto aos particulares era vista como uma intromissão indevida.[10]
Caso o Estado atuasse para reduzir as desigualdades sociais, estaria sendo desigual, pois favoreceria uns em detrimento de outros.
Outro valor que se destaca no contexto do Estado Liberal é, segundo o professor Marcelo Abelha Rodrigues, o da superlativa proteção e intocabilidade da propriedade privada, o que, consequentemente, erige a elevado patamar o valor da excessiva proteção do devedor[11].
A expropriação decorrente de uma execução civil por créditos, por exemplo, deveria ser milimetricamente regulada por lei para evitar “surpresas” ao devedor, o que garantiria ao sistema o máximo de segurança possível[12].
A respeito do assunto, leciona o professor Marcelo Abelha Rodrigues:
Todavia, para “controlar” e “delimitar” a atuação e interferência do Estado na liberdade e propriedade, o CPC/73 previa – além da segurança de que o Estado só atuaria se fosse provocado – a tranqüila regra, para o executado, de que este só perderia seus bens em um processo específico, com um mínimo de previsibilidade, e, especialmente, sabendo de antemão quais seriam as armas executivas a serem utilizadas pelo Estado durante a atuação executiva. Mas não é só, pois o modelo liberal do processo executivo dava ao jurisdicionado a certeza e segurança das armas que seriam utilizadas pelo Estado, bem como quando e como as utilizaria. [13]
Retornando à obra de Montesquieu, é possível observar, na esteira de Marinoni, que o filósofo constituiu uma ideologia política segundo a qual a liberdade política, tida como segurança psicológica do sujeito, somente pode ser alcançada mediante a certeza do direito, indispensável à manutenção da liberdade.[14]
O juiz jamais poderia conformar a lei geral e abstrata às diferentes situações concretas, a ele somente caberia aplicar a lei de maneira cega. Somente desta forma a sociedade conheceria os compromissos nela assumidos.
A lei, portanto, propõe-se a ser plena, clara e completa, a tal ponto que uma única interpretação seria possível. A única tarefa do julgador seria pronunciar as palavras da lei. Daí decorre as idéias de sistematicidade e plenitude do direito, tão importantes na compreensão do positivismo jurídico que se desenvolverá posteriormente.
A lei, desta feita, deveria ser apta a solucionar todos os conflitos. Em razão disso, observa-se nos Estados Liberais um amplo movimento de codificação, com a formação de extensos e detalhados códigos, dos quais, o maior expoente é, certamente, o Código Civil Francês - o Código de Napoleão.
Mesmo os métodos clássicos de interpretação e integração recorrem à unidade, coerência e completude do ordenamento jurídico, um ordenamento cujas lacunas e antinomias seriam resolvidas dentro do próprio sistema.
Esses valores de liberdade, igualdade, legalidade, segurança jurídica, sistematicidade e plenitude do direito, dentre tantos outros, foram decisivos na formação jurídica brasileira, notadamente, no campo do direito processual civil.
2.2. O paradigma cientificista e a construção da “Ciência” Processual Civil Moderna – o paradigma Racionalista e o Positivismo Jurídico
2.2.1. O paradigma Racionalista
O processo histórico de emergência da classe burguesa, que assumiu definitivamente o controle do poder político com a derrocada das monarquias absolutas e a conseqüente ascensão do Estado Liberal (historicamente marcados pela Revolução Francesa), determinou a produção de uma nova realidade cultural.[15]
Com a revolução científica, deu-se a superação do modelo aristotélico, caracterizado pela Retórica, e ergueu-se o modelo racionalista, marcado pela Razão e pelo Método Científico.[16]
O pensamento da modernidade é construído sob esse forte ideal de racionalidade, uma crença exacerbada no poder da razão como única forma de se alcançar o progresso. Essa, aliás, é a concepção pregada pelo movimento iluminista, que, difundido a partir do século XVIII, defendia o desenvolvimento moral e material do homem a partir do conhecimento.[17]
A ciência moderna despreza as evidências fornecidas pela experiência imediata; confia, unicamente, no conhecimento científico, constituído a partir da observação rigorosa dos fenômenos naturais.[18]
Em “Discurso do Método”, Descartes propõe preceitos metodológicos através dos quais a razão alcançaria “verdades claras e distintas”, que, na realidade, são idéias inatas, insuscetíveis a erro, resultantes, exclusivamente, do pensamento humano. Somente estas verdades poderiam ser aceitas pela ciência.
Extrai-se um trecho da mencionada obra de Descartes:
[...] nunca aceitar como verdadeira nenhuma coisa que eu não conhecesse evidentemente como tal, isto é, em evitar com todo cuidado, a precipitação e a prevenção, só incluindo nos meus juízos o que se apresentasse de modo tão claro e distinto ao meu espírito, que eu não tivesse ocasião alguma para duvidar.[19]
Ocorre, assim, a busca de um ideal matemático na compreensão do mundo, cujo tipo de conhecimento “é completo, inteiramente dominado pela inteligência e baseado na ordem e na medida”.[20] A matemática, portanto, passa a fornecer o instrumento de análise e investigação adotado pela ciência na modernidade.
Esse compromisso com a epistemologia das ciências matemáticas pode ser claramente observado em Locke, na obra “Ensaios sobre o entendimento humano”, na qual o autor propõe que a moral (e consequentemente o direito) é capaz de demonstração tanto quanto as ciências matemáticas.
Ovídio Baptista, em observação ao pensamento de Locke e valendo-se de suas palavras, escreveu:
Há vários textos nos Ensaios que testemunham o profundo compromisso de Locke com o raciocínio matemático. Tratando de definir a ”essência real” do conhecimento moral, escreve ele: “Com base nisso, estou inclinado a pensar que a moral é capaz de demonstração, tanto quanto as matemáticas; desde que a essência real e exata das coisas que as palavras morais significam pode ser perfeitamente conhecida, e assim a congruência e incongruência das próprias coisas serem descobertas certamente, é isto no que consiste o conhecimento perfeito”.[21]
Leibniz, semelhantemente, submeteu o pensamento jurídico à epistemologia das ciências exatas ao tratar do direito natural:
A doutrina do direito é de índole daquelas ciências que não dependem de experiências, mas de definições, não das demonstrações dos sentidos, porém da razão; são, por assim dizer, próprias do direito e não do fato. Portanto, assim como a justiça consiste num certo acordo e proporção, pode entender-se que algo é justo embora não haja quem pratique a justiça, nem sobre quem ela recaia, de maneira semelhante a como os cálculos numéricos são verdadeiros, embora não haja nem que numere e nem o que numerar, da mesma maneira como se pode predizer de uma coisa, de uma máquina ou de um Estado que, se tiverem de existir, hão de ser formosas, eficazes e felizes, mesmo que nunca tenham existido. [22]
Desse trecho da obra de Leibniz, é possível observar que o direito, na concepção racionalista, foi concebido como uma abstração conceitual, e, consequentemente, houve um distanciamento entre o direito e o fato concreto.[23]
A influência desses valores tornou a “ciência” processual civil um conjunto sistemático de conceitos e regras, com pretensões à universalidade e à capacidade de solucionar os mais diversos casos concretos, independentemente de tempo ou lugar.
Nesse sentido, colacionam-se as palavras do professor Ovídio Baptista:
A redução do conceito de ciência, peculiar ao pensamento moderno, que somente concebe como científicos os ramos do conhecimento humano destinados a medir, pesar e contar, fez com que o Direito se transformasse num conjunto sistemático de conceitos, com pretensão à eternidade, desvinculando-o da História. [...].
[...] da influência exercida pelas filosofias racionalistas sobre o Direito Processual Civil, tem seu núcleo de interesse centrado na concepção do Direito como uma ciência demonstrativa, sujeita à metodologia própria da ciência matemática. Este foi, de fato, o fator responsável pela eliminação da Hermenêutica, e, consequentemente, da Retórica forense, em favor da racionalidade das “verdades claras e distintas” de Descartes, que nosso processo ainda persegue compulsivamente, numa ridícula demonstração de anacronismo epistemológico. [24]
Assim como as proposições matemáticas somente poderiam oferecer uma única solução correta, semelhantemente, as proposições jurídicas só permitiriam uma única interpretação “correta”. Esse é o paradigma sobre o qual se assenta a moderna ciência processual civil, o de que a lei possui sentido unívoco, cabendo ao juiz, unicamente, a tarefa de revelá-lo, ou seja, “lhe basta descobrir a verdade e proclamá-la na sentença”.[25]
A influência desses valores, ao lado dos valores do liberalismo clássico, como visto, foi decisiva para o surgimento do movimento de codificação do direito no século XVIII, o qual promoveu uma intensa identificação entre lei e direito.
Nesse sentido, vale destacar a seguinte passagem da obra do professor Ovídio Baptista da Silva:
[...] a busca de certeza do direito, como ideal do racionalismo, exacerbada pela desconfiança com que a Revolução Européia encarava a magistratura, em virtude de seus compromisso com o Ancien Régime, que conduziu à era das grandes codificações do direito europeu, acabaram criando um sistema burocrático de organização judiciária que, por sua vez, contribuiu igualmente para a assimilação da função judicial à carreira de um funcionário público comum, rigorosamente, submetido ao controle tanto das cortes judiciárias superiores quanto, especialmente, dos órgãos do Governo [...].[26]
O desenvolvimento desses ideais culminou com o movimento filosófico denominado de positivismo, cuja aplicação no campo do direito resultou no positivismo jurídico.
2.2.2. O Positivismo Jurídico
O positivismo jurídico significou a importação do positivismo filosófico para o campo do direito.
Augusto Comte, idealizador do positivismo filosófico, influenciado pela tradição teórica racionalista, desenvolveu a lei dos três estados, segundo a qual o conhecimento humano, após atravessar os estágios teológico e metafísico, havia alcançado o estágio positivo ou científico.
O positivismo filosófico consiste em uma idealização do conhecimento obtido pela ciência, “uma crença romântica e onipotente de que os múltiplos domínios da indagação e da atividade intelectual pudessem ser regidos por leis naturais, invariáveis, independentes da vontade e da ação humana”.[27]
O pensamento positivo não se preocupa com a origem ou mesmo com a finalidade de determinado fenômeno, mas sim, com a apreciação sistemática daquilo que ele é, o que somente seria possível através da observação e da experimentação objetivas.
Em “Discurso sobre o Espírito Positivo”, Comte escreveu:
Essa longa sucessão de preâmbulos necessários conduz, enfim, nossa inteligência, gradualmente emancipada, a seu estado definitivo de positividade racional, que deve aqui ser caracterizado duma maneira mais especial do que os dois estados preliminares. Já que tais exercícios preparatórios constataram espontaneamente a inanidade radical das explicações vagas e arbitrárias próprias da filosofia inicial, teológica ou metafísica, de agora em diante, o espírito humano renuncia de vez às pesquisas absolutas, que só convinham à sua infância. Circunscreve seus esforços ao domínio, que agora progride rapidamente, da verdadeira observação, única base possível de conhecimentos verdadeiramente acessíveis, sabiamente adaptados a nossas necessidades reais. [28]
E mais à frente:
A pura imaginação perde assim irrevogavelmente a sua antiga supremacia mental, e se subordina necessariamente à observação, de maneira a constituir um estado lógico plenamente normal, sem cessar, entretanto, de exercer, nas especulações positivas, ofício capital e inesgotável, para criar ou aperfeiçoar os meios de ligação definitiva ou provisória. Numa palavra, a revolução fundamental, que caracteriza a virilidade de nossa inteligência, consiste essencialmente em substituir em toda parte a inacessível determinação das causas propriamente ditas pela simples pesquisa das leis, isto é, relações constantes que existem entre os fenômenos observados. Quer se trate dos menores quer dos mais sublimes efeitos, do choque ou da gravidade, do pensamento ou da moralidade, deles só podemos conhecer as diversas ligações mútuas próprias à sua realização, sem nunca penetrar no mistério de sua produção.
Nossas pesquisas positivas devem essencialmente reduzir-se, em todos os gêneros, à apreciação sistemática daquilo que é, renunciando a descobrir sua primeira origem e seu destino final. [29]
Observa-se, assim, que para o positivista não interessam a origem ou o fim dos objetos de seu estudo, mas sim o estudo do objeto em si e das suas relações com outros objetos. No campo do direito, a adoção do pensamento positivista resultou na formação do positivismo jurídico, caracterizado pela observação e descrição da norma jurídica, e que obteve em Kelsen sua mais elevada expressão.
Vejamos um trecho da “Teoria Pura do Direito”, formulada por Kelsen:
Dizer que uma norma que se refere à conduta de um indivíduo “vale” (é “vigente”), significa que ela é vinculativa, que o indivíduo se deve conduzir do modo prescrito pela norma. Já anteriormente num outro contexto, explicamos que a questão de por que é que a norma vale – quer dizer: por que é que o indivíduo se deve conduzir de tal forma – não pode ser respondida com a simples verificação de um fato da ordem do ser, que o fundamento de algo ser não pode seguir-se que algo deve ser; assim como do fato de algo dever ser se não pode seguir que algo é. [30]
Desta forma, o positivismo jurídico fixa o objeto de seu estudo: a norma jurídica.
Abstrai-se do conceito de direito todos os aspectos sociológicos, históricos, políticos, psicológicos, morais, éticos, dentre tantos outros, ou seja, lança-se fora “todo resquício metafísico [...]. A partir de então, o Direito é identificado à lei, não havendo nada acima dele que funcione como parâmetro de aferição de sua justeza”.[31]
O positivismo jurídico, portanto, não dispensa qualquer preocupação com o conteúdo da norma, cuja validade depende unicamente da legitimidade do procedimento de sua criação.
Desta feita, o fundamento de validade de qualquer norma é uma norma superior. O desenvolvimento deste raciocínio conduziu Kelsen a pressupor a existência de uma norma fundamental (Grundnorm). Nesta norma pressuposta todo sistema de normas se fundamenta, formando-se, assim, uma ordem normativa.
Afirma-se a plenitude do direito, na verdade, da lei e dos grandes códigos. Aos juristas não cabe outra tarefa senão buscar no ordenamento jurídico a resposta para todos os conflitos existentes. Os grandes Códigos, aliados aos métodos clássicos de interpretação e integração da norma jurídica seriam capazes de oferecer solução a qualquer conflito de interesses surgido no seio social. Eis a completude do ordenamento jurídico.
Norberto Bobbio tratou do tema nos seguintes termos:
O dogma da completude, isto é, o princípio de que o ordenamento jurídico seja completo para fornecer ao juiz, em cada caso, uma solução sem recorrer à eqüidade, foi dominante, e o é em parte até agora, na teoria jurídica européia de origem romana. Por alguns é considerado como um dos aspectos mais salientes do positivismo jurídico. [32]
E em outro ponto de sua obra:
Por “completude” entende-se a propriedade pela qual um ordenamento jurídico tem uma norma para regular qualquer caso. Uma vez que a falta de uma norma se chama geralmente “lacuna” (num dos sentidos do termo “lacuna”), “completude” significa “falta de lacunas”. Em outras palavras, um ordenamento é completo quando o juiz pode encontrar nele uma norma para regular qualquer caso que se lhe apresente, ou melhor, não há caso que não possa regulado com uma norma tirada do sistema.[33]
Consoante se observou da análise precedente, o racionalismo e o liberalismo promoveram uma intensa identificação entre lei e direito, exaltada pelo positivismo jurídico. O direito, portanto, resume-se à lei. Mas não é só.
Segundo Luiz Guilherme Marinoni:
[...] o positivismo jurídico não apenas aceitou a idéia de o direito deveria ser reduzido à lei, mas também foi o responsável por uma inconcebível simplificação das tarefas e responsabilidades dos juízes, promotores, advogados, professores e juristas, limitando-as a uma aplicação mecânica das normas jurídicas na prática forense, na universidade e na elaboração doutrinária.[34]
A aplicação da lei, cujo sentido se pressupunha ser unívoco, deveria se dar de maneira cega, como séculos antes pretendera Montesquieu.
Sobre o tema, mais uma vez recorre-se às palavras de Marinoni:
Isso significa que o positivismo jurídico, originariamente concebido para manter a ideologia do Estado liberal, transformou-se, ele mesmo, em ideologia. Nessa dimensão, passou a constituir a bandeira dos defensores do status quo ou dos interessados em manter a situação consolidada pela lei. Isso permitiu que a sociedade se desenvolvesse sob um asséptico e indiferente sistema legal ou mediante a proteção de uma lei que, sem tratar de modo adequado os desiguais, tornou os desiguais em carne e osso mais desiguais ainda. [35]
Percebe-se, assim, que o positivismo jurídico restou preso ao paradigma racionalista e à ideologia do Estado liberal.
Tem-se, portanto, que essa construção teórica que deu contornos científicos ao direito, e, consequentemente ao direito processual civil, acabou por distanciar o processo da realidade social, tornando-o um sistema fechado, regido por seus próprios conceitos, esquecendo-se que sua função precípua é realizar os direitos materiais.
2.3. A Escola Sistemática Italiana e o ingresso do Método Científico no Direito Processual Civil brasileiro
2.3.1. A Escola Sistemática Italiana
A escola sistemática, também conhecida como escola histórico-dogmática, incorporou os valores do liberalismo clássico e do paradigma cientificista.
Essa nova escola processual italiana representou a superação da antiga escola da exegese, que concebia o processo como mero apêndice de direito material e cujo método era voltado à compreensão dos atos do procedimento.
A transição entre essas duas escolas se deu com a obra de Ludovico Mortara e a afirmação da natureza pública do processo, que sob essa concepção, não mais poderia ser entendido como mero palco onde as disputas privadas se realizariam.
Mortara, considerando a natureza pública do processo, formulou um conceito de jurisdição que evidencia a defesa do direito objetivo. Daí observa-se seu comprometimento com os valores do Estado liberal, através da idéia de um juiz subordinado.
Nesse sentido, vale destacar a seguinte passagem da obra de Luiz Guilherme Marinoni:
Quando Mortara afirma que a jurisdição tem o fim de defender o direito objetivo, fica claro que esse objetivo deve ser realizado mediante a declaração ou a atuação da lei. Portanto, a doutrina de Mortara se diferenciou, em relação às lições dos processualistas que sustentaram a concepção de jurisdição vista no item anterior, apenas em razão de ter revelado a natureza pública do processo, mas se manteve presa aos valores culturais e ideológicos do Estado liberal. [36]
A afirmação da escola sistemática, todavia, deve-se a Giuseppe Chiovenda, que além de sedimentar a natureza pública do processo, demonstrou elevada preocupação em desvincular o direito processual civil do direito material.
Para Chiovenda, a conceituação harmoniosa de institutos jurídico-processuais distintos dos institutos de direito material conferiria autonomia científica ao direito processual civil.
Sobre o tema, Marinoni afirmou:
Essa escola, ao se preocupar em desvincular o direito processual civil do direito material e evidenciar a natureza pública do processo, importou-se em delinear conceitos que, segundo sua concepção, seriam capazes de conferir autonomia e dignidade científica ao direito processual civil, antes concebido como simples procedura civile. [37]
A escola sistemática, embora responsável por notáveis avanços no campo do direito processual civil, elaborou uma doutrina comprometida com os valores liberais e excessivamente preocupada em abstrair a noção de processo dos direitos materiais, preocupação típica do paradigma cientificista.
A respeito do assunto, mais uma vez recorre-se às brilhantes palavras de Marinoni:
Entretanto, essa mudança de perspectiva da doutrina nada teve a ver com o surgimento de uma ideologia política diversa da liberal, e muito menos com os princípios socialistas, constituindo somente resultado da evolução da cultura jurídica, que apenas indiretamente pode conter implicações de natureza ideológica. Essa constatação é importante, pois, se a escola sistemática representou avanço evidente em relação a escola exegética, isso não quer dizer que o peso dos valores liberais não tenha influenciado os estudos chiovendianos e mesmo pós-chiovendianos. [38]
E ainda:
De lado essa questão, não é possível ignorar que a escola sistemática, em sua ânsia de redescobrir o valor do processo e de dar contornos científicos ao direito processual civil, acabou excedendo-se em sua missão. A intenção de depurar o processo civil de sua contaminação pelo direito substancial, a ele imposta pela tradição jurídica do século XIX, levou a doutrina chiovendiana a erguer as bases de um direito processual civil completamente despreocupado com o direito material.[39]
Nesse contexto, construiu-se um direito processual civil alheio às diferentes realidades e necessidades sociais, concebido para homens formalmente iguais perante a lei, o que, segundo a lógica burguesa, garantiria a liberdade e segurança jurídica dos indivíduos.[40]
A nova ciência processual civil que se formara era composta por um conjunto sistemático de institutos jurídico-processuais, com pretensão à eternidade, à universalidade, à aplicação plena, independentemente do tempo, do lugar, e, sobretudo, das circunstâncias do caso concreto.[41]
2.3.2. O ingresso da Escola Sistemática no Direito Processual Civil brasileiro
No Brasil, até os anos 20 do século passado, a doutrina processual civil ainda recebia forte influência dos exegetas italianos.
Extrai-se um trecho da obra conjunta de Cintra, Grinover e Dinamarco:
Mas a doutrina brasileira de então ressentia-se profundamente de uma grande desatualização metodológica. Nossos estudiosos, habituados à leitura dos clássicos portugueses (Correia Telles, Pereira e Souza, Lobão) e dos exegetas italianos do século passado (Mattirolo, Pescatore e mesmo Mortara), não se haviam alinhado ao movimento que a partir da metade do século passado[42] se instalara na Europa. [43]
O ingresso da escola sistemática, e, consequentemente, do método científico no direito processual civil brasileiro, se dá, mais propriamente, a partir da chegada ao país do jovem Enrico Tullio Liebman, um dos discípulos mais eminentes de Chiovenda.
Liebman chegou ao Brasil no ano de 1940, ao fugir da Segunda Guerra Mundial; ministrou aulas na Faculdade de Direito de São Paulo; suas idéias influenciaram uma geração de grandes processualistas brasileiros e podem ser facilmente observadas no Código de Processo Civil Brasileiro de 1973.
Nesse sentido, calha à baila destacar mais uma vez as lições de Cintra, Grinover e Dinamarco:
Mas o ingresso do método científico na ciência processual brasileira só pôde ter lugar mesmo, definitivamente, a partir do ano de 1940, quando para cá se transferiu o então jovem Enrico Tullio Liebman, já àquela época professor titular de direito processual civil na Itália. Nos seis anos que esteve entre nós, tendo inclusive sido admitido como professor visitante na Faculdade de Direito de São Paulo, foi Liebman o portador da ciência européia do direito processual. Fora aluno de Chiovenda, o mais prestigioso processualista italiano de todos os tempos.
[...]
Vieram em seguida os trabalhos de alto nível de Luís Eulálio de Bueno Vidigal, Alfredo Buzaid e José Frederico Marques, discípulos de Liebman naqueles colóquios por este promovidos; de Moacyr Amaral Santos, de Celso Agrícola Barbi, de Alcides de Mendonça Lima, de Galeno Lacerda, de Moniz de Aragão, de Barbosa Moreira e de outros mais modernos, em processo civil.[44]
Observa-se, assim, que os valores liberais e do paradigma cientificista exerceram grande influência sobre o direito processual civil europeu e brasileiro, e, consequentemente, delinearam os contornos dos institutos jurídicos do Código de Processo Civil brasileiro de 1973.
3. CARACTERÍSTICAS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO DE 1973
3.1. A função declaratória da jurisdição
A formulação de Chiovenda sobre o conceito de jurisdição como uma função destinada a fazer atuar a vontade concreta da lei exerceu, como não poderia ser diferente, grande influência sobre a doutrina processual civil brasileira.
Chiovenda, inspirado pelos valores do liberalismo clássico e do paradigma cientificista, parte do pressuposto de que a produção do direito, vale dizer, da confecção das leis, é atribuição exclusiva do Estado.
A criação do direito é tarefa do legislador. Já a aplicação é incumbência do juiz, a qual se dá mediante a substituição de uma atividade de natureza privada por uma atividade de natureza pública.[45] [46]
Desta feita, a jurisdição é destinada a afirmar e atuar a vontade abstrata da lei ao caso concreto, e se manifesta no processo por dois meios distintos: a cognição e a execução.[47]
O próprio Chiovenda escreveu que antes de o juiz decidir uma demanda, ele realiza “uma série de atividades intelectuais com o objetivo de se aparelhar para julgar se a demanda é fundada ou infundada e, pois, para declarar existência ou não existente a vontade concreta da lei, de que se cogita”.[48]
Conclui-se, assim, que embora no sistema chiovendiano a atividade executiva também faça parte da atividade jurisdicional, esta assume uma feição extremamente ligada à ideia de mera declaração de direitos, a qual deriva da rígida delimitação entre as atividades do legislador (criador) e do juiz (subordinado).
Convém, ainda, ressaltar as lições de outro grande processualista: Francesco Carnelutti.
Para o mestre italiano, jurisdição significa a justa composição da lide, caracterizada por um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida.
Segundo Carnelutti, adepto da teoria unitária do ordenamento jurídico, o juiz cria uma norma individual para o caso concreto, que passa a integrar, assim como as leis, o ordenamento jurídico. Nesse ponto, sua doutrina distingue-se da doutrina de Chiovenda, para quem a sentença é um ato externo, o qual não compõe o ordenamento.[49]
A composição da lide, portanto, ocorre com a individualização da norma superior para o caso concreto, através de uma sentença declaratória em sentido amplo, ou seja, do ato que encerra o processo de conhecimento. Veja-se que excluído está, do conceito de jurisdição, o processo executivo.
A respeito do assunto, observemos o que aduz o professor Ovídio A. Baptista da Silva:
Segundo Carnelutti (Sistema di diritto processuale civile, 1936, v. 1, p. 131-269), a jurisdição consiste na justa composição da lide, mediante sentença de natureza declarativa, por meio da qual o Juiz dicit ius; daí porque, segundo ele, não haveria jurisdição no processo executivo (p. 132).
De acordo com esta concepção, largamente difundida no Brasil, a jurisdição pressupõe um conflito de interesses, qualificado pela pretensão de alguém e a resistência de outrem. [50]
A adoção desse pensamento pelo Código de Processo Civil Brasileiro de 1973 fica bem evidente na redação original do caput do art. 463, segundo o qual “Ao publicar a sentença de mérito, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional [...]”.
Da leitura do mencionado dispositivo, resta claro que ao proferir a sentença de mérito (declaratória, constitutiva ou condenatória, segundo a concepção clássica), o juiz encerra o ofício jurisdicional, limitado à declaração judicial de direitos, ainda que seja necessário um futuro processo de execução forçada para sua realização.
A despeito das diferenças existentes nas teses defendidas por Chiovenda e Carnelutti, há um ponto em comum, que serve de fundamento a todo sistema processual civil brasileiro: a jurisdição é voltada à declaração judicial de direitos.
Nesse sentido, as palavras de Luiz Guilherme Marinoni são esclarecedoras:
Deixe-se claro, portanto, que as concepções de Carnelutti e Calamandrei, apesar de filiadas à teoria unitária do ordenamento jurídico, não se desligaram da idéia de que a função do juiz está estritamente subordinada à do legislador, devendo declarar a lei. Na verdade, a distinção entre a formulação de Chiovenda e as de Carnelutti e Calamandrei está em que, para a primeira, a jurisdição declara a lei, mas não produz uma nova regra, que integra o ordenamento jurídico, enquanto, para as demais, a jurisdição, apesar de não deixar de declarar a lei, cria uma regra individual que passa a integrar o ordenamento jurídico.[51]
A concepção de jurisdição como uma função voltada à mera declaração de direitos tem suas bases, certamente, nos valores do paradigma cientificista e do liberalismo clássico.
Como dantes visto, o paradigma sobre o qual se assenta a moderna ciência processual civil é o de que a lei possui sentido unívoco, cabendo ao juiz, unicamente, a tarefa de revelá-lo, ou seja, declará-lo na sentença.
Nessa esteira, Montesquieu já compreendia que a execução das decisões judiciais era tarefa do Poder Executivo.[52]
Ao juiz restava apenas a possibilidade de atuar mediante sentença declaratória em sentido amplo (meramente declaratória, constitutiva ou condenatória), pois a tentativa de conter o arbítrio judicial era tamanha que o sistema não deveria conferir ao julgador poderes para exercer atividade executiva.[53]
3.2. O processo de conhecimento no Código de Processo Civil brasileiro de 1973
O maior “prodígio” da escola sistemática foi a criação de um procedimento quase universal, denominado procedimento ordinário.
O processo de conhecimento foi marcado por essa uniformização do procedimento, mediante a criação do procedimento ordinário, o qual pretendia atender as mais variadas situações de direito substancial.
Para confirmar esse entendimento, basta ter em mente que os procedimentos especiais, voltados à realização de determinadas classes de direitos, sempre foram considerados exceções ao procedimento ordinário.
Nesse sentido, precisas são as palavras de Marinoni:
No entanto, o fruto mais óbvio dessa escola foi a pretensão de uniformização do procedimento. A idéia de um único procedimento para atender a diferentes situações de direito substancial tem origem pouco mais óbvia na tentativa de isolamento do processo em face do direito material.
Tanto é verdade que os processualistas clássicos sempre enxergaram os procedimentos especiais como exceções ao procedimento ordinário.[54]
De outro giro, não se pode esquecer do próprio caráter ideológico dos procedimentos especiais, que, voltados à realização de determinadas classes de direitos, acabam por privilegiar determinadas classes sociais.
Como exemplo, podemos citar a proteção do direito de propriedade, que através das ações possessórias recebe uma tutela adequada à sua efetiva realização, e, de maneira mais que óbvia, aponta para o favorecimento das classes mais abastadas, detentoras da maior parte das propriedades, sejam urbanas, sejam rurais.
No Código de 1973, a idéia de uniformização do procedimento pode ser observada nos seguintes dispositivos:
Art. 271. Aplica-se a todas as causas o procedimento comum, salvo disposição expressa deste Código ou de lei especial.
Art. 272. O procedimento comum é ordinário ou sumário.
Parágrafo único. O procedimento especial e o procedimento sumário regem-se pelas disposições que lhes são próprias, aplicando-se-lhes, subsidiariamente, as disposições do procedimento ordinário.
Da dicção dos artigos descritos acima, tem-se como regra a adoção do procedimento comum ordinário. Apenas excepcionalmente os procedimentos especiais e o procedimento comum sumário têm aplicação.
Sobre o tema, extrai-se um trecho da obra do emérito professor Barbosa Moreira:
O procedimento comum, por sua vez, pode ser ordinário ou sumário (art. 272, caput). Ainda aqui, a linha divisória traça-se por exclusão: a lei enumera taxativamente, dentre as causas submetidas ao procedimento comum, aquelas em que se deve observar o sumário (art. 275); todas as restantes adotarão o ordinário. A discriminação das causas sujeitas ao procedimento sumário inspira-se ora no critério do valor (art. 275, nº I), ora no da matéria (art. 275, nº II).[55]
Do procedimento comum sumário, pode-se afirmar duas coisas: a um, somente é aplicado a um número restrito de hipóteses, cuidadosamente descritas no art. 275, do Código de Processo Civil; a dois, o procedimento sumário, em verdade, constitui uma espécie de procedimento ordinário, só que com a compressão de suas fases.
Pois bem.
O procedimento ordinário, e, consequentemente, o processo de conhecimento, é caracterizado por ser declaratório em sentido amplo, plenário e sem executividade no interior do procedimento; quanto ao provimento final, é sempre declaratório em sentido estrito, constitutivo ou condenatório.[56]
Da ausência de executividade no processo de conhecimento, tem-se, necessariamente, a impossibilidade de concessão de provimentos antecipatórios fundados em juízos de verossimilhança.
Diz-se que o processo de conhecimento é declaratório porque todos os provimentos jurisdicionais possíveis dentro da classificação trinária das sentenças são sempre declaratórios em sentido amplo, mesmo as sentenças condenatórias, que são aquelas tradicionalmente tendentes a dar início a um processo autônomo de execução.
Sobre a natureza declaratória do processo de conhecimento, o professor Ovídio Baptista, em alusão ao pensamento de Cândido Rangel Dinamarco, assevera:
Esta lição de Dinamarco põe à mostra outra questão que deverá ocupar-nos, relativa ao conceito de jurisdição e de Processo de Conhecimento. Mesmo não sendo este o ponto objeto de sua análise, contrapõe o jurista a função executiva, destinada, segundo ele, à “aplicação da sanção executiva”, a função do Processo de Conhecimento, identificado como o instrumento criado para que se possa “exigir sentença de mérito”, quer dizer, obter declaração do direito, pois, vê-se de suas palavras, a ação, salvo nesse casos excepcionais, é apenas e simplesmente “o poder de exigir sentença de mérito” (ação cognitiva, em contraposição à ação executiva, do Processo de Execução). Fica bem clara a função do Processo de Conhecimento, como processo exclusivamente declaratório.[57]
É, ainda, plenário porque marcado pela antecedência e extensão do contraditório e da ampla defesa, os quais induzem o magistrado a um amplo trabalho de cognição (exauriente), tendente a obter um suposto juízo de certeza antes de prolatar a sentença de mérito, o que, então, põe fim ao processo de conhecimento.[58]
Quanto à relação existente entre processo de conhecimento e plenariedade, ensina o professor Ovídio Baptista da Silva:
[...] a ordinariedade tem vocação congênita para a plenariedade da respectiva demanda que lhe cabe instrumentalizar. Isto é perfeitamente compreensível se tivermos presente que o juízo de certeza, a que o procedimento ordinário deve necessariamente tender, exigirá que o julgador forme o convencimento baseado na plenitude da prova. Esta relação entre forma ordinária e conteúdo plenário da demanda apresenta-se tão intensa e natural que Chiovenda, como vimos (p. 157), para aludir à cognição plenária – que ele desejava contrapor à cognição sumária –, serve-se da expressão cognição ordinária. [...] Nossa capacidade para “ordinarizar” e, como decorrência disto, “plenarizar” todas as demandas é uma conseqüência inelutável pelo paradigma da ordinariedade, que tem no Processo de Conhecimento seu principal alicerce teórico.[59]
Em seu curso inexistem provimentos antecipatórios, fundados em juízos de verossimilhança, pois toda atividade executiva deverá ser concentrada em um processo autônomo de execução.
A concentração de toda executiva em um processo autônomo tem a função de retirar do julgador o poder de atuar no mundo concreto, e, assim, garantir a liberdade e segurança jurídica dos cidadãos, independentemente das necessidades de direito material em questão.
Consoante esse entendimento, destaca-se um trecho da obra de Luiz Guilherme Marinoni:
De modo que a gênese do processo de conhecimento, concebido como palco da verificação dos fatos e da declaração da lei, está justamente na tentativa de nulificação do poder do juiz. A separação entre conhecimento e execução teve o propósito de evitar que o juiz concentrasse, no processo de conhecimento, os poderes de julgar e de executar.
É importante deixar claro que, em princípio, a idéia de limitar o poder do juiz teve uma intenção legítima – pois Judiciário possuía relações com o antigo regime. Contudo, depois, ela passou a ser utilizada para dar guarida às pretensões da burguesia, para que era necessário um Estado que garantisse sua plena liberdade para se desenvolver nos planos social e econômico. Para tanto, um poder de julgar que estivesse limitado a afirmar a autoridade da lei seria perfeito. [60]
Nesse modelo processual, a cognição representa a “busca da verdade” da lei para o caso concreto, e, assim, todo julgamento pressupõe, após um amplo trabalho de conhecimento, ter encontrado esta “verdade”, para só então, no plano fático, realizar-se atividade executiva.[61]
Constrói-se, assim, o mito que separa radicalmente a cognição e a execução.
O processo de conhecimento, pois, é meramente declaratório. Toda atividade realizadora de direitos é relegada a um processo autônomo de execução, necessariamente posterior à cognição, e tendente a concentrar em seu interior todos os atos de constrição judicial.
O elo entre esses dois processos autônomos, cada qual com seus objetivos bem definidos – declaração e execução –, é a sentença condenatória, que atua albergada pelo princípio de que não há execução sem título.
A respeito da importância da sentença condenatória para a construção do paradigma processual que determina a rígida separação entre processo de conhecimento e execução de sentença, leciona o professor Ovídio Baptista da Silva:
A execução de sentença, separada do Processo de Conhecimento, formando uma ação independente, é o resultado de vários fatores, dentre os quais prepondera a natureza da sentença condenatória com sua incapacidade para realizar (satisfazer) o direito do litigante vitorioso. Certamente outros fatores, igualmente importantes, contribuíram para legitimar a autonomia do processo de execução, mas não se deve esquecer que, sem a condemnatio, o resultado provavelmente não seria alcançado. [62]
Como vimos, mesmo as sentenças condenatórias são incapazes de satisfazer o direito material, dada sua natureza declaratória. Limita-se ela a produzir o título executivo judicial, que legitimará o ajuizamento de uma demanda autônoma de execução, esta sim, atuante no plano fático.
Pode-se observar de todo exposto, que o modelo processual civil tradicional é regido, como pretendera a construção do paradigma cientificista, por uma equação quase matemática: ação de conhecimento + sentença condenatória + ação de execução = realização do direito.
Decerto que essa forma de tutela jurisdicional é adequada, em alguma medida, à defesa de direitos patrimoniais individuais, direitos estes consagrados no auge do liberalismo clássico (direitos de primeira geração), mas não voltada à efetiva proteção de direitos.
Desprezou-se, assim, a tutela preventiva e específica em prol de uma tutela repressiva e ressarcitória.[63]
3.3. A classificação trinária das sentenças e o dogma que exclui qualquer eficácia executiva das sentenças declaratórias
A doutrina tradicional, na esteira do pensamento chiovendiano, costuma classificar as ações de conhecimento e suas respectivas sentenças de procedência em três espécies: declaratórias, constitutivas e condenatórias, estas, as únicas aptas a ensejar o processo de execução.
Fiel aos valores do liberalismo clássico e do paradigma cientificista, as sentenças da classificação trinária são todas declaratórias em sentido amplo, pois não permitem ao juiz atuar senão no plano normativo, afirmando a vontade da lei e a autoridade do legislador.[64]
As sentenças declaratórias em sentido estrito são aquelas destinadas, unicamente, a produzir uma declaração judicial de certeza que supostamente esgotaria a prestação jurisdicional.[65]
Para exigir o adimplemento da obrigação judicialmente reconhecida mediante sentença declaratória, necessário seria a propositura de outra ação contra o obrigado, desta vez de natureza condenatória.
Afirma o próprio Chiovenda, referindo-se às sentenças declaratórias em sentido estrito:
Casos há, porém, em que a sentença colima exclusivamente verificar qual seja a vontade concreta da lei, quer dizer, certificar a existência do direito (já direito a uma prestação, já direito potestativo), sem o fim de preparar a consecução de qualquer bem, a não ser a certeza jurídica. [66]
Vê-se, portanto, que a sentença declaratória é aquela que melhor se adequa aos valores do liberalismo clássico e do paradigma cientificista, vez que se limita a proclamar a tão desejada “certeza do direito”, sem abrir a possibilidade de posterior execução do provimento jurisdicional.
O objeto das sentenças constitutivas, por outro lado, “é a vontade concreta da lei por força da qual se deve produzir a mudança, ou, em outros termos, o direito à mudança jurídica”[67], seja através da criação, modificação ou extinção de um estado ou relação jurídica.[68]
Assim como as sentenças declaratórias, as sentenças constitutivas prescindem de atividade executiva, seus efeitos operam instantaneamente com a simples existência do provimento jurisdicional.
A sentença condenatória, a seu turno, destina-se, por um lado, a tornar certo o direito, e esta é uma função também alcançada pela sentença declaratória – a verificação do direito –, por outro, a preparar a execução, e nisto restaria sua diferença em relação à tutela meramente declaratória.
Pois como aduz o mestre Chiovenda em suas lições:
Em outro sentido, porém, a sentença de condenação gera uma nova ordem, a saber, com respeito aos órgãos encarregados à execução; e eis aí como se distingue da sentença declaratória.
[...]
Duas funções, portanto, podem assistir à verificação: a) tornar certo o direito, com todas as vantagens decorrentes diretamente dessa certeza; b) preparar a execução, formando a convicção dos órgãos do Estado sobre a ulterior atuabilidade do direito. Na sentença de condenação associam-se as duas funções.[69]
Da rígida delimitação entre as atividades de cognição (prévia) e execução (posterior), forjou-se o princípio da “nulla executio sine titulo”, ou seja, de que não pode haver execução sem a existência de título[70].
Desta feita, na esteira do que proferiu Chiovenda, “o título executório é o pressuposto ou condição genérica de qualquer execução, e, assim, da execução forçada”[71]. A sentença condenatória, pois, sendo aquela destinada a preparar a execução, tornou-se o título executivo por excelência.
Unificou-se a prestação jurisdicional através da fórmula ação de conhecimento + sentença condenatória + ação de execução = realização do direito, como se essa forma de tutela pudesse atender a todas as situações levadas a juízo, o que é, sem sombra de dúvidas, um mito.
A existência de um procedimento universal (ordinário) destinado a realizar todas as situações de direito substancial determinou a universalização, também, da sentença condenatória.
Sobre a universalização das sentenças condenatórias e sua insuficiência para a efetiva tutela de direitos, adverte Jaqueline Mielke Silva em sua obra:
A universalização da actio determinou, por sua vez, a universalização da condemnatio. As sentenças de procedência, tal como ocorria no procedimento privado romano, conservaram-se em nosso Código de Processo Civil invariavelmente condenatórias.
[...]
É impossível negar-se a importância que as ações condenatórias tiveram para o mundo liberal e individualista dos séculos passados. Contudo, é preciso ter em conta que elas não são mais suficientes para responder aos anseios da sociedade contemporânea. [72]
A exigência de um provimento jurisdicional condenatório para se realizar execução, independentemente das circunstâncias do caso concreto, traduz os valores do liberalismo e do paradigma cientificista na medida em que significou a abstração do processo face às necessidades do direito material.[73]
O processo civil brasileiro, portanto, reproduziu o mito da igualdade formal entre os homens; caracterizou-se por uma profunda indiferença pelas variadas posições sociais e pela natureza dos bens jurídicos reclamados; a lei, cujo sentido pressupunha-se ser único, deveria ser aplicada a todos, por um juiz subordinado, independentemente das circunstâncias do caso concreto; refletiu-se a confusão existente entre a autonomia científica do direito processual civil e a neutralidade do processo frente ao direito material.
A jurisdição e o processo de conhecimento assumiram uma feição voltada à declaração de direitos, não à sua efetiva realização.
A tutela meramente declaratória, portanto, é aquela que melhor responde a esses valores. Caracteriza-se como um provimento jurisdicional destituído de qualquer meio de atuação sobre a vontade do vencido para fazê-lo adimplir a obrigação devidamente reconhecida (declarada) pelo juiz.
Contudo, o processo civil brasileiro passou por um momento de transição paradigmática, que foi e é responsável por uma série de transformações no campo do direito processual.
4. A CRISE DA DOGMÁTICA TRADICIONAL - A SUPERAÇÃO DO ESTADO LIBERAL CLÁSSICO E A QUEDA DO PARADIGMA CIENTIFICISTA
4.1. A crise do Liberalismo Clássico – o advento do Estado Social e as transformações na compreensão da atividade jurisdicional
4.1.1. A crise do Estado Liberal e o surgimento do Estado Social
A Revolução Industrial, produto da ideologia liberal burguesa, trouxe consigo uma série de distorções de ordem social, tais como a massificação das relações, a concentração urbana e a exploração desenfreada do trabalho, inclusive de crianças e idosos.
Como explicam Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins:
No século XIX, o resplendor do progresso não oculta a questão social, caracterizada pelo recrudescimento da exploração do trabalho e das condições subumanas de vida: extensas jornadas de trabalho, de dezesseis a dezoito horas, sem direito a férias, sem garantia para a velhice, doença e invalidez; arregimentação de crianças e mulheres, mão-de-obra mais barata; condições insalubres de trabalho, em locais mal-iluminados e sem higiene; mal pagos, os trabalhadores também viviam mal alojados e em promiscuidade. [74]
O Estado não poderia promover qualquer ingerência na vida dos indivíduos no sentido de reduzir essas desigualdades, caso contrário, estaria ferindo de morte o cânone da isonomia formal.
Essa política abstencionista foi responsável por um extraordinário alheamento do direito em face da realidade concreta e significou o aprofundamento de desigualdades sociais, a tal ponto, que o modelo de Estado Liberal Clássico já não mais se sustentava.
Assevera o brilhante professor Paulo Bonavides:
Mas, como a igualdade a que se arrima o liberalismo é apenas formal, e encobre, na realidade, sob seu manto de abstração, um mundo de desigualdades de fato – econômicas, sociais, políticas e pessoais -, termina “a apregoada liberdade, como Bismarck já o notara, numa real liberdade de oprimir os fracos, restando a estes, afinal de contas, tão somente a liberdade de morrer de fome”.
A I Grande Guerra Mundial, no juízo de Vierkandt, abriu os olhos de muitos pensadores da escola liberal para essa triste e dolorosa verdade. [75]
E ainda:
O velho liberalismo, na estreiteza de sua formulação habitual, não pôde resolver o problema essencial de ordem econômica das vastas camadas proletárias da sociedade, e por isso entrou irremediavelmente em crise.
A liberdade política como liberdade restrita era inoperante.
Não dava nenhuma solução às contradições sociais, mormente daqueles que se achavam à margem da vida, desapossados de quase todos os bens. [76]
Toma-se consciência, portanto, a partir do primeiro pós-guerra, de que o Estado deveria atuar no sentido de promover a igualdade em uma perspectiva material. Ganha força a idéia de tratar os iguais na medida de sua igualdade e os desiguais na medida de sua desigualdade.
Assim, torna-se fértil o terreno para o advento do Estado Social, que representa, com sua política claramente intervencionista, uma mudança estrutural em relação ao antigo Estado Liberal.
Mais uma vez, imprescindível fazer menção a trecho da obra do professor Paulo Bonavides:
Façamos a seguir ligeiro confronto entre o Estado de Direito da burguesia liberal do passado e o novo Estado de Direito que tem por base primeira a igualdade. Naquele os valores fundamentais – vida, liberdade e propriedade – gravitavam, segundo Shambeck e Huber, no centro da ordem jurídica, ao passo que com o advento do Estado social os novos valores fundamentais produzidos pela sociedade industrial abrangem o pleno emprego, a segurança existencial e a conservação da força de trabalho.
Ontem – prosseguem aqueles publicistas – o Estado ameaçava os valores dominantes (vida, liberdade e propriedade). Hoje esses valores dominantes são outros; a ameaça que sobre eles pesa já não procede do Estado, mas da Sociedade e de suas estruturas injustas [...]. De tudo isso se pode inferir, conforme disse Huber, que o Estado de Direito foi um produto da Revolução burguesa enquanto o Estado social é um produto da sociedade industrial.[77]
Como decorrência das transformações operadas no corpo social, surge a necessidade de adequação do direito, e, principalmente do direito processual civil, em face dessa nova realidade.
4.1.2. As implicações do advento do Estado Social no campo do Direito Processual Civil
A sociedade industrial faz surgir novos conflitos, que, a seu turno, exigem respostas cada vez mais abstratas do judiciário, em contraposição à “certeza do direito” pretendida pelo Estado de matriz liberal.
Segundo informa Jaqueline Mielke Silva:
A sociedade industrial ampliou a complexidade sócio-econômica e política, exigindo soluções cada vez mais abstratas e flexíveis, pragmáticas e abertas. Com a transformação dos conflitos individuais em conflitos coletivos entre grupos e classes, a mediação formalizada pela ‘práxis social’ se torna problemática. Assim, o surgimento desses novos conflitos conduz à necessidade de adequação do Direito. O Direito tende a se “adaptar” e adquire situações próprias à nova situação. [78]
Observa-se, assim, que o Estado intervencionista altera as feições do Estado precedente, e é responsável por profundas transformações na compreensão da tutela jurisdicional, que agora, não mais poderia ser compreendida como uma função voltada à mera declaração de direitos, mas à sua efetiva realização.
Se antes a atividade jurisdicional era excessivamente controlada por uma legislação que pormenorizava todos os passos que deveriam ser dados pelo magistrado e que determinava quais meios seriam aptos ou não a ensejar execução, hoje, o juiz conta com a possibilidade de escolha dos meios, tendo em vista, como fim, a obtenção da efetiva prestação jurisdicional.
Sobre o tema, calha à baila destacar o seguinte trecho da obra do professor Marcelo Abelha.
É que com a substituição do Estado liberal pelo Estado Social houve mudança do comportamento do Estado-juiz, que passou a “atuar” ao invés de ficar “inerte”. Se antes a sua atuação, mesmo na execução, era milimetricamente medida, regulada, discriminada e seguia a regra da tipicidade da atividade a ser exercida, hoje a regra não é mais assim, já que, com a mudança de paradigma, o Estado Liberal cedeu espaço ao Estado Social e passou a ter um papel ativo, participativo e atuante, de forma a privilegiar o respeito e a credibilidade à jurisdição, no sentido de que o Estado deve dar a efetiva prestação da tutela jurisdicional.
[...]
Atualmente, privilegia-se a jurisdição e busca-se a credibilidade da justiça. Nesse passo, as regras processuais liberais, individuais e privatistas limitadoras da intervenção do Estado na propriedade alheia (limitação da própria atividade executiva), com definições estanques sobre o que o juiz pode e o que não pode fazer, quais os passos, quais os remédios, qual o ato presente e o respectivo ato futuro, tudo de forma a se ter um máximo de previsibilidade e objetividade possível, hoje dão lugar às interpretações razoáveis do magistrado, com ampla liberdade de escolha dos meios e fins executivos que sejam adequados a uma situação posta em juízo. [79]
Como se vê, a postura do juiz, dantes limitada à aplicação mecânica das normas jurídicas através de uma atividade de subsunção, passa, agora, a contar com alguma discricionariedade no sentido de se alcançar a efetiva realização dos direitos.
O antes inabalável dogma da segurança jurídica (e seus consectários, como a intangibilidade da vontade humana ou a intocabilidade da propriedade privada) começa a ser questionado e passa-se a reconhecer que outros valores, semelhantemente albergados pela ordem jurídica, merecem destaque, tal como a justiça, que somente poderia ser alcançada através da promoção de efetiva igualdade.
4.2. A queda do ideal de racionalidade do paradigma cientificista e o surgimento do Pós-Positivismo
4.2.1. O Direito na Modernidade
O direito moderno, construído sob os valores do Estado liberal e do paradigma racionalista, consolida-se no século XIX com o surgimento do positivismo jurídico. A dogmática volta sua atenção para o estudo da lei, considerada a expressão superior da razão, e do ordenamento jurídico, caracterizado por sua unidade, coerência e completude[80].
A interpretação jurídica limita-se a um processo de lógica formal, segundo o qual a premissa maior (o comando geral e abstrato da lei), aliada à premissa menor (fato concreto), redundaria em uma conclusão lógica, representada pela decisão judicial. O direito moderno aspira à cientificidade, objetividade, neutralidade, estatalidade e completude.
Acerca do assunto, vejamos a brilhante lição do professor Luis Roberto Barroso:
Na aplicação desse direito puro e idealizado, pontifica o Estado como árbitro imparcial. A interpretação jurídica é um processo silogístico de subsunção dos fatos à norma. O juiz – la bouche qui prononce les paroles de la loi – é um revelador de verdades abrigadas no comando geral e abstrato da lei. Refém da separação de Poderes, não lhe cabe qualquer papel criativo. Em síntese simplificadora, estas algumas das principais características do Direito na perspectiva clássica: a) caráter científico; b) emprego da lógica formal; c) pretensão de completude; d) pureza científica; e) racionalidade da lei e neutralidade do intérprete. Tudo regido por um ritual solene, que abandonou a peruca, mas conservou a tradição e o formalismo. [81]
Houve um distanciamento entre o direito (puro) e a moral. Questões como legitimidade e justiça não despertavam a atenção dos juristas, que se limitavam ao estudo das normas em vigor. O processo civil, por seu turno, foi marcado pelo distanciamento entre o direito e o fato concreto, cujas peculiaridades pareciam irrelevantes diante da abstração do processo frente a realidade material.
Frustrada, todavia, a tentativa de se criar uma ciência jurídica com características semelhantes às das ciências exatas e naturais. A razão e o método científico mostraram-se insuficientes enquanto princípios vetores da construção dessa ciência jurídica.
4.2.2. A decadência do Positivismo Jurídico
Com o decorrer do tempo o positivismo jurídico e toda herança que o acompanha passam a sujeitar-se à crítica crescente. Reconhece-se que o direito não se encontra inteiramente contido na lei, antes tida como a expressão da razão humana, fruto da vontade do parlamento, e agora vista como fruto de ajustes e contingências políticas das mais variadas ordens.[82]
Nesse sentido, destaca-se o seguinte trecho da obra de Marinoni:
Após essa fase, as casas legislativas deixam de ser o lugar da uniformidade, tornando-se o local da divergência, em que diferentes idéias acerca do direito e do Estado passam a se confrontar. Aí, evidentemente, não há mais uma vontade geral, podendo-se falar em uma “vontade política”, ou melhor, na vontade do grupo mais forte dentro do parlamento. Atualmente, porém, essa vontade política pode se confundir com a vontade do lobbies e dos grupos de pressão que habitam os bastidores do parlamento.
[...]
É evidente que, diante disso, as características da impessoalidade e da coerência da lei – sonhadas pelo positivismo clássico – deixam de existir. A vontade legislativa passa a ser a vontade dos ajustes do legislativo, determinada pelas forças de pressão. A respeito, afirma-se que a maioria legislativa é substituída, cada vez com mais freqüência, por variáveis coalizões legislativas de interesses. [83]
Em que pese o conteúdo material da produção legislativa, o positivismo jurídico adotou uma postura acrítica em relação à lei, o que representou uma verdadeira ideologia, pois segundo Barroso, serviu de “disfarce para autoritarismos de matizes variados. A ideia de que o debate acerca da justiça se encerrava quando da positivação da norma tinha um caráter legitimador da ordem estabelecida. Qualquer ordem”.[84]
Essa forma de compreender o direito preparou terreno para o surgimento de movimentos totalitaristas na primeira metade do século passado, na Europa, dentre os quais se destacam o fascismo na Itália e o nazismo na Alemanha, que sob o domínio asséptico da lei, promoveram os maiores horrores testemunhados pela história.
Sobre o tema, salienta o professor Luís Roberto Barroso que:
[...] a decadência do positivismo é emblematicamente associada à derrota do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha. Esses movimentos políticos e militares ascenderam ao poder dentro do quadro de legalidade vigente e promoveram a barbárie em nome da lei. Os principais acusados de Nuremberg invocaram o cumprimento da lei e a obediência a ordens emanadas da autoridade competente. Ao fim da Segunda Guerra Mundial, a idéia de um ordenamento jurídico indiferente a valores éticos e da lei como um estrutura meramente formal, uma embalagem para qualquer produto, já não tinha mais aceitação no pensamento esclarecido. [85]
Das lições de Barroso tem-se que a derrota dos movimentos fascista e nazista, ao fim da segunda guerra mundial, simbolizou o início do processo de decadência do positivismo jurídico e do ideal de racionalidade nele contido. Não mais se podia conceber a lei como uma estrutura apta a abrigar qualquer conteúdo, nem aceitar a idéia de um ordenamento alheio a valores éticos.
4.2.3. Sociedade no Segundo Pós-Guerra
A contar da primeira metade do século XX, com o encerramento da segunda grande guerra e a derrota histórica do positivismo, a sociedade passa a ser regida por novos conceitos.
Ao mesmo tempo em que o progresso material do mundo contemporâneo torna-se absolutamente impressionante, com descobertas e inovações tecnológicas nunca antes imaginadas, grande parcela da população simplesmente permanece no mais avançado estágio de miserabilidade e abandono.[86]
O desenvolvimento da sociedade industrial determina o crescimento das classes médias urbanas, e com elas, como salienta Jaqueline Mielke Silva, a “estrela e vilã de nosso século: a cultura de massa, produção cultural destinada aos grandes grupos de consumidores, simples e estereotipada, com objetivos claros e definidos”.[87]
Surge a fase pós industrial, trazendo consigo, sobretudo, o desenvolvimento das tecnologias de informação, a permitir inovações nos mais diversos setores da produção, além de técnicas de organização produtiva e empresarial. Os processos comunicativos se desenvolvem. O tempo e as distâncias parecem sofrer um redimensionamento.[88]
A globalização torna-se, cada vez mais, intensa. A sociedade, com características próprias da modernidade, passa por profundas transformações, as quais colocam em xeque o ideal de racionalidade inaugurado pelo movimento iluminista.[89]
Surge a pós-modernidade.
Neste ponto, imperiosa a transcrição de trecho da obra de Willis Santiago Guerra Filho:
Na segunda metade do século em curso, estaríamos vivendo na pós-modernidade, devido ao modo radicalmente diverso como se organiza, econômica e politicamente, a sociedade egressa da modernidade, como uma correlata mudança no conjunto de crenças e pressuposições que formam a mentalidade dos que compõem, bem como pela natureza dos problemas que nela se apresentam. Tem-se a falência da idéia de que o conhecimento científico forneceria ao sujeito a verdade sobre os objetos que se colocavam diante dele. Há uma revalorização de formas pré-modernas, como a retórica, enquanto doutrina do discurso razoável e persuasivo e da hermenêutica, com seu intuito de compreender mais do que explicar, como também o surgimento de novas formas de pensar, como a interdisciplinaridade, a postura científica crítica e as investigações psicoanalíticas. Pós-modernidade, pós-positivismo e o Direito como Filosofia. [90]
A sociedade transformou-se, porém, a teoria jurídica da modernidade, fortemente atrelada ao pressuposto teórico e epistemológico do normativismo, não se adequou aos novos tempos.
Nesse sentido, destaca-se passagem da obra de Leonel Severo Rocha:
[...] quando se ingressa numa nova forma de sociedade globalizada, que também poderia se denominar transnacionalizada, ou pós-moderna, o problema é o fato de que qualquer perspectiva mais racionalista ligada ao normativismo e ao Estado se torna extremamente limitada. Não se pode, assim, continuar mantendo uma noção de racionalidade no Direito ao insistir no ideal kelseniano. [91]
Como afirma Jaqueline Mielke Silva, “não se trata apenas de uma deficiência em sua estrutura tradicional, mas uma crise da integração de seus pressupostos dogmáticos para funcionarem dentro da globalização”.[92]
Abre-se, assim, espaço para uma série de reflexões acerca do direito, sua função social e sua interpretação, cujos principais temas são a normatividade dos princípios, a ponderação de interesses, a teoria da argumentação e a subordinação da lei à Constituição e aos direitos fundamentais, conjunto este de reflexões denominado de Pós-Positivismo.[93]
4.3. Pós-Positivismo e Processo Civil
4.3.1. O Pós-Positivismo e a eficácia interpretativa dos princípios constitucionais
O movimento pós-positivista representa o desenvolvimento de um esforço teórico para transformar a avançada discussão filosófica acerca dos princípios, da supremacia dos direitos fundamentais e de uma necessária reaproximação entre direito e ética, em instrumental técnico capaz de ingressar na dogmática jurídica e na prática jurisprudencial, obtendo-se, assim, efeitos sobre a realidade concreta[94].
Os princípios, hodiernamente, ao lado das regras, são reconhecidos como normas jurídicas, não mais como meras fontes de integração, como nos termos do art. 4º, da Lei de Introdução ao Código Civil, os quais somente atuariam quando a lei restasse omissa. Os princípios deixam de exercer uma função subsidiária e passam a ocupar o centro do sistema.
A respeito do tema, leciona o professor Paulo Bonavides:
O ponto central da grande transformação por que passam os princípios reside, em rigor, no caráter e no lugar de sua normatividade, depois que esta, inconcussamente proclamada e reconhecida pela doutrina mais moderna, salta dos Códigos, onde os princípios eram fontes de mero teor supletório, para as Constituições, onde em nossos dias se convertem em fundamento de toda ordem jurídica, na qualidade de princípios constitucionais. [95]
Adota-se, ao contrário da distinção fundada no critério da generalidade, uma distinção qualitativa ou estrutural entre regras e princípios.[96]
Os princípios devem ser aplicados na maior medida possível, através de concessões obtidas pela técnica da ponderação de valores, ao passo que as regras, aplicadas pelo modelo tradicional da subsunção, incidem ou não sobre determinado suporte fático.
Sobre a diferenciação estabelecida entre princípios e regras, calha à baila destacar o seguinte trecho da obra de Robert Alexy:
El punto decisivo para la distinción entre reglas y principios es que los principios son normas que ordenam que algo sea realizado em la mayor medida possible, dentro das possibilidades jurídicas y reales existentes. Por lo tanto, los princípios son mandados de optimización, que están caracterizados por el hecho de que pueden ser cumplidos em diferente grado y que la medida debida de su cumplimiento no solo depene de las possibilidades reales sino también de las jurídicas. El ámbito de las possibilidades jurídicas es determinado por los princípios y reglas opuestos.
En cambio, las reglas son normas que solo pueden ser cumplidas o no. Si uma regla es válida, entonces de hacerse exactamente lo que ella exige, ni más ni menos. Por lo tanto, las reglas contienen determinaciones em el ámbito de lo fáctica y jurídicamente posible. Esto significa que la diferencia entre reglas y principios es cualitativa y no de grado. Toda norma es o bien uma regla o un principio. [97]
Na época do positivismo legalista, a concepção acerca dos princípios era absolutamente distinta, vez que as normas jurídicas limitavam-se às regras contidas nos grandes códigos. Contudo, com o surgimento do movimento pós-positivista – neoconstitucionalismo –, estes opulentos documentos legislativos perderam sua supremacia em face da Constituição, não mais considerada simplesmente a “lei maior” dos Estados Liberais.
Pelo contrário, a Constituição, segundo salientam Luis Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos, “passa a ser encarada como um sistema aberto de princípios e regras, permeável a valores jurídicos suprapositivos, no qual as ideias de justiça e de realização dos direitos fundamentais desempenham um papel central”.[98]
Conforme escreve Paulo Bonavides:
As Constituições fazem no século XX o que os Códigos fizeram no século XIX: uma espécie de positivação do Direito Natural, não pela via racionalizadora da lei, enquanto expressão da vontade geral, mas por meio dos princípios gerais, incorporados na ordem jurídica constitucional, onde lograram valoração normativa suprema, ou seja, adquirem a qualidade de instância juspublicística primária, sede de todas as intermediações doutrinárias entre o Estado e a sociedade.
Os princípios baixaram primeiro das alturas montanhosas e metafísicas de suas primeiras formulações filosóficas para a planície normativa do Direito Civil. Transitando daí para as Constituições, noutro largo, subiram ao degrau mais alto da hierarquia normativa.[99]
A lei, cuja validade à época do positivismo clássico dependia exclusivamente da legitimidade de sua fonte de produção, passa, agora, a subordinar-se à Constituição e aos direitos fundamentais nela contidos, implícita ou explicitamente, pois, conforme demonstra Marinoni, “a própria história se encarregou de mostrar as arbitrariedades, brutalidades e discriminações procedidas por leis formalmente perfeitas”.[100]
Neste momento, torna-se imperioso destacar a brilhante lição de Luis Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos:
O modelo tradicional, como já mencionado, foi concebido para a interpretação e aplicação de regras. É bem de ver, no entanto, que o sistema jurídico ideal se consubstancia em uma distribuição equilibrada de regras e princípios, nos quais as regras desempenham o papel referente à segurança jurídica – previsibilidade e objetividade das condutas – e os princípios, com sua flexibilidade, dão margem à realização da justiça do caso concreto. [101]
O elemento ético, portanto, (re)ingressa definitivamente na ordem jurídica e produz uma verdadeira transformação no princípio da legalidade. A partir de então, a atividade jurisdicional não mais poderia ser compreendida como uma função voltada à atuação da vontade concreta da lei.
Nessa esteira, ensina Luiz Guilherme Marinoni:
Mas, se essa nova concepção de direito ainda exige que se fale em princípio da legalidade, restou necessário dar-lhe uma nova configuração, compreendendo-se que, se antes esse princípio era visto em uma dimensão formal, agora ele tem conteúdo substancial, pois requer a conformação da lei com a Constituição e, especialmente, com os direitos fundamentais.
Por isso não há mais qualquer legitimidade na velha idéia de jurisdição voltada à atuação da lei; não é possível esquecer que o judiciário deve compreendê-la e interpretá-la a partir dos princípios constitucionais de justiça e dos direitos fundamentais. [102]
Desta feita, é bem de ver que trata Marinoni da eficácia interpretativa dos princípios e direitos fundamentais, mediante a qual se pode exigir do Poder Judiciário que as normas hierarquicamente inferiores sejam interpretadas à luz dos valores constitucionalmente consagrados, de modo que o intérprete adote no caso concreto a exegese que melhor realiza o princípio constitucional pertinente.
4.3.2. O Princípio da Efetividade da tutela jurisdicional
Atualmente, a doutrina processual tem reconhecido que o princípio da inafastabilidade da jurisdição (direito de ação), consagrado pelo art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal brasileira, significa, na verdade, o princípio da efetividade da tutela jurisdicional, do qual decorre o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.
Desenvolveu-se, ao longo dos séculos XIX e XX, larga discussão doutrinária acerca da natureza do direito de ação, a qual contribuiu decisivamente para o nascimento de uma ciência processual completamente despreocupada com a realização do direito material. A tentativa de construir um conceito abstrato de ação, livre de qualquer ligação com o direito material, representou, claramente, a influência dos valores liberais e do pressuposto teórico do racionalismo.
Segundo a autora Márcia Zollinger:
[...] a tentativa dos processualistas em apartar a ação processual do direito material e construir um conceito abstrato de ação processual estava ligada ao pressuposto ideológico do racionalismo científico, bem como estava inserida no contexto histórico do liberalismo capitalista do séc. XIX europeu.
O direito de ação – abstrato e autônomo em relação ao direito material – era, nessa época, tido apenas como o direito formal de acesso aos tribunais, em consonância com a postura passiva assumida pelo Estado Liberal, que apenas obrigava-se a abster-se de impedir ou obstaculizar a propositura da demanda, mas não assumia nenhum compromisso em promover efetivamente o acesso à justiça. [103]
Vê-se, portanto, que o direito de ação enquanto categoria formal, abstrata e autônoma se coaduna perfeitamente com a universalização da prestação da tutela jurisdicional através de um procedimento ordinário declaratório e de cognição plenária, pois não importavam a natureza do direito material vindicado ou a posição social dos litigantes.[104]
Nesse sentido, vale destacar a obra do professor Ovídio Baptista:
A construção teórica da “ação” processual, como dispositivo indispensável à formação da relação processual, por impulso da parte, considerada como uma categoria abstrata, na medida em que é atribuída indistintamente a todos os interessados, independentemente de terem eles realmente o direito alegado no processo, correspondeu à universalização do procedimento ordinário, com uma singular conotação, aceita, com naturalidade pela doutrina, como se o fenômeno estivesse determinado racionalmente ou decorresse naturalmente das coisas: o entendimento de que, sendo ordinário o procedimento, a demanda (substancialmente considerada) haveria de ser plenária.[105]
A completa autonomia do direito processual, e, em termos mais específicos, do direito formal de ação, como não poderia ser diferente, significou um profundo distanciamento do processo frente ao direito material e a realidade social.
Contudo, a partir do surgimento do pós-positivismo e de uma necessária reaproximação entre ética e direito, ganha força o movimento de instrumentalidade processual, segundo o qual a existência do processo está jungida ao alcance dos fins para os quais ele foi instituído.
Como afirma Cândido Rangel Dinamarco, em festejada obra sobre o tema, “a visão puramente técnica do processo e tradicional descaso (mais do que repúdio) às suas projeções éticas pode-se dizer completamente superada”.[106]
Conceber o processo como instrumento de realização de direitos, significa, antes, reconhecer a eficácia interpretativa do princípio constitucional da efetividade da tutela jurisdicional como forma de moldar os institutos do direito processual civil para que sirvam o direito substancial.
Segundo Dinamarco:
A tutela constitucional do processo tem o significado e escopo de assegurar a conformação dos institutos do direito processual e o seu funcionamento aos princípios que descendem da própria ordem constitucional.
[...]
A força das tendências metodológicas do direito processual civil na atualidade dirige-se com grande intensidade para a efetividade do processo, a qual constitui expressão resumida da idéia de que o processo deve ser apto a cumprir integralmente toda sua função sócio-político-jurídica, atingindo em toda plenitude os seus escopos institucionais.[107]
Conforme salienta Jaqueline Mielke Silva[108], não se trata de “desprocessualizar” a ordem jurídica, mas sim, de desmistificar as regras, critérios, princípios e o próprio sistema, para que se possa alcançar uma compreensão histórica e ideológica dos institutos processuais, e, assim, adequá-los para a plena realização de direitos. Afinal, o direito processual civil não pode se limitar à autonomia científica e suas figuras jurídicas abstratas.
Sobre as relações entre Constituição, processo e efetividade, importa destacar o seguinte trecho da obra de José Alfredo de Oliveira Baracho:
No exame científico da relação entre Constituição e Processo, que tem gerado expressões como processo constitucional ou Direito Processual Constitucional, destaca-se a Teoria geral do processo, pela sua importância na formulação teórica do assunto. Admite-se que o direito processual tem linhagem constitucional, circunstância que dá maior significação à proteção efetiva dos direitos processuais, em todas as instâncias. As apreciações sobre as instituições essenciais do direito processual civil levam à compreensão de sua importância para a concretização dos direitos fundamentais.
[...]
O direito de ação consolida-se na compreensão de que todas as pessoas têm de obter a tutela efetiva dos juízes e tribunais, na concretização e exercício de seus direitos e interesses legítimos.[109]
Desta forma, não se pode admitir que o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional proporcione aos indivíduos tão somente um direito à sentença simplesmente, ou seja, é inconcebível que um direito fundamental seja completamente esvaziado em seu conteúdo e se realize unicamente em seu aspecto formal.
Quando o Estado proibiu a autotutela e assumiu o monopólio da jurisdição, comprometeu-se a prestar a tutela jurisdicional na medida mais coincidente possível àquela que teria o jurisdicionado caso não precisasse se valer do processo judicial.
Cumpre destacar a posição de Luiz Guilherme Marinoni a respeito do direito à tutela jurisdicional efetiva:
Tal direito não poderia deixar de se pensado como fundamental, uma vez que o direito à prestação jurisdicional efetiva é decorrência da própria existência dos direitos e, assim, a contrapartida da proibição da autotutela. O direito à prestação jurisdicional é fundamental para a própria efetividade dos direitos, uma vez que esses últimos, diante das situações de ameaça ou agressão, sempre restam na dependência da sua plena realização. Não é por outro motivo que o direito à prestação jurisdicional efetiva já foi proclamado como o mais importante dos direitos, exatamente por constituir o direito a fazer valer os próprios direitos. [110]
Não é exagero, portanto, dizer que se trata do mais fundamental de todos os direitos[111], pois através da efetiva prestação jurisdicional é que estes mesmos direitos, sobretudo os fundamentais, podem ser concretamente realizados quando no mundo da vida sua implementação é obstaculizada.
Do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva decorre, necessariamente, o direito à tutela jurisdicional executiva.
Segundo ressalta o ministro Teori Albino Zavascki, o direito à tutela executiva “é inerente e complemento necessário do direito de ação. Tutela jurisdicional que se limitasse à cognição, sem as medidas complementares necessárias para ajustar os fatos ao direito declarado na sentença, seria tutela incompleta”.[112]
No mesmo sentido, vale destacar mais uma vez as lições de Luiz Guilherme Marinoni:
A ação é exercida e, portanto, desenvolve-se com o objetivo de permitir o julgamento do mérito (do pedido), e, no caso de reconheci9mento do direito material, ainda se mantém presente para exigir que os meios executivos da sentença de procedência propiciem a efetividade da tutela do direito material.
[...]
Assim, a sentença (compreendida como medida processual) e a execução adequada são óbvios corolários do direito de ação, impondo a conclusão de que o direito de ação, muito mais do que o direito ao julgamento do pedido, é o direito à efetiva tutela jurisdicional. Isso porque, por efetiva tutela jurisdicional, deve-se entender a efetiva proteção do direito material, para a qual são imprescindíveis a sentença e o meio executivo adequados.[113]
A jurisdição, portanto, não mais pode ser compreendida à luz dos valores liberais e do paradigma cientificista, voltando-se, assim, à mera declaração de direitos. Pelo contrário, a jurisdição deve atuar dentro dos moldes determinados pelos princípios constitucionais, e, deste modo, proporcionar efetividade aos direitos substanciais.
Na esteira dessa compreensão, menciona-se, apenas a título exemplificativo, as reformas introduzidas no revogado Código de Processo Civil brasileiro de 1973, a partir da década de 90, as quais promoveram o sincretismo processual, com a compreensão do momento executivo como fase do processo, e não mais necessariamente como processo autônomo, e a universalização da antecipação de tutela, que passou a admitir, de maneira ampla, a realização de atividade executiva no bojo do processo de conhecimento.
Ademais, o novo Código de Processo Civil de 2015 passou a prever um título específico, denominado “das normas fundamentais e da aplicação das normas processuais”, no qual há expressa previsão no sentido de que o processo civil será interpretado conforme os valores e normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República (art. 1º) e de que é direito das partes a solução integral do mérito, nele incluída a atividade satisfativa (art. 4º).
5. CONCLUSÃO
O Estado Liberal existia para garantir a liberdade dos cidadãos; qualquer interferência na esfera jurídica privada deveria ser meticulosamente regulada por lei. Nesse contexto, ganha força o princípio da legalidade formal, cuja aplicação dispensava qualquer atividade interpretativa do juiz, mero aplicador das normas legais.
A estrita observância das leis é que garantiria a igualdade, mas estritamente sob a perspectiva formal, vez que a aplicação cega da legislação produziria ainda mais desigualdade quando não observadas as diferentes posições sociais dos cidadãos.
O processo civil brasileiro, construído sobre as bases deste Estado Liberal, passa a sofrer as consequências desta rígida delimitação dos poderes estatais de intervenção.
De outro giro, a construção teórica que deu contornos “científicos” ao direito processual civil, desenvolvida no interior do paradigma cientificista – racionalismo científico e, mais à frente, positivismo clássico –, acabou por distanciar o processo da realidade social, tornando-o um sistema fechado, regido por seus próprios conceitos, esquecendo-se que sua precípua função é realizar o direito material.
A Escola Sistemática corporifica essa concepção cientificista. Embora responsável por notáveis avanços no campo do direito processual civil, elaborou uma doutrina excessivamente preocupada em abstrair a noção de processo dos direitos materiais.
A declaração do direito passa a ser a principal tarefa do juiz, que passa a se valer da tradicional classificação trinária das sentenças para tanto: sentenças declaratórias, sentenças constitutivas e sentenças condenatórias, das quais, somente estas dariam ensejo à atuação do Estado na realização do direito do futuro exeqüente.
A tutela meramente declaratória, portanto, é aquela que melhor demonstra os anseios liberais. Caracteriza-se como um provimento judicial destituído de qualquer meio de atuação sobre a vontade do vencido para fazê-lo adimplir a obrigação devidamente reconhecida pelo Juiz.
Desta forma, o Estado tão somente declara algo sobre uma determinada relação jurídica, construída a partir da autonomia das vontades, garantindo que a esfera privada seja resguardada da atuação estatal.
Trata-se de uma construção doutrinária descomprometida com a efetiva realização dos direitos materiais.
Todavia, com o advento do Estado Social e a queda do ideal de racionalidade do paradigma cientificista, abre-se espaço para uma série de reflexões acerca do direito, sua função social e sua interpretação, cujos principais temas são a normatividade dos princípios, a ponderação de interesses, a teoria da argumentação e a subordinação da lei à Constituição e aos direitos fundamentais, conjunto este de reflexões denominado de pós-positivismo.
O pós-positivismo representa o desenvolvimento de um esforço teórico para transformar a avançada discussão filosófica acerca dos princípios, da supremacia dos direitos fundamentais e de uma necessária reaproximação entre direito e ética, em instrumental técnico capaz de ingressar na dogmática jurídica e na prática jurisprudencial, obtendo-se, assim, efeitos sobre a realidade concreta.
A partir de então, a atividade jurisdicional é compreendida de outro modo e a doutrina passa a reconhecer a existência de um direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva decorrente do princípio da inafastabilidade da jurisdição (direito de ação).
Não se pode admitir que o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional proporcione aos indivíduos tão somente um direito à sentença simplesmente, ou seja, é inconcebível que um direito fundamental seja completamente esvaziado em seu conteúdo e se realize unicamente em seu aspecto formal.
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[1] Luís Roberto Barroso tece os seguintes comentários sobre o tema: “O termo jusnaturalismo identifica uma das principais correntes filosóficas que tem acompanhado o Direito ao longo dos séculos, fundada na existência de um direito natural. Sua idéia básica consiste no reconhecimento de que há, na sociedade, um conjunto de valores e de pretensões humanas legítimas que não decorrem de uma norma jurídica emanada do Estado, isto é, independem do direito positivo. Esse direito natural tem validade em si, legitimado por uma ética superior, e estabelece limites à própria norma estatal”. Cf. BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo Direito Constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3. ed. rev. Rio de Janeiro: Renovar, [2003]. p. 18-19).
[2] BARROSO, op. cit., p. 20-21.
[3] BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 40.
[4] MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil: teoria geral do processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. v. 1.p. 24.
[5] MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, baron de la Brède et de. Do Espírito das Leis. São Paulo: Martin Claret, 2002. p. 167-168.
[6] Ibid., p. 169-172.
[7] MARINONI, op.cit, p. 26.
[8] Thomas Hobbes apud SILVA, Ovídio A. Baptista da. Processo e Ideologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 76.
[9] SILVA, op. cit., p. 92.
[10] MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 40.
[11] RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de Execução Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. p. 8-9.
[12] O valor da segurança jurídica pode ser claramente observado em Montesquieu (op. cit., p. 166), na seguinte passagem: “A liberdade política, em um cidadão, é essa tranqüilidade de espírito que decorre da opinião que cada um tem de sua segurança; e para que se tenha essa liberdade, cumpre que o governo seja de tal modo que um cidadão não possa temer outro cidadão”. Logo à frente, demonstrar-se-á que a idéia de liberdade política está diretamente ligada à certeza do direito, e, consequentemente, à segurança jurídica.
[13] RODRIGUES, op. cit., p. 23.
[14] MARINONI, op. cit., p. 28.
[15] ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Moderna, 1993. p. 103.
[16] Ibid., p. 103-104.
[17] SILVA, Jaqueline Mielke. O Direito Processual Civil como instrumento de realização de Direitos. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2005. p. 32.
[18] Ibid., p. 33.
[19] DESCARTES, René. Discurso do Método. Regras para a Direção do Espírito. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2004. p. 31-32.
[20] ARANHA; MARTINS, op. cit., p. 105.
[21] SILVA, Ovídio A. Baptista da. Processo e Ideologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 83.
[22] Gottfried Wilhelm Leibniz apud SILVA, 2006, p. 78.
[23] Esse distanciamento traria trágicas consequências para o direito, notadamente para o direito processual, que é aquele mais próximo da realidade fática, pois é através do processo que a norma abstrata é problematizada e o direito concretamente realizado. Cf. ZOLLINGER, Márcia Brandão. Proteção Processual aos Direitos Fundamentais. Salvador: Juspodivm, 2006. p. 141.
[24] SILVA, 2006, p. 1 e 69.
[25] SILVA, Ovídio A. Baptista da. Jurisdição e Execução na Tradição Romano-Canônica. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 99.
[26] Ibid. p. 88.
[27] BARROSO, op. cit., p. 23.
[28] COMTE, Augusto. Discurso sobre o Espírito Positivo. São Paulo: Abril Cultura, 1976. v. 13. (Os pensadores: textos escolhidos). p. 54.
[29] COMTE, op. cit., p. 54-55.
[30] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 215.
[31] TORRES, Ana Paula Repolês. Uma análise Epistemológica da Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen, Revista CEJ, Brasília, ano 10, n. 33, p. 72-77, abr./jun. 2006. p. 73.
[32] BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10. ed. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1999. p. 119.
[33] Ibid., p. 115.
[34] MARINONI, 2006, p. 30.
[35] Ibid.
[36] MARINONI, 2006, p. 33.
[37] MARINONI, 2004, p. 53.
[38] Ibid., p. 53-54.
[39] MARINONI, 2004, p. 54.
[40] ZOLLINGER, op. cit., p. 148.
[41] SILVA, 2006, p. 1.
[42] Vale ressaltar que nessa passagem, quando os autores referem-se ao século passado, na verdade, referem-se ao século XIX.
[43] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.p. 126.
[44] CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, op. cit., p. 126-127.
[45] SILVA, Ovídio A. Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria Geral do Processo. 3. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 62.
[46] MARINONI, 2006, p. 33-35.
[47] SILVA;GOMES, op. cit., p. 62.
[48] CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Trad. J. Guimarães Menegale. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1969. v. 1.p. 174.
[49] MARINONI, 2006, p. 35-39.
[50] SILVA; GOMES, op. cit., p. 67.
[51] MARINONI, 2006, p. 39.
[52] MARINONI, 2004, p. 38.
[53] Ibid., p. 39.
[54] Ibid., p. 54.
[55] MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento. 25. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 4.
[56] ZOLLINGER, op. cit., p. 148.
[57] SILVA, 2007, p. 11.
[58] Sobre o tema da plenariedade, vide SILVA, 2006, p. 151-164.
[59] SILVA, 2006, p. 200.
[60] MARINONI, 2004, p. 39.
[61] Ibid., p. 44-45.
[62] SILVA, 2006, p. 131.
[63] MARINONI, 2004, p. 57-63.
[64] Ibid., p. 37.
[65] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 41. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. 1. p. 475.
[66] CHIOVENDA, op. cit., p. 183.
[67] Ibid., p. 208.
[68] THEODORO JÚNIOR, op. cit., p. 476.
[69] CHIOVENDA, op. cit., p. 185.
[70] MARINONI, 2004, p. 47.
[71] CHIOVENDA, op. cit., p. 309.
[72] SILVA, 2005, p. 342 e 344.
[73] MARINONI, 2004, p. 64.
[74] ARANHA; MARTINS, op. cit., p. 10.
[75] BONAVIDES, op. cit., p. 61.
[76] BONAVIDES, op. cit., p. 188.
[77] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 346-347.
[78] SILVA, 2005, p. 342 e 344.
[79] RODRIGUES, op. cit., p. 9.
[80] BARROSO, op. cit., p. 12.
[81] Ibid., p.12-13.
[82] BARROSO, op. cit., p. 14.
[83] MARINONI, 2006, p. 41-42.
[84] Ibid., p. 26.
[85] BARROSO, op. cit., p. 26.
[86] SILVA, 2005, p. 37.
[87] Ibid., p. 37-38.
[88] SILVA, 2005, p. 41.
[89] Ibid., p. 39 e 41.
[90] Willis Santiago Guerra Filho apud SILVA, 2005, p. 43-44.
[91] Leonel Severo Rocha apud SILVA, 2005, p. 44-45.
[92] SILVA, op. cit., p. 45.
[93] BARROSO, op. cit., p. 26-27.
[94] BARROSO; BARCELLOS, op. cit., p. 336-337.
[95] BONAVIDES, 2001, p. 260.
[96] BARROSO; BARCELLOS, op. cit., p. 337-338.
[97] ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Trad. Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997. p. 86-87.
[98] BARROSO; BARCELLOS, op. cit., p. 338.
[99] BONAVIDES, 2001, p. 264.
[100] MARINONI, 2006, p. 43.
[101] BARROSO; BARCELLOS, op. cit., p. 339-340.
[102] MARINONI, op. cit., p. 44.
[103] ZOLLINGER, op. cit., p. 122.
[104] Ibid., p. 123.
[105] SILVA, 2007, p. 146.
[106] DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 9. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 226.
[107] Ibid., p. 25 e 271.
[108] SILVA, 2005, p. 314.
[109] BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Direito Processual Constitucional: aspectos contemporâneos. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2006. p. 14.
[110] MARINONI, 2004, p. 184-185.
[111] Ibid., p. 205.
[112] ZAVASCKI, Teori Albino. Sentenças declaratórias, sentenças condenatórias e eficácia executiva dos julgados. In: DIDIER JR, Fredie (Org.). Leituras complementares de processo civil. 5. ed. rev. e atual. Salvador: Juspodivm, 2007.
[113] MARINONI, 2006, p. 216-217.
Formado em Direito pela Universidade Federal do Maranhão e Especialista em Direito Constitucional pela Faculdade Internacional Signorelli. Atualmente sou Analista Judiciário (Área Judiciária), lotado na Seção Judiciária do Estado do Maranhão, em São Luís/MA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MONTEIRO, Augusto Batalha. Análise dos valores que moldaram a formação do processo civil brasileiro e a mudança de paradigmas que possibilitaram a compreensão do processo como instrumento de realização de direitos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 ago 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47252/analise-dos-valores-que-moldaram-a-formacao-do-processo-civil-brasileiro-e-a-mudanca-de-paradigmas-que-possibilitaram-a-compreensao-do-processo-como-instrumento-de-realizacao-de-direitos. Acesso em: 22 nov 2024.
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