RESUMO: O presente trabalho visa apresentar as principais prerrogativas a que está submetido o Poder Público quando litiga em juízo, abordando o conceito de Fazenda Pública e as especificidades da tutela antecipada em demandas envolvendo entes públicos.
1. INTRODUÇÃO
As pessoas jurídicas de direito público, ou seja, os entes da administração direta (União, Estados, DF e Municípios), autarquias e fundações compõem o conceito de Poder Público ou Fazenda Pública. As agências reguladoras e executivas, por terem natureza jurídica de autarquia, também estão abrangidas por este conceito. Todas estas pessoas gozam de prerrogativas especiais quando litigam em juízo que serão aqui abordadas.
As sociedades de economia mista e empresas públicas, por sua vez, não ostentam a qualificação de fazenda pública, pois não podem gozar de prerrogativas não inerentes à iniciativa privada, sob pena de concorrência desleal. A exceção é a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, a qual está inserida no conceito de fazenda pública, segundo os Tribunais Superiores. Isso ocorre porque exerce serviço público relevante (serviço postal), que é monopólio da União, não podendo ser delegado. Ressalte-se que, ainda que exerça atividade econômica a par do serviço postal, a ECT gozará das prerrogativas inerentes à fazenda pública no tocante a esta atividade, como a imunidade tributária, pois os valores daí decorrentes serão revertidos para o custeio do serviço postal, que não é auto-sustentável, fenômeno conhecido por ‘financiamento cruzado’.
2. DESENVOLVIMENTO
Inicialmente, urge destacar como se dá a representação judicial da Fazenda Pública. No âmbito federal, é feita pela Advocadia-Geral da União, que representa judicial e extrajudicialmente a União, compreendendo os 3 poderes e presta consultoria e assessoramento unicamente ao Poder Executivo. No âmbito estadual e municipal, são as procuradorias estaduais e municipais, porém o município pode ser representado judicialmente por seu prefeito. A Procuradoria da Fazenda Nacional é responsável pela cobrança da dívida ativa da União, mas não se trata de atribuição exclusiva da carreira, que pode, portanto, ser delegada. A Procuradoria Geral Federal (PGF) representa as autarquias e fundações e sua relação com a AGU é de vinculação e não de subordinação.
As principais prerrogativas da Fazenda Pública
A Fazenda Pública goza do benefício da contagem de prazo em dobro para recorrer e em quádruplo para contestar, da isenção do pagamento de preparo nos recursos e do depósito prévio na ação rescisória e, nas ações em que for vencida, da prerrogativa de pagar as custas e emolumentos ao final da demanda. Ainda, algumas sentenças proferidas contra a Fazenda devem ser submetidas ao reexame necessário e existe uma forma especial de intervenção de terceiros prevista exclusivamente para o Poder Público.
Tema relevante diz respeito ao depósito prévio da multa referente ao agravo regimental manifestamente infudado ou inadmissível (art. 557, §2º, CPV/73). Após grande divergência doutrinária e jurisprudencial, o Superior Tribunal de Justiça (out/2014 - AgRg no AREsp 553.788-DF: info 551) pacificou o tema entendo que tal multa se aplica também à Fazenda Pública como requisito de admissibilidade de outros recursos. Entendeu o Tribunal que o art. 1-A da lei 9494/97, que diz que a interposição de recursos pelo poder público não fica condicionada a depósito prévio, não se aplica à situação da multa prevista no §2º do art. 557 do CPC/73, que tem natureza sancionatória, diversa, portanto, da natureza do depósito de que trata a lei 9494/97.
No tocante à prerrogativa de prazo, o Supremo Tribunal Federal tinha o entendimento de que ela só se aplicava aos processos subjetivos de controle de constitucionalidade - controle difuso - não se aplicando no controle concreto. Em maio de 2014, contudo, a Corte reconheceu o direito à prerrogativa de prazo em caso de Recurso Extraordinário interposto de representação de inconstitucionalidade estadual. Argumentou o relator Min. Dias Toffoli que não há razão para que a Fazenda Pública tenha o benefício de prazo no controle difuso e não tenha no controle concentrado. (ARE 661288-SP, info 745). Essa decisão, no entanto, foi tomada por uma Turma e não pelo Plenário.
Quanto à intervenção anômala, têm-se que o Código de Processo Civil só admite a intervenção de terceiros fundada em interesse jurídico, o Poder Público, no entanto, pode intervir em causas que lhe acarretem reflexos econômicos, ainda que indiretos, independentemente da demonstração de interesse jurídico. Também qualquer ente da administração direta pode intervir em causas que figurarem, como autores ou réus, entes da administração indireta da sua esfera de poder. Essa intervenção especial está prevista no art. 5º e § único da Lei 9469/97 e cabe em qualquer procedimento, inclusive executivo, salvo nos Juizados Especiais.
A natureza jurídica desta intervenção, contudo, gera controvérsias. Parte da doutrina entende se tratar de uma intervenção anômala (Didier) e alguns, inclusive, atribuem à Fazenda Pública, nessa condição, a qualidade de amicus curiae (Scarpinella Bueno). Já o Superior Tribunal de Justiça entende se tratar de assistência simples, pois a Fazenda receberá o processo no estado em que se encontrar.
Certo é que sua finalidade é esclarecer questões de fato e de direito, de modo que a Fazenda pode juntar documentos e memoriais, mas não pode efetuar requerimentos e praticar atos inerentes ao direito de ação, como contestar, reconvir, etc. No entanto, sobrevindo sentença, a Fazenda pode recorrer, e, nesse caso, será considerada parte e a causa deverá ser deslocada para a Justiça Federal, caso seja a União a interveniente, cabendo à Justila Fedeferal verificar a existência do reflexo econômico motivador do ato.
A tutela antecipada contra o Poder Público
Existem algumas restrições à concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública. Não pode ser concedida liminar cujo objeto seja a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza. Essas restrições estão previstas na lei do mandado de segurança, enquanto a lei 8437/92 aduz que elas se aplicam também no caso de medidas cautelares.
A tutela antecipada também não pode ser concedida no primeiro grau quando o ato impugnado for de autoridade com prerrogativa de foro no mandado de segurança, salvo nos casos de ação popular e ação civil pública, a fim de não burlar as regras de competência previstas na Constituição Federal. Ainda, não é cabível liminar para deferir a compensação de créditos tributários ou previdenciários, nem que esgote o objeto da ação. Esta última restrição, no entanto, deve ser relativizada nos casos em que a não concessão da liminar possa levar ao perecimento do direito do autor. Por fim, existem ações em que a liminar só pode ser concedida após a oitiva da Fazenda Pública, como é o caso das ações possessórias, em que o prazo é fixado pelo juiz, e do mandado de segurança coletivo, em que o prazo é de 72hrs.
As restrições quanto à concessão de tutela antecipada também se aplicam às situações de concessão de tutela específica liminarmente. Fora dessas situações, não há nenhuma restrição especial à concessão de tutela específica contra o Poder Público. As determinações de obrigações de fazer, não fazer e entregar não se submetem ao regime de precatórios, e, se concedidas liminarmente, não se submetem ao reexame necessário. Assim, o fornecimento de medicamentos, a realização de cirurgias, a reserva de vagas em escolas públicas, por exemplo, são situações que podem ser exigidas e cumpridas imediatamente.
3. CONCLUSÃO
Nem todos os entes da administração pública estão abrangidos pelo conceito de Fazenda Público, visto o regime misto especial a que se submetem as empresas públicas e sociedades de economia mista, entes da administração indireta.
Aqueles que compoem o chamado Poder Público, no entanto, gozam de prerrogativas especiais quando litigam em juízo, tais como a prerrogativa de prazo, o reexame necessário e a previsão de uma intervenção especial, que não exige interesse jurídico. Tais prerrogativas são pautadas na supremacia no interesse público e no princípio da eficiência, uma vez que visam racionalizar a atuação dos entes públicos em juízo diante da grande quatidade de ações em que estão envolvidos.
BIBLIOGRAFIA
CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. São Paulo: Dialética, 2013.
BARROS, Guilherme Freire de Melo. O Poder Público em Juízo. Salvador: Juspodivm, 2013.
Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Aprovada nos concursos da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (2015), Procuradoria do Estado do Paraná (2015) e Advocacia Geral da União (2016).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAVALCANTI, Vanessa Malveira. O Poder Público como parte no processo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 ago 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47255/o-poder-publico-como-parte-no-processo. Acesso em: 22 nov 2024.
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