RESUMO: O presente trabalho teve por objetivo analisar, sob a perspectiva do ordenamento jurídico-processual penal e penal, se a prática de sacrifícios de neonatos nas comunidades indígenas yanomamis de Roraima constitui crime ou costume. Durante o seu desenvolvimento foi feita pesquisa bibliográfica das questões pertinentes ao tema, tais como: cultura yanomami, conceito de vida, direito processual penal, tipificação penal e responsabilização penal do índio. Também foram avaliados casos concretos, onde se buscou relacionar os pontos acometidos neste trabalho. Esta análise tem um caráter totalmente qualitativo, porque se procurou conhecer a natureza do objeto em estudo. Por último apreciou-se todos os dados pesquisados durante o trabalho, onde se relacionou o referencial teórico com os casos concretos envolvendo os sacrifícios de neonatos, para assim tecer considerações finais sobre o tema.
Palavras chave: sacrifício, yanomami, vida, crime, ordenamento jurídico-processual.
As temáticas relacionadas às comunidades indígenas no Brasil são de extrema relevância e debate, no contexto atual, as discussões vão desde a demarcação de terras indígenas até as novas características do dito índio moderno e suas atitudes na civilização contemporânea.
O Brasil possui uma diversidade étnica gigantesca, pois desde o seu descobrimento sofrera uma intensa migração de pessoas vindas do velho mundo (portugueses, africanos, italianos, alemães, e outros). Apesar dessa invasão étnica, a identidade brasileira foi configurada, principalmente, pelos índios que aqui já habitavam, pelos portugueses e pelos africanos.
Desde a colonização, os índios foram forçados a se integrarem à cultura ocidental, muitas etnias foram extintas e traços marcantes de sua maneira de viver foram apagados. Atualmente, grande parte da população ainda continua a vê-los como primitivos, desprovidos de cultura, que devem ser civilizados e ensinados a conviver com as normas sociais.
Com advento da Constituição Federal em 1988 (CF/88), houve uma ruptura do pensamento de exclusão que norteava o povo de origem indígena, que a partir de então ganharam tratamento especial na carta magna, uma vez que essa quebrou a ideia de monismo cultural, conforme se percebe em seu artigo 215- §1º, que reza que o Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.
Com isso, o índio passou a ser tratado ora de maneira diferente, ora de maneira igual pelos diversos ramos do direito público e privado. O direito civil, penal, trabalhista, processual, todos ainda estão traçado uma perspectiva em relação ao índio, pois há muito que estudar e conceituar.
As mudanças instituídas pela Constituição foram muitas, algumas bem claras e outras obscuras, essas vêm tentando ser abordadas pelo ordenamento infraconstitucional. Porém, o grande questionamento reside quando os princípios assegurados pela Constituição entram em confronto. As dúvidas são decorrentes quanto ao fato do que fazer para que nenhum direito venha a ser suprimido em razão do outro. No que diz a respeito aos índios o maior desafio para o Direito consiste em proteger a sua cultura sem atacar os direitos fundamentais também garantidos pela lei suprema.
Sabe-se que o modo de viver dos índios diverge muito quando comparados aos valores elegidos pela sociedade. Uma das práticas mais condenadas pela sociedade brasileira é o sacrifício de neonatos pelas suas mães logo após o nascimento; as escusas dadas pelas parturientes são muitas.
A tribo yanomami, localizada na região norte do Brasil e no sul da Venezuela, é uma das etnias indígenas que mais sacrificam seus neonatos. Com efeito, as índias matam suas crianças, logo após o nascimento, em decorrência de vários motivos (serão abordados a posteriori).
Frente a isso, diversos são os casos em que os não índios tentam intervir nas relações culturais dos povos indígenas. Alguns casos de sacrifícios de neonatos ocorridos nas comunidades têm tentado chegar ao conhecimento da jurisdição. Neste aspecto, surgi o seguinte questionamento: para o ordenamento jurídico-processual penal e penal os sacrifícios de neonatos nas comunidades indígenas yanomami de Roraima constitui crime ou costume?
A sociedade não indígena quando toma conhecimento de algum fato similar praticado por uma índia dentro de sua aldeia reage com indignação frente tal ato. Tal sentimento tem provocado a intervenção de ONG'S, de igrejas e até de legisladores no modo como esses índios percebem a vida, chegando, em alguns casos, a provocar o judiciário para que se pronuncie quanto aos sacrifícios de neonatos nas aldeias.
Este trabalho possui relevante importância, especialmente por se tratar de assunto atual, não somente para a comunidade acadêmica, mas principalmente para a sociedade em geral como forma de agregar conhecimento acerca do tema, além de desenvolver o senso crítico da população em relação a essa prática tão incomum se compradas aos hábitos contemporâneos.
Dessa forma, o presente projeto de pesquisa científica tem como objetivo analisar a perspectiva do ordenamento jurídico-processual penal e penal em relação aos sacrifícios de neonatos nas comunidades indígenas yanomami de Roraima. Para isso se faz necessário identificar os pontos marcantes da cultura yanomami, conceituar juridicamente vida, verificar a ótica do direito processual penal do tema, apontar qual a tipificação no código penal para prática de tal fato social, buscar casos concretos do tema em análise.
Para a elaboração desta análise, de inicio, se realizou estudo bibliográfico para o aprofundamento sobre o tema estudado. Quanto à forma da abordagem, a investigação é qualitativa, definida como uma pesquisa que não requer o uso de métodos e técnicas estatísticas, pois sua natureza é totalmente descritiva e o seu significado é a interpretação dos focos principais de abordagem.
Também se efetuou uma revisão de literatura, que reporta e avalia o conhecimento produzido em pesquisas prévias, destacando conceitos, procedimentos, resultados, discussões e conclusões relevantes para o trabalho. Por último se buscou relacionar o referencial teórico com os casos concretos atrelados ao tema da investigação.
Para se falar de um povo torna-se necessário conhecer sua origem e sua trajetória na história da humanidade.
Os yanomamis são uma das etnias indígenas mais estudadas pelos brasileiros e estrangeiros, pois despertam muita curiosidade a respeito de sua vida, tida como primitiva. Segundo Albert e Milliken (2009), este povo atingiu um grau de exposição de muito grande, tanto nos países que residem (Brasil e Venezuela) quanto no âmbito internacional.
Apesar de os yanomamis, serem objeto de um número considerável de estudos científicos e, além disso, de uma quantidade ainda mais impressionante de reportagens, livros jornalísticos e documentários, a maioria sensacionalista, essa imagem acabou desviando a atenção de aspectos fundamentais de seu modo de viver que, em outros povos ameríndios, vêm recebendo muito mais atenção do público em geral.(ALBERT e MILLIKEN, 2009, p.11).
Estes índios formam uma sociedade de caçadores-coletores e agricultores de coivara do norte da Amazônia. Ocupam as florestas tropicais do oeste do maciço guianense e os lados da fronteira entre o Brasil e a Venezuela. Possuem um vasto conjunto linguístico e cultural, subdividido em quatro subgrupos falantes de línguas semelhantes e em parte comuns a eles, são elas: yanõmami, yanomae, sanöma e ninam. (ALBERT e MILLIKEN, 2009).
Neste diapasão, Diniz (2007), complementa,
Os grupos yanomamis são considerados um dos povos mais isolados do planeta. Até meados do século XX, o povo yanomami vivia praticamente sem contato com outros grupos. Até onde há registros históricos, os primeiros contatos dos yanomamis com povos não-indígenas se deu no início dos anos 50 e, de forma mais sistemática, com os primeiros trabalhos antropológicos e de missionários religiosos nos anos 60. Sob a identidade yanomami há uma diversidade de grupos com diferentes línguas e particularidades sociais. Estima-se que 26.000 pessoas vivam nas sociedades yanomamis, em território fronteiriço entre o Brasil e a Venezuela. (p. 284)
De acordo, ainda, com Albert e Milliken (2009), sua população hoje chega a ser de aproximadamente 33.100 pessoas. Os yanomami ocidentais (yanõmami) situados em sua maioria na Venezuela, constituem 59% dessa população, seguidos pelos orientais (yanomae), situados em maioria no Brasil, que constituem cerca de 21% dela. Os sanöma, concentrados em grande parte no território venezuelano, representam 17% da deste povo, e os ninam, apenas 3% no Brasil. Porém, Ramirez (s.d) nos traz dados mais atualizados. Ele aponta que neste ano a população yanomami, no Brasil e na Venezuela, está estimada em aproximadamente em 35.000 pessoas.
Corroborando o entendimento acima, Kayser (2010) diz que os yanomamis (também designados como Waika, Guaika, Xiriana, Pakitaim, Parahuri, Guajaribos, Karimé, Yawári, ou, em ortografia divergene, também comoIanomâmi, Ianomama, Yanomán) vivem em território indígena contínuo, demarcado com 96.649 Km² de área, situado nos Estados brasileiros de Roraima e Amazonas, como também no território da Venezuela. O território desses índios situa-se na zona climática trópico-tropical, é coberto pela floresta tropical, povoa essa área a mais de dois mil anos.
Albert e Milliken (2009), afirmam que no Brasil estima-se hoje que a população yanomami seja de aproximadamente 15.550 pessoas, organizados em 249 grupos locais. Essa totalidade de pessoas ocupa o Alto Rio Branco (oeste do Estado de Roraima) e a margem esquerda do Rio Negro (norte do estado do Amazonas).
A maioria dos índios considera a floresta o cerne da vida. Para os yanomamis não seria diferente, “a urihi, a terra-floresta não é um mero espaço inerte de exploração econômica, trata-se de uma entidade viva, inserida numa complexa dinâmica cosmológica de intercâmbios entre humanos e não-humanos” (ALBERT e MILLIKEN, 2009, p.14).
Oliveira Neto (2007) diz que esta etnia é caracterizada pela força com que preservam seus costumes, que evidentemente são diferentes em muito em relação à sociedade contemporânea. No que tange a família, as distinções são bem mais complexas e de difícil compreensão para os não índios.
Segundo Barazal (2001) na configuração social do povo yanomami estão inseridos diversos cerimônias e, de acordo com a idade e o sexo dos seus membros, acabam por determinarem as normas do casamento, da família, da divisão do trabalho e de outras fases da vida do indivíduo que reside na comunidade.
Conforme Albert (2011), toda a família vive na mesma casa, podem chegar a alojar várias dezenas de pessoas, quando há várias famílias na mesma casa, cada uma tem a sua fogueira em torno da qual suspendem as camas de rede.
A mulher na cultura yanomami tem um trabalho um pouco árduo, Barazal (2001) diz que ela é a encarregada de cuidar dos filhos, e mesmo quando engravida continua trabalhando na casa, na roça e na floresta até a hora do parto. Já o homem, segundo Pereira (1971) é concebido como guerreiro quando mata uma onça, a este incumbe o sustento da família, também lhe é permitido ter mais de uma mulher, cabendo-lhe o seu mantimento.
As crianças, desde cedo, ajudam a cuidar dos irmãos menores. Observa-se que a mulher é quem leva a carga pesada. O homem caminha na frente, com as flechas na mão e está livre e pronto para a defesa do casal. Quando o Yanomami mata sua primeira onça então é declarado guerreiro e está apto para casar. As meninas quando mestruam pela primeira vez isto é revestido de um cerimonial e daí em diante elas podem casar, o que ocorre muito cedo. (PEREIRA, 1971, p. 01).
Há entre eles uma grande união familiar. Quanto maior o número de familiares, mais força tem o seu líder. O mais ancião do grupo, pode chegar a comandar um pequeno esquadrão. “Em cada grupo tribal há várias linhagens que competem pelo "poder" de decisão, escolha de novas pedras, casamentos, etc. Geralmente, o "líder" de um grupo tribal tem tanta força política quanto maior for o número de familiares-parentes que tem em oposição a outras linhagens” (PEREIRA, 1971, p. 01).
Ainda de acordo com Pereira (1971), não existem leis como as da sociedade contemporânea, as leis são os costumes da etnia. O Direito imposto pelo Estado é praticamente desconhecido pelos yanomamis.
Não há lei nem juiz na selva. As leis são os costumes da sua cultura. O Tuxawa, que é o chefe do grupo, não tem poder de julgar nem mesmo de mandar, apenas ele tem a habilidade de convencer os demais do que deve ser feito. Não havendo lei na cultura Yanomami nem que lhes aplique na forma de um juiz ou polícia, o que vale é a "vendeta". A lei de Damião, "quem com ferro fere, com ferro será ferido". Quando um Yanomami mata outro, ele sabe que seus dias estão contados. Os parentes da vítima irão matá-lo em breve. (PEREIRA, 1971, p. 01).
São muitos os rituais praticados pelos yanomamis, mas os que certamente mais provocam espanto aos não índios estão relacionados ao seu nascimento e morte. Barazal (200l) cita que o nascimento desses índios se dá no meio da floresta, em terra coberta de folhas de bananeira e, quando falecem, são cremados e transformados em cinzas. As cinzas que são adicionadas ao mingau de banana que é dado às pessoas que tiveram ligação com o indígena morto para que tomem o caldo, pois eles acreditam que dessa maneira adquirirão todo o conhecimento do indígena morto.
Como relatado, são muitos os acontecimentos e rituais que envolvem a vida de um índio yanomami. O seu nascimento é cercado de ansiedade, pois a sua vida dependerá exclusivamente da vontade de sua genitora. Barazal (2001), com já comentado, diz que a mulher, mesmo gestante, continua a trabalhar na roça e na aldeia, ou seja, ela é a encarregada de trabalho pesado na família. Um filho para a índia em nesse dado momento representaria um peso a mais para sua rotina, ainda mais se ela tiver outra criança de colo, que geralmente não se desgruda da mãe até completados os três anos de idade.
2.2 SACRIFÍCIO DE NEONATOS
O sacrifício de neonatos na etnia indígena yanomami por suas mães é um tema de grande complexidade e de debates acirrados no mundo jurídico, gerando pontos de vista divergentes acerca de sua aplicabilidade ao caso concreto. Segundo Lindorio (2007), o sacrifício de neonatos seria uma ofensa aos direitos e garantias fundamentais. Nesse sentido, Laudato (1998) apud Cirino (2009):
Faz uma breve referência em seu livro sobre a prática do infanticídio entre os Yanomami. O autor confessa não entender o fenômeno e a dificuldade em aceitar esse costume entre os índios em foco. Padre salesiano, nasceu na Itália e veio para o Brasil em 1972, especificamente para lecionar na Universidade Federal do Amazonas e , em 1978, se junta à Missão Maruiá e passa a desenvolver um trabalho de evangelização entre o grupo. Mesmo considerado uma das maiores autoridades sobre o povo Yanomami, segundo informações bibliográficas do autor [...], Laudato não consegue superar a postura etnocêntrica diante do ‘outro’ [...], refere-se à prática como cruel, ‘desumana e injustificável forma de controle de natalidade’ (p.18).
Ainda, de acordo com Laudato (1998):
Quando a criança nasce com defeito físico, imediatamente observável, éa mãe mesma que pratica a supressão. Em caso gêmeos, é eliminado sempre, pela mesma mãe,o mais fraco [...]. Quando as crianças são do sexo diferente , igualmente sadias, é a menina a ser sacrificada. Esse procedimento se explica pela dura luta pela sobrevivência, que o grupo enfrenta, cotidianamente. O indivíduo deformado se torna, para os parentes, um peso insuportável, duríssimo para o resto da vida. No caso de segundo gêmeos, a mãe não tem condições para amamentá-lo e criá-lo.
O Infanticídio é aplicado, também, quando a mãe não consegue espaçar os nascimentos dos filhos de três em três anos. O leite materno ficaria inquinado e as duas crianças não espaçadas seriam condenadas a morrer. Outro caso típico de infanticídio é o nascimento sucessivo e numeroso só de meninas [...]. Típico e específico é o infanticídio de um recém nascido filho de pai ilegítimo. Acriança nascida fora do casamento por parte de um a moça-mãe, deve ser eliminada terminantemente, porque é uma desonra pública e não se admite exceção (p. 131).
Enquanto que para Frank (2005), essa prática nada mais é do que uma manifestação autônoma dos costumes entranhados em sua cultura, a qual não poderia sofrer qualquer influência da legislação vigente, garantindo assim que seus traços ancestrais originais não sejam modificados, considerando em algumas situações específicas até a não intervenção do judiciário.
Albert e Gomez (1997) citam que o sacrifício de neonatos ocorre por diversos motivos, dentre os quais eles destacam: o nascimento de uma criança malformada, quando a mãe não tem condições de alimentá-la, quando a própria mãe está doente ou muito atarefada, quando nascem gêmeos (neste caso só um será sacrificado), ou quando nasce uma criança antes do fim do período de amamentação de seu outro filho, e também quando há desentendimento conjugal.
Lizot (1988) referindo-se à necessidade de interdição das relações sexuais no período de amamentação, aproximadamente três anos; sendo que a quebra dessa regra, se resultar em gravidez, o fruto dessa relação deverá ser sacrificado.
Especialmente durante a amamentação, cria-se como que um limbo sexualpara elas, o que representa um forma de proteger o bebê , evitando que a mãe engravide prematuramente e arrisque o bem-estar do filho que ainda depende de leite materno. Para não se ter em cãs uma criançe desnutrida ou compulsivamente chorona, wokosibi, por ter sio desmamada antes do tempo devido a um novo bebê, é imperativo que os pais se abstenham de relações sexuais (RAMOS, p.154, 1990)
Nesse diapasão, o Estado de Roraima como um dos pontos de localização do povo yanomamis se destaca em relação ao tema abordado nesta pesquisa.
De acordo com a Folha de Boa Vista (2006) os índios yanomamis vivem em 2.227 casas espalhadas em 245 aldeias, nos municípios de Alto Alegre, Amajari, Caracaraí, Mucajaí e Iracema, em Roraima.
Lopes (2009) cita que em Roraima, os índios Yanomami são conhecidos por matarem após o parto os bebês que nascem com problemas de saúde, deficientes físicas e até mesmo um dos gêmeos.
A coordenadora do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Yanomami, Joana Claudete Schuertz, explicou a Folha de Boa Vista (2009) que o infanticídio faz parte da cultura desse povo e que eles não gostam que se fale na questão. Eles entendem que é o mesmo que o aborto praticado pelas brancas, que quando o fazem, não divulgam ou falam sobre o assunto.
Estáticas do ano de 2008 revelam uma queda no índice de mortalidade infantil na área Yanomami, através dessa prática. Enquanto que as prestadoras de serviços de assistência à saúde na área registraram 31 infanticídios em 581 nascimentos, em 2007 chegou a 58 entre 825 nascimentos. (LOPES, 2009, p. 01)
O ponto chave para entender o porquê desse ato, está em compreender o que significa vida para os yanomamis. Se pode perceber que essa definição parece ser bem distinta da que a sociedade contemporânea tem como base.
2.2 CONCEITO DE VIDA
2.2.1 Conceito jurídico
Para que seja compreendido o real significado da palavra vida, segundo Andrade (s.d) faz-se necessário adotar um prisma, ou mesmo ponto de vista, pois se trata de uma palavra que possui várias acepções a depender da ciência que a estuda e expõe.
Basicamente, existem duas ciências que expõem o conceito de vida, a biológica e a jurídica. Porém, além das teorias criadas cientificamente para explicar o fenômeno do início da vida, existem também as teorias baseadas nas crenças de comunidades de identidade específica, no caso em tela, a comunidade indígena yanomami, que veremos no desenvolvimento da pesquisa.
Ratificando as assertivas anteriores, aponta várias teorias sobre a origem da vida, a Teoria Criacionista (a vida teria sido criada na Terra por um Deus), a Teoria da Panspermia (a vida teria surgido na Terra proveniente de outro planeta), a Teoria Abiogênica ou da Geração Espontânea (a vida surgiria espontaneamente e continuamente da matéria inanimada) e a Teoria da Auto-Organização (a vida teria surgido a partir da auto-organização de compostos orgânicos simples em macromoléculas que originaria as protocélulas primordiais, todos esses processos teriam ocorrido sob condições extremamente especiais), tal teoria é a mais aceita atualmente no meio científico. Entretanto, não há um consenso de como se deu esses passos iniciais ocorridos em condições especiais, sendo, ainda hoje, palco de debates.
Régis (2005), ainda, ressalta que a morte do ser humano é definida a partir da parada de funcionamento do cérebro, morte cerebral, conceito esse evoluído através dos tempos para permitir a doação de órgãos. Analogicamente muitos pesquisadores então questionam se o início da vida humana também não devesse seguir o mesmo critério: início da atividade cerebral . Ou seja, por motivação essencialmente utilitária, foi dado o conceito de morte e definido o seu estado temporal, sendo, portanto, indispensável que se altere o conceito do início da vida humana , ou melhor, que se defina tal momento temporal de acordo com os anseios e necessidades da sociedade, como o foi no conceito de morte.
As pesquisas médicas têm-se utilizados de diferentes conceitos científicos para definir o início da vida humana com o objetivo de se utilizar células embrionárias para fins terapêuticos, sem que se firam preceitos éticos, filosóficos e religiosos da sociedade.
Régis (2005) enfatiza que em alguns países há a adoção do termo blastocisto (células entre o quarto e quinto dia após a fecundação, mas antes da implantação no útero, que ocorre no sexto dia), mas as controvérsias existentes sobre esse tema devem-se ao fato do próprio blastocisto ser ou não considerado um ser humano.
Diferentemente da Igreja Católica, que considera o início da vida humana tão logo ocorra a fecundação independente do local, para o rabino presidente da Comissão de Bioética do Conselho Rabínico da América o óvulo fertilizado in vitro não possui humanidade (RÉGIS, 2005).
Muitos não reconhecem que o embrião no estágio inicial seja um ser humano, para tanto foi cunhado o termo pré-embrião (em 1986 por Anne McLaren), designando aqueles embriões que ainda não se implantaram no útero, entretanto, tentativas de outras classificações surgiram . O mesmo termo de pré-embrião tem sido também utilizado no Brasil.
Outro argumento levantado pelos profissionais e destacado por Régis (2005), que concordam em utilizar células embrionárias para fins terapêuticos baseia-se no fato de que se o embrião não for implantado em um útero materno, este não conseguirá continuar seu desenvolvimento, estando, portanto, condenado a não nascer.
Pautado nas afirmações anteriormente ressaltadas, o mesmo autor explicita, de forma sucinta, quatro correntes quanto ao início da vida humana:
a) as que defendem que o início da vida começa com a fertilização;
b) as que defendem que o início da vida começa com a implantação do embrião no útero;
c) as que defendem que o início da vida começa com o início da atividade cerebral e
d) as que defendem que o início da vida começa com o nascimento com vida do embrião ressaltando que os doutrinadores de direito penal tem utilizado a seguinte classificação após a fertilização: ovo (até três semanas de gestação), embrião (de três semanas a três meses), feto (após três meses).
Para o ordenamento jurídico é de vital importância que se defina de maneira clara e simples o início da vida humana, para determinar a partir de que momento essa nova entidade será considerada viva e terá personalidade jurídica, será tutelada pelo Direito, assim como se fez com o conceito de morte. Tal definição deve surgir livre de explicações pseudo-científicas e místicas e deve ser pautado nas discussões bioéticas (RÉGIS, 2005).
Régis (2005) dissertando sobre tais conceitos afirma que os mesmos não devem ser estáticos, mas sim flexíveis e com capacidade de evoluir com o passar do tempo, pois, por exemplo, se for adotado o conceito de embrião apenas após a implantação no útero materno e tal conceito for imutável o que será daqueles embriões que venham a se desenvolver em úteros artificiais, os quais pouco a pouco vão saindo cada vez mais da esfera da ficção científica e adentrando nos experimentos científicos? É o Admirável Mundo Novo que salta em nossas vidas todos os dias, nos deixando perplexos.
No meio jurídico não poderia ser diferente, existem várias teorias que tentam explicar quando se inicia a vida. Para a Teoria da Concepção o início da vida se dá no momento da concepção, ou seja, é o ato de conceber no útero a junção do gameta masculino e feminino, sendo esta teoria a diretriz atual do Direito Civil Brasileiro. A Teoria da Nidação exige a fixação do óvulo no útero, já a Teoria da Implementação do Sistema Nervoso exige que o feto apresente os primeiros indícios do futuro sistema nervoso central, que se dá basicamente entre 15º e 40º dia de desenvolvimento embrionário. (TAVARES, 2006)
2.2.2 Conceito de vida yanomami
Para as comunidades de identidade especifica, mais a estritamente a comunidade indígena yanomami, a mulher indígena yanomami é quem opta pela vida do nascituro ou não, já que para os yanomami o início da vida da criança se dá basicamente por meio de um pequeno ritual realizado no momento do nascimento, após a expulsão do nascituro do interior do útero:
A mulher yanomami, quando sente que é chegada a hora do parto, vai sozinha para local ermo na floresta, fica de cócoras, e a criança cai no chão. Nessa hora, ela decide se a pega ao colo ou se a deixa ali. Se coloca nos braços, dá-se nesse momento, o nascimento. Se abandona, não houve, na concepção do grupo, infanticídio, pela singela razão de que a vida não se iniciou. (DUPRAT, s.d, p.07)
Em consequência disso, observar-se que o início da vida, na perspectiva da comunidade indígena yanomami, além de ser considerada uma concepção muito incomum se comparado aos hábitos modernos, pode também, a depender dos fatos e do caso, constituir crime contra vida, sendo punível penalmente pelo ordenamento jurídico vigente. (DUPRAT, s.d)
Essa prática se dá, basicamente, para que haja entre os yanomami uma promoção do equilíbrio entre os sexos dentro da comunidade, sem que seja feita a observância aos preceitos jurídicos, mesmo porque, há praticamente total desconhecimento por parte dos indígenas desses preceitos. (LINDORIO, s.d)
Essa prática se dá, basicamente, para que haja entre os yanomami promoção do equilíbrio entre os sexos dentro da comunidade, sem que seja feita a observância aos preceitos jurídicos, mesmo porque, há praticamente total desconhecimento por parte dos indígenas desses preceitos. (LINDORIO, s.d)
2.3 TIPIFICAÇÃO PENAL
É certo que grande parte dá literatura dá nome de infanticídio à prática de sacrifícios e neonatos pelas índias em suas comunidades. No entanto, fazendo uma análise mais aprofunda do ponto de vista penal, o nome parece impróprio.
O infanticídio é um crime previsto no art. 123 do Código Penal Brasileiro, “Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: pena- detenção, de 2 a 6 anos. Segundo Delmanto et al (2010), o infanticídio é uma crime que tem por objeto jurídico a preservação da vida humana, o sujeito ativo neste caso só pode ser a mãe, e o passivo o recém-nascido.
Delmanto et al (2010) cita também que uma das elementares do tipo, o estado puerperal, deve ser interpretado de maneira suficientemente ampla, de modo abranger o variável período de choque puerperal da mãe.
Neste sentido, nasce o conflito, pois Albert e Gomez (1997) apontam outros motivos para a conduta das mães indígenas, tais como: o nascimento de uma criança malformada, quando a mãe não tem condições de alimentá-la, quando a própria mãe está doente ou muito atarefada, quando nascem gêmeos (neste caso só um será sacrificado), ou quando nasce uma criança antes do fim do período de amamentação de seu outro filho, e também quando há desentendimento conjugal.
Nota-se que o estado puerperal não é um dos motivos pelos quais as mães praticam o sacrifício de neonatos. Jesus (1999), o define como sendo “uma perturbação mental da parturiente, perturbação esta que acarreta alterações de tal monta, que permitem a abolição da capacidade de se conduzir ou se controlar diante do fato adverso” (p.107).
Não se tratando de infanticídio, seria então o crime de homicídio presente no art. 121 do Código Penal Brasileiro, “matar alguém: pena- reclusão, de 6 a 20 anos”. Delmanto et al (2010) diz o delito de homicídio tem como sujeito ativo pode qualquer pessoa, inclusive a mãe, o passivo qualquer pessoa, o objeto jurídico a ser tutelado pelo direito penal é também a preservação da vida.
Se a conduta das mães indígenas fosse encaixada no art. 121, o homicídio seria qualificado, pois a mãe que mata o seu próprio filho na condição de recém-nascido, deixando-o na mata para morrer de fome ou asfixiando-o com folhas de bananeiras poderia ser encaixada no art. 121,§2º, III (como emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia tortura ou outro meio insidioso ou cruel, que possa resultar perigo comum).
Como se observa são diversos os conflitos que norteiam a tipificação penal de tal conduta. Houve até a existência de um projeto de lei na Câmara dos Deputados, que tratava do combate as práticas tradicionais nocivas e à proteção dos direitos fundamentais de crianças indígenas, bem como pertencentes a outras sociedades ditas não tradicionais. (CONSULEX, nº 272, 2008)
O projeto nº 1.057/07, foi denominado pelo autor de “Lei Muwaji”, nome este que faz homenagem a uma mãe indígena que vive em regime de semi-isolamento, pelo fato de ter-se rebelado contra os costumes do grupo para salvar a vida da filha, que seria morta por ter nascido deficiente. (CONSULEX, nº 272, 2008)
O projeto lei considera nocivas as práticas tradicionais que atentem contra a vida e a integridade físico-psíquica, tais como:
I-homicídios de recém-nascidos, em casos de falta de um dos genitores; II. homicídios de recém-nascidos, em casos de gestação múltipla;
III. homicídios de recém-nascidos, quando estes são portadores de deficiências físicas e/ou mentais;
IV. homicídios de recém-nascidos, quando há preferência de gênero; V. homicídios de recém-nascidos, quando houver breve espaço de tempo entre uma gestação anterior e o nascimento em questão;
VI. homicídios de recém-nascidos, em casos de exceder o número de filhos considerado apropriado para o grupo;
VII. homicídios de recém-nascidos, quando estes possuírem algum sinal ou marca de nascença que os diferencie dos demais;
VIII. homicídios de recém-nascidos, quando estes são considerados portadores de má-sorte para a família ou para o grupo;
IX. homicídios de crianças, em caso de crença de que a criança desnutrida é fruto
X. de maldição, ou por qualquer outra crença que leve ao óbito intencional por desnutrição;
XI. Abuso sexual, em quaisquer condições e justificativas;
XII. Maus-tratos, quando se verificam problemas de desenvolvimento físico e/ou psíquico na criança.
XIII. Todas as outras agressões à integridade físico-psíquica de crianças e seus genitores, em razão de quaisquer manifestações culturais e tradicionais, culposa ou dolosamente, que configurem violações aos direitos humanos reconhecidos pela legislação nacional e internacional.
A lei Muwaji prevê anda que a criança deverá ser afastada da tribo em caso de persistência das práticas consideradas nocivas. “Art. 6º da persistência nas citadas práticas, até o esgotamento de todas as possibilidades ao seu alcance. Parágrafo único. Frustradas as gestões acima, deverá a criança ser encaminhada às autoridades judiciárias competentes para fins de inclusão no programa de adoção, como medida de preservar seu direito fundamental à vida e à integridade físico-psíquica.”
Não obstante, é necessário notar que o projeto de lei em nenhum momento diz que a mãe será punida por praticar o homicídio, o que gera novamente a discussão em torno se a prática de sacrifícios de neonatos nas tribos indígenas constitui crime ou não. Nesta análise, faz-se necessário averiguar qual é a responsabilidade penal do índio.
2.4 RESPONSABILIDADE PENAL DO ÍNDIO
Relativamente ao direito penal, a situação do índio pode ser estudada a partir de dois enfoques distintos. O primeiro deles diz respeito ao reconhecimento da existência de jurisprudência própria para o julgamento dos conflitos entre as populações indígenas, seja entre índios de mesmo povo, seja entre as populações indígenas, seja entre índios de um mesmo povo, seja entre povos distintos; o segundo enfoque está relacionado com os critérios utilizados para o julgamento do índio, quando colocado no pólo ativo de um conflito de interesse penal em que não estão envolvidos apenas índios. (REZENDE, 2009)
Nesse passo, a Constituição Federal reconhece aos povos indígenas sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. Em consonância com a carta Magna, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, aprovada pelo Decreto Legislativo 143/02 e sancionada em 19.04.2004, ingressando, assim, no ordenamento jurídico pátrio, estabelece, entre outras coisas, a política com que devem ser tratados os povos indígenas. (REZENDE, 2009)
Faz parte da política, conforme estabelecido nos art. 8º e 9º da Convenção, o direito dos povos indígenas de contados os métodos através dos quais recorrem tradicionalmente para a repressão dos delitos cometidos por seus membros, desde que tais métodos não sejam incompatíveis com o sistema jurídico nacional e nem com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos. (REZENDE, 2009)
O Estatuto do índio, Lei 6.001/73, anterior, portanto, à Carta Magna e a Convenção169 da Organização Internacional do Trabalho, já previa em seu artigo 57 não o reconhecimento, ma sim, a tolerância à aplicação, pelos grupos tribais, de acordo com as suas instituições, de sanções penais ou disciplinares para os seus membros, desde que não se revistam de caráter cruel ou infamamente, proibindo também a pena de morte. (REZENDE, 2009)
Assim, parece ter havido, seja em face da Constituição Federal, seja em face da Constituição Federal, seja em razão da Convenção 169 da Organozação Internacional do Trabalho, uma ampliação em relação à compreensão do Estatuto do ìndio no que tange ao reconhecimento da jurisdição penal indígena.
Esta jurisdição, todavia, está limitada aos casos de conflitos penais internos aos grupos indígenas, não vigendo, pois, nos casos de sanções penais ou disciplinares que afrontam os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, bens como aplicam a pena de morte. (REZENDE, 2009)
A opção brasileira para a diferenciação do tratamento penal do índio parece ter se dado através do reconhecimento de sua imputabilidade a partir de seu grau de integração, bem como da consideração, em não sendo o índio inimputável, de suas peculiaridades para o fim de fixação da pena. (REZENDE, 2009)
A primeira assertiva, apesar de não legalmente expressa, encontra, segundo a doutrina, respaldo na conjugação do Estatuto do índio com o disposto no art. 26 do Código Penal. Por um lado, do ponto de vista normativo e não antropológico, os índios são divididos em três categorias: isolados, em vias de integração e integrados, conforme art. 4º do Estatuto do índio. (REZENDE, 2009)
Rezende (2009) cita os comentário de Souza (2004), que assim expõe o seu pensar:
Não se pode dizer que não seja ardiloso o Código Penal Brasileiro, ao mesmo tempo que prega uma peça aos estrangeiros (curiosa preocupação em elaborar uma lei nacional), que não poderão o,aginar a existência de índios infestando a civilização, garatem aos infestadores um escondido direto, de difícil aplicação e singularmente inútil. Esta vergonha do Direito Penal brasileiro de 1940 tem a mesma cor e fundamento da vergonha da lei em relação aos escravos no século XIX, o temor de mostrar do mundo a realidade nacional, suas, mazelas injustiças e defeitos.
Está presente neste esconderijo da lei penal a ideia de que os índios acabarão num futura próximo, quando encontrarem a alegria de viver na pacífica, doce, justa e humana sociedade dos civilizados, e então o direito penal ser-lhe-á aplicado em plenitude, e os juristas não se envergonharão mais nos congressos internacionais. É transparente neste episódio jurídico a ideia etnocêntrica e monista de que o sonho de todo índio é deixar de sê-lo. É presente a incompreensão do direto dos povos indígenas de continuarem a ser índios ainda que em contato longa e até mesmo amistoso com a sociedade não-índia.
Seja como for, o fato é que não há clareza na aplicação, relativamente ao índio, do disposto no art. 26 do Código Penal. Não há nada segura a indicar o índio integrado seja imputável, bem como que o índio isolado seja inimputável pois se lhe presume o desenvolvimento mental incompleto. O problema é ainda maior no que diz respeito ao índio em vias de integração. (REZENDE, 2009)
A par deste problema, e aqui o segundo critério utilizado pela legislação brasileira, está, na hipótese de ser imputável o índio, na consideração de sua condição pessoal para a individualização da pena. (REZENDE, 2009)
A supracitada Convenção da Organização Internacional do Trabalho em seu art. 8º dispõe que, ao se aplicar a legislação nacional aos povos indígenas, deverão ser levados em consideração sus costumes e o direito consuetudinário, e em seu art. 10, que a imposição de sanções penais aos índios deve levar em conta suas características econômicas, sociais e culturais, devendo-se dar preferência a tripos de punição outros que não o encarceramento (REZENDE, 2009).
A jurisprudência brasileira tem negado ao índio o reconhecimento de sua inimputabilidade, fato que, somado à ausência de outro critério para o seu tratamento jurídico-penal, que não seja o da individualização da pena, aplicado com muita timidez, deixa-o em uma situação extremamente difícil, pois acaba por ser julgado tal qual os demais membros da sociedade, sem que lhe reconheçam, no processo, particularidades que não poderiam ser ignoradas (REZENDE, 2009).
Castro (2013) cita que o Estatuto do Índio a questão da culpabilidade é resumida ao critério da inimputabilidade, à luz da divisão já ultrapassada entre índios isolados, integrados e em vias de integração. De acordo com o artigo 56, do referido estatuto, “nos casos de condenação de índio por infração penal, a pena deverá ser atenuada e na sua aplicação o Juiz atenderá também ao grau de integração do silvícola”.
Castro (2013) também aduz que assim, pode-se ter em conclusão que são inimputáveis os índios isolados, imputáveis os integrados, e a depender de exame – o exame antropológico - ficará a culpabilidade dos índios em via de integração, os quais, na maioria dos casos, apresentam-se como semi-imputáveis.
Há vozes na doutrina que defendem a obrigatoriedade da aplicação da atenuante trazida pelo Estatuto do Índio nos casos dos índios que cometem crimes, sendo a questão do grau de integração, que seria, na verdade, uma maior ou menor compreensão da cultura circundante, considerada apenas para graduar a atenuante e não para servir como argumento para deixar de aplicá-la. (CASTRO, 2013)
Nessa baila, Queiroz (s.d) assevera que é óbvio que a responsabilidade penal do índio pressupõe o cometimento de infração penal (crime ou contravenção) com todos os seus elementos constitutivos (tipicidade, ilicitude e culpabilidade). Trata-se, porém, de um processo de imputação que, além de considerar a singularidade da cultura indígena, terá de levar em conta a especificidade do tratamento constitucional e legal, notadamente o estatuto do índio.
Justamente por isso, não há, em princípio, fato típico quando o agente pratica conduta de acordo com suas tradições, costumes e crenças. Assim, por exemplo, não existe estupro de vulnerável (CP, art. 217-A) no âmbito de certas comunidades indígenas onde o acasalamento ocorre antes de 14 anos de idade. Cuida-se de fato atípico. Tampouco é típica a pesca ou caça, entre outras atividades inerentes à tradição indígena, que poderiam (em tese) configurar crime ambiental. (QUEIROZ, S.D)
Naturalmente que essa relação entre proteção de direitos fundamentais e respeito à diversidade étnica e cultural – a refletir diretamente sobre a definição social e legal de crime - é das mais tensas e problemáticas. Basta lembrar que a prática do infanticídio ou homicídio (objeto do PL 1057/2007 ou Lei Muwaji), motivado pelas mais diversas razões (deficiência física ou mental, gêmeo, filho de mãe solteira etc.), tem sido registrada em diversas etnias. (QUEIROZ, S.D)
O mesmo vale, mutatis mutandis, para a verificação da ilicitude e da culpabilidade, as quais, além de exigirem a presença de todos os pressupostos e requisitos legais, devem ser valoradas de acordo com as peculiaridades da cultura indígena. (QUEIROZ, S.D)
No entanto, ao contrário do que pretende a doutrina, a imputabilidade penal do índio não depende do grau de integração à cultura dominante. Como escrevem Ela Wiecko de Castilho e Paula Bajer Costa, “no paradigma da plurietnicidade o grau maior de integração do indígena à sociedade nacional não o descaracteriza com indígena, tampouco exclui a imputabilidade penal”.
Também, Augusto Silva Dias tem que “aparentemente mais favorável e aberta às peculiaridades das formas de vida, esta solução assenta numa visão racista e paternalista que não respeita a diferença de culturas e uma perspectiva multicultural de abordagem dos problemas baseada no valor do pluralismo. Hierarquizando as culturas em ‘civilizadas’ e ’selvagens’ a concepção que criticamos eleva as primeiras a padrão de vida boa. Consequentemente, os membros das culturas ’selvagens’ são rotulados de débeis mentais, detentores de um desenvolvimento mental incompleto, incapazes de entender as ‘virtudes’ ínsitas naquele padrão.”(QUEIROZ, S.D)
Com efeito, independentemente do grau de socialização, o índio é, sim, imputável, imputabilidade que há de ser apreciada segundo a sua tradição, e não conforme os valores eurocêntricos da cultura dominante. Logo, não é incapaz de autodeterminação em razão de desenvolvimento mental incompleto ou retardado, mas plenamente capaz. O índio será inimputável apenas quando portador de transtorno mental grave (CP, art. 26) ou menor de 18 anos. (QUEIROZ, S.D)
O que poderá ocorrer eventualmente é a falta de conhecimento da proibição jurídico-penal de que se trata, a ensejar o erro sobre a ilicitude do fato (art. 21), vencível ou invencível, conforme o caso, a ser aferida mediante laudo antropológico. (QUEIROZ, S.D)
O tratamento dado ao índio pelo reconhecimento de sua imputabilidade ou de sua semi-imputabilidade parte do pressuposto de que ele possui desenvolvimento mental incompleto ou retardado.
Para Ronaldo (s.d) as discussões acerca da responsabilidade penal do índio nos dias de hoje já estão superadas, tendo em vista o fato de, tanto a doutrina quanto decisões reiteradas dos Tribunais considerarem que somente está isento de pena o índio inadaptado, que em outras palavras, seria o índio não integrado à sociedade ocidental.
Ainda de acordo Ronaldo (s.d), deve-se observar sempre as peculiaridades do caso concreto, pois se acredita que o índio brasileiro de certa forma já se encontra capaz de discernir que sua conduta não é algo aceito no mundo jurídico, quando este já esteja inserido na sociedade.
No entanto, apesar desse posicionamento, Souza (2006) ressalta que os povos indígenas enquanto não em vida comunitária, tem princípios sociais diferentes da sociedade ocidental e tem um direito próprio, tendo por consequência conceitos de crimes e penas totalmente diversos das definições da sociedade não índia. Não obstante, sabe-se que o Estado detém o monopólio de punir, apesar do Estatuto do Índio, Lei 6.0001/73 estabelece em seu art. 57 que “será tolerada a aplicação, pelos grupos tribais, de acordo com as instituições próprias, as sanções penais ou disciplinares contra seus membros”.
Tendo vista que o Estado detém tal monopólio, nem os índios escapam a essa função estatal, tanto que o STJ já se posicionou em relação ao tema, na súmula 140, que preconiza que “compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar crime em que indígena figure como autor ou vítima”. Porém, o principal questionamento está em torno da imputabilidade do índio, esta é conceituada como a capacidade do ser humano compreender que determinado fato não é lícito e de agir em consonância com esse entendimento. É imputável a pessoa capaz de entender o caráter ilícito de um fato e determinar-se de acordo com tal entendimento. (FRAGOSO, 1995)
A imputabilidade penal é tratada nos artigos 26 e 27 do Código Penal, o qual dita ser isento depena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. O parágrafo único prevê ainda a possibilidade de redução da pena, de um a dois terços, se o agente não era capaz de entender o caráter ilícito do fato, ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado.
Delmanto et al (2010) que aplicação desse artigo para os índios vai depender do caso concreto em análise, pois o autor diz que o índio aculturado, com desenvolvimento mental que lhe permita compreender a ilicitude dos fatos é plenamente imputável. Porém, o índio poderá estar na condição de inimputável, quando não demonstrar grau de discernimento e integração à sociedade não indígena.
A inimputabilidade é uma causa de exclusão da culpabilidade, afastando o juízo de reprovabilidade da conduta praticada e, portanto a pena. Se não há culpabilidade, não se pode falar em crime, já que a teoria adotada pelo Código Penal Brasileiro e pela doutrina majoritária é a tripartida do conceito analítico (crime é um fato típico, antijurídico e culpável) incluindo a culpabilidade como um de seus elementos característicos. (GRECO, 2010)
Acerca do tema em análise, seria possível a utilização do processo penal para se provar a inimputabilidade ou imputabilidade da índia no caso de sacrifícios de neonatos nas comunidades indígenas.
Avaliando o fator inimputabilidade, que é uma causa de exclusão da culpabilidade, afastando o juízo de reprovabilidade da conduta praticada e, portanto a pena, o raciocínio que se tem é de que se não há culpabilidade, não se pode falar em crime, já que a teoria adotada pelo Código Penal Brasileiro pela doutrina majoritária é a tripartida do conceito analítico (crime é um fato típico, antijurídico e culpável) incluindo a culpabilidade como um de seus elementos característicos. (GRECO, 2010)
Nesse sentido, de acordo com Delmanto (2010), a doutrina majoritária preconiza que, o índio é considerado imputável, dessa forma, a ele poderá ser imputado ato definido como crime, a depender da análise do caso concreto, mais especificamente o sacrifício de neonatos nas comunidades indígenas no Estado de Roraima.
Uma pessoa é considerada imputável quando é capaz de compreender o caráter lícito de um fato, apurando seus atos de acordo com essa concepção (FRAGOSO, 1995). Segundo Jesus, imputável “[...] é o sujeito mentalmente são e desenvolvido, capaz de entender o caráter lícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento.
De acordo com o art. 26 do Código Penal brasileiro “[...] é isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.”
O Parágrafo único do art. 26 do Código Penal Brasileiro dá a previsão de redução da pena entre um a dois terços, caso o agente, no momento da ação ou omissão, por força de incapacidade relativa, não puder discernir o caráter lícito de suas ações. Segundo Toledo (1994, p.315):
[...] Para que o agente de um crime seja, pois, dotado de imputabilidade, além da idade de dezoito anos, deverá à época do fato, estar no gozo de certas faculdades intelectivas e de determinado grau de saúde mental. A lei penal exprime essas exigências, de modo negativo, ao estabelecer as hipóteses de inimputabilidade ou de redução da responsabilidade (arts. 26 e parágrafo único e 28, §§ 1º e 2º).
[...] As primeiras hipóteses de inimputabilidade estão previstas no art. 26: tendo o legislador usado termos bastante genéricos, como facilmente se percebe, a exata extensão e compreensão das expressões ‘doença mental’ e ‘desenvolvimento mental incompleto ou retardado’ fica deferida ao prudente arbítrio do juiz que, em cada caso, se valerá do indispensável auxílio de perícias especializadas. O que importa ter em mente é a parte final do preceito, que traça os limites normativos extremos desse poder discricionário: doença ou qualquer anomalia que torne o agente, à época do fato, incapaz de ter a compreensão do injusto que realiza ou de orientar-se finalisticamente em função dessa compreensão.
O que deixa os operadores de direito inquietos é a imputabilidade penal dos índios. No artigo da FUNAI sobre Povos Indígenas (2012), temos a estimativa de existirem por volta de 100 a 190 mil índios que vivem fora das suas terras, incluindo áreas urbanas. Na rotina forense, não é incomum ocorrências de ações penais que envolvem índios cuja sua relação índia não está envolvida ou sua própria comunidade.
Antes da criação da Constituição Federal de 1988 e a formulação do Código Civil, escrito sob a lei nº. 10.406/2002, a doutrina e jurisprudência tinham a imputabilidade penal dos índios baseada no art. 26 do Código Penal e também do art. 4º do Estatuto do Índio, escrito sob a Lei nº 6.991/1973, onde os índios eram considerados isolados sob o aspecto de integração e integrados. Nesse caso o entendimento dizia a respeito dos índios isolados, da imputabilidade dos integrados e também da obrigação de exame pericial quanto à aferição da responsabilidade penal dos índios em vias de integração.
Tal tratamento era forjado, em regra constante no art. 6º, inciso III, do Código Civil, escrito sob a Lei nº 3.071/1916, que descrevia os índios como relativamente incapazes, e pela antiquada visão integracionista que envolvia o Estatuto do Índio, como se o correto fosse o índio deixar suas origens para viver a doce, humana e pacífica cultura dos não-índios.
À luz da Constituição Federal de 1988 o Brasil é um celular com pluralidade étnica, o que garante o direito à alteridade dos índios, também o direito de serem diferentes e serem tratados assim. Sendo esse direito reforçado pela Convenção 169 da OIT, ratificada pelo Brasil em 19.04.2004. O atual Código Civil diz que a capacidade do índio é regida por uma lei especial. Desta forma, caem por terra todas as teorias de inimputabilidade ou semi-imputabilidade do índio em razão da sua diferença étnica.
Marczynsky (1990, p.44) registra em debate promovido em abril de 1990 pela Comissão Pró-Índio em São Paulo, juntamente com a Procuradoria da República em São Paulo e a Faculdade de Direito da USP, Dalmo de Abreu Dallari assim se manifestou sobre o assunto:
[...] os índios brasileiros estão em diferentes estágios em relação ao conhecimento dos hábitos da sociedade nacional. Como exemplo, há índios com cursos universitários e índios que sequer falam o português. Existem índios que estão no meio do caminho. São situações diferenciadas e que merecem ser consideradas distintamente [...] o índio é mentalmente normal, o que ele tem é cultura diferente, e por vezes não entende o significado de determinada regra, como um estrangeiro pode também não entender [...].
De acordo com Girão (2005), esse é o referencial necessário para orientação das questões ligadas à aferição de imputabilidade dos índios, sendo que o direito faz diferença assegurada pela Constituição e também pela Convenção 168 da OIT (Organização Internacional do trabalho), não sendo permitida outra inferência. Vale assinalar, para aferição da imputabilidade penal dos índios, a necessidade tão somente se baseados em sua cultura, os índios tem condições de compreender o caráter lícito de qualquer conduta positivada como crime de acordo com a cultura social envolvente.
O referido autor também afirma que essa também é uma orientação afirmada pelo art. 8.1 da Convenção 169 da OIT, a partir da qual, ao aplicar a legislação nacional aos povos interessados, deverão ser levados na devida consideração seus costumes ou seu direito consuetudinário. Pode-se também ressaltar o constante nos art.s 9º, 10 e 11 do instrumento normativo supracitado, que se lê:
artigo 9º
1. Na medida em que isso for compatível com o sistema jurídico nacional e com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, deverão ser respeitados os métodos aos quais os povos interessados recorrem tradicionalmente para a repressão dos delitos cometidos pelos seus membros.
2. As autoridades e os tribunais solicitados para se pronunciarem sobre questões penais deverão levar em conta os costumes dos povos mencionados a respeito do assunto artigo 10
1. Quando sanções penais sejam impostas pela legislação geral a membros dos povos mencionados, deverão ser levadas em conta as suas características econômicas, sociais e culturais.
2. Dever-se-á dar preferência a tipos de punição outros que o encarceramento artigo 11
A lei deverá proibir a imposição, a membros dos povos interessados, de serviços pessoais obrigatórios de qualquer natureza, remunerados ou não, exceto nos casos previstos pela lei para todos os cidadãos.
A defesa do contraditório, baseado na visão antiquada de integração, sob a revogada disposição do revogado Código Civil que dispõe os índios entre os relativamente incapazes, importa violação expressa ao art. 231 da Constituição e ao preconizado pela Convenção 169 da OIT, que asseguram a diferença cultural como direito.
Segundo Heringer Júnior (1998, p. 156), “[...] a Constituição tutela a especificidade cultural dos grupos indígenas, a exigir do intérprete respeito por seus padrões normativos toda vez que lhe seja absolutamente impossível conhecer os da cultura dominante”. Conforme o trabalho do professor da universidade da Colômbia Carlos Vladimir Zambrano:
¿ [...] en un Estado multicultural, que reconoce Y promueve la diversidad, es legítimo exigir de los indígenas o de los miembros de grupos culturales diversos, que desplieguen un extremo deber de diligencia, a fin de familiarizarse con los valores culturales dominantes Y con los bienes jurídicos protegidos por el ordenamiento penal nacional?. A mí juicio la respuesta al anterior interrogante es negativa pues si, conforme a la Carta, todas las culturas que conviven en el país son igualmente dignas, Y el Estado reconoce Y promueve la diversidad cultural (CP arts. 7°, 8° Y 70), entonces resulta desproporcionado obligar a los miembros de los grupos culturalmente minoritarios a tener todo el cuidado en familiarizarse con los valores culturales dominantes. Admitir que se puede imponer esa exigencia equivale a admitir una forma de criminalización de la diversidad cultural, lo cual es incompatible con el reconocimiento de la igualdad entre las culturas (CP art. 70). - Eduardo Montealegre, Salvamento de Voto, Sentencia C-370/02-.
A diversidade étnica e cultural do Brasil, estampada no art. 231 da Constituição Federal de 1988, exige respeito aos valores determinantes do comportamento de cada grupo. Os índios não são relativamente incapazes, em se tratando de retardo mental ou desenvolvimento incompleto, e por vezes seus valores se diferem com os padrões tidos como corretos pela cultura predominante.
Cabe ressaltar que o Projeto do Estatuto das Sociedades Indígenas, que tramita a mais de catorze anos no Parlamento, prevê no sentido de necessidade de realização de perícia antropológica para concluir sobre a imputabilidade que conforme a Justiça Federal competente para o julgamento dos crimes praticados por índios e contra índios.
Diante do exposto, e no conteúdo do art. 231 da Constituição Federal e das previsões da Convenção 169 da OIT, a imputabilidade dos índios é pauta de análise por juiz da causa, e com auxílio de profissionais habilitados, como sociólogos, psicólogos e antropólogos, observando-se o que diz o art. 12, segunda parte da Convenção 169 da OIT, deverá investigar se o índio autor do ato tido como infração criminal, baseando-se em sua cultura, costumes, possuía condições de ao tempo do fato, discernir o caráter lícito do fato e agir de acordo com essa concepção.
O artigo supracitado indica o direito à alteridade, o princípio do respeito à diversidade étnica e cultural indígena. Isso acaba resultando na invalidação de toda conclusão fundada em premissa ligada ao grau de integração do índio aos padrões de cultura e de comportamento da sociedade não indígena para averiguar a imputabilidade.
Para o estudo da imputabilidade penal dos índios não é importante o fato de o índio manter contato permanente ou temporário com membros da cultura predominante, é necessário apenas averiguar se o índio possuía ao tempo do fato, de acordo com a sua cultura e costumes, condições de entender o caráter lícito previsto pela lei proposta pelos não-índios.
No caso de apuração positiva de imputabilidade indígena, surgirão positivas o constante no art. 6º e parágrafo único do Estatuto do Índio, escrito sob a Lei nº 6001/1973, que na hipótese de atenuação da pena, cujas penas de reclusão e detenção deverão ser cumpridas em regime especial de liberdade condicional, deverão ser cumpridas na sede da FUNAI mais próxima do domicílio do condenado.
Com fito de dar base concreta ao direito material e colocar no plano concreto o disposto na lei penal, faz-se necessário a atuação do ramo do direito processual penal, ramo do direito responsável para aplicar as disposições substantivas penais.
2.5 ORDENAMENTO JURÍDICO-PROCESSUAL PENAL
Conforme Mirabette (2002), o Estado tem como uma de suas tarefas mais importantes a regulamentação da conduta dos seus cidadãos por meio de algumas normas imprescindíveis à vida em sociedade. Dessa maneira se estabelece regras para regulamentar a convivência entre pessoas (direito material).
Quando violado o direito material penal, nasce para o Estado o dever de intervir em prol do bem comum, em razão do seu direito de punir (jus puniendi), instituindo sanções penais contra o infrator. (MIRABETE, 2002)
Nesse contexto, entra o processo penal que de acordo com Mirabete (2002) engloba princípios e normas que tendem a regular a aplicação jurisdicional do direito Penal, bem como as atividades persecutórias da Polícia Judiciária, e a estruturação dos órgãos da função jurisdicional e respectivos auxiliares.
Avena (2011) define direito processual penal como o instrumento destinado à realização do poder punitivo do Estado e cujo desenvolvimento é regido por um conjunto de normas que comoões o direito processual.
Perfilhando da mesma concepção, Brasileiro (2012) diz que:
Quando o Estado, por intermédio do Poder Legislativo, elabora as leis penais, cominando sanções àqueles que vierem a praticar a conduta delituosa, surge para ele o direito de punir os infratores num plano abstrato e, para o particular, o dever de se abster de praticar a infração penal.
No entanto, a partir do momento em que alguém pratica a conduta delituosa prevista no tipo penal, esse direito de punir desce do plano abstrato e se transforma no jus puniendi in concreto. O Estado, que até então tinha um poder abstrato, genérico e impessoal, passa a ter uma pretensão concreta de punir o suposto autor do fato delituoso.
Surge, então, a pretensão punitiva, a ser compreendida como o poder do Estado de exigir de quem comete um delito a submissão à sanção penal. Através da pretensão punitiva, o Estado procura tornar efetivo o ius puniendi, exigindo do autor do delito, que está obrigado a sujeitar-se à sanção penal, o cumprimento dessa obrigação, que consiste em sofrer as consequências do crime e se concretiza no dever de abster-se ele de qualquer resistência contra os órgãos estatais a que cumpre executar a pena.
No entanto, essa pretensão punitiva não pode ser voluntariamente resolvida sem, um processo, não podendo nem o Estado impor a sanção penal, nem o infrator sujeitar-se à pena. Em outras palavras, essa pretensão já nasce insatisfeita. Afinal, o Direito Penal não é um direito de coação direta. Apesar de o Estado ser o titular do direito de punir, não se admite a imposição imediata da sanção sem que haja um processo regular, assegurando-se, assim, a aplicação da lei penal ao caso concreto, consoante as formalidades prescritas em lei, e sempre por meio dos órgãos jurisdicionais (nulla poena sine judieio).
Aliás, até mesmo nas hipóteses de infrações de menor potencial ofensivo, em que se admite a transação penal, com a imediata aplicação de penas restritivas de direitos ou multas, não se trata de imposição direta de pena. Utiliza-se, na verdade, de forma distinta da tradicional para a resolução da causa, sendo admitida a solução consensual em infrações de menor gravidade, mediante supervisão jurisdicional, privilegiando-se, assim, a vontade das partes e, principalmente, do .",utor do. fato
que pretende evitar os dissabores do processo e o risco -da -condenação.
É daí que sobressai a importância do processo penal, pois funciona como instrumento do qual se vale o Estado para a imposição de sanção penal ao possível autor do fato delituoso. Mas o Estado não pode punir de qualquer maneira. Com efeito, considerando-se que, da aplicação do Direito Penal pode resultar a privação da liberdade de locomoção do agente, entre outras penas, não se pode descurar do necessário e indispensável respeito a direitos e liberdades individuais que tão caro custaram para serem reconhecidos e que, em verdade, condicionam a legitimidade da atuação do próprio aparato estatal em um Estado Democrático de Direito.
Na medida em que a liberdade de locomoção do cidadão funciona como um dos dogmas do Estado de Direito, é intuitivo que a própria Constituição Federal estabeleça regras de observância obrigatória em um processo penal. É a boa aplicação (ou não) desses direitos e garantias que permite, assim, avaliar a real observância dos elementos materiais do Estado de Direito e distinguir a civilização da barbárie. De fato, como adverte Norberto Bobbio, a proteção do cidadão no âmbito dos processos estatais é justamente o que diferencia um regime democrático daquele de índole totalitária.
Na dicção do autor, "a diferença fundamental entre as duas formas antitéticas de regime político, entre a democracia e a ditadura, está no fato de que somente num regime democrático as relações de mera força que subsistem, e não podem deixar de subsistir onde não existe Estado ou existe um Estado despótico fundado sobre o direito do mais forte, são transformadas em relações de direito, ou seja, em relações reguladas por normas gerais, certas e constantes, e, o que mais conta, preestabelecidas, de tal forma que não podem valer nunca retroativamente. A consequência principal dessa transformação é que nas relações entre cidadãos e Estado, ou entre cidadãos entre si, o direito de guerra fundado sobre a autotutela e sobre a máxima 'Tem razão quem vence' é substituído pelo direito de paz fundado sobre a heterotelia e sobre a máxima 'Vence quem tem razão'; e o direito público externo, que se rege pela supremacia da força, é substituído pelo direito público interno, inspirado no princípio da 'supremacia da lei' (rule of law)".
É esse, pois, o grande dilema do processo penal: de um lado, o necessário e indispensável respeito aos direitos fundamentais; do outro, o atingimento de um sistema criminal mais operante e eficiente.2 Há de se buscar, portanto, um ponto de equilíbrio entre a exigência de se assegurar ao investigado e ao acusado a aplicação das garantias fundamentais do devido processo legal e a necessidade de maior efetividade do sistema persecutório para a segurança da coletividade.
É dentro desse dilema existencial do processo penal- efetividade da coerção penal versus observância dos direitos fundamentais - que se buscará, ao longo da presente obra, um ponto de equilíbrio no estudo do processo penal, pois somente
assim serão evitados os extremos do hiper garantismo e de movimentos como o do Direito Penal do Inimigo ou do Direito Penal da Lei e da Ordem. (fls. 01-03)
Corroborando a ideia acima, Nucci conceitua o direito Processual penal como “o corpo de normas jurídicas cuja finalidade é regular o modo, os meios e os órgãos encarregados de punir do Estado, realizando estes atos por meio do Judiciário, constitucionalmente incumbido de aplicar a lei ao caso concreto”. (p. 73, 2007)
Para que se inicie o processo, é necessário o preenchimento de alguns pressupostos, tais como Mirabete (2002) menciona as denominadas condições gerais da ação a possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir e legitimidade ad causam. Além destas, o direito penal acena com as condições especiais. Estas, em decorrência das peculiaridades que apresenta o funcionamento da justiça penal, conforme a espécie da ação penal. Porém, Mirabete (2002) explica que, além das condições genéricas, ou gerais da ação o direito penal contempla um rol de condições especiais chamadas de condições de procedibilidade.
De acordo com Grecco (2010), no que tange o Direito Processual Penal relacionada à possibilidade jurídica do pedido, a que se falar da imputabilidade do agente do crime ponderada no caso concreto, haja vista que, sendo a imputabilidade um dos elementos constitutivos do crime, a sua ausência desconstituiria uma das condições básicas para a propositura da ação penal. Já que somente responderão criminalmente pelos atos ilícitos os agentes imputáveis, sendo assim, aqueles que fossem considerados como inimputáveis perante a lei serão isentos de pena. Serão considerados inimputáveis todos aqueles que se estiverem de acordo com a conceituação disposta no art. 26 do Código Penal.
Nesse sentido, dispõe Grecco (2010) que, ao se falar de inimputabilidade a de se observar que, quando um crime é praticado por agente considerado inimputável, e este fato for constituído pelos elementos básicos dos crimes que são a tipicidade e antijuridicidade, a pós superada a análise destes elementos, for constatado que, em virtude de sua doença mental o agente era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determina-se de acordo com esse entendimento, o Ministério Público, titular da ação penal, oferecerá denúncia que deverá apresentar uma narração detalhada de todos os fatos do crime, onde o agente terá, durante a instrução do processo, o direito a ampla defesa, sendo que ao final da peça acusatória mencionar a causa dirimente da culpabilidade, pugnando pela absolvição do réu.
Dessa forma, nessa hipótese não haverá possibilidade de ser formulado pedido condenatório, haja vista que esta peça teria que ser rejeitada pela ausência de uma das condições necessárias ao regular o exercício do direito de ação, ou seja, a possibilidade jurídica do pedido. Portanto, quando comprovada a inimputabilidade do agente, o pedido condenatório torna-se impossível, de acordo com o disposto no art. 26, caput, do Código Penal. (GRECO, 2010)
No caso dos sacrifícios de neonatos nas comunidades indígenas de Roraima, em tese teria que ser feito o procedimento acima citado, porém não se encontrou na pesquisa casos concretos sobre o tema em análise, não se podendo fazer argumentações precisas de como seria a prática processual penal neste caso.
Avaliando o fator inimputabilidade, que é uma causa de exclusão da culpabilidade, afastando o juízo de reprovabilidade da conduta praticada e, portanto a pena, o raciocínio que se tem é de que se não há culpabilidade, não se pode falar em crime, já que a teoria adotada pelo Código Penal Brasileiro e pela doutrina majoritária é a tripartida do conceito analítico (crime é um fato típico, antijurídico e culpável) incluindo a culpabilidade como um de seus elementos característicos. (GRECO, 2010)
Nesse sentido, de acordo com Delmanto (2010), a doutrina majoritária preconiza que, o índio é considerado imputável, dessa forma, a ele poderá ser imputado ato definido como crime, a depender da análise do caso concreto, mais especificamente o sacrifício de neonatos nas comunidades indígenas no Estado de Roraima.
No que tange à responsabilidade penal do índio, assim dispõe Delmanto et al (2010) :
É plenamente imputável o índio já aculturado, com desenvolvimento mental permite compreender a ilicitude de seus atos (STF, RT 614/393). Só por ser indígena em vias de integração, ao é inimputável; depende de ter ele ou não desenvolvimento mental incompleto (STF, RTJ 105/396). O índio pode se situar-se entre os inimputáveis, quando não demonstra grau de discernimento e de incorporação à sociedade civilizada (STF, RTJ 106/334). É injusto e descabível situar o indígena entre os penalmente irresponsáveis, como pretendem a Exposição de Motivos do CP e vários penalistas (TJAM, RF 275/328). É necessária perícia médica que comprove o desenvolvimento incompleto ou retardado, não bastando a só condição de sílvicola (TJSC, RT 544/390; TJSP, RT 621/339). (p.185)
Ilustrando a situação do índio, apresentada pelos julgados acima descritos por Delmanto et al (2010), quando avaliada a sua imputabilidade aplicada ao caso concreto, pode-se vislumbrar no julgado abaixo:
AÇÃO PENAL. PERMISSÃO DA AUTORIDADE COMPETENTE ART. 39 DA LEI 9605/98.CORTE DE ÁRVORES. RESPONSABILIDADE PENAL DE INDÍGENAS.1. A existência de direitos e deveres dos membros das comunidades indígenas em nossa ordem constitucional exige a verificação concreta do nível de aculturação sofrido.2. Muito embora a Constituição preconize que os índios possuem posse e usufruto de terras por eles ocupadas, conforme suas atividades produtivas, usos, costumes e tradições, sua exploração não pode ser indiscriminada de forma a evitar os danos ao meio ambiente.3. O art. 39 da Lei nº 9.605/98 impõe sanção a quem cortar árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade competente. (8ª Turma Recursal / Santa Catarina – ACR 5860 SC 2000.72.05.005860-0– Rel. Luiz Fernando WonWk Penteado, 09/11/2005).
Trazendo os fatores expostos nessa pesquisa para caso do sacrifício de neonatos na comunidade indígenas yanomami no Estado de Roraima, percebe-se que, tal como os julgados acima citados, nos casos assemelhados a estes deverão ser, em tese, observados pelo magistrado no momento do julgamento elementos tais como, a capacidade de discernimento do indígena e em que circunstâncias o fato se deu, para que assim este indígena seja julgado conforme dispõe tanto a lei pátria, quanto a doutrina majoritária, respeitando sempre o direto a ampla defesa do indígena, ressaltando que a competência para processar e julgar crime em que o indígena figure como autor ou vítima é da Justiça Comum Estadual, conforme texto consagrado na súmula 140 do STJ.
Devido ao fato do objeto de pesquisa estar mais relacionado a esfera penal do que ao processo penal torna-se inviável avaliar o sacrifício de neonatos sob o ponto de vista processual penal, a não ser que seja observado, tal como exposto nesta pesquisa cientifica, os elementos constitutivos do crime que são, o fato típico, antijurídico e culpável, onde a partir na análise culpabilidade será possível atrelar o tema em análise com o processo, por consequência desse tornar diverso quando o agente do ilícito for considerado inimputável, a exemplo do exposto nesta pesquisa científica.
Dessa forma, as especulações baseadas no processo penal, enquanto definir o sacrifício de neonatos como crime ou costume, por não existirem evidências de casos concretos faz com que as especulações fiquem apenas no campo da abstração.
Afora o problema de não ter se encontrado registro sobre decisões que apreciassem o objeto abordado por este trabalho, acredita-se que caso algum dia isto venha ocorrer, a responsabilidade do indígena será avaliado em cima do seu nível de aculturação como já abordado ao longo desta pesquisa.
Nesse sentindo, colacionam-se os seguintes precedentes dos tribunais pátrios. Confere-se:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PROCESSUAL PENAL. DEMONSTRAÇÃO INSUFICIENTE DA REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL. REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO: IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. RECURSO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.Relatório 1. Recurso extraordinário interposto com base no art. 102, inc. III, al. a, da Constituição da República contra o seguinte julgado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: “PENAL. PERÍCIA ANTROPOLÓGICA. DISPENSABILIDADE. DENÚNCIA. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS. EMENDATIO LIBELI. CÁRCERE PRIVADO. DESCLASSIFICAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL QUALIFICADO. ARTIGO 146, § 1º, DO CÓDIGO PENAL. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. ROUBO QUALIFICADO. DÚVIDAS QUANTO À AUTORIA. ABSOLVIÇÃO. FURTO QUALIFICADO. TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO. LESÕES CORPORAIS. LEGÍTIMA DEFESA. NÃO COMPROVAÇÃO. DOSIMETRIA. ANTECEDENTES. NÃO-CULPABILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. PLURALIDADE DE VÍTIMAS. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. PENA DE MULTA. REDUÇÃO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. VIOLÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. 1. Existindo nos autos elementos bastantes à aferição do nível de integração do índio à sociedade civil, a realização de exame antropológico é desnecessária. Precedentes do STJ. 2. Não procede a alegação de inépcia quando a denúncia se encontra formalmente perfeita, descrevendo satisfatoriamente as condutas delituosas imputadas aos réus. Eventuais vícios da inaugural, ademais, restam superados após a prolação de sentença condenatória, se não alegados em tempo próprio. 3. O agente que, durante reduzido lapso temporal, impede outrem de fazer algo que a lei lhe permite, mediante violência, pratica o crime de constrangimento ilegal. Desclassificação do ilícito de cárcere privado para constrangimento ilegal qualificado. Precedentes. 4. Autoria e materialidade comprovadas pelo conjunto dos elementos probatórios coligidos aos autos. A desconsideração dos depoimentos das vítimas não seria suficiente para um juízo absolutório, em face das demais provas acostadas. 5. Inexistindo elementos robustos quanto à autoria do delito de roubo qualificado, impõe-se a absolvição dos acusados no que pertine ao ilícito em tela. 6. Embora a conduta não corresponda ao verbo descrito no tipo penal, a responsabilidade penal não é afastada se o agente detinha o controle final da situação, de modo a ter o domínio do fato até a sua consumação. Mantida a condenação pelo cometimento do ilícito insculpido no artigo 155, § 4º, inciso IV, do Código Penal. 7. A alegação de legítima defesa suscitada em relação ao delito do artigo 129 do Estatuto Repressivo não foi comprovada nos autos, de modo que deve ser confirmada a condenação. 8. Ações penais em curso e inquéritos policiais instaurados não podem ser considerados como maus antecedentes, em respeito ao princípio da não-culpabilidade. Precedentes. 9. A pluralidade de vítimas é suficiente para considerar-se como negativa a vetorial relativa às circunstâncias do crime. 10. A pena de multa deve guardar simetria com a privativa de liberdade, observada a correlação matemática entre elas. 11. A teor do que disciplina o inciso I do artigo 44 do Código Penal, não é possível a substituição da pena corporal quando o crime for cometido mediante o emprego de violência ou grave ameaça. A medida deve ser mantida em favor daqueles a quem a benesse foi concedida pela sentença, à míngua de insurgência da acusação”. Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (fl. 1.124). 2. Os Recorrentes alegam ter o Tribunal de origem contrariado o art. 5º, incs. LIV e LV; e 231, caput, da Constituição da República. Sustentam que “a decisão colegiada [ ] rejeitou os embargos sem promover o debate dos dispositivos apontados pelos recorrentes como violados” (fl. 1152). Alegam “não cabe (r) ao juiz julgar a integração ou não dos índios à comunhão nacional sem o auxílio de profissionais especializados na cultura indígena. Assim, o procedimento adequado para aferir-se a inimputabilidade ou semi-imputabilidade dos índios encontra-se previsto no art. 149, caput, do Código de Processo Penal” (fl. 1153). Analisados os elementos havidos nos autos, DECIDO. 3. Razão jurídica não assiste aos Recorrentes. 4. Os Recorrentes foram intimados do julgado recorrido em 13.2.2009, e, nos termos do que decidido pelo Supremo Tribunal Federal no Agravo de Instrumento 664.567-QO, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, Plenário, “a exigência da demonstração formal e fundamentada, no recurso extraordinário, da repercussão geral das questões constitucionais discutidas só incide quando a intimação do acórdão recorrido tenha ocorrido a partir de 03 de maio de 2007”. Entretanto, os Recorrentes limitaram-se a afirmar que: “O acórdão das fls. 1067-1100, ao afastar a necessidade de realização de perícia antropológica para exata aferição do nivel de adaptação dos índios-recorrentes à vida na sociedade dita e organizada, com vistas eventual caracterização da condição de inimputáveis ou semi-imputáveis, repercute juridicamente, na medida em que retira destes – e de outros indígenas envolvidos em eventuais delitos tipificados no Código Penal – as garantias constitucionais da ampla defesa e do repeito ao devido processo.Ocorre que a perícia antropológica é o instrumento apto e indispensável para apreciar tecnicamente as características culturais dos índios, tecendo análise do contexto político, histórico, filosófico, econômico, religioso, psíquico, etc, em que os índios se inserem. Do mesmo modo, a desconsideração dos usos, costumes e tradições indígenas pelo acórdão, que não sopesou as circunstâncias de que os delitos imputados aos réus ocorreram num contexto de manifestação da coletividade indígena da região em compasso com a sua cultura (buscando alertar as autoridades sobre a demora da retirada dos agricultores e da cooperativa do interior das terras que fora declarada indígena na concepção constitucional), também repercute juridicamente. Não se olvide que a região em que os incidentes ocorreram – oeste do estado de Santa Catarina (Município de Chapecó) – é ocupada por contingente considerável de indígenas. Os réus são lideranças dos povos indígenas que lá se encontram, o que também caracteriza a relevância política, social e jurídica da demanda, ultrapassando interesses subjetivos e envolvendo aquelas comunidades de modo mais amplo” (fl. 1151). A insuficiência de fundamentação expressa, formal e objetivamente articulada pelos Recorrentes para demonstrar, nas razões do recurso extraordinário, a repercussão geral da matéria constitucionalmente arguida inviabiliza o exame do recurso. Embora tenha mencionado a repercussão geral, os Recorrentes não desenvolveram argumentos suficientes para cumprir o objetivo da exigência constitucional. Nesse sentido: “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL PENAL. REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL. INTIMAÇÃO DO RECORRENTE APÓS 3.5.2007. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO FORMAL. REQUISITO NÃO OBSERVADO. INADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO PRIMEIRO DE ADMISSIBILIDADE, REALIZADO NO TRIBUNAL A QUO, PARA APRECIAR, COMO OCORREU NO CASO, A EXISTÊNCIA DA PRELIMINAR FORMAL E FUNDAMENTADA DA REPERCUSSÃO GERAL. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO” (AI 718.993-AgR, de minha relatoria, Primeira Turma, DJe 6.2.2009 – grifos nossos). “PROCESSO PENAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO CRIMINAL. PRELIMINAR. REPERCUSSÃO GERAL DAS QUESTÕES CONSTITUCIONAIS. AUSÊNCIA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 279 DO STF. AGRAVO IMPROVIDO. I - Nos termos do art. 327, e § 1º, do RISTF, com a redação dada pela Emenda Regimental 21/2007, os recursos que não apresentem preliminar formal e fundamentada de repercussão geral serão recusados. A obrigação incide, inclusive, quando eventualmente aplicável o art. 543-A, § 3º, do Código de Processo Civil.Precedentes. II - No julgamento do AI 664.567-QO/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, esta Corte assentou que não há falar ‘em uma imanente repercussão geral de todo recurso extraordinário em matéria criminal, porque em jogo, de regra, a liberdade de locomoção’, pois ‘para obviar a ameaça ou lesão à liberdade de locomoção - por remotas que sejam -, há sempre a garantia constitucional do 'habeas corpus' (CF, art. 5º, LXVIII)’” (AI 705.218-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJe 5.6.2009 – grifos nossos). 5. Ademais, este Supremo Tribunal assentou que a alegação de contrariedade ao art. 5º, incs. LIV e LV da Constituição da República, se dependente do exame da legislação infraconstitucional (na espécie vertente, Código Penal e Código de Processo Penal), não viabiliza o recurso extraordinário, pois eventual ofensa constitucional, se tivesse ocorrido, seria indireta: “PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 282 DESTE SUPREMO TRIBUNAL. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. A jurisprudência deste Supremo Tribunal firmou-se no sentido de que "Os embargos declaratórios só suprem a falta de prequestionamento quando a decisão embargada tenha sido efetivamente omissa a respeito da questão antes suscitada".Precedentes. 2. O Supremo Tribunal Federal firmou jurisprudência no sentido de que as alegações de afronta aos princípios da legalidade, do devido processo legal, da motivação dos atos decisórios, do contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, se dependentes de reexame de normas infraconstitucionais, podem configurar apenas ofensa reflexa à Constituição da República. Precedentes. 3. Agravo regimental desprovido” (AI 580.465-AgR, de minha relatoria, Primeira Turma, DJe 19.9.2008 – grifos nossos). “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CRIMINAL. HOMICÍDIO. NULIDADE DO JULGAMENTO. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. O Tribunal a quo não se manifestou explicitamente sobre os temas constitucionais tidos por violados. Incidência dos óbices das Súmulas ns. 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal. 2. Reexame de fatos e provas. Inviabilidade do recurso extraordinário. Súmula n. 279 do Supremo Tribunal Federal. 3. As alegações de desrespeito aos postulados da legalidade, do devido processo legal, da motivação dos atos decisórios, do contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, se dependentes de reexame prévio de normas inferiores, podem configurar, quando muito, situações de violação meramente reflexa do texto da Constituição. Agravo regimental a que se nega provimento” (AI 757.450-AgR, Relator o Ministro Eros Grau, Segunda Turma, DJe 4.12.2009 – grifos nossos). “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que as alegações de afronta aos princípios do devido processo legal, da motivação dos atos decisórios, do contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional,se dependentes de reexame de normas infraconstitucionais, configurariam ofensa constitucional indireta. 3. Imposição de multa de 5% do valor corrigido da causa. Aplicação do art. 557, § 2º, c/c arts. 14, inc. II e III, e 17, inc. VII, do Código de Processo Civil” (AI 643.746-AgR, de minha relatoria, Primeira Turma, DJe 8.5.2009). Nada há a prover quanto às alegações dos Recorrentes. 6. Pelo exposto, nego seguimento ao recurso extraordinário (art. 38 da Lei 8.038/90 e art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). Publique-se. Brasília, 24 de junho de 2014.Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora. (STF - RE: 816520 SC , Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 24/06/2014, Data de Publicação: DJe-148 DIVULG 31/07/2014 PUBLIC 01/08/2014)
HABEAS CORPUS. CRIMES DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES, ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO E PORTE ILEGAL DE ARMA PRATICADOS POR ÍNDIO. LAUDO ANTROPOLÓGICO. DESNECESSIDADE. ATENUAÇÃO DA PENA E REGIME DE SEMILIBERDADE. 1. Índio condenado pelos crimes de tráfico de entorpecentes, associação para o tráfico e porte ilegal de arma de fogo. É dispensável o exame antropológico destinado a aferir o grau de integração do paciente na sociedade se o Juiz afirma sua imputabilidade plena com fundamento na avaliação do grau de escolaridade, da fluência na língua portuguesa e do nível de liderança exercida na quadrilha, entre outros elementos de convicção. Precedente. 2. Atenuação da pena (artigo 56 do Estatuto do Índio). Pretensão atendida na sentença. Prejudicialidade. 3. Regime de semiliberdade previsto no parágrafo único do artigo 56 da Lei n. 6.001/73. Direito conferido pela simples condição de se tratar de indígena. Ordem concedida, em parte. (STF - HC: 85198 MA , Relator: Min. EROS GRAU, Data de Julgamento: 17/11/2005, Primeira Turma, Data de Publicação: DJ 09-12-2005 PP-00016 EMENT VOL-02217-02 PP-00368 RTJ VOL-00203-03 PP-01088 RJP v. 2, n. 8, 2006, p. 162 LEXSTF v. 28, n. 327, 2006, p. 334-339)
RECURSO ESPECIAL. PENAL. ARTS. 129, 146, § 3º, DO CP. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. CONSUMAÇÃO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. ART. 155, § 4º, IV, DO CÓDEX CRIMINAL. SUBSISTÊNCIA DO INTERESSE RECURSAL. ACÓRDÃO RECORRIDO. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. INDÍGENAS. PERÍCIA ANTROPOLÓGICA OU SOCIOLÓGICA. INTEGRAÇÃO À SOCIEDADE CIVIL. AFERIÇÃO POR OUTROS ELEMENTOS. EXAME. DESNECESSIDADE. PROVAS. INSUFICIÊNCIA. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE. VERIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. ART. 56 DA LEI N. 6.001/1973. APLICAÇÃO. SILVÍCOLA INTEGRADO À SOCIEDADE. DESCABIMENTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. SUPERAÇÃO. DISCUSSÃO. APLICABILIDADE. ART. 10, ITEM 2, DA CONVENÇÃO N. 169/OIT. ITEM 1 DO MESMO DISPOSITIVO. OBSERVÂNCIA PELO JUÍZO DA EXECUÇÃO. 1. Está extinta a punibilidade, pela prescrição da pretensão punitiva, em relação aos crimes dos arts. 129, 146, § 3º, do Código Penal, pois, desde o último março interruptivo, consistente na publicação da sentença condenatória, em 26/1/2007, transcorreram os lapsos suficientes para a sua consumação, que eram, respectivamente, de 2 e 4 anos. 2. Subsistência do interesse recursal tão só quanto ao delito do art. 155, § 4º, IV, do Código Penal e apenas em relação aos recorrentes que foram por ele condenados (Valdecir Fernandes, João Eloir Fernandes, Jair Cardoso, Adilson Jorge Ferreira, Angelin Gandão e Valmor Venhra Mendes de Paula). 3. Inexiste ofensa ao art. 619 do Código de Processo Penal, uma vez que o acórdão recorrido apreciou, de forma fundamentada, as questões que lhe foram submetidas, não havendo omissão a ser sanada. 4. É dispensável a realização de exame pericial antropológico ou sociológico quando, por outros elementos, constata-se que o indígena está integrado à sociedade civil e tem conhecimento dos costumes a ela inerentes. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. 5. O Tribunal de origem, fundamentado em elementos probatórios constantes dos autos, concluiu que os recorrentes tinham boa compreensão das regras da sociedade não indígena, inclusive sabendo ler e escrever e possuindo identificação civil. 6. Hipótese em que não houve nulidade pela falta de realização do exame pericial antropológico ou sociológico. Além disso, para rever a conclusão do acórdão recorrido, seria necessária a revisão de provas, providência descabida em recurso especial, por força da Súmula 7/STJ. 7. No mesmo óbice sumular esbarra a análise da alegação de insuficiência de provas e de ausência de nexo de causalidade entre a conduta por eles praticada e a subtração de produtos da Cooperativa, pois o julgado combatido, de forma fundamentada, entendeu, a partir da teoria do domínio do fato e do conjunto probatório, que estaria presente o nexo de causalidade entre a conduta dos recorrentes e as práticas delituosas. 8. A atenuante prevista no art. 56 da Lei n. 6.001/1973 tem sua aplicação limitada aos indígenas em fase de aculturação, não sendo cabível sua incidência a silvícolas adaptados à sociedade civil. Precedentes desta Corte. 9. Remanescendo tão só a condenação a 2 anos e 4 meses de reclusão, pelo crime do art. 155, § 4º, IV, do Código Penal, será possível o cumprimento da reprimenda em regime aberto, bem como a sua substituição por duas restritivas de direitos, pois atendidos os requisitos do art. 44 do mesmo Estatuto. 10. Efetivada a substituição da pena privativa de liberdade, fica superada a discussão acerca da preferência de aplicação de pena diversa da privativa de liberdade, em atendimento ao disposto no art. 10 da Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho (item 2), devendo o item 1 do mesmo artigo ser observado pelo Juízo da Execução quando da especificação das penas restritivas de direitos. 11. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, improvido. Habeas corpus concedido de ofício, para declarar extinta a punibilidade de todos os recorrentes em relação aos crimes tipificados nos arts. 129, 146, § 3º, do Código Penal, nos termos do art. 107, IV, c/c os arts. 109, V e VI, 110, § 1º e 114, II, do Código Penal, e para, quanto a Valdecir Fernandes, João Eloir Fernandes, Jair Cardoso, Adilson Jorge Ferreira, Angelin Gandão e Valmor Venhra Mendes de Paula, fixar o regime aberto e substituir a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, a serem especificadas pelo Juízo da Execução, o qual deverá observar o art. 43 do referido Códex e o art. 10, item 1, da Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT, em relação à condenação pelo crime do art. 155, § 4º, IV, do Código Penal.
(STJ , Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 15/08/2013, T6 - SEXTA TURMA)
Pelas decisões acima, percebe-se que o índio pode responde penalmente quando da prática de crimes, com base no critério de integração à sociedade. Como já abordado durante o trabalho, ao citar Castro (2013), que diz que o Estatuto do Índio a questão da culpabilidade é resumida ao critério da inimputabilidade, à luz da divisão já ultrapassada entre índios isolados, integrados e em vias de integração. De acordo com o artigo 56, do referido estatuto, “nos casos de condenação de índio por infração penal, a pena deverá ser atenuada e na sua aplicação o Juiz atenderá também ao grau de integração do silvícola”.
Portanto, se o um índio estiver totalmente integrado à sociedade responderá como, se não for menor de idade, como qualquer outra pessoa. Porém se estiver em vias de integração à sociedade será considerado semi-imputável, e, por fim, não estiver totalmente alheio à cultura dita “civilizada”, será considerado inimputável.
Válido ressaltar, que esse critério para definição da responsabilidade penal do índio tem sido muito criticada pela doutrina, pois parte de um paradigma cultural etnocêntrico, que desconsidera a cultura indígena, e o próprio índio como ser já desenvolvido. Nesse sentido, ao atrelar o desenvolvimento do índio ao do não índio soa preconceituoso e etnocêntrico.
Cumpre frisar, ainda, que os autores que aderem a critério da integração do índio para auferir sua responsabilidade penal, destacam a importância de realizar perícia antropológica. No entanto, como demonstrado acima, a jurisprudência tem dispensado a perícia quando for possível auferir o nível de integração do indígena com as provas carreadas nos autos.
Dessa forma, mesmo que não exista caso concreto apreciando a questão do sacrifício de neonatos nas tribos indígenas, tudo leva a crer que se um dia o caso for levado aos tribunais, o mesmo será avaliado nos critérios acima expostos.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo do trabalho, pôde-se observar que são vários os motivos pelos quais as mães indígenas yanomanis roraimenses sacrificam seus filhos, logo após seu nascimento, conduta muitas vezes incompreendida pela sociedade ocidental.
O sacrifício de neonatos nas comunidades indígenas, numa visão antropológica, constitui realmente um costume, um traço marcante da cultura yanomami. No entanto, na esfera jurídico-processual penal não há possibilidade de defini-lo como crime ou costume, pois está análise dependerá do caso concreto.
Pôde-se concluir que não há uma perspectiva prática do objeto em estudo por parte do ordenamento jurídico-processual penal, pois não se encontrou durante a pesquisa casos concretos do tema em análise, já que nunca se chegou aos tribunais brasileiros tal fato.
Vale à pena ressaltar, também, que a literatura explora bastante o tema, mas este estudo ocorre mais na esfera do direito material, ou seja, direito penal. Enquanto ao processo penal não há referências sobre o tema em análise, o que encontra são bibliografias que o tratam de maneira genérica.
Apesar de não sido encontrado alguma decisão judicial acerca do objeto de estudo deste trabalho, acredita-se que a responsabilidade do índio será auferida com base no critério da integração do mesmo à sociedade.
Ressaltado, novamente, que se trata de um critério etnocêntrico e preconceituoso, pois parte de um paradigma de comparação entre o índio e ou não índio, onde se avalia o desenvolvimento do índio a partir de um conceito de civilidade idealizada pela classe dominante.
Outra coisa interessante que se nota no aspecto penal é de que de certa forma na hora de se verificar se há possibilidade de imputar um crime ao índio ou não, a jurisdição tem levado em conta a relativização dos direitos humanos, pois se sabe que o magistrado não tem conhecimento técnico para aferir se à época do ato estava o índio aculturado ou não. Ao requisitar uma perícia ele admite que o que pode ser direito humano para a ciência jurídica pode não ser para a cultura indígena.
Espera-se que o trabalho venha colaborar com a comunidade prestando mais informações acerca sobre o tema, e também venha a contribuir com o aporte teórico científico sobre os assuntos relacionados ao sacrifício de neonatos nas comunidades indígenas yanomamis de Roraima.
REFERÊNCIAS
ALBERT, Bruce; GOMEZ, Gale Goodwin. Saúde Yanomami: um manual etnolinguístico. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 1997.
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Advogada. Pós-graduada em Direito Penal e Processo Penal pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Eliziane Chagas. Sacrifício de neonatos nas comunidades indígenas e o ordenamento jurídico-processual penal e penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 ago 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47269/sacrificio-de-neonatos-nas-comunidades-indigenas-e-o-ordenamento-juridico-processual-penal-e-penal. Acesso em: 22 nov 2024.
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