RESUMO: O presente trabalho visa uma breve análise sobre os institutos despenalizadores dos Juizados Especiais Criminais dispostos na lei 9.099/95, trazendo seus principais contornos e o debate sobre suas respectivas naturezas jurídicas. Para tanto, utilizou-se pesquisa bibliográfica e jurisprudencial.
PALAVRAS-CHAVE: juizado especial criminal, medidas despenalizadoras, composição civil, transação penal, suspensão condicional do processo.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Composição Civil dos Danos. 3. Transação Penal. 4. Suspensão Condicional do Processo. 5. Conclusão 6. Referência Bibliográfica.
1. INTRODUÇÃO
A lei 9.099/95 inova no ordenamento jurídico pátrio, uma vez que exsurge deste uma jurisdição consensual, isto é, fundamentada no acordo de vontades, diminuindo, assim, o enfoque na jurisdição de conflito.
Torna-se assente nesse sistema penal a reparação do dano, que corresponde a denominada terceira via do direito penal, cuja legitimidade está pautada pelo princípio da subsidiariedade. Isso porque, para além da pena e da medida de segurança, esta é uma medida penal independente, que alia elementos do direito civil e cumpre com os fins da pena. Possui, assim, uma característica marcadamente socializadora, com o intuito de impedir a prisionalização do agente por delitos cujas ofensas são consideradas mínimas.
Os institutos despenalizadores são três, quais sejam a composição civil, a transação penal e a suspensão condicional do processo, que recaem primordialmente nos delitos de menor potencial ofensivo, isto é, contravenções penais e crimes que a lei comine pena máxima não superior a dois anos (art.61 da Lei 9.099/95).
Desse modo, esse modelo de justiça célere acaba visando o acordo entre as partes, a reparação voluntária dos danos sofridos pela vítima, mas fundamentalmente a aplicação de pena não privativa de liberdade através da aplicação das medidas despenalizadoras, evitando-se, o quanto possível, a instauração de um processo penal, consoante dispõe o princípio da intervenção mínima, um dos vetores da lei dos juizados criminais.
2. COMPOSIÇÃO CIVIL DOS DANOS
Esta medida despenalizadora essencialmente apresenta como objetivo a reparação civil à vítima, que seria a terceira via do Direito Penal, pela concepção do grande doutrinador Claus Roxin. A reparação substituiria ou atenuaria a pena nos casos em que conviria melhor aos objetivos da pena e as necessidades do ofendido. Um novo enfoque na vítima, ao invés da tradicional ênfase no ofensor aproxima o Direito Penal da realidade social, cujo o interesse muitas vezes está na reparação integral do dano e não tão somente na punição.
Destarte, na composição civil dos danos estão em voga interesses patrimoniais e, portanto de natureza disponível, prescindindo-se, assim, da participação do Ministério Público, salvo se envolver interesse de incapazes. Por conseguinte, esta medida se apresenta na fase preliminar ou procedimental do Juizado Especial Criminal, momento que ainda não há processo instaurado, sendo conduzida por magistrado ou conciliador, sob a sua orientação.
Realizada a composição dos danos, o acordo será reduzido a escrito e homologado por sentença irrecorrível, que consubstanciará em título executivo judicial a ser executado no próprio Juizado Especial Cível se o valor da causa não ultrapassar, no âmbito da Justiça Estadual, 40 salários-mínimos (art.3º, § 1º, Lei 9.099/95).
A despeito da lei somente mencionar que a composição dos danos civis poderá ser feita em crimes de ação penal de inciativa privada e de ação penal pública condicionada à representação, a doutrina e jurisprudência majoritárias compreendem que também é cabível na ação penal pública incondicionada, embora seus efeitos sejam distintos.
Em relação à ação penal de iniciativa privada, o acordo celebrado e homologado tem como consequência a renúncia ao direito de queixa, acarretando a extinção da punibilidade, nos termos do art.107, V, do Código Penal.
Dessa maneira, o doutrinador Renato Brasileiro expõe o seguinte raciocínio:
Se a regra prevista no Código Penal é que o fato de o ofendido receber a indenização do dano causado pelo crime não implica em renúncia ao direito de queixa (CP, art. 104, parágrafo único), pode-se dizer que a composição dos danos civis funciona como exceção, já que o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa, por força da norma especial do art.74, parágrafo único, da Lei nº 9.099/95.1
Ademais, do mesmo modo se comporta em relação à ação penal pública condicionada à representação, pois a renúncia ao direito de queixa conduz a inegável extinção da punibilidade.
Todavia, quanto à ação pública incondicionada a celebração do acordo não acarretará a extinção da punibilidade, tendo como intuito apenas antecipar a certeza acerca do valor da indenização, possibilitando, assim, a imediata execução no juízo civil competente.
Contudo, incorrendo a composição o processo continuará normalmente no termos do art. 75 da lei:
“Não obtida a composição dos danos civis, será dada imediatamente ao ofendido a oportunidade de exercer o direito de representação verbal, que será reduzida a termo. Parágrafo único. O não oferecimento da representação na audiência preliminar não implica decadência do direito, que poderá ser exercido no prazo previsto em Lei”2
Desse modo, não havendo êxito na composição dos danos civis poderá a vítima ou seu representante, de imediato, exercer, verbalmente e, posteriormente reduzida a termo, o direito de representar contra o autor dos fatos e quanto à ação pública incondicionada permite-se ao membro do Ministério Público, oferecer denúncia oral, dando início ao procedimento sumaríssimo.
3. TRANSAÇÃO PENAL
Esta louvável medida despenalizadora consiste no acordo pactuado entre o Ministério Público ou querelante nos crimes de ação privada e o agente infrator, através do qual é proposta a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, prescindindo-se, assim, da instauração do processo.
Como se sabe, em regra em sede de ação penal pública vigora o princípio da obrigatoriedade, todavia, na hipótese da transação penal há uma mitigação a este princípio, entrando em plano o princípio da discricionariedade regrada ou princípio da obrigatoriedade mitigada. Isso porque, a transação na área penal é nada menos do que uma faculdade de órgão acusatório dispor da ação penal, abrindo mão da aplicação da pena privativa de liberdade.
Para aplicação da transação penal é preciso:
a) tratar-se de infração de menor potencial ofensivo;
b) não ser caso de arquivamento do termo circunstanciado;
c) não ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;
d) antecedentes, conduta social, personalidade do agente, bem como os motivos e circunstâncias do delito favoráveis ao agente
e) crime de ação penal pública incondicionada, de ação penal pública condicionada à representação e de ação penal privada.
Quanto a este último requisito se discute acerca da possibilidade de proposta de transação penal quando se trata de crime de ação privada. Segundo o doutrinador Norberto Avena3, majoritariamente tem-se aceito como viável sua ocorrência, sendo que, para uma primeira corrente, quem possui legitimidade para sua dedução é o Ministério Público, sob o fundamento de que o particular não pode transacionar penas, já outra posição compreende ser do ofendido essa legitimação. Contudo, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, não apenas se entende possível a proposta de transação penal nos crimes de ação privada exclusiva, como, ainda, sustenta-se a legitimidade do ofendido para esse fim, pois este é o titular exclusivo da persecução penal.
Não há consenso na doutrina a respeito da natureza jurídica da decisão homologatória da transação penal. Existe corrente doutrinária que entende se tratar de decisão constitutiva, ou até mesmo de condenatório imprópria, pois impõe a obrigação ao agente infrator cumprir uma espécie de sanção penal, embora não acarrete reconhecimento de culpabilidade, nem produza quaisquer efeitos secundários de uma sentença condenatória (art.76, §§ 4º e 6º da Lei 9.099/95). Contudo, prevalece, o entendimento de que referida decisão apresenta natureza declaratória.
Por fim, vale destacar o Supremo Tribunal Federal editou súmula vinculante (nº 35) que prescreve que a homologação da transação penal não faz coisa julgada material, assim, descumprida suas condições, retoma-se a situação anterior. Isto posto, possibilita-se ao membro do MP a continuidade da persecução penal.
4. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO
Nos delitos cuja pena mínima cominada seja igual ou inferior a um ano, podendo até mesmo não ser da esfera da competência do Juizado Especial, o membro do Parquet, ao oferecer a denúncia, poderá apresentar proposta de suspensão do processo por dois a quatro anos, interregno este denominado de período de prova, que é cumprido sob uma série de condições.
Quanto à natureza jurídica da suspensão condicional do processo explica Roberta Azzam Gadelha Pinheiro4, que é em síntese justificada pelo Nolo Contendere, que é uma forma de defesa em que o autor do fato não discute a imputação, mas não admite a sua culpa nem declara a sua inocência. A diferenciação existente no direito norte-americano entre o Guilty Plea e o Nolo Contendere está nos efeitos civis da resposta do acusado: No primeiro, o acusado assume culpa, derivando efeito civil, no que tange à indenização. Ao passo, que no segundo a indenização será discutida.
Vale mencionar que ao magistrado não é dado participar, senão para homologar a suspensão, porque, caso contrário, estaria se imiscuindo como condição de parte, o que se mostra incompatível com o sistema acusatório (art. 129, I, CF). Contudo, caso o promotor de justiça se recuse a fazer a proposta, o juiz, verificando a existência dos requisitos para a suspensão, deve aplicar por analogia, o art. 28 do CPP, remetendo os autos ao Procurador-geral de Justiça, a fim de que este se pronuncie sobre o oferecimento ou não da proposta.
É neste sentido o teor da súmula 696 do STF:
“Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o Promotor de Justiça a propô-la, o Juiz, dissentindo, remeterá a questão ao Procurador- Geral, aplicando-se por analogia o art.28 do Código de Processo Penal”. 5
O período de prova é regido sob as seguintes condições:
a)reparação do dano, salvo a impossibilidade de fazê-lo;
b)proibição de frequentar determinados lugares;
c)proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz;
d)comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades;
e)não instauração de outro processo em virtude da prática de crime ou de contravenção penal;
f)outras condições, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.
Quanto a este último requisito, o Superior Tribunal de Justiça6, decidiu em sede de recurso repetitivo que não há óbice a que se estabeleçam, no prudente uso da faculdade disposta no art.89, § 2º, da Lei dos Juizados, obrigações equivalentes, do ponto de vista prático, a sanções penais (tais como a prestação de serviços comunitários ou a prestação pecuniária), mas que, para os fins do sursis processual, se apresentam somente como condições para a sua incidência.
A suspensão revogar-se-á obrigatoriamente em caso de novo processo por crime ou não reparação injustificada do dano, e facultativamente em caso de processo por contravenção ou descumprimento das condições (art. 89, §§ 3º e 4º, Lei 9.099/95).
Com a revogação retoma-se o curso do processo. Vencido o período de prova sem revogação do benefício extingue-se a punibilidade. Todavia, o STJ fixou a tese de que se descumpridas as condições impostas durante o período de prova, o benefício poderá ser revogado, ainda que já ultrapassado o prazo legal, desde que referente a fato ocorrido durante sua vigência.
5. CONCLUSÃO
Por fim, observa-se que após a criação dos Juizados, percebe-se que pelo menos na seara dos já vistos crimes de menor potencial ofensivo, a Justiça conseguiu ser mais célere, eficaz, pois a finalidade não é apenas punir os infratores encarcerando-os, mas punindo-os de forma até mesmo mais eficaz, ou seja, através de penas que restringirão seus direitos ou através de multas, viabilizando a sua socialização e evitando muitas vezes a reincidência.
A composição civil, a transação penal e a suspensão condicional do processo, como já citados, são institutos criminais de natureza despenalizadora que precisam ser mais utilizados e incentivados, uma vez que visam prevenir ou extinguir o litígio através da composição, a qual pode acontecer por vontade das partes ou por intervenção do juiz, além do que, permite a resolução de conflitos de forma diferente, rápida, com consenso, evitando também o desgaste de uma persecução penal e o acúmulo de processos de crimes de ofensividade mínima em nossa Justiça.
6. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
1. DE LIMA, RENATO BRASILEIRO. Legislação Criminal Especial Comentada. 2ª edição, Juspodivm.
2. BRASIL. Lei 9.099/95, de 26 de setembro de 1995
3. AVENA, NORBERTO. Processo Penal Esquematizado. 6ª edição. Editora Método.
4. PINHEIRO, ROBERTA AZZAM GADELHA. As medidas despenalizadoras dos juizados especiais criminais, 2013. Disponível em: <http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/1semestre2013/trabalhos_12013/RobertaA zzamGadelhaPinheiro.pdf >
5. BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Súmula 696.
6. BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Resp 1.498.034-RS. STJ, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 25/11/2015, S3 – TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 02/12/2015.
advogada e conciliadora, pós graduada em Direito Civil pela Esa Piauí, bacharel em Direito pelo Instituto Camilo Filho.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MADEIRA, Juliana Soares. Os institutos despenalizadores dos juizados especiais criminais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 ago 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47283/os-institutos-despenalizadores-dos-juizados-especiais-criminais. Acesso em: 11 dez 2024.
Por: RODRIGO PRESTES POLETTO
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