RESUMO: O artigo pretende abordar um instituto (ainda) pouco utilizado no âmbito das administrações públicas e que, do ponto de vista doutrinário, carece de estudos aprofundados. A quarteirização, tema do presente trabalho, tem se apresentado como um modelo de gestão recomendável diante de situações que envolvem a contratação, pela Administração Pública, de diversos e variados fornecedores espalhados em um determinado território, todos destinados a executar um mesmo serviço. A falta de sistematização e controle nessas sucessivas contratações gera prejuízos em termos de eficiência e economicidade, nulificando os benefícios pretendidos com as terceirizações. O artigo se propõe a demonstrar como a quarteirização pode se apresentar como uma alternativa positiva a depender do contexto em que se inserem as terceirizações.
Palavras-chave: Organização Administrativa. Execução Indireta. Terceirizações. Quarteirização. Modelo de gestão e organização administrativa. Características. Vantagens.
1 INTRODUÇÃO
Desde o final do século passado, constatou-se que a máquina administrativa do Estado não havia como realizar todas as atividades necessárias ao desempenho das funções que lhe foram impostas pela Constituição Federal de 1988.
Com isso em mente, muitas privatizações foram realizadas, sobretudo na década de noventa, bem como delegações de serviços públicos, com o fito de que empresas privadas passassem a auxiliar na consecução dos objetivos constitucionais.
Na realidade, mesmo antes do contexto das “desestatizações”, o ordenamento jurídico já havia consagrado, ao menos em tese, o ideal de descentralização de determinadas atividades do Estado, porquanto se percebeu que este não deveria despender tanto tempo, gasto e energia com atividades que não eram prioritárias – mas sim, secundárias, subsidiárias ou acessórias – do ponto de vista do interesse coletivo.
Nesse diapasão, a Administração Pública transferiu a terceiros a execução de atividades acessórias, chamadas também de atividades-meio, para que pudesse focar no desempenho das funções de maior relevância para a sociedade. Esse ato de transferir a terceiros a execução de atividades, isto é, de delegar a terceiros a prestação de determinados serviços, é o que se chama de “terceirização”.
Sucede que, devido à ocorrência de diversas terceirizações, nem sempre ficou fácil controlar os serviços executados pelas empresas terceirizadas, de modo a própria razão de tal sistemática, que é a obtenção de maior eficiência no desempenho da atividade delegada, restou prejudicada.
Com efeito, foram desenvolvidos novos mecanismos e sistemáticas que possibilitassem um maior controle da execução dos contratos realizada pelos terceirizados. É nesse cenário que surge como alternativa a chamada “quarteirização”, cujo conceito, características e vantagens serão a seguir analisados, à luz de um caso concreto decidido pelo Tribunal de Contas da União, relativo à manutenção preventiva e corretiva da frota de veículos.
2 CONCEITO E CARACTERISTICAS DA QUARTEIRIZAÇÃO
O fenômeno da descentralização administrativa não é novidade. O Decreto-Lei nº 200/67, que dispõe sobre a organização da Administração Federal, já há muito previa, no seu art. 10, que “a execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada”, ficando consagrada, na alínea “c” do citado artigo, a ideia de descentralização “da Administração Federal, para a órbita privada, mediante contratos ou concessões”.
A intenção do legislador ao prever a descentralização, mediante terceirizações, encontra-se expressa no próprio art. 10, § 7º, que menciona como um dos objetivos da descentralização “impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa”, pretendendo-se valer, para tanto, da expertise de empresas privadas especializadas na execução de atividades acessórias àquelas postas como prioridade do Estado. Desse modo, ao delegar a execução dessas “atividades-meio” a terceiros, o Poder Público finalmente poderia dedicar-se às atividades de real importância para a coletividade, além de reduzir gastos.
O Decreto-Lei nº 200/67, decerto, não previu expressamente a quarteirização, e sequer poderia tê-lo feito, tendo em vista que a quarteirização emana do próprio uso, desenvolvimento e incremento das terceirizações.
A quarteirização surge, então, em decorrência dos diversos problemas gerados pelo uso massivo das terceirizações. Com as frequentes transferências das atividades-meio a terceiros, ficou difícil à Administração controlar a execução dos serviços pelos particulares contratados, de modo que, sem a devida fiscalização, perdeu-se muito em termos de eficiência na execução dos serviços terceirizados.
Nesse sentido, vislumbrou-se que em muitas situações, ao invés de a Administração montar uma estrutura interna para gerenciar e inspecionar cada contrato privado de serviços terceirizados, seria mais vantajoso transferir a própria gestão, controle e fiscalização dos contratos de prestação de serviços realizados por terceiros contratados. Essa nova forma de gerenciamento dos serviços pela Administração Pública denomina-se “quarteirização”.
Assim, conforme leciona Rafael Carvalho Resende Oliveira, a “quarteirização”, envolve “a contratação de empresa especializada com a incumbência de gerenciar o fornecimento de serviços por terceiros à Administração”. A quarteirização, portanto, constitui nada mais que a terceirização do gerenciamento dos contratos privados de prestação de serviços que a Administração celebra para obter para si determinadas utilidades.
Com a quarteirização, o gerenciamento e a fiscalização dos contratos de serviços terceirizados passam a ser de responsabilidade da uma terceira empresa, chamada de empresa gerenciadora, ou mesmo, “quarteirizadora”. Aliás, na maior parte das vezes, a própria “quarteirizadora” que ficará responsável pela escolha e contratação dos terceiros que irão prestar o serviço “quarteirizado” à Administração.
Nas palavras do ilustre doutrinador Jessé Torres:
A “quarteirização” é estágio seguinte ao da terceirização, constituindo-se na contratação, pela Administração, de um terceiro privado, especializado em gerenciar pessoas físicas ou jurídicas, os “quarteirizados”, que o terceiro contratará para a execução de determinados serviços ou o fornecimento de certos bens necessários ao serviço público. Em síntese: a função da empresa gerenciadora é administrar a execução do objeto cuja execução contratará a outrem.
Sergio Viegas, por sua vez, define a quarteirização como a contratação de uma empresa terceira, que tem como finalidade coordenar, com maior qualidade, todos os contratos de terceirização existentes ou que viriam a existir. Ressalta o autor que, além da melhoria na gestão, o desgaste entre a contratante e terceiros executores do serviço fica minimizado pela presença dessa gestora, formando um “colchão” para absorver parte dos problemas.
Como se nota, a quarteirização apresenta-se como uma nova sistemática com o objetivo de retomar sobretudo a eficiência na prestação dos serviços pelos terceiros antes contratados diretamente pela Administração, bem como o de retomar a economicidade na realização dessas contratações, características essenciais aos próprios contratos de terceirização, mas que vinham se perdendo.
Nesse novo modelo de “quarteirização”, são formadas duas relações jurídicas distintas: a que se estabelece entre a Administração Pública e a empresa gerenciadora (quarteirizadora) e a relação que se estabelece entre a gerenciadora e as empresas executoras do serviço (terceirizadas).
A sistemática, explicando de forma simples, funciona do seguinte modo: o Poder Público formaliza contrato, mediante licitação, com a empresa especializada na gestão que, através de um sistema centralizado e uma rede credenciada, faz a gestão, controle e fiscalização de todos os demais contratos de fornecimento e/ou prestação de serviços à Administração, no ramo de sua especialidade.
A empresa gerenciadora funcionará como espécie de intermediária dos serviços prestados à Administração. Assim, embora a Administração Pública continue a ser a tomadora dos serviços, o é apenas indiretamente, tendo em vista que sequer tem relação com os terceiros prestadores do serviço. Sua relação se estabelece, exclusivamente, com a contratada e esta sim será a responsável pela contratação dos executores da atividade de interesse da Administração.
Cumpre ressaltar que a quarteirização não dispensa a realização de processo licitatório, mas, ao revés, a escolha da empresa especializada para gerir os contratos privados de prestação de serviços deve ser precedida de licitação pública que assegure ampla competitividade aos interessados, na maior medida possível.
Outro ponto a ser aclarado é que o vínculo jurídico da Administração é, única e exclusivamente, com a empresa gerenciadora, e não com os chamados “quarteirizados” (aqueles que prestam o serviço, que executam a atividade de interesse da Administração), o que afasta eventual responsabilidade da Administração Pública por atos praticados pelos terceiros contratados (“quarteirizados”).
Não obstante isso, o Tribunal Superior do Trabalho, no Recurso de Revista nº 203500-57.2006.5.18.0001 (DJ 07.10.2011), entendeu que a Administração tem responsabilidade subsidiária, nos moldes da Sumula nº 331 do Tribunal, pelo inadimplemento dos encargos trabalhistas dos “quarteirizados”.
Quanto à responsabilidade pelos danos causados à Administração Pública, ou na hipótese de o serviço “quarteirizado” não ter sido prestado adequadamente à Administração, respondem, solidariamente, a empresa gerenciadora – contratada diretamente pela Administração – e os terceiros contratados pela gerenciadora, independentemente de quem tenha causado o dano.
A situação é diversa da que ocorre no subcontrato autorizado pela Administração (art. 72 da Lei 8666/93), pois nesse caso somente o contratado pela Administração (subcontratante do terceiro) responde pela inexecução contratual, ainda que a inexecução se relacione ao objeto subcontratado ao terceiro.
Deve-se frisar, no entanto, que a quarteirização não é possível em todos os contratos e, algumas vezes, sequer é recomendável, estando a opção por sua realização inserta no âmbito da discricionariedade do administrador, segundo critérios de conveniência e oportunidade, mas sempre mediante análise do melhor custo-benefício e sem perder de vista os princípios constitucionais e administrativos.
Assim, via de regra, podem (em alguns casos, devem) ser quarteirizados apenas os serviços “cuja execução demanda a existência de múltiplos prestadores e/ou fornecedores, preferencialmente organizados em rede, sob gestão e controle informatizados”, conforme lições de Jessé Torres.
Um dos indicativos que permitem ou recomendam o uso da quarteirização como modelo de contratação é, portanto, a existência de diversas empresas capazes de prestar o serviço à Administração, sendo que, a cada momento e a depender da circunstância, é mais vantajoso que o serviço seja desempenhado por uma ou outra empresa quarteirizada, funcionando todas elas em sistemática de rede.
Buscando-se evitar contratações urgentes e repentinas com determinado prestador (sem qualquer economicidade), ou ainda, visando a evitar que a Administração seja obrigada a tomar, em toda e qualquer circunstância, os serviços de um único fornecedor (vencedor da licitação), enquanto que, na situação concreta, seria mais benéfico contratar com outro prestador do serviço, exsurge a quarteirização como solução mais indicada. Isso porque ressai mais vantajoso que se centralize em uma única pessoa, in casu, nas mãos da empresa gerenciadora, a gestão de todos os contratos com os terceiros que atuam naquele mesmo ramo de atividade.
Assim, a empresa gerenciadora instituirá um sistema no qual credenciará todos os potenciais fornecedores e os organizará em rede, contratando com aquele que melhor atender ao interesse da Administração naquele determinado momento da contratação. É exatamente nisso que consiste a sistemática da “quarteirização”.
3 CASO CONCRETO: QUARTEIRIZAÇÃO DA MANUTENÇÃO PREVENTIVA E CORRETIVA DE VEÍCULOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Para fins de ilustração, convém trazer à lume um caso concreto envolvendo um contrato de quarteirização firmado no âmbito da Administração Pública Federal, o qual, inclusive, foi objeto de julgamento pelo Tribunal de Contas da União (Acórdão nº 2731/2009, Plenário, Processo TC nº 032.202/2008-1, DOU de 20.11.2009). Na hipótese, a Corte de Contas manifestou-se pela validade do contrato, cujo objeto consistia na contratação de empresa especializada no gerenciamento da manutenção preventiva e corretiva de veículos.
O novo modelo implantado veio a substituir a usual sistemática de contratação direta dos diversos prestadores do serviço de manutenção de veículos, o que gerava desorganização administrativa e prejuízos à economicidade. Com a quarteirização, uma única empresa gerenciadora se comprometeria a entregar o serviço à Administração, em sua totalidade, mediante a celebração de contratos com terceiros participantes de uma rede própria de fornecedores credenciados.
No caso concreto, essa nova forma de organização – pautada na transferência da administração e do controle dos serviços para uma empresa especializada na atividade – trouxe ganhos variados, como maior eficiência no desempenho da atividade de gerenciamento e, por consequência, melhorias na qualidade do próprio serviço “quarteirizado”, tendo em vista que o novo modelo permitiu que houvesse uma padronização dos serviços prestados, atendimento tempestivo das demandas administrativas, especialmente quando dos deslocamentos dos veículos entre diversos pontos do território nacional, entre outros benefícios.
No tocante ao prazo de duração do contrato administrativo de “quarteirização”, isto é, o contrato que a Administração Pública celebra com empresa especializada no gerenciamento de determinados serviços, é possível que sua duração ultrapasse o exercício financeiro, por ser inserir na exceção posta no art. 57, II, da Lei de Licitações.
O contrato de gerenciamento, por envolver um contrato de prestação de serviço[[1]], e sendo esse serviço de caráter contínuo[[2]], permite que a sua duração chegue até 60 meses, podendo ser prorrogado sucessivas vezes dentro desse prazo, desde que comprovada a vantagem econômica das possíveis prorrogações.
Um ponto a ser ressaltado, concernente à fiscalização do contrato de quarteirização, é que a Administração Pública permanece com o dever jurídico e moral de fiscalizá-lo, tal como ocorre com qualquer contrato administrativo, sob pena de se perderem todos os ganhos e benefícios produzidos pela quarteirização.
Se, por um lado, o Poder Público fica livre de fiscalizar o contrato celebrado entre a quarteirizadora e os terceiros prestadores do serviço[[3]], já que não tem vínculo jurídico com estes (com a ressalva de que o Tribunal Superior do Trabalho já reconheceu, no caso de quarteirização, a responsabilidade subsidiária do Estado por culpa in vigilando), por outro lado, a Administração tem o dever legal de fiscalizar o contrato com a empresa especializada gerenciadora.
Jessé Torres, relativamente à fiscalização nos contratos de quarteirização, deixou registrado que “o novo modelo implica o fornecimento de relatórios pela empresa gerenciadora, a par de racionalizar o trabalho administrativo do órgão ou entidade pública, daí simplificar a fiscalização estatal sobre a execução do contrato”, uma vez que, sem tais relatórios, a Administração Pública se depararia, novamente, com o mesmo grande problema das terceirizações tradicionais, qual seja, a dificuldade de se estabelecer uma estrutura interna de controle ou de designar servidores à fiscalização da execução do serviço terceirizado.
4 VANTAGENS DA QUARTEIRIZAÇÃO
São inúmeras as vantagens da quarteirização. Primeiramente, a quarteirização possibilita a eliminação de estruturas internas da Administração. Caso a Administração Pública pretendesse, ela própria, gerenciar e fiscalizar os contratos de prestação de serviços por terceiros, teria que destinar recursos e pessoal a essa finalidade, além de implementar sistemas próprios e até mesmo, nos casos em que o serviço fosse demasiadamente técnico e fugisse ao conhecimento comum, contratar terceiros para subsidiar o administrador público responsável pela fiscalização.
Desse modo, os custos gerados em função da necessidade de se montar uma estrutura administrativa de controle poderiam sobrepor-se aos ganhos obtidos com a terceirização do serviço especializado ou, minimamente, anulá-los.
Em segundo lugar, a quarteirização proporciona também uma garantia jurídica à Administração, além de preservar a relação econômica entre a Administração e os executores do serviço tomado. Isso se deve ao fato de que a empresa especializada contratada assume completamente a gestão da rede por ela credenciada, não havendo nenhuma relação, em princípio, entre a Administração e os fornecedores ou prestadores do serviço.
Assim, ficam afastadas eventuais acusações de cunho trabalhista, relacionadas à existência de subordinação direta do empregado à Administração Pública. Ademais, a Administração, ao contratar uma única empresa gerenciadora do serviço, não precisará se preocupar com a manutenção dos requisitos de habilitação dos todos os fornecedores, como a regularidade fiscal e trabalhista, minimizando os riscos da Administração.
Um terceiro benefício é a profissionalização da gestão dos contratos e do relacionamento entre as empresas, pois a quarteirização busca evitar a improvisação de administradores na gestão e fiscalização dos contratos de prestação de serviços. Não raro, agentes públicos são desviados de sua função original para gerenciar e fiscalizar um contrato de prestação de serviço por terceiro, o que foge ao seu domínio, e constitui causa de insatisfação por parte dos servidores deslocados, além de gerar significativas perdas de eficiência. Sendo a gestão feita por empresa especializada, tais problemas desparecem.
5 CONCLUSÃO
Embora não conte com previsão legal explícita, a quarteirização vem sem utilizada, ainda que timidamente, com base no art. 6º, VIII, da Lei 8666/93, que faz alusão à execução indireta dos serviços, que é aquela em que o órgão ou entidade administrativa contrata terceiros para fazerem a execução da tarefa.
A quarteirização trata-se de nova sistemática que busca reduzir ou extirpar os problemas surgidos em decorrência das terceirizações ocorridas no âmbito da Administração Pública, pois, transferindo-se a uma pessoa especializada a gestão e a fiscalização dos contratos de prestação de serviços, passa a ser possível que a Administração concentre esforços nas atividades de interesse público imediato.
À vista disso, a quarteirização representa uma alternativa para alavancar os ganhos provindos da terceirização, eliminando o inchaço da estrutura interna das empresas e proporcionando maior agilidade e proatividade na solução dos eventuais conflitos de relacionamento. Permite, assim, que a Administração Pública atue com maior qualidade e eficiência, não apenas no que diz respeito à execução de suas atividades-meio, mas também no próprio desempenho de suas atividades essenciais, tendo em vista a concentração de esforços em tais fins.
6 REFERÊNCIAS:
MACHADO, Carina Couto; CALVOSA, Marcello Vinicius; OLIVARES, Gustavo Lopes. Quarteirização vs Terceirização: uma vantagem competitiva na gestão de contratos. Disponível em: <http://www.aedb.br/seget/artigos06/867_Quarterizacao%20Seget%20Carina.doc.pdf >. Acesso em 26/08/2014
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo, 2. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014.
PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres; DOTTI, Marinês Restelatto. Manutenção da frota e fornecimento de combustíveis por rede credenciada, gerida por empresa contratada: prenúncio da “quarteirização” na gestão pública?. FCGP. Disponível em: . Acesso em: 06/08/2016
VIEGAS, Sérgio (2003). Terceirização: Ferramentas de Gestão. Grupo Novva. Disponível em: . Acesso em 20/08/2014.
[1] No caso da quarteirização, o objeto da contratação administrativa é a própria gerência de contratos com terceiros, e não a manutenção dos veículos ou o fornecimento de combustível, até mesmo porque essas atividades sequer constituem o objeto social da contratada. A contratação, portanto, é de um sistema de gestão. Não se discute que esse sistema de gestão, objeto da contratação, é atividade destinada a conferir determinada utilidade de interesse para a Administração, o que a classifica como “serviço”, nos termos do art. 6º, II, da Lei 8666/93. Mesmo no caso em que o serviço prestado pelo “quarteirizado” for o fornecimento de combustível, que é uma obrigação de dar, e não de fazer, assemelhando-se muito mais de uma compra e venda, não se discute que o objeto do contrato administrativo realizado pela Administração com a empresa gerenciadora (“quarteirizadora”), consiste numa prestação de serviço. No Estado do RS, o Tribunal de Contas foi consultado sobre a natureza do contrato administrativo com empresa especializada no gerenciamento do fornecimento de combustíveis, através da utilização de cartão magnético, o “cartão-combustível”, para aquisição de combustível nos diversos estabelecimentos credenciados. O TC-RS assentou que o critério a ser utilizado para definir a natureza do contrato administrativo deve se basear na atividade essencial da prestação contratada, isto é, no objeto pretendido com a contratação. Se por um lado, aquela contratação tem por fim último a aquisição de combustível (que se assemelha muito mais de uma compra e venda do que da prestação de um serviço), por outro lado, o contrato tem um aspecto essencial que é a gestão e o controle do abastecimento da frota pela contratada. Assim, de acordo com a Corte de Contas, a atividade preponderante desse contrato é a prestação de uma determinada utilidade para a Administração, ou seja, a prestação de um serviço à Administração. Ainda no mesmo caso, se questionou se a cobrança da “taxa de administração” pela empresa contratada – que, in casu, era 0% (ou seja, inexistente) – não seria elemento essencial para caracterização do contrato como de prestação de serviço, já que este tipo de contrato, segundo o CC (art. 594), exige a “retribuição” como um de seus elementos essenciais (isto é, o contrato de prestação de serviços é essencialmente oneroso). Em resposta, o TC afirmou que a “retribuição” no contrato de quarteirização está presente, mesmo quando a taxa de administração é de 0%, pois o ativo que se concede à contratada é a cessão de um direito, qual seja, transfere-se temporariamente à contratada o direito exclusivo de viabilizar à Administração o fornecimento de um serviço, através da sua rede conveniada. Esta exclusividade é um bem intangível, pertencente à Administração, que será transferido à contratada, podendo ou não haver, cumulativamente, o pagamento de taxa de administração. Assim, no caso de contrato de gerenciamento do fornecimento de combustíveis, a natureza será de contrato de prestação de serviços pela contratada, sendo os elementos da compra e venda do combustível, bem como da cessão de direitos, elementos acessórios.
[2] A exceção prevista no art. 57, II, da Lei 8666/93, que permite que o contrato tenha, excepcionalmente, duração de até 60 meses, faz alusão aos “serviços contínuos”. Poderia o contrato administrativo celebrado com a empresa gerenciadora ser considerado de prestação contínua, considerando que o objeto do aludido contrato é a prestação do serviço de gerenciamento, e não a própria manutenção da frota ou o fornecimento de combustível. Pois, segundo Tribunal de Contas da União (acórdão nº 132/2008, DOU 15.02.2008), não somente as atividades essenciais têm caráter de “serviço contínuo”. O que confere caráter “contínuo” a um determinado serviço é a sua essencialidade para o funcionamento das atividades finalísticas do Estado, de modo que sua interrupção comprometeria a prestação de um serviço público ou o cumprimento de uma missão institucional. Sendo a manutenção preventiva e corretiva de veículos e o fornecimento de combustíveis serviços essenciais para o funcionamento de atividades administrativas fundamentais, assumem caráter de “serviços contínuos” e, por essa mesma razão, o gerenciamento de tais serviços ou aquisições só poderiam ser considerados como “contínuos”, já que sua interrupção comprometeria a prestação de serviços públicos e outras atividades finalísticas do Estado.
[3] No que diz respeito à natureza jurídica do contrato entre a empresa gerenciadora e os seus fornecedores, trata-se de contrato privado, regido pelo Código Civil, afastando-se a sua natureza consumerista, visto que o destinatário final do serviço é a Administração, e não a empresa gerenciadora, o que seria imprescindível para que o contrato se caracterizasse como de consumo.
Advogada. Pós-graduada em Direito Administrativo, pela Universidade Cândido Mendes (2014 - 2015). Pós-graduada em Direito Constitucional, pela Universidade Cândido Mendes (2013 - 2014). Aprovada no concurso de Advogado-Geral da União (2015).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SACRAMENTO, Júlia Thiebaut. A quarteirização na Administração Pública: conceito, características e vantagens Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 ago 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47307/a-quarteirizacao-na-administracao-publica-conceito-caracteristicas-e-vantagens. Acesso em: 22 nov 2024.
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