Resumo: A polêmica a cerca da redução da maioridade penal tem dividido opiniões de vários pensadores do Direito, por isso, este trabalho tem por finalidade, confrontar os argumentos mais utilizados entre as pessoas que se filiam ao entendimento de que a idade penal deve ser reduzida e os que são desfavoráveis a esta redução.
Palavras-Chave: Idade Penal. Redução. Argumentos.
1. INTRODUÇÃO
O Código Penal (Decreto- Lei nº 2848 de 7.12.1940), em seu artigo 27 (com a redação dada pela Lei nº 7.209 de 11.7.1984), prevê a inimputabilidade dos menores de 18 (dezoito) anos. Posteriormente, a Constituição Federal de 1988 recepcionou essa ideologia, no seu artigo 228. Anos mais tarde o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº 8.069, de 13.7.1990) reforçou essa previsão em seu artigo 104.
Por força desses três diplomas legais, sobretudo a Carta Magna, o menor de 18 anos atualmente é considerado inimputável, ou seja, incapaz de sofrer as sanções previstas pelo Código Penal. Não obstante, são-lhe aplicadas medidas socioeducativas, nos termos do ECA.
Para parte do senso comum social, isso significa a previsão legal de impunidade ao menor infrator, e a cada novo delito, cometido por um menor e amplamente divulgado pela mídia, acende-se a polêmica acerca da redução dessa idade penal.
Destarte, este trabalho tem por objetivo pesquisar na doutrina os prós e contras dessa mudança, postulada hodiernamente por grande parte da população, bem como será analisada a sua viabilidade, e serão propiciados elementos para enriquecer o debate acerca da eficiência desta medida como forma de redução da criminalidade praticada por menores. O assunto ainda causa divergência entre o meio jurídico, dividindo opiniões de juízes, promotores, defensores públicos, advogados, e até mesmo profissionais da área da saúde psicológica.
2. BREVE DISTINÇÃO ENTRE MAIORIDADE PENAL E MAIORIDADE CIVIL
A maioridade civil torna o sujeito apto a praticar sozinho todos os atos da vida civil. Esta aptidão é atualmente conferida ao agente ao completar 18 anos, conforme expressa determinação legal do art. 5º do Código Civil, em seu caput, que assim dispõe “a menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil”. Antes de integralizado desta idade, a pessoa possui uma restrição legal à pratica dos atos civis.
Entretanto, essa idade imposta pela Lei para de adquirir a maioridade civil não é absoluta, pois o art. 5º, CC, elenca a possibilidade de remoção dessa incapacidade do menor de 18 anos, por meio da emancipação aos 16 anos completos.
A maioridade penal, por sua vez, embora ocorra também aos 18 anos, estabelece que a partir desse marco etário o agente passará a responder pelos seus crimes na forma da Lei Penal, com igual tratamento dispensado aos adultos. Antes dessa faixa etária é responsabilizado pelos crimes (denominados atos infracionais) na forma de Legislação Especial - o Estatuto da Criança e do Adolescente, que em verdade constitui um Sistema Penal Juvenil.
Ocorre que a maioridade penal, distintamente da maioridade civil, não pode ser questionada via judicial, e não há nenhuma exceção na Lei Penal (hodiernamente) que possibilite a submissão dos adolescentes infratores às sanções do Código Penal.
3. DESMISTIFICANDO A IMPUNIDADE - A RESPONSABILIZAÇÃO DO ADOLESCENTE INFRATOR PREVISTA NO ECA
No Brasil a maioridade penal se inicia aos 18 anos, consoante o art. 27, do Código Penal (CP), recepcionado pelo art. 228 da Carta Magna, e art. 104, do ECA, que dispõe em seu caput que “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei.”
Nesse toar, a imputabilidade é a aptidão para ser culpável, ou seja, um requisito indispensável à responsabilização penal de um sujeito que tenha cometido algum delito. Essa previsão Legal de inimputabilidade aos menores de 18 anos confere a estes o direito de não ser responsabilizado criminalmente perante as sanções do Código Penal.
No entanto, estes indivíduos são responsabilizados pelos ilícitos penais cometidos, só que por meio de uma Lei especial (ECA), que leva em consideração, as peculiaridades que lhes são inerentes - de um ser em desenvolvimento, ainda despreparado para o convívio social, que está em transição da fase criança para a fase adulta.
Este sistema de responsabilidade criado pelo ECA, réplica do sistema penal de adultos, é denominado, por alguns autores, a exemplo de Karina Batista Sposato, como sendo um Sistema Penal Juvenil, pois consiste em um sistema penal para adolescentes, conforme a autora.
Pertinente salientar as principais características do tratamento diferenciado previsto ECA para os adolescentes em conflito com a Lei. Liminarmente, impõe salientar as diferenças terminológicas.
A conduta considerada é crime quando cometida pelo adulto, tipificadas no Código Penal e demais legislações, valem também para os adolescentes. A diferença é que quando estes praticam tais atos, denomina-se ato infracional, pois os termos crime e criminoso são considerados muito fortes e estigmatizantes.
Por esse motivo, o adolescente em conflito com a Lei é denominado infrator e não criminoso. No entanto, apesar de cometerem as mesmas condutas praticadas pelo adulto, não sofrem a mesma punição, pois a resposta estatal para a conduta desvirtuada do adolescente tem por finalidade reeducá-lo, reintegrá-lo a sociedade, demonstrar a ele o seu erro e lhe instruir a não repeti-lo.
Assim, a resposta estatal não se denomina pena, quando é destinada ao adolescente (assim compreendidos entre 12 e 18 anos, nos termos do art. 2º, do ECA), e sim medida socioeducativa. Todavia, tais medidas devem ser aplicadas considerando as condições sociais, culturais e até econômicas do menor infrator. Assim, preleciona Estevão (2013, p. 15):
Ademais, é necessário que o Estado tenha políticas públicas voltadas às crianças e adolescentes, pois limitar-se à aplicação das medidas previstas contraria a finalidade de reeducação e ressocialização, além do caráter retributivo que lhe são inerentes.
As medidas socioeducativas estão previstas no art. 112 do ECA, constituindo-se um rol taxativo (ISHIDA, 2010, p. 224), in verbis:
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semiliberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI . § 1º. A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. § 2º. Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado. § 3º. Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.
A advertência, prevista no inciso I, é regulamentada no art. 115 do referido diploma. Trata-se de uma repreensão judicial, com o objetivo de sensibilizar e esclarecer o adolescente e sua família sobre os riscos ou consequências do envolvimento e da reincidência infracional. Sobre a advertência, preleciona Aquino (2012, p.01):
Talvez seja a medida de maior tradição no Direito do Menor, tendo constado tanto no nosso primeiro Código de Menores, o Código Mello Mattos, de 1927, no art. 175, como também do Código de Menores, de 1979, no art. 14, I, figurando entre as chamadas "Medidas de Assistência e Proteção": dispõe o art. 115 do ECA, que “A advertência consistirá na admoestação verbal, que será reduzida a termo e assinada”.
Esta medida é a mais branda, e seu objetivo principal “é ensinar ao infrator que ele é realmente culpado pelo que fez e que sua atitude não é correta sob o ponto de vista social, e que ainda há chances de mudança do seu caráter (uma vez já marginalizado)”. (AQUOTTI, 2004, p. 74) “Os pais podem ser encaminhados ao Conselho Tutelar para receber as medidas previstas no art. 129 do ECA, que se mostrarem pertinentes.” (DIGIÁCOMO, 2013, p. 171)
A medida socioeducativa de reparar o dano é altamente pedagógica, mas raramente aplicada (ESTEVÃO, 2013, p. 15), e está prevista no art. 116 do referido diploma infraconstitucional. É, pois, cabível quando o ato infracional produz efeitos patrimoniais. Possibilita que a autoridade determine ao adolescente a restituição da coisa, promova o ressarcimento do dano, ou compense o prejuízo da vítima de outro modo, sendo aplicável somente quando o menor não puder ressarcir o dano, (COUTINHO, 2011, p. 28), a fim de evitar que a reprimenda ultrapasse a pessoa do infrator, afastando seu caráter pedagógico. (AQUINO, 2012, p.01)
A prestação de serviços à comunidade, prevista no art. 117 do ECA, consiste “na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a 6 (seis) meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais”, desde que “observadas as vedações legais de atividades laborativas ao adolescente, também não podendo ser prejudicada sua freqüência escolar ou sua jornada normal de trabalho.” (COUTINHO, 2011, p. 28) “É a medida mais aplicada nas Varas da Infância e Juventude, pois possibilita aos adolescentes a reeducação sem a necessidade da infrutífera privação de liberdade”, acrescenta Estevão (2013, p. 15).
A finalidade desta medida é trazer ao adolescente a conscientização da estima do trabalho e da sua função na sociedade, proporcionando a chance de realizar atividades construtivas, desenvolvendo a solidariedade e a consciência social. (OLIVEIRA, 2010, p. 29)
A medida de liberdade assistida, por sua vez, esta regulamentada no art. 118 do diploma em análise, devendo ser fixada sempre que se mostrar a mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente. Todavia, deverá a autoridade competente instituir pessoa habilitada para a assistência do caso, “que poderá ser indicada por entidade ou programa de atendimento”. Será estabelecida pelo prazo mínimo de seis meses, podendo a qualquer tempo ser delongada, revogada ou suprida por outra medida, com a prévia oitiva do orientador, do Ministério Público e do defensor. (COUTINHO, 2011, p. 28)
Digiácomo, assim, explica este instituto, em nota ao art. 118 do ECA:
A liberdade assistida é a medida que melhor traduz o espírito e o sentido do sistema socioeducativo estabelecido pela Lei nº 8.069/1990 e, desde que corretamente executada, é sem dúvida a que apresenta melhores condições de surtir os resultados positivos almejados, não apenas em benefício do adolescente, mas também de sua família e, acima de tudo, da sociedade. Não se trata de uma mera “liberdade vigiada”, na qual o adolescente estaria em uma espécie de “período de prova”, mas sim importa em uma intervenção efetiva e positiva na vida do adolescente e, se necessário, em sua dinâmica familiar, por intermédio de uma pessoa capacitada para acompanhar a execução da medida, chamada de “orientador”, que tem a incumbência de desenvolver uma série de tarefas, expressamente previstas no art. 119, do ECA. (2013, p.173)
Entretanto, Ishida (2010, p. 235) refere que tal medida não possui relevante eficácia, comparando-a inclusive à suspensão condicional do processo, existente no Código Penal, o que demonstra uma grande discrepância entre o que a Lei determina e o que os governantes aplicam:
A medida na pratica consiste no comparecimento periódico a um posto determinado e proceder a entrevista com o setor técnico, sendo medida de pouca ou nenhuma eficácia (Del-Campo e Oliveira, ob. cit., p. 175-6). Esse comparecimento se assemelha atualmente a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei ns 9.099/95), acordo entre o MP e o réu, condicionado ao comparecimento mensal, bimestral ou trimestral.
Existe, ainda, a medida da semiliberdade, prevista no art. 120 do referido Estatuto, sendo admissível como início ou como forma de progressão para o meio aberto e “se caracteriza pela privação parcial da liberdade, ficando ele (menor) com parte do seu tempo privado do seu direito de ir e vir, sendo assegurado, no entanto, a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial”. (COUTINHO, 2011, p. 29) “Por esta medida, os adolescentes infratores trabalham e estudam durante o dia e à noite são recolhidos em uma entidade especializada” (AQUOTTI, 2004, p. 77).
De outro lado, Ishida (2010, p. 239) aponta que “não há prazo de duração determinado, dependendo de avaliação a cada seis meses como na internação pelo Setor Técnico. Corresponde no sistema penal ao regime semiaberto.” Já para Estevão (2013, p. 16) “o problema mais sério em relação a essa medida de semiliberdade é a omissão do poder público em construir unidades especiais para abrigar os adolescentes no período noturno e para aplicar as medidas pedagógicas durante o dia.”
Digiácomo considera esta a medida mais complexa e obscura prevista no ECA, por exigir um programa socioeducativo de excelência e profissionais altamente capacitados, esclarecendo também que por tais motivos existem poucos programas em execução no país:
A semiliberdade é das medidas de execução mais complexa e difícil dentre todas as previstas na Lei nº 8.069/1990. [...] vários aspectos sobre a forma como se dará o atendimento do adolescente permanecem obscuros, o que sem dúvida contribui para a existência de poucos programas em execução em todo o País. Talvez mais do que qualquer outra, por suas características e particularidades, a medida de inserção em regime de semiliberdade pressupõe a elaboração de um programa socioeducativo de excelência (cf. art. 90, inciso VI, do ECA), que deverá ser devidamente registrado no CMDCA local (cf. art. 90, §1º, do ECA), assim como no Conselho Estadual (ou Distrital) dos Direitos da Criança e do Adolescente (cf. art. 9º, da Lei nº 12.594/2012) e executado por profissionais altamente capacitados. Pressupõe ainda uma adequada avaliação da sua efetiva capacidade de cumprimento, pelo adolescente individualmente considerado (cf. art. 112, caput, do ECA) que, afinal, irá realizar atividades externas e permanecerá recolhido na entidade apenas durante determinados períodos, de acordo com o previsto no programa em execução.(2013, p.176 – grifos do autor).
Aquotti (2004) refere que há poucas escolas e instituições educacionais em relação à quantidade de adolescentes sujeitos a esta medida e estas não são totalmente adequadas para oferecer este tipo de assistência. Todavia, mesmo com esses óbices, as autoridades frequentemente as têm aplicado.
Derradeiramente, a internação, prevista no inciso VI, do art. 112, e regulamentado no art. 121, do referido Estatuto, constitui a privação da liberdade do infrator, por isso é a medida mais gravosa das socioeducativas. Tal medida somente “será aplicada quando se tratar de ato infracional praticado mediante grave ameaça ou violência à pessoa, em razão da reiteração no cometimento de outras infrações graves e por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta” (COUTINHO, 2011, p. 29), ficando “sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”, consoante prevê o artigo 121 do ECA.
Esta medida, conforme já citado, é condicionada a três princípios, elencados no art. 121. Em observância ao princípio da brevidade, a Lei estipula o prazo máximo de 3 anos para cumprimento desta medida, sendo ainda obrigatória a liberação do menor quando completar seus 21 anos. Assim esclarece Ishida:
O ECA, visando garantir os direitos do adolescente, contudo, condicionou-a a três princípios mestres: (1) o da brevidade, no sentido de que a medida deve perdurar tão somente para a necessidade de readaptação do adolescente; (2) o da excepcionalidade, no sentido de que deve ser a ultima medida a ser aplicada pelo Juiz quando da ineficácia de outras; e (3) o do respeito a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, visando manter condições gerais para o desenvolvimento do adolescente, por exemplo, garantindo seu ensino e profissionalização. Em obediência a brevidade, estipula a lei menorista o prazo máximo de 3 (três) anos (§ 3a) e a liberação compulsória ao 21 (vinte e um) anos (§ 59). (ISHIDA, 2010, p. 241)
O prolongamento da medida não será proporcional à gravidade da infração, e somente deverá durar o tempo estritamente necessário para cumprir seu papel pedagógico, visto que não se trata de pena e que o menor até 18 anos é inimputável, não podendo vir previamente estabelecido na sentença por quanto tempo o infrator ficará com a liberdade restringida, nem tampouco de quanto em quanto tempo se procederá a sua avaliação, uma vez que o ECA estabelece o prazo de seis meses no máximo de intervalo para que esta ocorra.
Assim reflexiona Digiácomo:
Uma vez aplicada a internação, sua execução deverá se prolongar pelo menor período de tempo possível, posto que orientada pelo princípio constitucional da brevidade, insculpido no art. 227, §3º, inciso V, da CF, estando sua duração condicionada unicamente ao êxito do trabalho socioeducativo desenvolvido, e jamais à gravidade da infração praticada. Importante não perder de vista que o adolescente é penalmente inimputável e a medida socioeducativa não é e nem pode ser comparada ou equiparada a uma pena, pois do contrário haveria negativa de vigência ao disposto no art. 228, da CF. Reputa-se inadmissível estabelecer, já na sentença, um prazo mínimo ou máximo para a sua duração e/ou mesmo para reavaliação da necessidade, ou não, de continuidade da internação, que deverá ocorrer (de forma automática e obrigatória - inclusive sob pena da prática do crime previsto no art. 235, do ECA) no máximo a cada seis meses. (DIGIÁCOMO, 2013, p.178 – grifei)
Como se observa, a resposta estatal tem como escopo a re-educação e não a reprimenda proporcional à gravidade do delito, por isto é que nos termos do ECA a aplicação da medida de internação que é a mais grave, deve ser exceção e não a regra, sendo que seu limite máximo é de 3 anos e não deve ser imposta já por um período especifico, uma vez que, não é possível prever quanto tempo será necessário para reeducação do infrator. E, ainda que não tenha sido reeducado, será liberado compulsoriamente aos 21 anos.
4. AS FACES DO DEBATE A CERCA DA REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
Existe uma parcela da população que acredita que o índice de “crimes” praticados pelos adolescentes é muito alto e que o adolescente fica impune ou que o tratamento do ECA é muito brando e ineficiente. Estes defendem a redução da maioridade penal, ou seja, pretendem que esse tratamento diferenciado do ECA seja revogado, e que o adolescente em conflito com a lei tenha as mesmas sanções do adulto e seja submetido integralmente as normas do Código Penal.
Entretanto, há outra parcela que acredita que reduzir a maioridade penal para submeter os menores infratores ao tratamento dos adultos não será a solução para a criminalidade infanto-juvenil. Por isso, serão analisados os argumentos utilizados pelos defensores da redução da maioridade penal, bem como serão analisados os argumentos dos autores que se posicionam contra tal redução.
Conforme o Conselho Federal de Psicologia (2013, p. 10), a opinião pública está dividida em três grupos: o primeiro grupo inclui as pessoas pró-redução, que defendem a capacidade de discernimento dos adolescentes. No segundo grupo, estão incluídos os que são opositores à redução da maioridade penal e a favor de uma modificação no ECA para aumentar o tempo máximo de cumprimento das medidas socioeducativas. E o terceiro grupo, inclui aqueles que acreditam que somente a efetiva e integral aplicação do ECA e do Sinase, aliados à melhoria da qualidade das políticas sociais básicas já seriam suficientes para reduzir o número de delitos cometidos por adolescentes e reprimir a reiteração delitiva.
Partindo dessa premissa, principia-se a abordagem dos argumentos em prol da redução da maioridade penal, correlacionando-os imediatamente aos seus contra-argumentos.
4.1 Capacidade de discernimento dos adolescentes menores de 18 anos
A capacidade de discernimento é um dos mais relevantes argumentos que fomentam a discussão acerca da redução da maioridade penal. Isso porque a previsão legal de imputabilidade penal aos 18 anos se respalda no princípio de que o menor, antes de completar essa idade, não é uma pessoa com personalidade completa (é um ser em desenvolvimento), e por isso se presume a sua incapacidade de discernimento. Por tal fator, é-lhes ausente a culpabilidade. Todavia, os adeptos do reducionismo defendem com veemência que os jovens de hoje em dia são mais maduros que os jovens de 1940 e possuem pleno discernimento de seus atos, devido ao extenso alcance dos meios de comunicação, devendo ser punidos como adultos. (CUNHA, 2009, p.13)
Filiado a este entendimento, Capez (2007, p. 01), faz o seguinte questionamento: “como podemos, nos dias de hoje, afirmar que um indivíduo de 16 anos não possui plena capacidade de entendimento e volição?”. Em seguida, o referido autor responde:
Estamos “vendando” os olhos para uma realidade que se descortina: o Estado está concedendo uma carta branca para que indivíduos de 16, 17 anos, com plena capacidade de entendimento e volição, pratiquem atos atrozes, bárbaros. Ora, no momento em que não se propicia a devida punição, garante-se o direito de matar, de estuprar, de traficar, de ser bárbaro, de ser atroz.
Nucci (2009, p. 109) também partilha do entendimento de que menores de 18 anos possuem plena capacidade de discernimento. Assim assinala o autor:
há uma tendência mundial na redução da maioridade penal, pois não mais é crível que os menores de 16 ou 17 anos, por exemplo, não tenham condições de compreender o caráter ilícito do que praticam, tendo em vista que o desenvolvimento mental acompanha, como é natural, a evolução dos tempos, tornando a pessoa mais precocemente preparada para a compreensão integral dos fatos da vida.
Aquotti (2014, p. 100), por sua vez, expõe que em decorrência do amplo acesso de informações, que são facilmente obtidos pelo uso de televisões, aparelhos eletrônicos, internet, computadores e jornais, dentre outros citados pela autora, é inegável o amadurecimento acelerado das crianças e adolescentes, concluindo-se que aos 16 anos o adolescente já possui plena capacidade de ponderar seus próprios atos.
A PEC nº 90/2003, proposta pelo Senador Magno Malta, respalda-se primordialmente nesta tese, fundamentando a proposta no entendimento de que o jovem a partir de 13 anos já possui plena capacidade de discernimento. Com efeito, segue trecho da proposta referida:
Alinhamo-nos entre aqueles que acreditam que o jovem de 13 anos de idade é perfeitamente capaz de reconhecer a gravidade de certas condutas delituosas, especialmente as mais graves. Não é factível que no atual estágio da civilização, com as informações disponíveis, nos diversos meios de comunicação de massa, uma pessoa de 13 anos não tenha consciência do sofrimento que se abate sobre uma vítima de estupro, ou da dor suportada por uma família cujo pai, mãe ou filho tenha sido assassinado. (Senado Feral, 2014)
Entre os simpatizantes desta ideologia, destaca-se que não se exige uma inteligência anormal e, sim, apenas uma inteligência e um amadurecimento medianos (JORGE, 2002, p. 01), restando suficiente que o adolescente saiba distinguir o certo do errado para verificar a sua capacidade de discernimento.
Já Estevão (2013, p. 07), que se opõe à redução, concorda que os adolescentes hodiernos possuem mais acesso às informações. Entretanto, nem todas as informações coadunam para uma “boa formação e amadurecimento; pelo contrário, muitas delas são mais próprias para a deformação”. Para este escritor, não basta apenas que o adolescente possua o discernimento; tem que haver também a capacidade de agir de acordo com esse discernimento, o que é ausente ao jovem.
Para Bandeira (2006, p.198), a questão não é só ter acesso a informações e sim à formação do adolescente. Para o Magistrado da Vara da Infância e da Juventude, o jovem é por sua incompletude, inconsequente e só o tempo é capaz de habilitá-lo a reflexão e ponderação dos seus atos:
a questão não é só de informação, mas de formação; não é só de razão, mas de equilíbrio emocional; não apenas de compreensão, mas de entendimento.
Indaga-se: será que o adolescente de 15 ou 16 anos age refletidamente? Será que pensa, antes de agir? Ou é, por excelência, inconseqüente, por força mesmo de sua incompletude, de sua imaturidade? Somente o tempo é capaz de edificar mecanismos que habilitem o homem a refletir, a ponderar, a mensurar suas ações.
A questão do discernimento é totalmente irrelevante. O que deve ser ponderado é que o adolescente, situado entre os estágios da fase infantil e adulta passa por inúmeras transformações psicossomáticas, estando mais propensos a pratica de atos anti-sociais e não apenas a delitos. Neste sentido, refere Digiácomo (2009, p. 01 - grifos do autor), defendendo que a solução deve ser pedagógica:
A fixação da idade penal em 18 (dezoito) anos ou mais - critério adotado por 59% (CINQÜENTA E NOVE POR CENTO) dos países do mundo, se deve não apenas a questões de "política criminal", mas também - e especialmente, em razão da COMPROVAÇÃO TÉCNICO/CIENTÍFICA de que, na adolescência, onde há a transição entre a infância e idade adulta, a pessoa atravessa uma fase de profundas transformações psicossomáticas, tornando-a mais propensa à prática de atos anti-sociais (não apenas crimes, mas toda e qualquer forma de manifestar rebeldia e inconformismo com regras e valores socialmente impostos, facilmente identificáveis pela forma de se vestir, colocação de tatuagens e "piercings", fumo, consumo de bebidas alcoólicas, drogas etc.), em especial quando o jovem se envolve com algum grupo, perante o qual sente necessidade de se afirmar. A condição sui generis do adolescente demanda um tratamento diferenciado, com especial enfoque para sua orientação e efetiva recuperação, que somente pode ser obtida em instituição própria, onde exista uma PROPOSTA PEDAGÓGICA SÉRIA e bem definida.
Assim, dividem-se as opiniões: o grupo a favor a redução da idade penal, aduz que os adolescentes de hoje em dia tem capacidade de discernimento, pois vivem num mundo mais evoluído e com mais acesso às informações que outrora. Já o grupo desfavorável, funda-se basicamente no princípio de que não basta à capacidade de discernimento, mas também indispensável à capacidade de autodeterminação, à formação completa.
4.2 Adolescentes como responsáveis por grande parte da violência do país
Outra relevante justificativa para a redução da maioridade penal, para os adeptos a idéia, é o discurso de que os delitos cometidos por adolescentes infratores aumentaram sobremaneira nos últimos tempos, de modo que a redução se faz indispensável para reduzir à criminalidade e oportunizar a sensação de justiça à sociedade.
A PEC nº 74/2011, proposta pelo Senador Acir Gurgacz, apoia-se na tese de que o menor possui pleno discernimento e principalmente no argumento de que a violência praticada por adolescentes infratores vem crescendo assustadoramente, e que estes não têm sido punidos adequadamente. Estas são as palavras do Senador:
Observa-se, entretanto, no Brasil, um pavor social em torno da crescente criminalidade praticada por menores inimputáveis. Nos dias de hoje, a violência praticada por adolescentes vem aumentando assustadoramente; e os adolescentes praticantes de infrações graves, não tem sido punidos adequadamente.
Nesse sentido também argumentou o Senador Magno Malta, em defesa da PEC de sua autoria, nº 90/2003, revelando a origem de suas informações nas divulgações da imprensa: “Os órgãos de imprensa noticiam diariamente, uma infinidade de crimes praticados por menores de 18 anos”. Como se observa, a opinião pública, muitas vezes, é influenciada pelas notícias veiculadas pela mídia.
Para a Fundação Abrinq (2013, p. 17, apud Volpi 2001), há um hiperdimensionamento do problema, fomentado quando se percebe que é veiculado pela “mídia, autoridades e profissionais que atuam com o tema e o próprio cidadão comum afirmam, categoricamente, que são milhões de adolescentes que praticam delitos, e que a violência praticada por esse grupo é crescente”.
Na verdade, no período entre 2002 e 2011 observou-se uma queda do percentual de crimes graves contra a pessoa cometidos por adolescentes de 14,9% para 8,4%. Se comparado o número de adolescentes do Brasil em cumprimento de medida socioeducativa com a população total do país, estes representam 0,01%. (FUNDAÇÃO ABRINQ, 2013, p. 18)
Segundo dados do CONANDA (2007, p. 01), somente 10% dos crimes praticados no Brasil são cometidos por adolescentes entre 12 e 18 anos. E, de acordo, com o Levantamento do Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei, da Secretaria de Direitos Humanos (2011, p. 08), da população total de adolescentes (entre 12 e 18 anos incompletos) que representa pouco mais de 20 milhões, somente 0,09% estão em cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado.
Veja-se, a partir dessas informações, com bases em dados oficiais, que o panorama não é tão assustador quanto o alarmado.
A televisão também enfatiza os crimes de maior gravidade cometidos pelos adolescentes, como estupro e homicídio. Todavia, os atos infracionais de maior repercussão entre os adolescentes infratores são os delitos contra o patrimônio e o tráfico de entorpecentes.
Gomes (2013, p. 01) chega a aduzir que se vive em “tempos de desespero coletivo”. Segundo o autor, parte desse desespero é real e a outra parte é imaginária, por força da influência midiática. Já Digiácomo (2009, p. 01 – grifos do autor), corroborando o acima exposto, explica que a mídia desinforma a população sobre a verdade:
Os adolescentes são responsáveis por MENOS DE 10% (DEZ POR CENTO) das infrações registradas, sendo que deste percentual, 73,8% (SETENTA E TRÊS VÍRGULA OITO POR CENTO) são infrações contra o patrimônio, das quais MAIS DE 50% (CINQÜENTA POR CENTO) são meros FURTOS (sem, portanto, o emprego de violência ou ameaça à pessoa), geralmente de alimentos e coisas de pequeno valor, que para o Direito Penal se enquadrariam nos conceitos de "furto famélico" e "crime de bagatela", impedindo qualquer sanção a adultos. Apenas 8,46% (OITO VÍRGULA QUARENTA E SEIS POR CENTO) das infrações praticadas por adolescentes atentam contra a vida (perfazendo cerca de 1,09 - UM VÍRGULA ZERO NOVE POR CENTO do total de infrações violentas registradas no País), sendo que, historicamente, crianças e adolescentes são muito mais VÍTIMAS que autores de homicídios (na proporção de 01 homicídio praticado para cada 10 crianças ou adolescentes mortas por adultos). Ocorre que as infrações praticadas por adolescentes ganham grande VISIBILIDADE e REPERCUSSÃO na mídia, que nos últimos anos, além de DESINFORMAR a população sobre a VERDADE relacionada ao Estatuto da Criança e do Adolescente, deflagrou verdadeira CAMPANHA a favor da redução da idade penal, elegendo de forma absolutamente INJUSTA adolescentes como "bodes expiatórios" da violência no País, para qual comprovadamente os jovens contribuem muito pouco.
Como se observa, muitos defendem a redução da maioridade penal por acreditar que os jovens são os principais responsáveis pelo maior percentual dos crimes praticados na sociedade e que ficam impunes, devido à sua inimputabilidade. Já os desfavoráveis à redução contra argumentam, no sentido de que os jovens não são os responsáveis pela maior parte dos delitos, e sim pela minoria deles, e ainda que o responsável pela divulgação dessa “falsa” idéia é a mídia.
4.3 Adolescentes são recrutados pelos adultos para a prática delituosa
Outro argumento bastante utilizado em prol da redução é o de que “cada vez mais, adultos se servem de adolescentes nas ações criminosas, o que impossibilita a efetiva e eficaz ação da polícia e da justiça”. (ESTEVÃO, 2013, p. 02)
Corroborando o acima exposto, Cunha (2009, p. 13) explica que grande parte dos crimes cometidos pelos infratores são comandados por adultos, uma vez que estes aliciam os menores sob o argumento de que eles não serão punidos. Assim, aduz o autor:
Outro argumento levantado é que tem aumentado, nos últimos anos, o número de crimes com envolvimento de crianças e adolescentes e que os autores intelectuais dos delitos se utilizam da inimputabilidade dos mesmos, atraindo-os com propostas sedutoras para integrarem o mundo do crime, aduzindo que eles não têm nada a perder, pois não vão ser mesmo punidos.
Segundo Silva (2011, p. 30, apud Souza, 2005, p. 17), representa “um ponto positivo na redução da maioridade penal que os menores de 18 (dezoito) anos não mais se prestariam como instrumentos dos bandidos e quadrilhas.”
Já Aquotti (2004, p. 102) diz que a maioria dos autores se revela contra esta tese, pois se os adultos utilizam-se dos inimputáveis, reduzir a maioridade penal só irá acarretar o recrutamento de jovens cada vez mais novos. Ou seja, segundo a autora, o recrutamento irá ocorrer de igual forma, sempre abrangendo a faixa etária inimputável.
Digiácomo (2009, p. 01, grifos do autor), corroborando o entendimento de Aquotti, afirma que seriam recrutados adolescentes cada vez mais jovens e até mesmo crianças. O autor sugere que sejam recrudescidas as penas dos adultos que se utilizam de menores na empreitada delituosa. Assim preleciona o escritor:
Embora o "recrutamento" de adolescentes para prática de crimes de fato ocorra, a redução da idade penal para dezesseis anos fará com que este patamar seja reduzido para quinze, quatorze anos ou ainda menos. Se tal argumento fosse válido para justificar a redução da idade penal, qual seria o limite etário a atingir, diante da utilização, pelo crime organizado de adolescentes cada vez mais jovens e mesmo de crianças? Hoje já se fala, em tom jocoso (mas não sem uma boa dose de ironia e preconceito), em "berçários de segurança máxima", onde seriam colocados os bebês recém-nascidos que, por apresentarem um "perfil" ou uma "tendência natural" (devido, em especial, a uma condição sócio-familiar desfavorável) à prática de crimes. Evidente que não é este o caminho, sendo necessário o recrudescimento da repressão penal aos adultos que utilizam adolescentes e mesmo crianças para prática de crimes, através da alteração da Lei nº 2.252/54 (que dispõe sobre a "corrupção de menores"), com a previsão de penas mais rigorosas e mesmo da previsão de que semelhante conduta, independentemente de qualquer "histórico infracional" da criança ou adolescente, caracteriza "crime hediondo", com todas as consequências daí advindas.
Como se vislumbra, no tocante a este argumento, os favoráveis à redução afirmam que é necessário reduzir a idade penal para inibir o recrutamento de adolescentes pelos adultos criminosos. Já os contrários ao rebaixamento afirmam que, embora com a redução da idade penal, os adultos continuariam utilizando os jovens e até mesmo crianças, diminuindo cada vez mais as faixas etárias. Como alternativa sugerem o aumento das penas dos adultos que utilizem jovens para o cometimento de delitos.
4.4 O direito ao voto como incoerência jurídico-normativa
Este constitui um dos argumentos mais utilizados entre os defensores da redução da maioridade penal. Segundo estes, a própria CF que determinou a imputabilidade aos 18 anos, em função da incapacidade de discernimento, previu a capacidade de voto aos 16 anos. Aí se desvela a seguinte questão: como o legislador constituinte diz que o adolescente infrator não tem capacidade para arcar com a responsabilidade de seus próprios atos e tem capacidade para escolher os governantes que decidirão o futuro de um país? Neste sentido, leciona Cunha (2009, p.13): “a incoerência jurídico-normativa, também é invocada: como o adolescente pode votar e não ser criminalizado?”.
Corroborando o acima exposto Jorge (2002, p. 01), assevera:
O próprio legislador-constituinte reconhece aos maiores de dezesseis e menores de dezoito anos lucidez e discernimento na tomada de decisões ao lhes conferir capacidade eleitoral ativa, conforme expressa previsão constante no artigo 14, § 1º, inciso II, alínea c, da Magna Carta. Segundo a Constituição da República, homens e mulheres entre 16 e 18 anos estão aptos a votar em candidatos para qualquer cargo público eletivo (vereador, prefeito, deputado estadual, deputado federal, senador e Presidente da República). Cuida-se, evidentemente, de responsabilidade só atribuída a quem possua elevado grau de maturidade.
Oliveira e Sá (2008, p. 19) também referem que a CF/88 atribuiu maturidade aos adolescentes de 16 anos ao lhes atribuir o direito ao voto, mesmo que seja facultativo, entretanto, a contrario sensu[1], não podem ser responsabilizados por crimes eleitorais caso os pratiquem.
Miguel Reale (1990, p. 161) também refere esta incongruência normativa, assim aduzindo: “alias não se compreende que possa exercer o direito de voto, quem nos termos da lei vigente, não seria imputável de delito eleitoral”.
Silva (2011, p. 09, apud Souza, 2005, p. 24) refere que se o adolescente pode votar, também pode ser punido pelos crimes de sua autoria, como qualquer pessoa. Com efeito, aduz a autora:
Ora, quem tem capacidade de escolher Presidente da República, Senadores, Deputados, Prefeitos e Vereadores, interferindo, assim, diretamente na escolha do destino da Nação, não terá discernimento para saber que matar, roubar ou furtar é errado?
Em contra partida, Digiácomo (2009, p. 01, grifos do autor) refere que, mesmo possuindo direito ao voto, poucos adolescentes o exercem, demonstrando a sua inabilidade para o exercício deste direito. Ademais, para o escritor, do fato de o adolescente não poder exercer cargos públicos nem ser eleito, resulta claro o entendimento do legislador constituinte de que o adolescente é imaturo:
Aqueles que utilizam o direito de o adolescente, a partir dos 16 (dezesseis) anos votar, como argumento para a redução da idade penal se esquecem que, em primeiro lugar, o voto até os 18 (dezoito) anos é FACULTATIVO, e em segundo que, apesar de poder votar (e as estatísticas revelam que menos de 25% - VINTE E CINCO POR CENTO dos adolescentes de 16/17 anos se inscrevem como eleitores, demonstrando franco despreparo para o exercício do voto), o adolescente NÃO PODE SER VOTADO, não podendo exercer cargos públicos de qualquer natureza (que em muitas vezes exigem idade superior a 21 ou mesmo 25 anos), obviamente porque o legislador constituinte entendeu não terem os jovens a maturidade suficiente para assumirem tais cargos.
No tocante ao direito ao voto, mais uma vez restam nítidas as diferenças ideológicas entre os favoráveis ao rebaixamento, que acreditam que o direito ao voto, ainda que facultativo, reflete o desejo do legislador constituinte em reconhecer a maturidade dos adolescentes aos 16 anos. Entendimento, porém, que não encontra arrimo entre os que são manifestamente contrários à redução, os quais esclarecem que o voto não é obrigatório, já a responsabilização penal seria. Ademais, para eles, o legislador não considerou os jovens amadurecidos completamente, pois senão teria lhes conferido também a elegibilidade e a capacidade de assumir cargos públicos.
4.5 A redução da maioridade penal como tendência mundial
Alguns autores, favoráveis ao rebaixamento, ainda asseveram que existe uma tendência mundial na redução da maioridade penal e que o Brasil estaria contra essa tendência, conforme Coutinho (2011, p. 34 apud Nucci, 2000, p. 109).
Entretanto, Sposato (2013, p. 219) explica que “o Brasil não se encontra em desequilíbrio se comparado à maioria dos países do mundo”. Para a autora, o que acarreta essa confusão é o fato de que a maioria dos países acolhem a expressão penal para designar o sistema de responsabilidade juvenil para adolescentes a baixo dos 18 anos.
Odon (2013, p. 03) elucida que um levantamento do Reino Unido, largamente divulgado na mídia, foi que incentivou essa comparação equivocada. Contudo, esclarece que há de se ter cautela e saber distinguir a idade de responsabilidade penal juvenil, que no Brasil ocorre aos 12 anos - quando o menor é submetido à responsabilização de seus atos perante o ECA, onde passa por um tratamento especial de ressocialização, e a maioridade penal propriamente dita, que é atingida aos 18 anos e permite a responsabilização penal do adolescente como se fosse adulto, submetido às penas prescritas no Código Penal.
Sposato (2013, p. 219 – grifos da autora), complementando a lição de Odon explica que:
a diferença é que no Direito Brasileiro, nem a Constituição Federal nem o ECA mencionam a expressão penal para designar a responsabilidade que se atribui aos adolescentes a partir dos 12 anos de idade. Apesar disso, as seis modalidades de sanções jurídico-penais possuem, tal qual as penas dos adultos, finalidades de reprovação social. A não utilização da palavra Penal em nosso sistema não altera a natureza das medidas aplicadas, que, como visto, é inegavelmente penal.
Conforme Sposato (2013, p. 220), de 53 países, sem contar o Brasil, tem-se que 42 deles (79%) adotam a maioridade penal aos 18 anos ou mais. E a idade da responsabilidade juvenil especial ocorre na maioria destes países (25 deles, representando 47% da lista), entre 13 e 14 anos de idade, ao passo que no Brasil ocorre aos 12 anos.
A partir deste momento abordar-se-ão dois principais argumentos utilizados pelo grupo desfavorável ao rebaixamento da idade penal, e contra argumentados pelos favoráveis à referida modificação constitucional. São eles: a alegada inconstitucionalidade da redução da maioridade penal e a falência do sistema carcerário brasileiro.
4.6 Constitucionalidade da redução da maioridade penal
Um argumento muito propagado entre os aliados ao movimento contra a redução da idade penal é o de que “a inimputabilidade dos adolescentes compõe o rol de direitos e garantias fundamentais que não podem ser abolidos por Emenda Constitucional”, conforme Conselho Federal de Psicologia - CFP (2013, p. 35).
A Constituição Federal de 1988, que é, por sua natureza, rígida, impõe limites para sua alteração. Existem os limites expressos na CF, os limites formais que dizem respeito ao procedimento para a concretização das reformas, e os limites materiais que tem por finalidade impedir reformas contrárias ao espírito da Lei Constituinte. (BULOS, 2010, p. 109) É desta limitação à alteração do texto constitucional que decorrem as cláusulas pétreas, cerne intangível da Constituição (OLIVEIRA, 2010, p. 37).
Por força do art. 60, § 4º, IV, da CF/88, “não será objeto de deliberação a proposta de Emenda Constitucional tendente a abolir, os direitos e garantias individuais”. Nesse sentido, a Fundação Abrinq (2013, p. 19) defende que os direitos e garantias fundamentais constituem “cláusulas pétreas”, impassíveis de alteração, sequer por meio de Emendas Constitucionais e que a imputabilidade penal representa uma garantia ao adolescente.
Assim corrobora a lição de Bandeira (2006, p. 203), o qual, aduzindo que foi a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento que levou o legislador constituinte a erigir esta garantia individual ao adolescente, que constitui-se cláusula pétrea, não podendo ser modificada por meio de Emenda Constitucional:
A adolescência representa uma fase de crescimento, de incompletude, de construção do ser, cujo término , sem qualquer controvérsia entre os estudiosos da matéria, ultrapassa a faixa etária dos 18 anos. Essa condição de pessoa em desenvolvimento, que ainda está construindo a sua estrutura psicológica, a sua inteligência emocional, é a base científi ca que levou o legislador constituinte a erigir em presunção absoluta de inimputável o menor de 18 anos de idade, elevando-o à condição de garantia individual, nos termos do Art. 228 da CF, considerando que o rol de garantias individuais não se exaure no elenco do Art. 5º da Carta Magna, ampliando-se para outros direitos inerentes à pessoa humana, nos termos preconizados pelo § 2º do Art. 5º, pelo que a garantia da inimputabilidade penal para crianças e adolescentes – Art. 228 da CF -, embora inserida no capítulo “Dos Direitos Sociais”, é uma verdadeira garantia individual para crianças e adolescentes, constituindo-se em cláusula pétrea, a qual não pode ser abolida nem por emenda constitucional, a teor do que dispõe o Art. 60, § 4º, IV da Constituição Federal de 1988.
Todavia, o conjunto de pessoas mobilizadas em prol da redução alinha-se à teoria de que o art. 228 da CF não constitui “cláusula pétrea”, pois os direitos e garantias individuais a que se refere o art. 60 da CF/88 estão expressamente previstos no art. 5º da Carta Magna, que é um rol taxativo. Portanto, passível de Emenda Constitucional. (COUTINHO, 2011, p. 18)
Greco (2012, p. 86) ensina ser possível a redução da maioridade penal, considerando “que o art. 228 não se encontra entre aqueles considerados irreformáveis, uma vez que não se amolda ao rol das cláusulas pétreas elencadas nos incisos I a IV do § 4º do art. 60 da Carta Magna”.
Entretanto, Sposato (2013, p. 228) afirma que as propostas de alteração da idade penal afrontam sim o texto constitucional, que prevê a prioridade absoluta aos direitos da criança e do adolescente e elege princípios de respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, bem como de excepcionalidade e brevidade das medidas privativas de liberdade. Para a autora, tais aspectos constitucionais conferidos à população infanto-juvenil constituem-se em direito individual de todo adolescente.
A autora defende que o rol do art. 5º da CF/88 não é taxativo, sendo suficiente que exista no texto constitucional como um direito ou garantia relativo aos elencados no art. 5º. Para ela, o indispensável para que se constitua direito ou garantia individual é que “diga respeito à vida, à liberdade, à igualdade e até mesmo à propriedade, e que no caput do citado art. 5º venha reforçado por uma cláusula de inviolabilidade” (SPOSATO, 2013, p. 229).
Assim como Sposato, o constitucionalista Moraes (2005, p.2176) refere que:
Assim, o artigo 228 da Constituição Federal encerraria a hipótese de garantia individual prevista fora do rol exemplificativo do art. 5º, cuja possibilidade já foi declarada pelo STF em relação ao artigo 150, III, b (Adin 939-7 DF) e consequentemente, autentica clausula pétrea prevista no artigo 60, § 4.º, IV. Essa verdadeira cláusula de irresponsabilidade penal do menor de 18 anos enquanto garantia positiva de liberdade, igualmente transforma-se em garantia negativa em relação ao Estado, impedindo a persecução penal em Juízo.
Unicef (2007, p.61) refere que os principais argumentos que justificam a inconstitucionalidade da alteração são fundados na principiologia constitucional de proteção especial a crianças e adolescentes, bem como pela força vinculante das normas constitucionais de parâmetros internacionais “decorrentes da Convenção Internacional das Nações Unidas Sobre os Direitos das Crianças”, que propagam a necessidade de uma jurisdição especial à população infanto-juvenil.
Logo (UNICEF, 2007, p. 68):
As propostas de alteração da idade penal afrontam o texto constitucional brasileiro, pois a Constituição Federal de 1988 destaca a absoluta prioridade dos direitos da criança e do adolescente e consagra ainda como princípios o respeito à condição peculiar de desenvolvimento de crianças e adolescentes e à brevidade e excpecionalidade na aplicação de medidas privativas da liberdade. Trata- se do direito à proteção integral que abrange ainda o direito a responder por infrações penais com base na legislação especial, nos moldes do que prescreve o artigo 228.
Nucci (2010, p. 286), por sua vez, assevera que “não há qualquer impedimento para a emenda constitucional suprimindo ou modificando o art. 228 da Constituição”.
Entretanto, impõe-se destacar que até o momento prevalece na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, o entendimento da inconstitucionalidade das Propostas de Emenda à Constituição nº 20/1999; 90/2003, 74 e 83 de 2011; 33 de 2012 e 21 de 2013, conforme exarado no parecer vencedor do Relator Senador Randolfe Rodrigues.
Tal parecer dispõe que o art. 228 da CF/88 constitui sim cláusula pétrea:
Assim, a idade da imputabilidade penal constitui direito fundamental do indivíduo, previsto na constituição como cláusula pétrea já que o constituinte originário teve a preocupação de fixar, expressamente, na própria Constituição, seu termo aos 18 (dezoito) anos de idade. Alterar o texto constitucional sobre a maioridade penal, mesmo que de forma excepcional como apresentado na Proposta de Emenda, é uma afronta direta ao núcleo essencial imutável da Constituição. (Senado Federal, 2014, p.04)
O Senador Randolfe Rodrigues ainda argumenta que o Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou, no julgamento da ADI nº 939/DF, no sentido de que as cláusulas pétreas podem estar previstas fora do Título II da CF/88. Ressalta, ainda, que o STF deixou assentado, na ocasião deste julgamento, que as Emendas Constitucionais não podem acarretar violação a princípios basilares do Estado Democrático de Direito (Senado Federal, 2014, p. 07).
Entretanto, o parecer ainda conclui que, caso não fosse verdadeira a premissa acima, a PEC nº 33/2012, ainda assim, deveria ser rejeitada, pois sua justificativa é a de que a onda de violência cometida pelos adolescentes infratores é fruto da impunidade, argumento do qual discorda o Senador, acentuando que não é a redução da maioridade penal o meio mais eficaz no combate à violência. Ademais, para o Senador, o que espera a sociedade é a satisfação dos direitos e garantias fundamentais das crianças e dos adolescentes previstos na CF e no ECA (que não foi integralmente implementado por omissão do Estado). (Senado Federal, 2014, p. 07)
Como se pode observar, embora exista divergência sobre o tema, o parecer até o momento na CCJ é pela inconstitucionalidade das PECS.
4.7 Falência do sistema prisional brasileiro
Mais uma justificativa interposta à redução da maioridade penal e de bastante destaque, entre os contrários a tal medida, são os “deletérios efeitos das prisões” que são popularmente conhecidos, como os elevados índices de reincidência e “violência institucional praticadas no interior destas instituições” (UNICEF, 2007, p. 76).
Lopes Jr (2009, p. 21) discorre sobre a problemática da pena de prisão, concluindo que ao sair do presídio o indivíduo encontra-se em situação pior do que antes:
A falência da pena de prisão é inegável. Não serve como elemento de prevenção, não reeduca e tampouco ressocializa. Como resposta ao crime, a prisão é um instrumento ineficiente e que serve apenas para estigmatizar e rotular o condenado, que, ao sair da cadeia, encontra-se em uma situação muito pior do que quando entrou. Dessarte, o Direito Penal deve ser mínimo e a pena de prisão reservada para os crimes realmente graves. O que deve ser máximo é o Estado Social (algo que nunca tivemos).
Nesse sentido também é a lição de Damásio (2007, p. 01), que se posicionando contra a redução da maioridade penal, argumentou que não podemos esquecer que estamos no Brasil, o país com um dos piores sistemas penitenciários e que remeter jovens para lá seria o mesmo que mandá-los para pós-graduação em criminalidade. Assim refere o autor, elencando como argumentos a falta de dignidade e superlotação dos presídios brasileiros:
O Brasil, hoje, infelizmente, é um dos países que têm péssimo sistema penitenciário. De modo que, se baixarmos a maioridade para 16 anos, simplesmente vamos transferir aqueles que têm 16 anos, 17 anos, para as penitenciárias. E elas não têm nenhuma condição de dignidade de recebê-los. O sistema penitenciário tem que ser responsável, sério, eficiente. Não temos isso. O princípio da dignidade é um dos que norteiam a população brasileira e esse princípio é previsto na Constituição Federal. O condenado deve sofrer uma pena justa, certa e de acordo com a gravidade do crime. Em muitas cadeias públicas e penitenciárias há celas em que cabem dez pessoas e são colocadas 40, 50 pessoas. Temos acompanhado essa situação há muitos anos e não há nenhuma medida que na prática tenha, se não resolvido esse problema definitivamente, pelo menos tornado-o razoável. [...] Vamos mandar um garoto de 16 anos para pós-graduação em criminalidade.
Neto (2009, p.01) defende que a redução da maioridade penal acabará por acarretar aos jovens que completem o seu processo de formação num ambiente totalmente desequilibrado e promiscuo, sujeitos a violência psíquica, física e sexual, o que contribuirá para que retorne a sociedade mais revoltado e violento. Assim aduz o autor:
A opção pela diminuição da imputabilidade penal (para dezesseis ou catorze anos de idade) importará exatamente nisso: ao invés de oportunidade para vir a desenvolver sua potencial sociabilidade (e construir projeto de vida afastado da criminalidade) o adolescente (inclusive aquele autor de delitos sem gravidade) acabará completando seu processo de formação na promiscuidade da penitenciária de adultos, convivendo com a violência física, psíquica e sexual, tornando-se ainda mais revoltado e violento, quando não passando a integrar organizações criminosas (ou seja, sendo devolvido depois à sociedade um cidadão de pior categoria de que quando ingressou no sistema).
Zibetti (2007, p. 01) assim refere: “se o sistema penitenciário que hoje temos já torna preocupante qualquer perspectiva ressocializante à atual população carcerária, seria de imaginar como ele se tornaria com o aumento de sua clientela...”
O Promotor de Justiça, em seguida, conclui sua tese se posicionando contra a redução da maioridade penal:
Além disso, o que esperar de um jovem de 16 anos colocado em um presídio além do aprendizado precoce dos meandros da vida criminosa? Reduzir a idade penal, pois, seria lavar nossas mãos, levando adolescentes a um sistema falido por não se acreditar que, sem prejuízo à segregação já prevista para casos mais graves, educação e oportunidades, ao jovem de 16 anos, é a melhor resposta à sociedade, mesmo que para um futuro próximo. (ZIBETTI, 2007, p. 02)
Gomes (2007, p. 01) prevê uma perspectiva ainda pior, pois remeter os adolescentes infratores para os presídios significaria adiantar a inserção do infrator às organizações criminosas:
Embora conte com forte apoio popular, a proposta de redução da maioridade penal para 16 anos ou menos deve ser refutada, em razão, sobretudo da sua ineficácia e insensibilidade. Se os presídios são reconhecidamente faculdades do crime, a colocação dos adolescentes neles (em companhia dos criminosos adultos) teria como conseqüência inevitável a sua mais rápida integração nas bandas criminosas organizadas. Recorde-se que os dois grupos que mais amedrontam hoje o Rio de Janeiro e São Paulo (Comando Vermelho e PCC) nasceram justamente dentro dos nossos presídios. Uma coisa é a prática de um furto, um roubo desarmado etc., outra bem distinta é a morte intencional (dolosa), especialmente quando causada com requintes de perversidade.
Impende, por fim, retornar a lição de Damásio (2007, p. 01) para o desfecho do tema. Para o autor, não adianta alterar a Lei, aumentar as penas, tornar os crimes hediondos, pois não surtirá nenhum efeito. Ele acredita que, se não conseguimos resolver o problema sequer dos adultos com o presídio, como resolveremos o dos adolescentes? Damásio leciona que a alteração deve ocorrer no sistema penitenciário, pois é a certeza da punição o único fator que reduz a criminalidade:
Baixar a maioridade para 16 anos não vai alterar a criminalidade. Porque se não podemos hoje resolver a situação dos condenados maiores, como é que vamos resolver a situação daqueles que hoje são menores e amanhã serão pela lei nova, se vier a viger, maiores? Falam em alterar o Código Penal, a Lei de Execução Penal, o Código do Processo Penal e a ECA. Não vai adiantar nada. Tenho repetido que podemos alterar qualquer lei de natureza penal um milhão de vezes, nada altera. Porque o que deve ser alterado é na prática o sistema penitenciário. Os códigos desembocam na Lei de Execução Penal e nessa lei a instituição mais forte, a principal, é a pena. E a pena hoje não é executada nos moldes previstos na Constituição e nem no Código Penal. Criar novos crimes, criar uma qualificadora em relação àquele que cometeu um crime com um menor, isso já existe. De maneira que se colocar cinco anos, seis anos a mais na pena, não adianta, porque o que reduz a criminalidade não é a criação de novos tipos penais, não é o aumento da pena, é a certeza da punição.
A fim de corroborar o acima exposto, traz-se à liça dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2013, p. 54), os quais revelam que no ano de 2012, havia 515.482 pessoas no sistema penitenciário brasileiro. Todavia, para este número de encarcerados, existiam somente 303.741 vagas, ou seja, conforme o anuário, havia um déficit de 211.741 vagas. (2013, p. 60)
Entretanto, cenário pior se desvela no Novo Diagnostico de Pessoas Presas no Brasil, divulgado pelo CNJ em junho deste ano (2014), porque os dados mais atuais revelam que computado o número de pessoas presas no sistema carcerário mais as que estão em cumprimento de prisão domiciliar os números exatos chegam a 711.463 pessoas presas, com um déficit de 354.244 vagas no sistema carcerário brasileiro. (CNJ, 2014, p. 06)
Outro dado bastante relevante trazido pelo CNJ é o de que num ranking com os 10 países com maior população prisional, o Brasil registra a posição de quarto lugar, com 563.526 reclusos, perdendo apenas para os Estados Unidos que ocupam o primeiro lugar com a população de 2.228.424, a China que ocupa a segunda posição com 1.701.344, e a Rússia que ocupa a terceira posição com 676.400.(CNJ, 2014, p. 15)
O CNJ, por fim, revela que, se somado o número total de pessoas presas (computadas as hipóteses de prisão domiciliar) mais o número do total de cumprimentos de mandados de prisão em aberto, qual seja, de 373.991, resultaria no total de 1.085.454, representando, assim, um déficit de 728.235 vagas no sistema carcerário brasileiro. (CNJ, 2014, p. 17)
Impõe-se destacar, ainda, algumas outras fundamentações propagadas pelos que se manifestam contrariamente à redução da idade penal. A mais notável diz respeito à natureza da criminalidade infanto-juvenil, que, para os discordantes da posição redutora, muito longe de ter origem legislativa, possui natureza sociológica. Para estes, remeter os adolescentes infratores para o seio prisional está a combater as consequências da criminalidade, mas, de forma alguma, os fatores que a desencadeiam.
Nesse aspecto, ao invés de encarceramento, conclamam os não redutores a implementação integral do ECA e do SINASE, que reconhecidamente no meio jurídico ainda não foram implementados na íntegra, bem como a aplicação do princípio da prioridade absoluta e proteção integral previstas pelo legislador constituinte, tudo isso a fomentar a efetivação de políticas públicas voltadas à educação, à saúde, à profissionalização, ao lazer, ao fortalecimento da instituição da família, para assim, de modo efetivo, conseguir resultados positivos na redução da criminalidade. Outro argumento de destaque é o posicionamento de que somente estímulos educativos ensejam a ressocialização, defendidos primariamente no âmbito psicológico.
Ratificando o acima exposto, Damásio (2007, p. 01) aponta que alterar a Lei não produzirá nenhum resultado para amortizar a criminalidade, e somente a educação seria capaz de promover esse resultado aos adolescentes:
A criminalidade pode ser reduzida a termos razoáveis por uma série de instrumentos, como a educação. Temos que educar as crianças e esperar 30 anos, 40 anos. Aí, vai mudar. Mas uma medida de emergência, alterar o Código Penal, o ECA, não vai criar nenhum efeito benéfico para a sociedade. Vamos mandar um garoto de 16 anos para pós-graduação em criminalidade.
A Fundação Abrinq (2013, p. 24), em nota técnica, também se manifesta nesse sentido, aduzindo que a re-educação, a ressocialização e a garantia aos adolescentes do acesso aos direitos sociais, tais como educação, saúde, moradia e etc., irão proporcionar a justiça social:
Não podemos, todavia, desistir da reeducação e ressocialização dos adolescentes infratores, acreditando que a simples redução da idade penal solucionará o problema da violência. Não podemos nos agarrar às soluções simplistas, posto que problemas complexos necessitam de soluções sistemáticas e, dessa forma, há que se implementar políticas públicas intersetoriais efetivas voltadas à criança e ao adolescente. Ou seja, antes de criminalizarmos a adolescência, é preciso que os direitos sociais, tais como, educação, saúde, moradia, lazer, segurança, entre outros, estejam assegurados para cada adolescente brasileiro. Somente assim poderemos ser de fato um país democrático, rico e com justiça social.
Com efeito, foram analisados os argumentos em prol e contra a redução da maioridade penal, sustentados por sociólogos, psicólogos e pensadores do Direito de diversas áreas atuantes.
CONCLUSÃO
Conforme demonstrou-se no presente trabalho, a idade de responsabilidade penal inicia-se aos 18 anos completos, por força de expressa determinação do texto constitucional, em adoção ao critério puramente biológico. Esta previsão legal confere ao adolescente infrator uma garantia de não ser submetido às sanções do Código Penal, todavia, impinge-lhe uma responsabilização especial, prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, submetendo-o as medidas socioeducativas e protetivas, que tem por principal escopo, não punir, mas sim educar e ressocializar, corrigindo o desvio de conduta do adolescente.
Dentre as medidas socioeducativas, cabíveis ao adolescente infrator, considera-se a mais gravosa, a medida de internação, pois retira a liberdade do indivíduo. Entretanto, tal medida só é cabível em atendimento aos princípios da brevidade e excepcionalidade, previstos também no ordenamento Constitucional, e não pode ser decretada por um prazo determinado, estando limitada a duração de três anos, observando-se a hipótese de liberação compulsória aos vinte e um anos.
Como se demonstrou existe pesquisa de opinião popular, aduzindo que parcela da população visa à redução desse marco etário, a fim de que se retire este tratamento especial conferido ao adolescente em conflito com a lei, para que este arque com as conseqüências do ato infracional, da mesma forma que o adulto.
Ante a essa expectativa de mudança na Lei Magna, surgiram seis Projetos de Emenda à Constituição. Entretanto, exsurgem inúmeros argumentos favoráveis e contra a medida proposta para acabar com a criminalidade infanto-juvenil. Os principais argumentos favoráveis a redução da maioridade penal como se observou são: a capacidade de discernimento, a incoerência normativa constitucional que prevê a faculdade do voto, o desincentivo ao recrutamento de adolescentes pelos adultos criminosos, a redução da criminalidade e a tendência mundial na redução da maioridade penal, etc. Já as principais justificativas para a não redução, aos aliados a este entendimento são: que os jovens possuem capacidade de discernimento, mas não formação completa para agir segundo esse entendimento, a inconstitucionalidade da medida, que a maioria dos crimes são praticados por adultos e a minoria praticada pelos adolescentes são de pouca gravidade, que reduzir a maioridade penal combateria as conseqüências e não as causas das infrações, que a solução para a redução da criminalidade deve ser pedagogia, que o crime é um fenômeno sociológico e não legislativo e por fim a falência do sistema carcerário, como óbice a aplicação da medida e como um fator agravante da criminalidade.
Espera-se que a solução executada, independente de qual seja, realmente contribua para a redução da criminalidade e não para o seu agravamento. Sobretudo, salienta-se que eventual reforma no sistema prisional, independente de reduzida a maioridade penal é medida, mais que bem vinda.
REFERÊNCIAS
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Advogada atuante na área cível, família, criminal e consumidor. Bacharel em Direito pela Faculdade Anhanguera e pós graduanda em processo civil pela Faculdade Damásio Educacional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MYRA CHERYLIN PEREIRA FIGUEIRó, . Argumentos sobre a redução da maioridade penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 ago 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47338/argumentos-sobre-a-reducao-da-maioridade-penal. Acesso em: 22 nov 2024.
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