RESUMO: O presente trabalho tem o objetivo de apresentar a problemática das falsas memórias no contexto da colheita da prova testemunhal e também da inquirição de vítimas e demais depoentes de um processo-crime. O problema colocado pelas falsas memórias, consiste numa situação em que a testemunha ou a vítima imaginam falar “verdade” e não a mentira, ou seja não creêm mentir enquanto emitem sua opinião sobre o suposto fato criminoso, baseada na sua falsa memória. No decorrer do trabalho busquei apresentar soluções que a doutrina especializada coloca para os problemas que surgem na colheita dos depoimentos das testemunhas e vítimas, e saliento que a problemática apresentada está apenas começando a ser enfrentada pela doutrina e jurisprudência nacionais, o que faz aumentar os desafios para o tratamento do tema na prática jurídica diária.
Palavras-chave: falsas memórias, prova testemunhal, inquirição de vítimas.
INTRODUÇÃO
A prova testemunhal é o meio de prova mais utilizado no processo penal brasileiro, e por isso mesmo é o mais perigoso, manipulável e pouco confiável. Este paradoxo aumenta a crise de confiança existente na solução judicial dada aos casos julgados no Brasil.
Neste giro, as questões colocadas pela produção da prova testemunhal no Processo Penal Brasileiro perpassam o problema da indução feita pelas autoridades que utilizam do interrogatório como meio de prova do suposto crime; além disso, existe o problema das falsas memórias, talvez mais grave ainda que a indução referida, pois a testemunha ou a vítima imaginam falar “verdade” e não a mentira, ou seja não creêm mentir enquanto emitem sua opinião sobre o suposto fato criminoso, baseada na sua falsa memória.
Neste trabalho procurarei apresentar respostas que podem minimizar os problemas referidos.
No capítulo um apontarei uma noção do que é falsa memória e tentarei dimensionar os problemas que ela coloca na colheita da prova testemunhal no Processo Penal Brasileiro.
No segundo capítulo inicio uma discussão que é doutrinária, sobre a objetividade e ou subjetividade da prova testemunhal, e da importância dessa discussão para o melhor julgamento possível do magistrado.
No capítulo três faço uma breve análise sobre as consequências das falsas memórias e da indução no exercício do interrogatório das autoridades da justiça brasileira para a credibilidade da prova testemunhal.
No último capítulo avalio algumas soluções apresentadas pela doutrina referentes aos problemas que surgem na colheita dos depoimentos das testemunhas e vítimas.
1 – noção e forma de construção de falsas memórias
O significado do termo memória, remonta etimologicamente do latim, e consiste na faculdade de reter e ou readquirir idéias, imagens, expressões e conhecimentos, reportando-se às lembranças.
Segundo Caixeta & Pereira (2005, p.17)
Cada tipo diferente de memória é armazenado e recuperado em caminho diferente, e dúzias de áreas do cérebro estão envolvidas numa complexa rede de interações. Qualquer que seja o tipo de memória trata-se de associação entre um grupo de neurônios, no qual, quando um dispara, todos eles disparam, criando, assim, um padrão específico.
De maneira que na opinião dos autores referidos a
localização da memória não se dá em estrutura isolada no cérebro; envolve um conjunto de sistemas cerebrais que funcionam juntos.(...)Nem todos os aspectos de uma experiência são lembrados com a mesma facilidade, e a ampliação da memória, produzida pela excitação emocional, pode influenciar alguns aspectos mais do que outros. Após um assalto, por exemplo, a vítima poderá lembrar-se do incidente com maior clareza do que de outros acontecimentos ocorridos no mesmo dia. Estudos de McGaught e colaboradores (1995) sugerem que o hormônio adrenalina, liberado durante o estresse, estabiliza e fortalece as memórias.(CAIXETA & PEREIRA, 2005, p.17).
Neste giro, constatamos o fato das falsas memórias, que são fruto da combinação recordações verdadeiras com o conteúdo das sugestões recebidas dos outros.
Na lição de Caixeta & Pereira (2005, p.38) o processo de criação das falsas memórias começa quando absorvemos as coisas destinadas à memória, pois a maioria das percepções sensoriais são registradas de forma inconsciente, e poucas delas permanecem retidas. A partir daí, a maioria delas apagam-se da mente, e o restante é direcionado para a memória de longo prazo. Assim quando uma memória é lembrada, o processo de falsificação ganha novo impulso e, quando repassamos os fatos que ocorreram, acrescentamos um pouco de algo, perdemos outro e preenchemos com coisas que possam ter-se apagado. Logo, fica constatado que podemos modificar, gradualmente, e inconscientemente, a lembrança com um pouco de imaginação.
Na doutrina dos autores referidos, apud Carter (2003, p.336) :
O processo de codificar e representar o mundo que nos cerca e o mundo dentro de nós é automático. Aquilo com que, no final, acabamos ficando é um registro mental correspondente a qualquer evento, que não será completo nem será literal. Será fragmentário é recuperado e nossos processos cognitivos operam no sentido de encontrar uma razão para ele. Nesse instante, é criado um outro registro de memória correspondente aos eventos no momento da rememoração, inclusive os resultados de quaisquer emoções que a acompanhem. Outras informações poderão ser incorporadas e, portanto, ao tentar se lembrar do evento original, você poderá se recordar do registro mais recente com os respectivos erros.
Na opinião da melhor doutrina o fenômeno da recordação de algo que não foi vivenciado pode ocorrer, pelo menos sob duas formas: espontaneamente ou via sugestão externa. A primeira é o resultado de processos de distorção mnemônicos endógenos. Já as falsas memórias sugeridas surgem a partir de implantação exógena de falsa informação acidental ou deliberada. (Caixeta & Pereira, 2005, p.38).
Além disso, de acordo com a doutrina de Caixeta & Pereira (2005, p. 40).
As falsas memórias podem ser criadas também pelas exigências sociais com objetivo de recordar, pelo encorajamento, para imaginar eventos quando alguém está com dificuldade para lembrar-se e quando encorajado a não pensar se as recordações são reais ou não. Um estudo publicado por Loftus e cols.(1994) mostrou que uma em cada cinco mulheres, representando 19% que relataram abuso sexual infantil, também relatou esquecimento completo do evento traumático por algum período de tempo e, posteriormente, recuperou a memória(...) Outras pesquisas confirmam que é relativamente fácil estabelecer memórias referentes a um acontecimento que jamais ocorreu ao perguntar por ele. Segundo Hyman, Husband e Billings (1995), citado em Morris e Maisto (2003), quanto mais as pessoas são interrogadas a respeito, maiores as chances de que elas ‘se lembrem’ dele.
Na mesma linha de pensamento, Cristina Di Gesu (2014, p.133) afirma que de acordo com as pesquisas realizadas, também por Loftus, sobre as distorções da memória: a lembrança pode ser altamente manipulada a partir de informações errôneas sobre acontecimentos nunca vividos, como também pode haver modificação dos fatos realmente vivenciados.
Loftus afirma ter realizado centenas de experiências com mais de 20 mil pessoas, a fim de constatar como a exposição a informações não verdadeiras distorce a memória. Assim, ela constatou, através de trabalho de campo, que a desinformação é capaz de modificar as lembranças de maneira previsível e até mesmo espetacular, nas situações mais cotidianas, de maneira que a “informação errônea pode se imiscuir em nossas lembranças quando falamos com outras pessoas, quando somos interrogados de maneira evocativa, ou quando uma reportagem nos mostra um evento que nós próprios vivemos” (DI GESU, 2014, p.133)
Nos testes aplicados por Elizabeth Loftus alguns participantes assinaram confissões de supostos danos que nunca haviam praticado. Baseando-se nesta pesquisa Cristina DI GESU (2014, p.135) faz a seguinte observação, in verbis:
A assunção de culpa, inclusive com confissão por escrito, dá-nos bem a dimensão do problema, isto é, de quanto as pessoas podem ser induzidas a relatar acontecimentos não experimentados. Para o processo, a possibilidade de uma testemunha ou vítima fornecer um relato não verdadeiro, a partir da falsificação da recordação, compromete integralmente a confiabilidade do testemunho, gerando um imenso prejuízo para o imputado.
Portanto, numa mesma racio , a questão é descobrir o que aconteceu, situação que na maioria das vezes não é tão simples, pois ou o fato não deixa vestígios ou estes foram apagados pelo tempo ou, na pior das hipóteses, a prova foi mal produzida. Logo, conclui a jurista Cristina que sendo tão somente a prova testemunhal o único meio de prova, nasce um novo e grave problema: “o induzimento realizado pelos parentes, amigos, por policiais ou julgadores ao formularem seus questionamentos, bem como pela mídia, devido à notoriedade do caso”(DI GESU, 2014, p.136).
2- O problema da prova testemunhal ser uma questão objetiva ou subjetiva para o Processo Penal Brasileiro.
Segundo a melhor doutrina o processo penal é uma máquina retrospectiva, onde, através do seu ritual, busca-se desenvolver uma atividade recognitiva dirigida ao julgador. A atividade processual gira em torno da busca pelo convencimento do julgador. Trata-se da função persuasiva da prova, no intuito de obter a captura psíquica do juiz. Deste, corolário disso, é ingenuidade seguir falando em “verdade processual” ou, mais grave ainda, falar-se na (absurda) verdade real.
De acordo com Lopes Júnior (2014, p.690) “A prova testemunhal é o meio de prova mais utilizado no processo penal brasileiro e, ao mesmo tempo, o mais perigoso, manipulável e pouco confiável. Esse grave paradoxo agudiza a crise de confiança existente em torno do processo penal e do próprio ritual judiciário”
Nesta linha de raciocínio, como bem coloca Di Gesu (2014, p. 93): “Em sendo a testemunha o principal meio de prova, pelo menos duas questões devem ser suscitadas. A primeira delas diz respeito à objetividade do depoimento e a segunda à forma com que é colhida no processo penal brasileiro”
Deste modo, observamos com Cristina Di Gesu (2014, p.94) que o artigo 213, do Código de Processo Penal, in verbis: “Art. 213. O juiz não permitirá que a testemunha manifeste suas apreciações pessoais, salvo quando inseparáveis da narrativa do fato”, desconsidera a subjetividade da testemunha ao captar o acontecimento, considerando-o como um ato totalmente objetivo.
Contudo a subjetividade da prova testemunhal é bem defendida por Cristina Di Gesu (2014, p. 94), in verbis:
A prova testemunhal deve ser tratada como uma questão subjetiva, a começar pelo fato de os relatos serem em primeira pessoa. (...) A objetividade da testemunha, exigida pelas normas, parece ilusória aos que consideram a interioridade neuropsíquica. Já o aparelho sensorial escolhe os possíveis estímulos, codificados segundo modelos relativos aos indivíduos, as impressões integram uma experiência perceptiva, cujos fantasmas variam no processo mnemônico, tanto mais a lembrança não é espontânea, mas solicitada, como ocorre com as testemunhas.
Na percepção da jurista Di Gesu (2014, 198-9) a memoria envolve um processo complexo: aquisição retenção e recordação:
Quanto à aquisição, destaca Quecuty não serem as recordações réplicas dos acontecimentos percebidos a memória não é réplica dos acontecimentos percebidos, uma vez que são limitados pela natureza do fato( tempo de observação, luminosidade, atenção aos detalhes, existência de violência, caráter estressante) e pela condição das testemunhas (expectativas, estresse emocional,etc) (...) Quanto a retenção, a informação é menos completa e exata, pois refere-se ao transcurso do tempo entre a observação do episódio e a recordação posterior. Além disso, as informações pós-evento abrem uma brecha à formação de falsas memórias, na medida em que acabam por confundir a testemunha, a qual não distingue mais o evento original, daquilo que foi incorporado depois (...) Por fim, o terceiro momento é representado pela recordação, nesta é produzida a recuperação da informação armazenada na memória com sucesso, mas também com fracasso, devido a uma aquisição defeituosa ou ao próprio processo de lembrança em si.
Ainda nos alerta a autora retro referida que o aparato perceptivo tem uma capacidade limitada, trabalhando seletivamente. De modo que, a captação de estímulos não é integral. Logo uma pessoa exposta a estímulos simultâneos capta aqueles a respeito dos quais está adaptado. Assim, os dados sensoriais não são percepções, Esta situação gera a falibilidade do testemunho, elevando os riscos de erro no processo, tendo em vista que nenhuma regra processual é capaz de determinar até onde as testemunhas merecem crédito (DI GESU, 2014, p.95).
Assim apesar do Código de Processo Penal brasileiro considerar a prova testemunhal, sob o ponto de vista objetivo, sem avaliar as questões discutidas acima. Consideramos com os autores supra que o problema é complexo e assim deve ser encarado pelo juiz no momento da colheita dessa prova para atingir o objetivo de julgar com o máximo de neutralidade e objetividade possíveis.
3 – Breve análise sobre as consequências das falsas memórias e da indução no exercício do interrogatório das autoridades da justiça brasileira para a credibilidade da prova testemunhal
Podemos afirmar com a doutrina mais moderna sobre o assunto, que o crime é uma reconstrução do passado. O problema é que este para ser reconstruído depende da memória do narrador ou narradores, por exemplo: testemunha, vítima.
A consequência disso, na opinião de Di Gesu (2014, p.165-6) é , in verbis:
Com efeito, um dos grandes problemas da prova está na contaminação da reconstrução de fatos passados, principalmente pelo modo como a prova é colhida. O desvio do escopo do processo (...) acaba por influenciar a memória das pessoas que depõem no processo e até mesmo antes dele (...) relembra-se que a percepção de um determinado evento está eivada de interpretações, ou seja, de conhecimentos prévios e de interferências prováveis sobre aspectos da situação não percebida e atendida por completo.
Analisando os problemas relacionados às falsas memórias CAIXETA & PEREIRA (2005, p.32-3) apresentam pelo menos três “pecados”: o pecado da atribuição errada, o pecado da sugestionabilidade, e o pecado da distorção.
Quanto ao primeiro, afirmam que:
O pecado da atribuição errada é chamado por alguns psicólogos de problema da ‘cimentação da memória’: Desta forma, o indivíduo lembra-se de fatos que jamais ocorreram, atribuindo erroneamente o processamento rápido de novas informações ou imagens vívidas que nos vêm à mente a lembranças de eventos passados que não aconteceram. (...) como exemplo, temos a atribuição errada de testemunhas, ou seja, uma testemunha que atribui a familiaridade de um rosto à fonte errada (...). Quando as partes individuais de uma experiência são retidas, mas a ligação da memória não acontece, estão criadas as condições para atribuição errada de fonte e em outros episódios de recordação equivocada de testemunhas (...). Alguns estudos demonstraram que, quando as pessoas imaginam que estão realizando uma ação ou vendo um objeto, afirmam futuramente que realmente o fizeram. Uma forte sensação de familiaridade, juntamente com a falta de recordações específicas, cria a receita fatídica para o surgimento da atribuição errada. A compreensão desse ponto pode ser a chave para a redução das consequências infames da atribuição errada nos depoimentos de testemunhas de um crime.
No tocante ao pecado da sugestionabilidade a doutrina de Caixeta & Pereira (2005, p. 34) diz que o indivíduo tem tendência de assimilar informações enganadoras de fontes externas, que seriam: outras pessoas, material escrito ou imagens, até mesmo os meios de comunicação- a recordações pessoais. Além disso, em interrogatório feito por autoridades policiais ou judiciais perguntas tendenciosas podem levar testemunhas a identificar erradamente um suspeito; técnicas sugestivas podem ajudar a criar falsas lembranças; interrogatórios policiais ou judiciais agressivos de crianças podem leva-las a ter lembranças distorcidas de abusos que jamais ocorreram.
Quanto ao terceiro e último afirmam os autores supra que “o pecado da distorção reflete as influências que modificam opiniões, conhecimentos e sentimentos do presente de novas experiências ou últimas recordações de tais lembranças” (CAIXETA & PEREIRA, 2005, p. 35).
Ainda segundo tais autores: “As distorções da memória também podem ocorrer em razão da confusão da fonte, que se dá quando a origem verdadeira da lembrança é esquecida” (CAIXETA & PEREIRA, 2005, p. 39).
No tocante ao problema da indução pelo interrogado, ocorre no momento em que o entrevistador restrige a pergunta ou a formula de maneira tendenciosa, sugerindo assim o caminho mais adequado à resposta, podendo gerar uma falsa memória no depoente com este procedimento vicioso.
4 - Avaliação de algumas soluções apresentadas pela doutrina referentes aos problemas colocados nos interrogatórios de vítimas e testemunhas.
A doutrina mais moderna sobre o assunto das falsas memórias têm o intuito de investigar e analisar as possibilidades de constatação de falsas memórias nos depoimentos de vítimas e de testemunhas para evitar que pessoas sejam investigadas, presas, acusadas e condenadas com base em uma prova frágil, tal como se apresenta a provas testemunhal.
Aponta Di Gesu (2014, 204) que
As contaminações a que estão sujeitas a prova penal podem ser minimizadas através da colheita da prova em um prazo razoável, objetivando-se suavizar a influência do tempo (esquecimento) na memória. Além disso, quanto mais o tempo passa, mais a vítima ou testemunha estará sujeita a influências da mídia, parentes, vizinhos, entre outros. (...) A adoção de técnicas de interrogatório e a entrevista cognitiva permitem a obtenção de informações quantitativas e qualitativamente superiores a das entrevistas tradicionais, altamente sugestivas(...) de outra banda, a gravação das entrevistas efetivadas na fase pré-processual, principalmente as realizadas por assistentes sociais e psicólogos, permite aos juiz o acesso a um completo registro eletrônico da entrevista
Explica Caixeta & Pereira (2005, p.34) que o método é conhecido como ‘entrevista cognitiva’, “que é baseada em descobertas e idéias comprovadas em estudos controlados de memória e evita, especificamente, o uso de perguntas sugestivas ou tendenciosas”. Entretanto afirmam que a entrevista cognitiva pode produzir um número maior de relatos de informações incorretas. Algumas confissões falsas ocorrem pelo fato de suspeitos quererem acabar com a pressão psicológica, ou seja, abusos físicos ou mentais, mesmo que saibam que não cometeram o crime.
Segundo os autores retro referidos a entrevista cognitiva é:
um procedimento composto por quatro técnicas gerais, acrescido de estratégias complementares para a recordação de detalhes específicos:
a)Reinstauração do contexto: esta técnica consiste em reconstruir ‘mentalmente’ o cenário do crime, através de aspectos físicos e pessoais;
b)Informar sobre tudo: requer-se à testemunha que conte tudo o que recorda, incluindo as informações parciais ou aparentemente irrelevantes;
c)Mudança de perspectivas: solicita-se a testemunha sair de sua posição de fala, ou seja, que se coloque em outro lugar da cena do crime e que infome o que teria visto nessa nova posição, objetivando-se recuperar o maior número de detalhes;
d)Diferente ordem: demanda que a testemunha lembre do fato seguindo ordens diferentes, v.g. , do fim para o começo(CAIXETA & PEREIRA, 2005, p. 35).
Na mesma linha, Di Gesu (2014, p.202-3) considera que há vantagens e desvantagens neste tipo de entrevista. Sendo que no tocante às vantagens estariam a aquisição de informações mais ricas, e consequente minimização dos riscos de uma possível indução das respostas pelo entrevistador (delegado ou juiz, ou psicólogo, assistente social) e, consequentemente, a produção da prova oral com maior qualidade. Já no tocante as desvantagens visualizam-se custo temporal e maior complexidade, tendo em vista a análise e necessidade de treinamento dos entrevistadores, e maior tempo para realização do trabalho.
Como estratégia ou solução para o problema da qualidade e veracidade dos depoimentos, é importante salientar que o julgador deveria avaliar outra versão do fato, não só o do Promotor, mas uma abordagem ofertada pela própria vítima quando de seu depoimento. (DI GESU, 2014, p.205)
Já no tocante ao interrogatório de crianças leciona a doutrina de Di Gesu (2014, p.206) que:
é importante é evitar induções, ao questionar sobre um fato (deixar a criança falar, questionando-a com um número reduzido de perguntas, em segundo evitar questionamentos reveladores da opinião do interrogador, e além disso, não se contentar com respostas lacônicas “sim” e “não”, e por último evitar forçar a criança a contar detalhes, a fim de evitar a introdução, nas recordações, de elementos irreais ou imaginários.(...) Em suma para melhorar a qualidade da oitiva dos infantes o interrogador deve usar voz ativa, com palavras e frases simples, evitar duplos negativos e perguntas múltiplas, e verificar se a criança compreendeu a pergunta.
Já Caixeta & Pereira (2005, p.33) coloca que para minimizar o julgamento relativo,
pode-se pedir que a testemunha tome uma decisão de culpa ou não imediatamente após ter visto cada um dos suspeitos, em vez de esperar que todos os suspeitos sejam mostrados. Esse método incentiva as pessoas a investigar sua memória com mais cautela e, assim, verificar melhor se o suspeito mostrado se identifica com os detalhes de suas recordações. (...) Com base em experimentos, formulou-se a teoria de que o estudo de imagens junto com as palavras ajudou os participantes do estudo a recorrer a uma ‘heurística de distinção’: uma norma prática que leva as pessoas a exigir da memória detalhes distintos de uma experiência antes de afirmar que dela se lembram.
Além disso, como instrumento que pode melhorar a qualidade de inquirição de criança vítima ou testemunha de delito sexual, a doutrina cita o Depoimento Sem Dano, que supostamente visa salvaguardar a memória da criança ou adolescente inquirido, tanto dos efeitos maléficos do transcurso do tempo, quanto das sucessivas entrevistas, que podem ser prejudiciais ao testemunho, devido à incorporação de informações falsas nos relatos subsequentes. Contudo Osni numa abordagem crítica deste interrogatório coloca, in verbis, que:
O problema reside no procedimento a ser adotado à inquirição, pela possibilidade de indução das respostas pelo profissional encarregado de ‘converter’ os questionamentos propostos pelas partes e pelo juiz, com o intuito de adaptar-se à linguagem infantil, bem como pela possibilidade de a prova ser produzida antecipadamente sem observância de qualquer critério e em total desrespeito ao devido processo legal (PISA, 2006, p.191).
Osnilda Pisa critica contundentemente o procedimento do Depoimento sem Dano dizendo que é uma terceirização do lugar do Inquisidor, ou uma transferência da função de “sugador” de significantes, à força simbólica e sua violência respectiva, para um profissional de outra área, em princípio, mais capaz de “abrandar” a violência e imaginariamente funcionar como “mecanismo paliativo de desencargo”, na sanha de se condenar (PISA, 2006, p.198).
É importante salientar que apesar da importância da temática acima sustentada, nos autores referidos, há também ilustres processualistas penais brasileiros que não tratam de tal temática ao fazer considerações sobre a prova testemunhal, a saber: Fernando Capez, Renato Marcão, Eugênio Pacelli.
Neste giro, apesar da discussão doutrinária, sobre a problemática da falsa memória na colheita da prova testemunhal ou no interrogatório policial ou judicial (principalmente o primeiro, considerando a ausência de contraditório) ainda não ser tão ampla. Na jurisprudência, podemos com Di Gesu (2014, 229-30), apontar alguns julgados: apelação criminal nº 70023533979, da 6ª Câmara Criminal, do E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que na sessão do dia 29 de maio de 2008, negou provimento ao recurso ministerial e apelação criminal nº 70017367020, julgada pela Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que na sessão do dia 27 de dezembro de 2006, manteve a absolvição do réu, inclusive no acórdão foi transcrita a sentença da magistrada de primeiro grau, Osnilda Pisa.
CONCLUSÃO
Conforme analisamos as questões colocadas pela produção da prova testemunhal no Processo Penal Brasileiro perpassam o problema da indução feita pelas autoridades que utilizam do interrogatório como meio de prova do suposto crime; além disso, falsas memórias dimensionam bem o tamanho dos problema, pois a testemunha ou a vítima imaginam falar “verdade” e não a mentira, ou seja não creêm mentir enquanto emitem sua opinião sobre o suposto fato criminoso, baseada na sua falsa memória.
No capítulo um apontei uma noção do que é falsa memória e busquei dimensionar os problemas que ela coloca na colheita da prova testemunhal no Processo Penal Brasileiro.
No segundo capítulo iniciei uma discussão que é doutrinária, sobre a objetividade e ou subjetividade da prova testemunhal, e da importância dessa discussão para o melhor julgamento possível do magistrado, onde nos posicionamos sobre a perigosa subjetividade na produção dessa prova.
No capítulo três fiz uma breve análise sobre as consequências das falsas memórias e da indução no exercício do interrogatório das autoridades da justiça brasileira para a credibilidade da prova testemunhal.
No último capítulo busquei apresentar algumas soluções que a melhor doutrina sobre o assunto coloca para os problemas que surgem na colheita dos depoimentos das testemunhas e vítimas, e saliento que a problemática apresentanda não é muitas vezes enfrentadas pela doutrina e jurisprudência nacionais, o que denota as dificuldades para o tratamento do tema na prática jurídica diária.
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Graduação em Filosofia pela Fafich - UFMG, graduação em Direito pela Faculdade Pitágoras, pós - graduação em Direito do Estado, pós - graduação em Direito civil, pós - graduação em Direito Processual Penal; todas pós-graduações pela Faculdade Anhanguera.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, José Maria da. O problema da prova testemunhal: as questões modernas relacionadas às falsas memórias, o perigo da indução no interrogatório de crianças e adultos. Possíveis soluções para a correção destes problemas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 ago 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47380/o-problema-da-prova-testemunhal-as-questoes-modernas-relacionadas-as-falsas-memorias-o-perigo-da-inducao-no-interrogatorio-de-criancas-e-adultos-possiveis-solucoes-para-a-correcao-destes-problemas. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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