RESUMO: O presente artigo tem por objetivo uma abordagem sobre a sistemática das decisões provisórias proferidas em face do Poder Público (e suas condicionantes), bem como sua relação com outros institutos processuais, notadamente o do reexame necessário, do precatório e dos meios de impugnação das referidas decisões.
PALAVRAS-CHAVE: tutela provisória; tutela de urgência; tutela antecipada; tutela cautelar; Poder Público; reexame necessário; precatório; agravo de instrumento; suspensão de segurança; reclamação constitucional.
1 Introdução
A tutela provisória de urgência, na modalidade antecipação de tutela, consiste em técnica processual por meio da qual se adiantam os efeitos da tutela jurisdicional definitiva, em cumprimento ao mandamento constitucional da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CRFB).
Referida técnica se aplica a qualquer litígio, ainda que em prejuízo da Fazenda Pública.
Não obstante a veracidade dessa asserção, é do conhecimento de todos que o Poder Público gerencia interesses de toda a coletividade. Por conta disso, as demandas contra o Estado (sentido amplo) envolverão em maior ou menor grau o interesse público, indisponível por natureza – nesse ponto, convém esclarecer que parte minoritária mas respeitável da doutrina sustenta que a indisponibilidade recairia somente sobre o interesse público primário (interesse coletivo), mas não sobre o interesse público secundário (interesse patrimonial do Estado).
Como o interesse público (de toda a coletividade) tem primazia frente ao interesse privado (interesse egoístico de cada particular) – tal primazia decorre do princípio da supremacia do interesse público: princípio que vem sofrendo releitura por parcela da doutrina nacional –, é natural que haja restrições quanto à concessão de tutelas antecipadas em face do Poder Público.
2 Tutelas provisórias em face do Poder Público
2.1 Condicionantes
As referidas restrições têm previsão dispersa no ordenamento jurídico, mas em geral se pode apontar como principais normas restritivas de antecipação de tutela em face da Fazenda Pública os artigos 1º e 2º da Lei 8.437/92; 1º da Lei 9.494/97; e 7º, § 2º, da Lei 12.016/2009.
Apesar da dispersão de dispositivos legais, alcançou-se razoável uniformidade no tratamento da questão. Isso porque, quando não repetem os casos em que a antecipação de tutela em face do Poder Público é vedada, os dispositivos acabam por fazer remissões recíprocas entre si, circunstância que ao fim e ao cabo acarreta a uniformidade de tratamento da matéria.
Sinteticamente, é vedada a concessão de tutela provisória (cautelar ou satisfativa) nos seguintes casos: (a) compensação de créditos tributários; (b) entrega de mercadoria e bens provenientes do exterior; (c) reclassificação ou equiparação de servidores públicos, bem como a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.
O STF já teve a oportunidade de analisar a constitucionalidade das referidas restrições, especificamente do art. 1º da Lei 9.494/97 (tutela antecipada ou satisfativa), que faz remissão à Lei 8.437/92 (cautelar), que, por sua vez, traz vedações nos mesmos termos daquelas aplicáveis à ação de mandado de segurança.
Referida manifestação se deu nos autos da ADC n.º 4, razão pela qual suas conclusões são dotadas de eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta de todas as esferas políticas (art. 102, § 2º, da CRFB).
Apesar da manifestação do STF, o mesmo Tribunal deixou assente que as normas em comento não trazem vedações absolutas e gerais, o que poderá resultar, excepcionalmente, e diante da urgência da tutela requerida, na concessão de tutelas provisórias.
Ainda em relação às vedações, registre-se a limitação imposta pelo art. 300, §3º, do CPC/2015 (outrora prevista no art. 273, § 2º, do CPC/1973), que preceitua a impossibilidade de concessão de tutela de urgência de natureza antecipada quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
A jurisprudência vem reconhecendo não se tratar de vedação absoluta. Isso quer dizer que a vedação será ou não aplicada pelo juiz mediante análise do caso concreto, especialmente do direito envolvido e da urgência no provimento demandado.
2.2 Tutela provisória, precatório e reexame necessário
Um ponto que volta e meia suscita certa celeuma consiste na possibilidade de concessão de tutela antecipada ou cautelar em face do Poder Público diante das regras que impõem (a) a observância da sistemática do precatório e (b) a necessidade de reexame necessário das decisões proferidas contra a Fazenda Pública.
De início, convém frisar que a contradição é meramente aparente, de modo que nenhum dos regramentos (precatório ou reexame necessário) impede a concessão de tutela antecipada em face do Poder Público, como há muito reconhecido pela doutrina e jurisprudência.
O precatório nada mais é que um sistema de pagamentos de débitos do Poder Público reconhecidos judicialmente, que assegura a observância dos princípios da impessoalidade e isonomia, na medida em que garante que tais pagamentos sejam feitos em ordem cronológica de apresentação das requisições (art. 100 da CRFB). Como a antecipação de tutela tem objeto distinto (obrigações de fazer, não faze ou mesmo o pagamento de dívidas presentes), inexiste incompatibilidade com a mencionada sistemática.
Já o reexame necessário consiste em requisito de eficácia das sentenças prolatadas em face da Fazenda Pública, tal como previsto no art. 496 do CPC/2015 (outrora previsto no art. 475 do CPC/1973). Tal requisito, se não observado, impede que as sentenças judiciais proferidas em face do Poder Público transitem em julgado. A tutela provisória, por sua vez, em nada interfere na necessidade de reexame necessário dessas decisões; diferente, apenas antecipa a fruição ou o acautelamento do direito em questão.
2.3 Impugnação das tutelas provisórias concedidas em face do Poder Público
Outro tema envolto de peculiaridades diz com os meios de impugnação das decisões antecipatórias em face da Fazenda Pública. As peculiaridade resultam, mais uma vez, da dispersão das disposições normativas aplicáveis à matéria.
Ordinariamente, as decisões interlocutórias que antecipam os efeitos de tutela jurisdicional ou lhe garantem o acautelamento podem ser atacadas pelo recurso de agravo de instrumento, tal como previsto no art. 1.015 do CPC/2015. No diploma processual de 1973, tais decisões poderiam ser atacadas também pelo agravo de instrumento se fossem capazes de causar à parte lesão grave e de difícil reparação (art. 522 do CPC/1973). Tal recurso é interposto diretamente no tribunal competente, como dispõe o art. 1.016 do CPC/2015 (outrora previsto no art. 524 do CPC/1973) e seu objetivo é a reforma ou anulação da decisão guerreada.
Outro meio de que se pode valer a parte interessada para cassar a decisão que lhe seja desfavorável é a reclamação. A reclamação, que para uns tem natureza de ação (doutrina majoritária) e para outros de simples petição (v.g. precedentes do STF) deve ser ajuizada diretamente no STF, com fundamento no desrespeito à autoridade de decisão da Corte, sempre que órgão judicial infringir conclusão dotada de eficácia erga omnes e efeito vinculante exarada pelo Tribunal. Também há previsão de reclamação para o STJ (art. 105, I, “f”, da CRFB) e demais tribunais, neste último caso de acordo com a sistemática inaugurada pelo novo Código de Processo Civil (art. 988 e seguintes).
Além dessas modalidade de impugnação, é possível que a Fazenda Pública se valha da nominada suspensão de segurança, remédio processual apto a retirar eficácia de decisão, desde que haja manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas (art. 4º da Lei 8.437/92). A competência para decidir sobre a suspensão é originária do Presidente do tribunal ao qual couber o recurso contra a decisão impugnada, havendo possibilidade de interposição de agravo para o plenário ou órgão especial, tanto em caso de deferimento, quanto indeferimento da suspensão (entendimento majoritário).
Como a finalidade dos três instrumentos elencados é distinta – (i) agravo: reforma ou anulação, (ii) reclamação: cassação, (iii) pedido de suspensão: retirada temporária da eficácia da decisão –, não há óbice no manejo cumulativo ou alternado de uns ou todos os remédios para atacar a decisão questionada. Aliás, a própria Lei 8.437/92 reconhece expressamente a possibilidade do manejo do agravo de instrumento concomitantemente com a suspensão de segurança (art. 4º, § 6º).
3 Conclusão
Vimos que as tutelas provisórias em face do Poder Público sofrem uma série de restrições do ordenamento jurídico, que embora previstas de modo disperso em diversas Leis, há, atualmente, um tratamento uniforme da questão. Tratam-se de condicionamentos legítimos em face do interesse público envolvido nas demandas em que requeridas.
A seguir, discorremos sobre a plena compatibilidade das decisões provisórias em face do Poder Público e as sistemáticas do precatório e do reexame necessário.
Por fim, foram feitas breves considerações sobre os meios de impugnação das decisões que veiculam tutelas provisórias em face do Poder Público, em especial sobre a possibilidade de utilização cumulativa da via recursal, da reclamação e da suspensão de segurança.
Ante o exposto, pode-se dizer que a temática da tutela provisória em face do Poder Público é repleta de peculiaridades a merecer estudo particularizado. Seja pelas restrições impostas pelo ordenamento jurídico (e as respectivas interpretações jurisprudenciais e doutrinárias), seja pela especialidade da sistemática dos meios de impugnação de tais decisões, o tema é de vital importância à atuação da Fazenda Pública em juízo.
ÍNDICE DAS FONTES
BRASIL. Lei n. 5.896 de 11 de janeiro de 1973. Código de Processo Civil de 1973.
_______. Constituição de 5 de outubro de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil.
_______. Lei 8.437 de 30 de junho de 1992.
_______. Lei 9.494 de 10 de setembro de 1997.
_______. Lei 12.016 de 7 de agosto de 2009. Lei do Mandado de Segurança.
_______. Lei 13.105 de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil de 2015.
STF, Plenário, Rel. Min. Celso de Mello, ADC 4/DF, julgado em 01/10/2008, divulgação DJe 14/10/2008, publicação DJe 15/10/2008.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARIN, Samuel. Apontamentos sobre as tutelas provisórias em face do Poder Público e institutos processuais correlatos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 ago 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47386/apontamentos-sobre-as-tutelas-provisorias-em-face-do-poder-publico-e-institutos-processuais-correlatos. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Por: PRISCILA GOULART GARRASTAZU XAVIER
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