Resumo: O presente trabalho versa sobre a alteração trazida pela Lei n.º 12.015 de 2009 sobre o Código Penal com relação aos crimes de estupro e atentado violento ao pudor e suas consequências jurídicas. Após esta alteração, houve intensa discussão doutrinária e jurisprudencial no sentido de aclarar se o novo tipo penal seria misto alternativo ou misto cumulativo e por conseguinte se a prática em concurso de crimes acarretaria ao acusado a cominação de penas em concurso material ou crime continuado.
Palavras-chaves: Estupro- Atentado violento ao pudor – concurso de crimes- Lei 12.015/09.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR 3. ESTUPRO 4. CONCURSO DE CRIMES 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 6. REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO
Nesse trabalho serão discutidas as consequências da alteração do Código Penal Brasileiro pela Lei 12.015/09, que modifica o artigo 213 do Código Penal, agregando dentro da mesma figura típica as condutas do antigo atentado violento ao pudor com a do estupro transformando em um só tipo penal: os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, doravante nominado art.213.
Nossa problematização está no questionamento de quais foram as consequências advindas da mudança promovida pela Lei 12.015/09 que unificou em um só artigo do Código Penal os crimes de estupro e atentado violento ao pudor na quantificação da pena aplicada ao réu e seus efeitos para a sociedade.
Nesse estudo apresenta-se pelo menos duas correntes doutrinárias quanto ao benefício ou não, que a legislação em estudo, traz para o réu. E que a doutrina não está pacificada quanto à unificação dos dois crimes, uma vez que há aqueles que defendem que os dois crimes, apesar de comporem o mesmo tipo penal, devem ser considerados como delitos autônomos.
Uma parte da doutrina fala em tipo misto alternativo, já outra parte da doutrina acredita que sejam tipos mistos cumulativos. A divergência de como se postula o crime reflete na redução da pena para quem praticou estes crimes hediondos.
2. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR
O atentado violento ao pudor antes da Lei 12.015/09 tinha como conduta a prática de outro ato libidinoso diverso da conjunção carnal, e após a nova legislação, ambas as condutas fundiram-se em um só tipo penal, agora denominado estupro.
Rezava o art. 214 do Código Penal, in verbis: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal: pena- reclusão, de seis a dez anos”.
Com a nova redação, in verbis:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Brasil, 2011).
O tipo penal em epígrafe visava à proteção do homem contra qualquer tipo de coito ou outro ato libidinoso, e da mulher contra qualquer ato libidinoso diferente da cópula vagínica.
E este delito poderia ser praticado tanto pelo indivíduo do sexo masculino, como pelo do sexo feminino, com bem assevera Mirabete: “Ao contrário do que ocorre com o estupro, o delito de atentado violento ao pudor pode ser praticado por pessoas de ambos os sexos, uma vez que a lei se refere a ato libidinoso em geral, excluída a conjunção carnal violenta de homem contra mulher (estupro)”. (2008, p.58)
Como será explicado adiante, o concurso material dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor era aplicado pela jurisprudência antes da vigência da Lei nº 12.015 de 2009, quando os atos libidinosos são destacados da conjunção carnal, mesmo que dentro de um mesmo contexto fático. Com a nova lei, nesses casos de acordo com Jurisprudência do STF e do STJ, será aplicado o crime continuado.
3. ESTUPRO
O estupro antes da Lei 12.015/09 tinha como conduta apenas a prática da conjunção carnal, e após esta abrangeu, também, a conduta do crime de atentado violento ao pudor. Esta mudança trouxe grandes consequências na aplicação da lei penal.
O novo conceito do crime de estupro permitiu que os tribunais alterassem seu entendimento, agora aplicando a regra do crime continuado, que na prática traz benefícios para os criminosos, pois rezava o art. 213 do Código Penal: “Constranger mulher á conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça: pena- reclusão, de seis a dez anos”. (BRASIL, 2008. p. 327).
Para Mirabete: ”Trata-se, pois, de delito de constrangimento ilegal em que se visa à prática de conjunção carnal. O nomem juris deriva de stuprum, do direito romano, termo que abrangia todas as relações carnais”. (2008, p.406. grifos do autor).
Pela citação acima, percebe-se que desde a antiguidade o crime de estupro abrangia todas as relações carnais, mas o legislador brasileiro decidiu separar a conduta de manter conjunção carnal como o tipo penal de estupro e a prática de outros atos libidinosos como atentado violento ao pudor.
Com a nova redação, in verbis:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Brasil, 2011).
Capez mostra a mudança com a nova legislação:
Com a nova epígrafe do delito em estudo, entretanto, passou-se a tipificar a ação de constranger qualquer pessoa (homem ou mulher) a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ela se pratique outro ato libidinoso. Deste modo ações que antes configuravam crime de atentado violento ao pudor (CP, art.214) atualmente revogado pela Lei n. 12.015/2009, agora integram o delito de estupro, sem importar em abolitio criminis. (2010, p.25, grifos do autor).
Nesse sentido a nova lei reunificou os tipos penais em um só, vazado no art.213 do Código Penal Brasileiro, que agora possui como sujeitos ativos e passivos tanto o homem quanto a mulher, e como elementares tanto a conjunção carnal, quanto qualquer outro ato libidinoso. Transformou as duas condutas em crimes da mesma espécie.
Conclui-se que a alteração do conceito do crime de estupro pela lei 12.015/09, que passou a agregar o tipo penal de atentado violento ao pudor foi fundamental para que a jurisprudência dos tribunais superiores e a doutrina deixassem de aplicar o concurso material de crimes e passa-se a aplicar o crime continuado.
4. CONCURSO DE CRIMES
Para o STF e para o STJ, por serem crimes de espécies diferentes, ou seja, não estarem dentro do mesmo tipo penal seria aplicada pena em concurso material, o que fatalmente cominaria maior pena ao réu. Para Greco (2008) deveria ser utilizada a regra do crime continuado, pois o mesmo considera crimes da mesma espécie os que tutelam o mesmo bem jurídico, no caso a liberdade sexual, não necessariamente deve estar dentro do mesmo tipo penal.
Com a alteração legislativa, o estupro e o atentado violento ao pudor se transformaram em um só crime, por conseguinte o STJ, após divergências em suas turmas firmou entendimento que ambos os crimes cometidos contra a mesma vítima e em mesmo contexto fático deve responder o agente por dois crimes de estupro, em concurso material, porém aplicada a regra do crime continuado. (BRASIL, 2009). Isso trouxe benefício para o réu, que terá pena menor.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, antes da referida alteração legislativa era firme no sentido da impossibilidade do reconhecimento do crime continuado no concurso desses crimes, por não serem da mesma espécie, nesse sentido:
EMENTA: HABEAS CORPUS. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. CRIME CONTINUADO. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. A análise do crime continuado envolve o reexame de fatos e provas, o que, em princípio, é inviável na estreita via do habeas corpus. Precedentes (HC 91.895, rel. min. Menezes Direito, DJe-147 de 08.08.2008; e HC 92.758, rel. min. Eros Grau, DJ de 03.12.2007). Ademais, segundo julgados do Supremo Tribunal Federal (HC 94.714, rel. min. Carmem Lúcia, julgado em 28.10.2008; e HC 89.770, rel. min. Eros Grau, DJ de 06.11.2006, p. 51), não há espaço, no caso, para o afastamento do concurso material e o reconhecimento da continuidade delitiva entre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor. Ordem denegada. (BRASIL, 2010).
No mesmo sentido era o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: “Embora do mesmo gênero, os crimes de estupro e atentado violento ao pudor não são da mesma espécie, o que afasta a continuidade e corporifica o concurso material. ‘Habeas Corpus’ conhecido; pedido indeferido”. (BRASIL, 1999).
A doutrina era divergente. Quem adotasse o conceito que crimes da mesma espécie são aqueles que tutelam o mesmo bem jurídico, como Greco (2008), poderia ser utilizada a regra do crime continuado, sendo esta a posição minoritária. Já para quem adotava a corrente que entendia ser crimes da mesma espécie os que, necessariamente, estivessem dentro de mesmo tipo penal não caberia o crime continuado, mas sim o concurso material.
Nesse sentido, na doutrina de Capez (2007), para uma primeira posição, os crimes da mesma espécie não são os previstos dentro do mesmo tipo penal, eles devem ter elementos parecidos, mesmo que não idênticos. Mesmo possuindo outras acepções, como semelhante, análogo, parecido. Devem ser havidos como da mesma espécie os crimes que se assemelham pelos seus elementos subjetivos e objetivos. Para a segunda posição, que é a majoritária com Capez, Fragoso, Pimentel entre outros devem estar presentes no mesmo tipo penal, abrangendo as formas simples, privilegiadas e qualificadas, tentadas ou consumadas.
Após a novel legislação houve modificação da jurisprudência do STF e do STJ, pois o óbice à aplicação do crime continuado nesses casos sucumbiu, passando as condutas de estupro e atentado violento ao pudor, estarem abarcadas dentro do mesmo tipo penal, agora denominado estupro.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Podemos concluir que antes da lei 12.015/09 os tribunais superiores tinham jurisprudências consolidadas no sentido de aplicar o concurso material aos crimes de estupro e atentado violento ao pudor quando cometidos contra mesma vítima, dentro de um mesmo contexto fático. A jurisprudência era divergente, sendo que quem entendesse que crimes da mesma espécie eram os que estavam dentro de um mesmo tipo penal, aplicava o concurso material, e quem entendesse que crimes da mesma espécie eram os que tutelavam o mesmo bem jurídico aplicava o crime continuado.
Com a novel legislação em vigor os tribunais superiores, que adotam o entendimento de que crimes da mesma espécie são os que estão dentro do mesmo tipo, agora firmaram jurisprudência em sentido oposto, ou seja, aplicam a regra do crime continuado. A doutrina, por outro lado, ainda, não está pacificada.
6. REFERÊNCIAS
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BRASIL. Habeas Corpus. HC 94504. Relator(a): Min. Joaquim Barbosa. Julgamento: 23/06/2009. Órgão Julgador: Segunda Turma. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/. Acesso em 22 de abril de 2011.
______. Habeas corpus. 139334 Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/. Acesso em 23 de junho de 2011.
______. BRASIL. Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivill_3/Decreto-Lei/Del2848.htm. Acesso em 15 jun. 2011.
______. Habeas corpus. HC 99544. Relator(a): Min. Ayres Britto. Julgamento: 26/10/2010. Órgão Julgador: Segunda Turma. Disponível em: http://www.fesmp.com.br/upload/02/1155981687.pdf. Acesso em 22 abr. 2011.
______. Lei N° 12.015/09, de 7 de agosto de 2009 .Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/L12015.htm >. Acesso em 15 jun. 2011.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal; parte especial. 2. ed. São Paulo, Saraiva, 2005. v.3.
______. parte geral. 11. ed. São Paulo, Saraiva, 2007. v.1.
GRECO, Rogério. Curso de direito penal; parte geral. 5. ed. Rio de Janeiro, Impetus, 2008. v.1.
______. Dos crimes contra a dignidade sexual. Rio de Janeiro: Impetus, 2009.
JESUS, Damásio de. Direito penal: parte especial19. ed. São Paulo, Saraiva,2010. v.3.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal; parte geral. 13. Ed. São Paulo, Atlas,2008.v.2
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro; parte especial. 4. ed. São Paulo Revista dos Tribunais,2006. v.3
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Eduardo Álvares de. O novo crime de estupro após a Lei n. 12.015 de 2009 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 set 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47484/o-novo-crime-de-estupro-apos-a-lei-n-12-015-de-2009. Acesso em: 22 nov 2024.
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