RESUMO: O escopo do presente artigo é fazer a distinção entre os institutos do erro de tipo e do erro de proibição, e analisar a possível existência de uma terceira espécie de descriminante putativa. Para tal, navega-se, de maneira lacônica, por entre a teoria extremada e limitada da culpabilidade e seus efeitos sobre as descriminantes em questão. Faz-se o estudo dos dois gêneros de erro já consagrados. E, por fim, analisa-se a possibilidade de existência de uma terceira espécie de erro jurídico-penal. O estudo é pertinente tendo em vista que o assunto traz a tona calorosos debates sobre o tema não só na doutrina, como também na jurisprudência.
PALAVRAS-CHAVE: Erro de tipo. Erro de proibição. Erro sui generis. Penal.
1. Considerações introdutórias
O erro é um instituto que vicia a vontade. Caracteriza-se pela falsa captação da realidade, é um equívoco, logo, possui um caráter positivo. Difere da ignorância por esta ser um total desconhecimento da realidade, ou seja, há uma ausência no saber relativo a determinado objeto.
Prontamente, uma vez que o erro incide sobre o mundo do direito penal, será denominado de erro jurídico-penal ou descriminante putativa. Se ocorrer sobre os elementos estruturais do delito, ou seja, sobre os elementos do tipo penal, será chamado erro de tipo, por outro lado, se incidir sobre a ilicitude do ato, cognominado será de erro de proibição.
Como se pode observar, o erro jurídico penal no tratamento atual pode recair sobre a tipicidade ou a injuricidade do ato[1].
Logo, o estudo do erro é de suma importância, pois, uma vez que admitida a existência de uma descriminante putativa, será necessário analisar, consoante as palavras de Luiz Flávio Gomes[2], “se este exclui o dolo, ou a consciência de ilicitude, se ele projeta seus reflexos sobre a tipicidade, sobre a ilicitude ou sobre a culpabilidade, se são possíveis a participação e a tentativa”.
A moderna teoria da culpabilidade, ou seja, a teoria normativa pura da culpabilidade é fruto da teoria finalista da ação, que por sua vez surgiu com o normativismo neokantiano. O finalismo leva a finalidade da conduta ao centro do injusto, sendo assim, retira o dolo e a culpa da culpabilidade. Em conseqüência a isto, a culpabilidade torna-se um requisito puramente normativo do injusto penal.
Por outro lado, surgem os delitos culposos e dolosos, classificados de acordo com aspectos subjetivos, presentes, agora, na conduta do agente e no injusto penal.
A culpabilidade, no finalismo, pode ser resumida como um mero juízo de reprovação pessoal erguido contra o autor pela realização de um fato contrário ao direito, que, embora houvesse a possibilidade de agir diversamente, assim não o fez[3]. Logo, só se pode dirigir um juízo de culpabilidade para o autor quando este sabe, ou poderia saber, que sua ação era injurídica, e que podia agir de forma diversa.
De acordo com a teoria normativa pura da culpabilidade, são três os requisitos para a sua caracterização. A imputabilidade é a capacidade de o agente escolher suas condutas. O potencial conhecimento da antijuridicidade é o segundo integrante da culpabilidade. Tratava-se de um instituto que era analisado juntamente com o dolo, quando este ainda era pertencente à culpabilidade, sob o aspecto de dolus malus. Contudo, com o advento do finalismo, o dolo natural, puramente subjetivo, foi recolocado na tipicidade, restando à culpabilidade o potencial conhecimento da ilicitude. É sobre este requisito que atua o erro de proibição, caso não haja como o autor prever a injuricidade do ato, excluída estará sua culpabilidade, caso seja-o possível detectar a antijuridicidade de sua conduta, apenas será atenuada a culpabilidade, e, por conseguinte, a punibilidade. Por fim, a inexigibilidade de conduta diversa fecha o rol de requisitos da culpabilidade. Nela analisa-se se o agente, naquela situação, podia ou não agir conforme o direito.
Tendo em vista isso, podemos adiantar nossos estudos para as teorias limitada e extremada, ou estrita, da culpabilidade, e seus reflexos sobre as descriminantes putativas.
A teoria extremada ou estrita da culpabilidade é um reflexo imediato da doutrina finalista da ação. Essa teoria separa o dolo da consciência de ilicitude, transferindo o dolo puramente psicológico (dolo natural) para a tipicidade, e deixando a consciência da ilicitude entre os requisitos da culpabilidade.[4] A consciência da ilicitude juntamente com a exigibilidade de conduta diversa, passam a ser um puro juízo de valor da conduta do agente, tornando a culpabilidade num pressuposto básico ao juízo de censura.
A consciência da ilicitude e o dolo passam, assim, a ser completamente distintos, logo, com diferentes funções dentro da esfera jurídico-penal. Conseqüentemente, o conhecimento da ilicitude não requer o mesmo caráter imediato de conhecimento da ação referente ao dolo, para aquela basta que o conhecimento seja simplesmente potencial.
Prontamente, os efeitos do erro com a nova estrutura da conduta punível passam por uma modificação, dependendo, agora, de seu objeto. Caso ocorra erro sobre os elementos do tipo, característica do erro de tipo, ocorrerá um vício sobre a vontade, logo, afetado estará o dolo, que será excluído, podendo a conduta, se vencível o erro, ser punida a título de culpa. Entretanto, se o erro incidir sobre o caráter potencial de conhecimento da ilicitude (erro de proibição), o dolo não será afetado, mas sim a culpabilidade, uma vez que o conhecimento da antijuridicidade é elemento desta.
Com esta nova concepção, os efeitos dos dois tipos de erro sofrem mudanças. No erro de tipo afetado estará o elemento intelectual do dolo, ou seja, não haverá previsão, característica inerente ao conceito de dolo. Logo, este tipo de erro, uma vez constatado, excluirá sempre o dolo, mas não afeta a punição a título de culpa. Caso o erro seja invencível, extinta estará a tipicidade, não cometendo o agente sequer um injusto penal.
Quanto ao erro de proibição, afetada estará a consciência da ilicitude, logo, afetada estará também a culpabilidade, uma vez que aquela é elemento desta. Se inevitável, a culpabilidade será afastada, ocorrendo uma conduta típica, antijurídica, mas não censurável, logo, não se configura como crime. Caso seja evitável o erro, a culpabilidade será atenuada, sendo o crime condenado como doloso.
Conforme as palavras de Luiz Flávio Gomes[5], “esta teoria vê todo o erro sobre a antijuridicidade do fato como erro de proibição”. Logo, sua grande vantagem, é evitar lacunas no sistema fragmentário dos fatos puníveis no caso de ignorância vencível da antijuridicidade, na ocorrência de crime culposo.
A teoria limitada da culpabilidade possui vários pontos em comum com a teoria extremada, como por exemplo, ambas situam o dolo na tipicidade e a potencial consciência da ilicitude na culpabilidade; o erro de tipo e o erro de proibição possuem os mesmos efeitos que na teoria antes explicada[6].
Suas divergências apresentam-se quando da analise da aplicação dos erros nas causas de justificação. Como já explicamos, na teoria extremada todo erro sobre uma causa justificativa será caracterizado como erro de proibição, com os seus respectivos efeitos. Para a teoria limitada, haverá distinção entre duas espécies de erro incidentes sobre as causas justificativas. Caso o erro recaia nos pressupostos fáticos, ocorrerá o polêmico erro de tipo permissivo, ou o erro sui generis, já, se o erro incidir sobre a existência ou abrangência da justificativa, ocorrerá erro de proibição. Esses erros terão o mesmo efeito já apreciado anteriormente.[7]
Tendo em vista isso, ao adotar-se a teoria limitada, com o erro sobre os pressupostos fáticos (erro de tipo permissivo), que possuem os mesmos efeitos de um erro de tipo, deve-se entender suas conseqüências quanto a sua aplicação na realidade jurídico-penal. Caso o erro seja invencível, estará excluída sua tipicidade, logo, não será uma conduta antijurídica, devendo a vítima do erro suportá-lo como uma conduta lícita. Outra conseqüência seria a impunidade de um partícipe, uma vez que, pelo princípio da acessoriedade limitada do partícipe, este só é punido quando auxilia uma conduta típica e injurídica. E como última conseqüência, não é punível a tentativa, mesmo que o erro seja vencível e punível a título de culpa, pois não existe tentativa de crime culposo.
Evidencia-se a limitação da teoria limitada para punir casos que venham a cair em erro sobre os pressupostos fáticos das causas justificantes, problema que inexiste se for adotado o erro de proibição. Não obstante, o Código Penal pátrio adota a teoria limitada.
O erro de tipo incide sobre o elemento do tipo, afetando o requisito cognitivo do tipo penal, o dolo. É a falsa recepção da realidade sobre um dos elementos do tipo penal. É indiferente que o objeto do erro esteja no mundo fático, conceitual ou normaivo-jurídico[8]. O que interessa é que o erro seja sobre a estrutura do tipo penal. Logo, o erro de tipo exclui o dolo, não trazendo nenhuma mácula à culpabilidade, conseqüentemente, se for vencível, será punido a título de culpa, desde que seja previsto como assim punível no tipo penal. Uma observação válida de se fazer é que os crimes omissivos impróprios podem perfeitamente ser alvo do erro de tipo, como por exemplo, quando o agente desconhece a condição de garantidor.
O erro de tipo será essencial quando, conforme as palavras de Eduardo Viana Portela Neves[9], “recai sobre elementares, qualificadoras, causas de aumento de pena e agravante, ficando-as excluídas se o erro foi escusável”. Logo, no erro de tipo essencial o agente não tem plena consciência, ou nenhuma, que está cometendo um ilícito penal. O erro essencial pode ser escusável (invencível), quando, mesmo o agente tendo usado a diligência necessária para recepcionar o entendimento da realidade, esta seja capitada de forma errônea, fazendo o agente cometer um ilícito crendo que age conforme o direito. A escusabilidade do erro de tipo essencial afasta a tipicidade da conduta.
Se for inescusável (vencível), significa que o agente incidiu em erro por não ter tomado todas as diligências necessárias para evitar o equívoco. Logo, será o agente punido, todavia, de forma mais branda, mais especificamente, responderá por crime culposo, caso a lei o preveja.
O erro de tipo pode incidir não sobre o caráter ilícito do crime, mas sim sobre elementos secundários do tipo penal, tendo completa noção de que sua atitude é ilícita. Esses equívocos são denominados de erro de tipo acidental. Podem recair sobre o objeto, quando o agente acredita está praticando o crime em face de determinado objeto, mas por uma razão qualquer pratica a ação em face de outro. Responderá penalmente pela intenção do objeto inicial.
Pode incidir sobre a pessoa, no qual deseja agir contra determinada pessoa, mas age sobre outra, pensando ser aquela. Responderá pela intenção. Poderá haver erro na execução do crime, quando o agente, por falha na execução, atinge terceiro que estava fora de seus planos. Responderá pela intenção, caso o resultado seja único, no entanto, se for composto, responderá dolosamente pelo principal e culposamente pelos secundários.
O erro acidental pode ocorrer ainda sobre a causa. Ou seja, quando o agente pensando já ter cometido o delito, realiza conduta posterior que será responsável pela real concretização do ilícito. Será caso de aplicação do dolo geral. E, por fim, o erro acidental pode recair sobre um resultado diverso do pretendido. Neste caso o agente deseja atingir determinado bem jurídico, mas termina atingindo outro. Se houver resultado único, só responderá a título de culpa pelo resultado diverso atingido, entretanto, caso haja resultado composto, responderá com dolo pelo pretendido e com culpa pelo diverso.
Quando o erro sobre elementos do tipo recair sobre um tipo incriminador será chamado de erro de tipo incriminador, mas quando recair sobre uma causa justificativa será chamado erro de tipo permissivo. Este último merece uma atenção especial dentro desse trabalho, pois possui peculiaridades que o tornam uma espécie intrigante. Por isso, será tratado com mais propriedade em um título próprio no decorrer do estudo.
O erro de proibição caracteriza-se por um desconhecimento na antijuridicidade da conduta. Ou seja, o agente atua sem consciência de que está agindo de forma ilícita. O erro recai na contradição entre o fato e a norma. O erro de proibição é o desconhecimento da injuricidade de uma ação típica conhecida pelo autor, ou seja, o agente sabe ser a conduta típica, contudo, não tem consciência de sua antijuridicidade. Logo, conforme ensina Mirabete[10], o erro de proibição não diz respeito à tipicidade ou ao tipo penal, mas tão somente à injuricidade.
Culpabilidade traz intrínseco o sentido de reprovação, logo, se desconhecida for a antijuridicidade, e impossível se fazia conhecê-la, o erro de proibição será escusável, sendo afastada a culpabilidade. Contudo, se for possível o potencial conhecimento da injuricidade, o erro sobre o estar proibido será inescusável, sendo a culpabilidade atenuada e a pena diminuída. Logo, conforme leciona Bitencourt[11], “consciência real = punição normal; consciência potencial = punição reduzida; ausência de potencial consciência = absolvição.”
Assim como existem espécies de erro de tipo, existem também espécies de erro de proibição. O primeiro a se destacar é o erro de proibição direto. Neste, o agente engana-se quanto à injuricidade de uma norma proibitiva. Logo, sua ação típica e antijurídica, podendo também ser reprovável, de forma atenuada, é comissiva. Vale ressaltar que nada impede que ocorra erro de proibição em crimes culposos, pois nada obsta que o agente equivoque-se quanto ao dever objetivo de cuidado[12].
O erro de proibição pode recair sobre uma norma mandamental, ou seja, aquela em que configura a omissão como crime. Nesses casos há de falar-se em erro mandamental. Ou seja, o agente não tem o discernimento de que sua omissão trata-se de uma ação antijurídica. O erro mandamental pode incidir sobre os crimes omissivos próprios ou impróprios. Pode atacar também crimes comissivos por omissão quando nestes errar sobre a existência do dever ou sobre os limites do dever presentes na norma mandamental.
O erro de proibição pode ainda ser indireto, sendo denominado também de erro de permissão. Ocorre quando o autor da ação acredita que seu ato, apesar de em outras circunstâncias ser ilícito, nesta, será amparada por uma excludente de antijuridicidade, ou seja, o agente imagina estar sob a sombra de uma causa de justificação. Como já foi exposto antes, na teoria extremada, ou estrita, todo erro sobre uma justificante será considerado de proibição, logo, todo erro sobre uma excludente de antijuridicidade será um erro de permissão. Todavia, a guisa da teoria limitada, não sendo o erro sobre os pressupostos fáticos da justificante, hipótese de erro de tipo permissivo, mas sobre a existência, a natureza, a abrangência ou os requisitos daquela, o erro incidirá sobre a norma, logo, ocorrerá o erro de permissão.
Desde início, cabível se faz esclarecer o que é o elemento normativo especial da ilicitude, uma vez que pode ser confundido com os elementos normativos do tipo. Estes são requisitos constitutivos do tipo penal, enquanto aqueles, embora façam parte da descrição do delito, referem-se à ilicitude, caracterizando, assim, um elemento sui generis do fato típico, uma vez que tanto fazem parte da descrição do crime, como referem-se diretamente a ilicitude[13]. Apresentam-se no tipo penal sob a forma de vocábulos abertos, com significados abrangentes e bastante subjetivos.
Há grande divergência na doutrina quando se trata de qual erro incide sobre o elemento normativo especial da ilicitude. Parte defende que o erro é de tipo, uma vez que o equívoco recai tão somente neste. Por outro lado, defende-se o erro de proibição como o correto, uma vez que tais elementos tratam justamente da ilicitude da conduta.
Para Roxin[14] o erro sobre essas elementares normativas da ilicitude podem ser ora de tipo e ora de proibição, conforme se relacione com as circunstâncias determinantes do injusto penal ou apenas à injuricidade da conduta. Logo, devia-se analisar caso a caso fazendo uma valoração semelhante à realizada no caso do erro de tipo permissivo da teoria limitada, tornando a distinção entre um e outro caso no mínimo árdua.
Welzel[15], na defesa de uma corrente minoritária, defendia que os elementos em estudo são elementos do dever jurídico, logo, diziam respeito tão somente à injuricidade, ficando fadados ao erro de proibição. Entretanto, a sustentação doutrinária do referido autor fere o caráter fechado da tipicidade, uma vez que deve abranger todos os elementos do tipo penal.
Contudo, reconhecendo-se que o tipo penal é um todo fechado, e que os elementos normativos especiais dele fazem parte, mesmo com seu caráter referente à ilicitude, conclui-se que um erro sobre um elemento presente no tipo, sendo ele específico deste ou normativo especial, será um erro sobre o tipo. Ou seja, entende-se que o erro que recaia sobre o elemento normativo especial, por este fazer parte do tipo penal e, conseqüentemente, descrever o delito, direcionando assim o dolo, será tão somente um erro de tipo.
Fala-se em erro de tipo permissivo quando o equívoco jurídico recair sobre um pressuposto fático de uma causa justificava.
Este gênero de erro é alvo de discussões calorosas entre doutrinadores de todo o mundo. As divergências estão no âmbito da natureza do erro de tipo permissivo, existindo correntes que o defendem como sendo de proibição, outra afirmando ser erro se tipo, e uma terceira garantindo ser um erro peculiar.
Para a teoria extremada, ou estrita, da culpabilidade, todos os erros incidentes sobre as causas justificantes seriam erros de proibição. Logo, não importa se o erro recai sobre a existência, abrangência ou pressupostos fáticos da justificante, uma vez que atinja a excludente de antijuridicidade, o erro será de proibição.
O Código Penal brasileiro adota a teoria limitada da culpabilidade. Nesta, os erros sobre uma causa de justificação são denominadas erro de tipo permissivo. Caso o erro seja inevitável, será tratado como um erro de tipo incriminador, ou seja, será tratado como um erro de tipo no sentido mais puro do termo. Contudo, se o erro de tipo permissivo for inescusável, não será considerado um erro de tipo, mas por conta de sua similitude com o erro de tipo, analogicamente se equiparará a este. O ponto negativo desse entendimento é que o erro de tipo exclui o dolo, uma vez excluído este, não será permitida a participação em sentido estrito[16]. E caso o erro seja escusável, excluída a tipicidade, conseqüentemente, inexistirá ilicitude, logo a vítima da conduta equivocada terá que suportá-la sem usar das justificantes, pois não está sendo contra ela desferida uma conduta sequer antijurídica.
Segundo a teoria do erro orientado às conseqüências, o equivoco sobre os pressupostos fáticos de uma causa justificante, embora tenha o agente dolo em sua conduta, deve sofrer as conseqüências jurídicas de um crime culposo. Podendo ser comparado ao erro de proibição indireto, pois ambos se fundamentam na diminuição do desvalor da ação. Contudo, quem age com erro de tipo permissivo tem em mente que sua ação está de acordo com o direito, caso inexistente nas hipóteses de erro de proibição indireto. Em caso de equívoco nos pressupostos de causa justificante o que haverá é um exame descuidado da situação, enquanto que no erro de proibição indireto ocorrerá a falta de uma atitude jurídica[17].
Logo, não haverá afastamento do dolo no erro de tipo permissivo, uma vez que o agente conhece o tipo penal e seu desempenho. Conseqüentemente, o que afetará a atitude do autor é tão somente uma falta de atenção, correspondendo assim a uma afetação em sua culpabilidade, a um juízo de reprovação de crime culposo.
Sob a égide do Código Penal brasileiro, o erro de tipo permissivo é tratado no art. 20, § 1°. Este dispositivo trata em seu caput do erro de tipo, e neste parágrafo faz menção ao erro de tipo permissivo, contudo vela que suas conseqüências serão de erro de proibição.
Ora, se o erro de tipo permissivo caracteriza-se como erro de tipo e tem conseqüências de erro de proibição, o que ele é afinal de contas, um erro de tipo ou um erro de proibição?
Para Bitencourt[18] é bem claro que “não seria exagero afirmar que o ‘erro de tipo permissivo’ constitui uma terceira espécie de erro. Seria um misto de erro de tipo com erro de proibição”. Ou seja, o referido erro em questão estruturalmente se assemelha a um erro de tipo, tendo em vista que se refere a elementos descritivos e normativos de um tipo penal. Todavia, quanto a suas conseqüências, o erro de tipo permissivo comporta-se como um verdadeiro erro de proibição, não interferindo no reconhecimento da tipicidade.
Prontamente, o erro de tipo permissivo em sua análise inicial caracteriza-se como erro de tipo, contudo, em suas conseqüências apresenta-se como um erro de proibição. Desta forma é com clareza que se afirma estar diante de um erro diverso, ou seja, um erro que foge aos gêneros do de tipo e de proibição. Presencia-se uma terceira espécie de erro, um erro sui generis, que estruturalmente apresenta verossimilhança maior com o erro de tipo que com o de proibição, mas que também se assemelha a este, uma vez que a causa justificativa exclui a antijuridicidade, propriedade sobre a qual se debruça o erro de proibição. Quanto aos resultados, apesar de guardar maior semelhança estrutural com o erro de tipo, o erro em questão funciona como um erro de proibição propriamente dito, afetando apenas a culpabilidade do agente.
Arremata-se que o erro sui generis não exclui o dolo, permanecendo a tipicidade intocada. Seu objeto de atuação é a censurabilidade, afastando a culpabilidade dolosa, caso o erro peculiar seja evitável, e igualmente a culposa, caso seja invencível[19]. Claro fica também que o erro de tipo permissivo não tem a mesma natureza que um erro de tipo propriamente dito, uma vez que têm conseqüências diferentes, e não se trata de um erro de proibição, apesar de terem as mesmas conseqüências, pois são estruturalmente diversos. Logo, inexoravelmente, o erro de tipo permissivo não é um erro de tipo propriamente dito, e nem um erro de proibição, ficando claro ser um erro peculiar, um erro sui generis.
Consoante Assis Toledo[20] há quatro espécies de erro que não podem ser considerados escusáveis. O primeiro é o erro sobre a eficácia da norma, no qual o agente não aceita a legitimidade da norma penal por entender estar ela em contradição com outra de nível superior. Outra espécie que não poderia ser escusável é o erro sobre a vigência, na qual o individuo desconhece um preceito legal, alegando que por ela ter sido recentemente publicada, ainda não deu tempo de se informar a respeito. Um terceiro caso seria o erro sobre a subsunção, na qual o agente imagina que sua ação não se enquadra no tipo penal. Por fim, o erro sobre a punibilidade, que se caracteriza por o agente saber que sua conduta é típica e antijurídica, mas imagina que não seja punível criminalmente.
Fora esses casos citados acima, não podem alegar erro escusável os agentes que tem o dever especial de se informar para poder praticar determinadas condutas. Para este tipo de indivíduo, realizar determinadas condutas requer informação sobre a licitude ou injuricidade do ato, deste modo, não pode alegar que não sabia do caráter ilícito, incidindo sobre um erro escusável, pois tinha o expresso dever de informar-se. Exemplo de agentes que têm dever de informar-se sobre a licitude de suas ações são os políticos. Antes de exercerem qualquer ato, devem buscar na lei penal a permissão para realizá-los, pois, caso incidindo em erro, jamais poderão alegar que não tinham a possibilidade de alcançar o potencial conhecimento de ilicitude, pois têm o dever de informar-se.
O erro é uma falsa captação da realidade, diferenciando-se, assim, da ignorância por esta ser um total desconhecimento do real. Ou seja, o erro tem caráter positivo, enquanto a ignorância tem caráter negativo.
A teoria finalista remodelou os elementos do delito. Com essas mudanças, surgiu a teoria extremada da culpabilidade, que passou a ser puramente normativa e estritamente com caráter de censurabilidade. O grande mérito desta teoria é evitar injustiças quanto à aplicação das descriminantes putativas, por vez que considera todo equívoco sobre as justificantes como erro de proibição.
A teoria adotada pelo Código Penal pátrio é a limitada. Esta aceita tanto o erro de tipo, quanto o de proibição nas causas justificativas. O erro de tipo será chamado de erro de tipo permissivo, e ocorrerá quando o equívoco recair sobre os pressupostos fáticos da justificante, restando ao erro de proibição se ocupar dos equívocos restantes. A aceitação de erro de tipo nas justificantes acarreta injustiças impedindo a punição por tentativa, e, por vezes, impossibilitando a punição de participação e o uso das causas de justificação por conta da vítima.
O erro de tipo é um equivoco sobre as elementares do tipo, logo, exclui o dolo, podendo ser punível por culpa. Pode ser essencial, caso em que recairá sobre os próprios elementos do tipo, classificando-se em escusável (invencível) ou inescusável (vencível). Pode ser também acidental, caso em que o equívoco incidirá sobre elementos secundários do tipo penal. Esse gênero de erro de tipo não beneficia em nada o criminoso. Pode incidir sobre a pessoa, o objeto, a causa ou o resultado.
O erro de proibição é a falha na captação da injuricidade do ato, logo, podendo excluir ou atenuar a culpabilidade. Pode ser escusável (invencível) ou inescusável (vencível). O erro de proibição pode ser direto (sobre norma proibitiva), mandamental (sobre norma mandamental) ou indireto, também chamado de erro de permissão (sobre causa justificativa).
Os elementos especiais da ilicitude são conteúdo do tipo penal. Sendo este um todo fechado, o erro que incidir sobre tais elementos será caracterizado como erro de tipo.
O erro de tipo permissivo é aquele que incide sobre os pressupostos fáticos das causas justificantes. Contudo, apesar de se caracterizar por um equívoco em elementares do tipo, o que o daria natureza de erro de tipo, exala conseqüências de erro de proibição. Logo, não se enquadra à natureza do erro de tipo, e muito menos a do erro de proibição, tratando-se de um erro peculiar, sui generis.
Alguns erros jamais podem ser escusáveis. São eles os que incidem sobre eficácia e vigência da norma, a subsunção e a punibilidade da conduta. Também não é escusável o erro de quem tem o dever especial de se informar.
BITENCOURT, Cezar Roberto, Erro jurídico penal: culpabilidade, erro de tipo, erro de proibição, Editora Revista dos Tribunais,1996, p. 36, 1° edição, São Paulo.
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[1] BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal-Parte geral; Ed. Saraiva; 2006; p. 462; 10° edição; São Paulo.
[2] GOMES, Luiz Flávio, Erro de tipo e erro de proibição: e a evolução da teoria causal-naturalista para a teoria finalista da ação. Ed. RT, 1996, p. 28, 3ª edição – São Paulo.
[3] BITENCOURT, Cezar Roberto, Erro jurídico penal: culpabilidade, erro de tipo, erro de proibição, Editora Revista dos Tribunais,1996, p. 36, 1° edição, São Paulo.
[4] BITENCOURT, Cezar Roberto; Tratado de Direito Penal-Parte geral; Ed. Saraiva; 2006; p. 468; 10° edição; São Paulo.
[5] GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição: e a evolução da teoria causal-naturalista para a teoria finalista da ação. Editora RT, 1996, p. 84, 3ª edição; São Paulo.
[6] BITENCOURT, Cezar Roberto; Tratado de Direito Penal-Parte geral; Ed. Saraiva; 2006; p. 469; 10° edição; São Paulo.
[7] Idem.
[8] MAURACH, Reinhart et alii; Tratado de Derecho Penal; Trad. Córdoba Roda; Ed. Ariel; 1962; p. 336; v. 1; Barcelona.
[9] NEVES, Eduardo Viana Portela. Desmistificando o erro de tipo e erro de proibição . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 285,18 abr. 2004. Disponível em: . Acesso em: 10 de agosto de 2007.
[10] MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal; Ed. Atlas; 1991; p. 191; 6a. edição revista e atualizada; Volume I; 1991; São Paulo.
[11] BITENCOURT, Cezar Roberto; Tratado de Direito Penal-Parte geral; Ed. Saraiva; 2006; p. 485; 10° edição; São Paulo.
[12] BITENCOURT, Cezar Roberto; Tratado de Direito Penal-Parte geral; Ed. Saraiva; 2006; p. 485/486; 10° edição; São Paulo.
[13] BITENCOURT, Cezar Roberto; Tratado de Direito Penal-Parte geral; Ed. Saraiva; 2006; p. 476; 10° edição; São Paulo.
[14] ROXIN, Claus, Teoria Del Tipo penal; Ed. Depalma; 1979; p. 217; Buenos Aires.
[15] WELZEL, Hans, Derecho Penal alemán; Trad. Juan Bustos e Sergio Yáñez Pérez; Ed. Jurídica de Chile; 1970; Santiago.
[16] BITENCOURT, Cezar Roberto; Tratado de Direito Penal-Parte geral; Ed. Saraiva; 2006; p. 480; 10° edição; São Paulo.
[17] Idem.
[18] BITENCOURT, Cezar Roberto; Tratado de Direito Penal-Parte geral; Ed. Saraiva; 2006; p. 482; 10° edição; São Paulo.
[19] BITENCOURT, Cezar Roberto; Tratado de Direito Penal-Parte geral; Ed. Saraiva; 2006; p. 482; 10° edição; São Paulo.
[20] TOLEDO, Francisco Assis, O erro no Direito Penal; Ed. Saraiva; 1977; p. 100 e s; São Paulo.
bacharel em direito pela Associação Caruaruense de Ensino Superior-ASCES e especialista em direito Civil e Processual Civil pela Escola Superior da Magistratura de Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, Thiago Carvalho. Os erros sobre o tipo e o estar proibido e um possível erro sui generis Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 set 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47525/os-erros-sobre-o-tipo-e-o-estar-proibido-e-um-possivel-erro-sui-generis. Acesso em: 22 nov 2024.
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