RESUMO: O presente artigo tem como finalidade trazer à baila a antiga discussão sobre a parcialidade dos jurados responsáveis pelo julgamento dos crimes dolosos contra a vida realizados perante o Tribunal Popular. Para isso, é imprescindível realizar uma análise de modo a verificar que em muitos crimes, notadamente naqueles em que há ampla repercussão junto à opinião pública, a mídia acaba por transformar os jurados em meros juízes de uma sentença que já fora previamente proferida pelos meios de comunicação social. Além disso, levantar informações sobre como a sociedade entende a temática do julgamento popular, demonstrando que a mídia verdadeiramente influencia na opinião dos jurados, os quais julgam pelo entendimento formado pelos meios de comunicação. Por derradeiro, demonstrar que a opinião pública e os meios de comunicação social – notadamente a imprensa – exercem papel importante nos julgamentos do Tribunal do Júri, pois muitas vezes acaba incutindo preconceitos sociais e raciais no imaginário dos julgadores, construindo uma ideologia de que estes devem decidir de acordo com o que a mídia, sedenta por justiça, espera.
PALAVRAS-CHAVE: Imprensa. Meios de comunicação. Opinião pública. Tribunal do Júri.
ABSTRACT: This article aims to bring up the old discussion about the partiality of the judges responsible for the prosecution of crimes against life carried out before the People's Court. For this, it is essential to an analysis in order to verify that in many crimes, particularly those that have broad impact near the public, the media eventually turn jurors into mere judges of a sentence that had been previously issued by means of Social Communication. Also, gather information about how society understands the theme of the popular trial, demonstrating that the media really influence the opinion of the judges, who judged the understanding formed by the media. On the last, show that public opinion and the media - especially the press - play an important role in the jury's judgment, they often end up instilling social and racial prejudice in the minds of the judges, building an ideology that they should decide according to what the media, hungry for justice, waiting.
KEYWORDS: Press. Media. Public opinion. Jury court.
INTRODUÇÃO
O presente artigo visa suscitar o antigo debate sobre uma questão que não é nova, mas que vem, ao longo do tempo, revelando-se como fundamental para os entraves relacionados à ciência jurídica. A temática tem como fim uma reflexão sobre a possibilidade ou não da manutenção da isenção, da neutralidade, do distanciamento dos objetos a serem analisados.
O problema de pesquisa visa refletir sobre o peso que a opinião pública tem sobre os julgamentos, analisando inclusive, o próprio processo de construção da opinião pública, que nem sempre representa a opinião da maioria da sociedade. Para tanto, busca-se tomar como base alguns estudos desenvolvidos sobre a presente temática, tal como os estudos desenvolvidos pelos filósofos e sociólogos da “Escola de Frankfurt”, os quais servirão como base teórica deste estudo.
O motivo da escolha desse trabalho é demonstrar que a mídia influência de forma acentuada a opinião dos julgadores do Tribunal Popular, o qual é formado por cidadãos comuns, que na importante missão de julgar os seus semelhantes nos crimes, acabam por consagrar o julgamento midiático.
É importante salientar que a preocupação com a influência exercida pela opinião pública sobre o Tribunal do Júri consiste no risco de que os julgamentos sofram uma perda substancial da objetividade da justiça, uma vez que os jurados decidem pela íntima convicção pessoal, apartados da técnica e do conhecimento jurídico que o juiz togado possui, sendo que tal fato pode, em tese, colocar em risco a verdadeira importância do Tribunal Popular e o cumprimento efetivo da lei, pois corre-se o risco de a emoção e a paixão serem responsáveis pela condenação de um inocente ou pela absolvição de um culpado.
Por esse motivo, a intenção do trabalho é analisar se há a possibilidade da construção de uma ciência jurídica pura, sem a influência dos meios de comunicação. Para analisar essa questão, o presente artigo busca elaborar um estudo sobre o Tribunal do Júri e a soberania da democracia, buscando responder a indagação sobre o posicionamento dos operadores do direito que atuam na área criminal e que sofrem severa influência midiática em relação aos julgamentos proferidos pelos jurados nos crimes dolosos contra a vida.
O tema aqui tratado é cada vez mais merecedor de atenção, visto que é significante a necessidade de construir critérios mais objetivos no intuito de minimizar e evitar uma descaracterização dos procedimentos jurídicos, em função da forte presença da opinião pública no Tribunal do Júri.
1. O TRIBUNAL DO JÚRI E A SOBERANIA DA DEMOCRACIA
A instituição secular conhecida como o Tribunal do Júri é composta por cidadãos que possuem o poder decisório sobre os seus semelhantes, decidindo pela culpabilidade ou inocência das pessoas submetidas a seu crivo, nos crimes dolosos contra a vida e nos crimes com este conexos, sendo assegurados a plenitude da defesa, o sigilo das votações e a soberania dos veredictos, constituindo-se em um tribunal popular.
É cediço que, no mundo, a origem do surgimento do Tribunal do Júri é controversa. Segundo Nucci[1], a origem se deu na Palestina, havendo o Tribunal dos Vinte e Três nas vilas em que a população fosse superior a 120 família. Naquela época, tais Cortes conheciam e julgavam os processos criminais relacionados aos crimes puníveis com a pena de morte, sendo que os membros eram escolhidos dentre padres, levitas e principais chefes de famílias de Israel.
Por sua vez, Paulo Paulo Rangel[2] dispõe que muitos estudiosos buscam a origem do Tribunal do Juri nas heliastas gregos, nas quaestiones perpetuae romanas, no tribunal de assies de Luís o Gordo, mas que o surgimento do Tribunal do Júri, com a feição que encontramos hoje, surgiu na Inglaterra, onde doze jurados decidiam se o réu era culpado ou inocente com um vere dictum que deveria expressar a vontade condenatória pela maioria qualificada, ou seja, dez votos contra dois. Assim, se tal votação não fosse alcançada, o réu seria submetido a um novo julgamento. Somente se não atingida essa maioria, o réu então era absolvido, sendo que o papel do juiz era apenas o de garantir que o debate na sala de audiências fosse conduzido de modo justo, sendo a decisão um produto de sistema de plena comunicação entre os jurados, democratizando o máximo possível a decisão sobre a liberdade do réu.
No Brasil, o Tribunal do Júri surgiu antes mesmo da Independência do Brasil e da primeira Constituição, no período Imperial, no dia 18 de Julho de 1822, mediante Decreto Imperial, sendo que sua competência era estrita para os crimes de imprensa e os jurados eram eleitos. Conforme Pereira e Silva[3] sua composição era de “24 (vinte e quatro) juízes homens, considerados bons, honrados, inteligentes e patriotas”.
Logo após, a Constituição do Império de 1824 em seu artigo 151, reconhecendo a instituição do Júri, previu:
Art. 151. O poder judicial é independente, e será composto de Juízes e jurados, os quais terão lugar, assim no cível como no crime, nos casos e pelo modo que os códigos determinarem.
Art. 152. Os jurados pronunciam sobre o fato e os Juízes aplicam a lei.[4]
A Constituição Imperial logo ampliou a competência do Tribunal do Júri, que por sua vez teve uma significativa ampliação também com o advento do Código de Processo Criminal de 1832, que passou a abranger praticamente todas as infrações penais, normatizando o procedimento e as funções dos jurados. Estes, conforme preleciona Paulo Rangel[5], eram apenas os cidadãos eleitores, devendo ter reconhecido bom-senso e probidade, tendo assim um critério de cunho econômico.
Já na Constituição de 1891, o Tribunal do Júri foi disciplinado como garantia individual, uma vez que Rui Barbosa era verdadeiro admirador de tal instituto, defendendo-o como um Tribunal verdadeiramente popular.
Atualmente o Tribunal do Júri encontra-se disciplinado na Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 5°, XXXVIII, alínea “d”, tendo competência para julgar os crimes dolosos contra a vida, definidos nos artigos 121 a 128 do Código Penal, como também os crimes conexos, com fulcro no artigo 78, I do CP, demonstrando assim que a competência do Júri pode ser levemente ampliada pela conexão. Insta salientar que ao Júri são garantidos princípios como garantida a plenitude de defesa, o sigilo das votações e a soberania dos veredictos, corolários da Instituição popular e de um verdadeiro Regime Democrático de Direito.
Por sua vez, a Constituição Federal assegura ao Tribunal do Júri a competência para os crimes dolosos contra a vida, não havendo óbice constitucional para que o legislador possa aumentar a competência do Tribunal Popular através de lei infraconstitucional.
O Tribunal Popular é formado por um Juiz de Direito, denominado de Juiz Presidente e por vinte e cinco jurados sorteados, dentre pessoas comuns do povo, sendo prescindível que estas possuam conhecimento jurídico conforme prevê o artigo 477 do Código de Processo Penal.
Nassif preleciona que os crimes dolosos contra a vida foram inseridos na competência do Tribunal do júri.
[...] essa peculiar ação humana merece abordagem diferenciada entre as demais que envolvem a conduta antissocial. Não se trata, porém, de investigar, apenas, a sistemática jurídico-repressiva correspectiva, mas e apenas, especializar o comportamento insulado no universo criminoso para alcançar a função finalística do Tribunal do Júri [...] O bem ‘vida’, cujo conceito tem atormentado os pensadores, mais especialmente os do meio jurídico, é, indubitavelmente, o mais expressivo dos bens e o mais significativo dos direitos. Com mais razão, portanto, justifica-se a necessidade da intervenção da sociedade para avaliação da conduta dos homens em seus atos de violência contra os semelhantes.).[6]
Como o Tribunal Popular é composto por julgadores do povo, que não possuem conhecimento técnico-jurídico sobre o crime, a vulnerabilidade dos julgadores perante os pré-julgamentos proliferados pelos meios de comunicação cominam numa verdadeira espetacularização midiática, indo de encontro aos princípios da presunção de inocência, previsto no art. 5°, LVII da Constituição Federal, bem como com o princípio da dignidade da pessoa humana que é um fundamento da República Federativa do Brasil, artigo 1º, inciso III da Carta Maior.
Alexandre de Moraes aduz de forma impecável o princípio da presunção de inocência:
O princípio da presunção de inocência consubstancia-se, portanto, no direito de não ser declarado culpado senão mediante sentença judicial com trânsito em julgado, ao término do devido processo legal (due processo of law), em que o acusado pôde utilizar-se de todos os meios de prova pertinentes para sua defesa (ampla defesa) e para a destruição da credibilidade das provas apresentadas pelo acusado (contraditório). [7]
Segundo Bobbio[8], a soberania está com o povo e o governo, mediante o qual se exercita em relação ao elemento popular nas matérias mais importantes da vida pública, sendo assim a democracia é um regime de governo em que o poder de tomar importantes decisões cabe ao povo direta ou indiretamente por meio dos representantes eleitos.
Na linha desse raciocínio a democracia pretende evitar o arbítrio, a injustiça, a desigualdade, a autocracia e a violência. Insta salientar que não se discute que a existência do Tribunal do Júri é um exercício pleno da democracia, uma vez que o Estado tem que observar os pressupostos da legalidade, da presunção de inocência, e do princípio da dignidade da pessoa humana. Ademais, é o próprio povo que julga seus pares, nos crimes que mais lhe afligem, na busca pela paz social e pelo bem comum, cujo objetivo culmina numa representação popular direta.
2. O PODER MIDIÁTICO
Vivencia-se uma “sociedade do espetáculo” em que a busca em atingir maiores índices de audiência e maiores vendagens de jornais é mais importante que a verdadeira dignidade das pessoas envolvidas nas notícias criminais e no respeito à própria população, que hipnotizada só busca olhar para um lado da estória criminal.
Segundo Luis Flávio Gomes,
Não existe “produto” midiático mais rentável que a dramatização da dor humana gerada por uma perda perversa e devidamente explorada, de forma a catalisar a aflição das pessoas e suas iras. Isso ganha uma rápida solidariedade popular, todos passando a fazer um discurso único: mais leis, mais prisões, mais castigos para os sádicos que destroem a vida de inocentes indefesos.[9]
Não se discute a importância dos meios de comunicação e sim o caráter tendencioso e lucrativo que os meios de comunicação alcançam quando se referem a crimes que envolvam o respeito ao direito fundamental a vida, e, no caso dos Tribunais do Júri, os dolosos. Logo o que se questiona é a maneira unilateral como os fatos são narrados, a forma como divulgam as informações atraindo a atenção da sociedade, que tomada pelo vicioso “senso de justiça”, promove de antemão o julgamento do acusado sem mesmo analisar o fato criminoso na sua completude.
Ademais, é sabido que naqueles crimes em que a imprensa e os meios de comunicação de massa atuam de forma mais ostensiva, quer repudiando, quer criticando a ação dos autores, a sentença final proferida pelos jurados tende a ser condenatória, uma vez que a ausência de conhecimento jurídico faz com que o cidadão julgue apenas de acordo com a sua convicção, quase sempre dominada pela emoção.
É importante observar os ensinamentos de Oliveira:
Na verdade, a justiça arrisca-se a não ser ‘justa’, se é administrada com o imediatismo temporal dos media e com o seu concomitante apelo à espetacularização ou com a sua pressão por satisfazer o máximo de audiências com o mínimo de custos. Mas os media arriscam-se também a trair a sua vocação mais nobre e a sua indeclinável responsabilidade social se confundirem investigação jornalística com investigação policial, se tentarem substituir o julgamento num tribunal pelo julgamento na praça pública, ou se submeterem as exigências do processo informativo apenas às formalidades processuais e administrativas do burocrático funcionamento judicial. Uma comunicação social com veleidades justiceiras seria, na realidade, tão inadequada e perigosa como polícias e tribunais preocupados, antes de tudo o resto, com a sua imagem e impacto mediáticos.[10]
Na mesma linha, conforme descreve Andrade,
A cobertura sensacionalista da mídia nos casos criminais evidencia-se por uma série de indícios e sintomas perceptíveis em diferentes graus. Dentre outros, são eles (a) a separação de maneira maniqueísta e simplista dos personagens envolvidos em certa trama entre bons( que geralmente são identificados de modo claro como “nós”) e maus ( que sempre são identificados de modo claro com “eles”); (b) a criação bem definida de estereótipos da categoria “bandida” dos personagens (mau = “eles”); (c) a criação e recriação de diferentes distorções da realidade( retratada, por vezes, pela preferência assumida a priori pela versão oficial e, por conseguinte,acusatória); e (d) a crescente penetração de uma ideologia do medo no seio da sociedade e o recrudescimento da sensação generalizada cada vez maior de (in)segurança pública.[11]
É imprescindível destacar o valioso entendimento de Noronha, sobre os efeitos do crime, considerando este como a sombra sinistra que acompanha o homem através dos tempos e que dele nunca se afastou, ou seja, o crime existe desde sempre, motivo pelo qual as notícias de fatos criminosos causam certo fascínio no ser humano, despertando interesses e sentimentos diversos.
Essa relação de fascínio na criminalidade permite que a mídia penetre na sociedade de maneira com que haja um direcionamento na forma de julgar os fatos criminosos veiculados, culminando desde já em um pré-julgamento sem a observância da ampla defesa e do contraditório, já que a busca pela lucratividade prepondera sobre a verdadeira justiça.
Nesse sentido, cresce diariamente o número de programas de televisão que possuem, no fato criminoso, a sua principal programação. Ao mesmo tempo em que o crime aterroriza a população, ele desperta a ganância pelo lucro e a ânsia pela notícia, de modo que os meios de comunicação se utilizam do crime como forma de ganhar dinheiro, influenciando a população na sua tomada de decisão.
Como bem assevera Pereira:
O jornalista, dentro da redação de um jornal, representa o papel do escultor que modela, no isolamento de seu atelier, com o buril e o escopo, para edificação da arte e difusão do belo, as mais perfeitas figuras da estatuária (...). E, do mesmo modo que o escultor pode construir monstrengos, deformando a arte da estatuária, pode o jornalista deformar a arte de escrever, transformando-a em instrumento de corrupção e de anticivismo.[12]
Com efeito, nos crimes julgados pelo Tribunal do Júri em que o bem violado é a vida, estes ganham relevância tanto para a sociedade quanto para o Estado. Aliado esse fator com a emotividade que ordinariamente já envolve os julgamentos em plenário, com a midiatização dos crimes, o efeito não é outro senão devastador.
Como assevera Márcio Thomaz Bastos (1999. p. 115):
O juiz dificilmente resiste: estão aí as decisões em que se toma ordem pública por pressões da imprensa. Com os jurados é pior: envolvidos pela opinião pública, construíram massivamente por campanhas da mídia orquestradas e frenéticas, é difícil exigir deles outra conduta que não seguir a corrente. [13]
Apesar da liberdade de expressão ser uma garantia constitucional, deve- se observar o respeito ao processo jurisdicional com todas as suas garantias, já que esse é um dos pilares de um verdadeiro Estado Democrático de Direito, este mesmo que possibilitou a formação de um Tribunal Popular.
Mirabete em tradicional obra, assevera:
Que marca a atividade de certos meios de comunicação de massa (jornais, revistas, rádio, televisão, etc). Noticiários e entrevistas que visam não a simples informação, mas que tem caráter espetaculoso, não só atentam para a condição da dignidade humana do preso como também podem dificultar a sua ressocialização após o cumprimento da pena (2000, p. 156).[14]
A sociedade então acaba tendo o mesmo pensamento, de que o réu é culpado e que para ele não há outro destino que não seja a condenação. Na maioria dos casos, a decisão influenciada pelos meios de comunicação importa em uma sentença prévia, onde não há outra escolha a se fazer, de modo que a condenação passe a ser fruto não apenas da vontade e da soberania popular, mas reflexo daquilo que os meios de comunicação social incutiram nos jurados, os quais podem ser facilmente manipuláveis.
3. A INFLUÊNCIA DA OPINIÃO PÚBLICA NO JÚRI POPULAR
A influência da mídia na sociedade se destaca pelo sensacionalismo extremado em que de um lado há a propagação de informações em sua maioria tendenciosas e do outro o recebimento das mesmas informações pela população, que em sua maioria não tem formação escolar nem crítica, culminando em uma verdadeira alienação midiática.
No século XXI essa influência vem ganhando espaço no campo Penal e Processual Penal, principalmente nos crimes julgados pelo Tribunal do Júri, em que os “formadores de opinião”, transmitem seus julgamentos a sociedade e essas os recepcionam na sua integralidade, tomando a parte pelo todo, não analisando as informações que lhe são propaladas.
Assim analisa a influência midiática Rogério Tucci:
Indubitável é que a pressão da mídia produz efeitos perante o juiz togado, o qual se sente pressionado pela ordem pública, por outro lado, de maior amplitude é este efeito sobre o júri popular que possui estreita relação com a opinião pública construída pela campanha midiática, é obvio, pois, que isto faz com que a independência do julgador se dissipe não podendo este realizar um julgamento livre por estar diante de uma verdadeira coação. “Levar um réu julgamento no auge deu ma campanha de mídia é levá-lo a um linchamento, em que os ritos e fórmulas processuais são apenas a aparência da justiça, se encobrindo os mecanismos cruéis de uma execução sumária”. [15]
Visualiza-se o pré-julgamento principalmente nos crimes que ganham repercussão midiática, haja vista o caso “Nardoni” e o caso “Suzane Louise Von Richthofen e irmãos Cravinhos”, em que houve um verdadeiro massacre jornalístico sobre os já intitulados criminosos, sendo renegados socialmente sem mesmo ter direito a defesa. Assim, há que se observar que a mídia tem o poder de condenar e absolver quem bem interessar.
Tal fato leva a preocupação sobre os efeitos das pressões da opinião pública nos julgamentos dos nossos tribunais, principalmente em crimes de grande repercussão e de comoção social. Além disso, em outros julgamentos também prevalece o senso comum, os preconceitos sociais e as artimanhas ideológicas que nos Brasil vem condenando silenciosamente, ano após ano, os negros e os pobres, que muitas vezes são, a priori, considerados culpados sem que exista uma apuração mais profunda e um julgamento mais justo, visto que estes não possuem condições econômicas para garantir a paridade de armas durante o processo penal.
Ao escolher a lei como elemento base do processo jurídico não conseguimos ainda garantir uma pureza axiológica, já que as leis são construídas dentro de um contexto de grande debate político, com forte influência dos vários atores sociais, principalmente aqueles que exercem maior poder, visto que somente uma classe dominante usufrui do poder de legislar.
Os casos apresentados como exemplo ganharam ampla repercussão nos meios de comunicação e foram de conhecimento de todos da sociedade, marcando um período determinado da história criminal brasileira. Por esse motivo, mão se pretende discutir sobre a inocência ou a culpabilidade de cada indivíduo sujeito ao crivo da Justiça, como também da mídia, mas a forma com que os delitos foram expostos, bem como o massacre midiático sofrido pelos autores, culminando numa condenação absoluta, sem respeito, em alguns casos, a qualquer direito constitucionalmente assegurado.
No Brasil, não são poucos os casos onde a mídia teve papel importante na formação da opinião pública. É importante lembrar o caso da “Escola Base”, ocorrido em março de 1994, na cidade de São Paulo, em que os proprietários de uma escola foram acusados de praticarem atentado violento ao pudor e estupro contra algumas crianças com base apenas em um laudo genérico. Ocorre que, na época, a mídia, tomada apenas por esse depoimento, publicou uma matéria promovendo a execração pública das pessoas envolvidas, culminando na depredação da escola e devastando para sempre a vida das pessoas injustamente acusadas, uma vez que, em julho de 2004, dez anos após o fato, a justiça declarou os acusados inocentes em relação as acusações.
Por conseguinte, essas decisões se tornam desastrosas por atrapalhar na busca da justiça e da verdade real, enfraquecendo o brilhantismo do instituto do Tribunal do Júri. Se o juiz que possui formação jurídica em relação ao que julga sofre influência midiática, é natural e lógico que os julgadores populares serão influenciados. Nesse sentido o ilustre Desembargador Geraldo Prado assevera que:
O poder extraordinário e incontestável exercido pela mídia sobre a população em geral (...) reflete-se de modo relevante, no processo penal, quando atua diretamente sobre a convicção do juiz, intentando formá-la não mais com base nas provas dos autos, obtidas com a segurança do contraditório e da ampla defesa, porém a partir da conclusão amiúde precipitada a que chegam órgãos informativos, de tal sorte que o secular princípio da imparcialidade resta afetado, às vezes até mesmo sem que o julgador se dê conta.[16]
Como é sabido, a soberania dos veredictos, que é a supremacia do julgamento realizado pelo Conselho de Sentença, não poderá ser substituída por qualquer outro órgão judiciário. Assim sendo quando os jurados decidem o fato criminoso imputado, sua decisão não mais poderá ser revista no tocante ao mérito. Assim sendo, os prejulgamentos que os jurados já possuem devido ao que fora noticiado pela imprensa e pelos meios de comunicação, podem acarretar em uma verdade distorcida dos fatos, ocasionando uma absolvição ou condenação equivocada.
A massificação de reiteradas informações ocasiona à supervalorização da revolta e da repulsa ao fato criminoso e consequentemente aos supostos acusados dos crimes dolosos contra a vida os transformando em verdadeiros “monstros”. Com isso os pilares do Estado democrático de Direito que são as garantias do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório, da presunção de inocência, do julgamento imparcial ficam abalados, gerando uma provável injustiça popular.
Nesse sentido preleciona Nucci
[...] eis porque é maléfica a atuação da imprensa na divulgação de casos sub judice, especialmente na esfera criminal e, pior ainda, quando relacionados ao Tribunal do Júri. Afinal, quando o jurado dirige-se ao fórum, convocado para participar do julgamento de alguém, tomando ciência de se tratar de “Fulano de Tal”, conhecido artista que matou a esposa e que já foi “condenado” pela imprensa e, consequentemente, pela “opinião pública”, qual isenção terá para apreciar as provas e dar o seu voto com liberdade e fidelidade às provas?”[17]
Os jurados, pessoas leigas não possuem entendimento jurídico, são despidos de críticas, tomam as informações como absolutas sem analisar verdadeiramente os casos emitidos pelos veículos de comunicação, formando seus próprios julgamentos e decretando-os quando exerce direito constitucional.
Oliveira observa que
A imprensa possui o poder de absolver ou condenar previamente um réu e, com isso, influir no convencimento dos jurados e na atuação da acusação e da defesa em plenário. Esse poder de influência, ordinariamente, é exercido de forma sub-reptícia, quase imperceptível. Há sempre muitos interesses em jogo, principalmente em se tratando de casos que alcançam repercussão pública. Astros de televisão que são brutalmente assassinados; políticos de destaque que se envolvem em crimes de pistolagem; e mesmo "pessoas comuns" – se é que uma pessoa pode ser tida como algo comum – que surpreendem seus familiares e vizinhos ao cometer um crime passional. E no dizer de Márcio Thomaz Bastos, em situações tais, quando a concorrência imprime entre os setores da imprensa uma verdadeira competição pela informação privilegiada, os chamados "furos de reportagem", a primeira vítima é sempre a verdade.[18]
Prates e Tavares relatam que alguns setores da mídia, vistos como supostamente “justiceiros”, antes de averiguar o caso concreto sob a ótica do Direito e seus princípios, publicam o nome de possíveis suspeitos atribuindo-lhes o condão de “acusados” ou mesmo “réus”, sem que estes estejam respondendo ainda sequer a um processo
Nesse sentido, Aury Lopes Junior discorre:
Em se tratando de uma prática que atinge todas as pessoas, assim como o jurados, é muito possível que, de certa forma, um julgamento acabe atribuindo valor de prova a algo que sequer adentrou no processo,[...] não há dúvidas de que a exposição massiva dos fatos e atos processuais, os juízos paralelos e o filtro do cronista afetam o (in) consciente dos jurados, além de acarretarem intranquilidade e apreensão.[19]
Por fim, nunca é demais recordar as observações desenvolvidas pelo grande filósofo jurídico Ronaldo Dworkin, em que, segundo ele, as decisões judiciais estão vinculadas mais ao posicionamento social ideológico do juiz do que às normativas legislativas, pois a interpretação é um processo de construção, uma evolução em decorrência da própria mudança social. Assim sendo, o processo de construção do Direito jamais poderá se furtar da contribuição do debate social, pois ele faz parte de suas gênesis, havendo a necessidade de haver um equilíbrio entre informação e justiça.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo buscou analisar o posicionamento dos operadores do Direito que atuam na área criminal e a possível influência midiática em relação aos julgamentos proferidos pelos jurados nos crimes dolosos contra a vida, principalmente naqueles crimes que ganham maior repercussão na mídia.
A influência dos meios de comunicação em relação ao Tribunal do Júri faz com que exista um maniqueísmo social, em que há um pré-julgamento, influenciando de maneira decisiva a formulação da decisão de inocência ou culpa dos acusados submetidos ao crivo do corpo de jurados.
Atualmente, há o notório crescimento da importância da mídia como formuladora de conceitos. Se, por um lado, a justiça pode ser vulnerável aos apelos sociais e insuflada pelos meios de comunicação sem seriedade informativa, por outro lado, não se pode negar que o crime é um fato social e deve ser publicitado, porém tendo sempre como parâmetro os direitos e garantias fundamentais, notadamente as garantias penais dos acusados no processo penal.
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[2] RANGEL, Paulo. Tribunal do Júri: visão linguística, histórica, social e jurídica. São Paulo: Atlas, 2012. p. 44
[3] PEREIRA E SILVA, Rodrigo Faucz. Tribunal do Júri: o novo rito interpretado. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2010. p. 29.
[4] BRASIL. CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DO IMPÉRIO DO BRAZIL, de 25 de março de 1824. Disponível em:
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[5] RANGEL, Paulo. Tribunal do Júri: visão linguística, histórica, social e jurídica. São Paulo: Atlas, 2012. p. 63
[6] NASSIF, Aramis. Júri - instrumento da soberania popular. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 52.
[7] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação. infraconstitucional. São Paulo: Atlas, 2003. p. 249.
[8] BOBBIO,NORBERTO. Estado,Governo e Sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 1987,p.459.
[9] GOMES, Luiz Flávio. Casal Nardoni: inocente ou culpado? (parte 1). Disponível em: . Acesso em: 20 mar. 2016.
[10] OLIVEIRA, Marcus Vinicius Amorim de. O tribunal do júri e a mídia. Escritório online. Fortaleza. p. 2.
[11] ANDRADE, Fábio Martins de. A influência dos órgãos da mídia no processo penal: o caso Nardoni. São Paulo: Revista dos Tribunais, volume 889, novembro de 2009, p. 480 – 505.
[12] PEREIRA, André Luiz Gardesani. Júri, mídia e criminalidade: propostas tendentes a evitar a influência da mídia sobre a soberania do veredicto. São Paulo: Revista dos Tribunais, Vol. 928, Fevereiro 2013.
[13] BASTOS, Márcio Thomaz. Júri e Mídia. In: TUCCI, Rogério Lauria (Coord). Tribunal do Juri: estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 115.
[14] MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n° 7.210, 11- 7-1984, 11 ed.; São Paulo, Atlas. 2004. p. 156.
[15] TUCCI, Rogéria Lauria. Tribunal do júri. Estudo sobre a mais democrática instituição Jurídica brasileira. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 115.
[16] PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas. Opinião Pública e Processo Penal, Boletim Legislativo Adcoas, Rio de Janeiro, ano 28, n. 30, out. 1994. p. 106
[17] NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.131.
[18] OLIVEIRA, Marcus Vinicius Amorim de. O tribunal do júri e a mídia. Escritório online. Fortaleza. p. 7.
[19] LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2004. p. 253
Advogada - Pós Graduada em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Faculdade Damásio de Jesus.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FIORESI, Thayná Barbosa. A influência da imprensa nas decisões do Tribunal do Júri Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 out 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47669/a-influencia-da-imprensa-nas-decisoes-do-tribunal-do-juri. Acesso em: 22 nov 2024.
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