RESUMO: O presente trabalho objetiva discutir a constitucionalidade da Lei Complementar nº 105/2001 no tocante à quebra do sigilo bancário e financeiro sem ordem judicial pela administração tributária.
PALAVRA CHAVE: Quebra do sigilo de dados, ordem judicial, administração tributária.
Após intensa controvérsia sobre a constitucionalidade ou não dos dispositivos da Lei Complementar nº 105/2001, entre eles o art. 6º, caput, no que tange a quebra do sigilo bancário e financeiro, muitas teses se ventilaram no âmbito jurídico.
De acordo com as ações diretas de inconstitucionalidade contra a Lei Complementar nº 105/2001, para haver a quebra de sigilos de dados de natureza fiscal deveria haver, inicialmente, ordem judicial para se ter acesso às informações de natureza fiscal e bancária por parte do órgão tributário. Como justificativa, tinham como fundamentação os dizeres do art. 5º, X da Carta da República, o qual declara que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;". Com base nessa premissa, entendiam que tais informações fiscais e bancárias estariam sob o manto da privacidade daqueles que fossem parte no processo administrativo fiscal, e logo, somente com a devida ordem judicial os órgãos de natureza tributária poderiam ter acesso a tais informações.
Contudo, o entendimento do Supremo Tribunal Federal – STF – quanto às ações acima, foi diverso, julgando por maioria a improcedência das ações. Segundo a Corte máxima, o entendimento é que o art. 6º, caput, da Lei Complementar nº 105/2001, o qual permite que agentes tributários possam examinar informações de natureza contábil e fiscal sem autorização judicial é constitucional. Contudo, para tal ofício, a redação do artigo estabelece que as autoridades tributárias (União, Estados e Distrito Federal Municípios) somente poderão examinar documentos, livros e registros das instituições financeiras se houver processo administrativo fiscal já instaurado e que tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente. Vejamos a dicção do artigo.
"Lei Complementar nº 105/2001. Art. 6o As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente. (Regulamento)".
A alta Corte ressaltou ainda que tal acesso deveria seguir um parâmetro, este já regulamentado, conforme o Decreto nº 3.724/2001. Entre alguns requisitos para haver o compartilhamento de informações, cita-se: a) pertinência temática entre as informações bancárias e o tributo objeto de cobrança no procedimento fiscal; b) notificação do contribuinte quanto à instauração do processo e demais atos para fins de ampla defesa; c) sujeição do pedido de acesso ao superior hierárquico; d) existência de dispositivos de segurança e e) mecanismos de apuração e correção de desvios.
Ainda na mesma esteira, outra justificativa plausível para a constitucionalidade dos dispositivos da LC nº 105/01, de acordo com o Supremo, seria o fato que tal acesso aos dados sigilosos de natureza fiscal não se trataria de quebra de sigilo de dados bancários e financeiros, mas sim hipótese de mera transferência de informações sigilosas entre as instituições bancárias e os órgãos de fiscalização tributária federal. Consequentemente, conforme orientação do pleno do STF, o acesso sem prévia autorização judicial aos dados bancários e financeiros pelos órgãos previstos no art. 5º e 6º da LC nº 105/2001 não violaria a intimidade.
Para tanto, a corte máxima ressaltou que tal compartilhamento deveria seguir um parâmetro, este já regulamentado conforme o decreto 3.724/2001. Entre alguns requisitos para haver o compartilhamento de informações, cita-se: pertinência temática entre as informações bancárias e o tributo objeto de cobrança no procedimento fiscal; b) notificação do contribuinte quanto à instauração do processo e demais atos para fins de ampla defesa; c) sujeição do pedido de acesso ao superior hierárquico; d) existência de dispositivos de segurança e e) mecanismos de apuração e correção de desvios.
Nestor Távora, seguindo a posição minoritária e vencida do STF, ao destrinchar o tema em sua obra complementar ao manual, entende de forma diversa, pois na sua ótica, não há "diferença substancial entre “quebra de sigilo” e “compartilhamento de informações”, ainda que tal ocorra no âmbito de órgãos da própria Administração Pública e que o órgão receptor da informação seja obrigado a não propalá-la. Em outros termos, o “compartilhamento de informações” se constitui no método retórico para restringir, sem ordem judicial, o direito ao sigilo bancário e financeiro, inclusive sem a correspondente persecução penal. (...) A existência de decreto para regular um procedimento administrativo indica dissonância com o postulado que exige que sua atividade fiscal seja estreitamente vinculada à lei".
Seguindo adiante, o tema também demanda informar que existe distinção entre dados de natureza fiscal e bancário de dados cadastrais. Tal distinção é oportuna, visto que, quando se trata de informações cadastrais, os mesmos não são vistos como informações de cunho íntimo, ensejando assim a possibilidade de conhecê-los sem ordem judicial. Por essa razão, simples elementos de identificação, tais como nome, endereço, estado civil, nascimentos não são protegidos. Inclusive, o Poder Legislativo, na sua função típica, já se manifestou nesse sentido, através da Lei das Organizações Criminosas (Lei nº 12.850/13, art. 15) e a Lei de Lavagem de Capitais (Lei nº 9.613/98, art. 17-B), as quais dispõem expressamente que autoridade policial e o membro do Ministério Público terão acesso, independentemente de autorização judicial, exclusivamente aos dados cadastrais do investigado mantidos, dentre outros órgãos, por instituições financeiras e administradoras de cartão de crédito.
Após as informações acima percebe-se, como bem detalha o mestre Renato Brasileiro em sua obra, que o sigilo financeiro e bancário é um dever jurídico imposto às instituições financeiras, de forma que tais informações não venham se tornar públicas. É o que prescreve o art. 1º da LC nº 105/2001. Todavia, diante de eventual quebra por agentes fiscais, deve-se resguardar sempre o direito de intimidade do cliente combinado com o dever sigilo profissional daquele que fornece a informação. Contudo, de acordo com entendimento mais atual da doutrina majoritária e da Suprema corte, tais informações não são respaldadas sob a guarnição do sigilo absoluto, pois como visto, é plenamente possível que autoridades fiscais possam, durante seu ofício, ingressar na esfera fiscal e bancária daquele que seja alvo do fisco, inclusive, em determinadas hipóteses sem ordem judicial, chancelando, assim a constitucionalidade da LC nº 105/2001.
REFERÊNCIA
BRASILEIRO, Renato. Manual de processo penal. 4ª ed. Editora juspodivm, 2016, Material complementar. Pág. 15.
TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 11ª ed. Editora juspodivm, 2015.
BRASILEIRO, Renato. Legislação Especial Criminal Comentada. 4ª ed. Editora juspodivm, 2016.
NOTAS:
STF. Inf. n 814 e 815, de fevereiro de 2016 (Pleno – ADI’s 2386/DF, 2390/DF, 2397/DF e 2897/DF).
STF, 2a Turma, RHC 121.429/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 19/04/2016.
STF, Pleno, AC 33 MC/PR, Relator Min. Joaquim Barbosa, j. 24/11/2010, DJe 27 09/02/2011.
TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 11ª ed. Editora juspodivm, 2015. Material complementar.
Sigilo de dados: o direito à privacidade e os limites à função fiscalizadora do Estado. Revista da Faculdade de Direito. São Paulo: USP, vol. 88, 1993, p. 449.
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