RESUMO: O estudo pormenorizado dos institutos preceituados pelo Código Penal é atividade sabidamente necessária para forjar no acadêmico a capacidade de identificar e resolver problemas inerentes ao exercício da futura carreira como penalista. Trata-se de desenvolver no discente competência no manejo dos mecanismos processuais penais adequados a cada situação concreta. O presente, assentado sob tal perspectiva, discorre a respeito de determinados eventos tutelados pelo diploma em tela. Destarte, serão visitadas ao longo do texto as hipóteses de “crime contra a liberdade pessoal”, “crime contra a inviolabilidade de domicílio”, “extorsão mediante sequestro”, “crimes contra a propriedade imaterial”, bem como a previsão legal e respectiva interpretação doutrinária nos casos de “usurpação” e “dano”. Sem tencionar esgotar o debate sobre os tópicos elencados, espera-se contribuir, de forma didática, para a melhor compreensão dos mesmos.
Palavras-chave: Direito penal; parte especial; institutos; estudo.
ABSTRACT: The detailed study of the prescribed by the Criminal Code institutes is known to be required for activity forge in the academic ability to identify and solve problems inherent to the conduct of future career as a penologist. It is to develop in students competence in the management of criminal procedural mechanisms appropriate to each particular situation. The present, seated under such perspective, talks about certain events protected by diploma in screen. Thus, will be visited throughout the text, the chances of "crimes against personal freedom", "crime against the inviolability of domicile", "extortion through kidnapping", "crimes against intangible property", as well as the legal forecast and its doctrinal interpretation in cases of "usurpation" and "damage". Without going to exhaust the debate on the topics listed, is expected to contribute to better understanding of teaching themselves.
Keywords: Criminal law; special part; institutes; study.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Não existe tema inoportuno tratando-se de direito penal. Ainda que as interpretações doutrinárias sobre determinado capítulo encontrem-se bem estabelecidas, nada impede que a visão singular do intérprete sobre o caso concreto permita eventual revisão da aplicabilidade de um ou outro instituto. Daí o valor imensurável dos numerosos trabalhos gestados na academia.
Não raro trata-se de esforço profícuo que comporta não só ampliar o conhecimento sobre a proposição em debate, mas, em situações excepcionais, até mesmo extrapolar a simples explicação reiterada.
Feitas tais observações, em sede de comentários inaugurais, cumpre explicitar que o presente ensaio versa sobre fragmentos do código vigente, delineando seis tópicos de relevo. Embasado em pesquisa bibliográfica conceituam-se, ao longo do texto, as hipóteses de “crime contra a liberdade pessoal”, “crime contra a inviolabilidade de domicílio”, “extorsão mediante sequestro”, “crimes contra a propriedade imaterial”, bem como “usurpação” e “dano”.
Longe da pretensão de pacificar as discussões sobre a temática, objetiva-se apenas contribuir com a apresentação de definições doutrinárias, permitindo ao interessado distinguir, sem maior esforço, o que preceitua a norma. Em muitos casos, como se sabe, este pode ser o ponto de partida para a disposição acadêmica de questionar com base no prelecionado.
1. DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL
Previstos na primeira seção, do sexto capítulo, da parte especial do Código Penal brasileiro, os crimes contra a liberdade pessoal subdividem-se em quatro: a) constrangimento ilegal (art. 146); b) ameaça (art. 147); c) sequestro ou cárcere privado (art. 148); e, por último, d) redução à condição análoga à de escravo (art. 149). Trataremos, de forma metódica, da análise de cada um deles. Antes, no entanto, faz-se necessária breve nota ao título da própria seção.
Com fulcro no que preleciona Capez (2012, p.346) é possível dizer que liberdade pessoal consiste na liberdade de autodeterminação, compreendendo a liberdade de pensamento, de escolha, de vontade e de ação. Nas precisas palavras do magistral penalista “está ela consagrada na Magna Carta em seu art. 5º, II, que reza: ‘ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’”.
Como explica o autor, trata-se de garantia constitucional que, de modo inequívoco, afiança ao indivíduo a certeza de não ver embaraçada pelo Estado ou outro cidadão sua liberdade de ação ou omissão. Em breves palavras pode-se afirmar que, não estando prevista em lei, encontra-se constitucionalmente proibida qualquer ação arbitrária cujo objetivo seja coagir alguém a fazer ou deixar de fazer algo.
Feita, portanto, tal reflexão, passaremos a enfrentar as figuras jurídicas citadas anteriormente.
1.1. Constrangimento Ilegal
É certo afirmar, pelo que se abstrai do texto do art. 146, que se preocupou o legislador em prever situações em que o agente constrange, coage ou obriga a vítima a fazer ou não fazer algo. Se não, vejamos:
Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Aumento de pena
§ 1º - As penas aplicam-se cumulativamente e em dobro, quando, para a execução do crime, se reúnem mais de três pessoas, ou há emprego de armas.
§ 2º - Além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência.
§ 3º - Não se compreendem na disposição deste artigo:
I - a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida;
II - a coação exercida para impedir suicídio.
O ponto de partida, portanto, para melhor compreensão da norma emanada é o exame cuidadoso de seus elementos. O próprio Capez (2012), neste sentido, assevera que “a conduta tem seu núcleo no verbo constranger”. Para o mesmo “há primeiramente a ação de constranger realizada pelo coator, a qual é seguida pela realização ou abstenção de um ato por parte do coagido”.
Mirabete e Fabbrini (2012, p.180), reforçam tal entendimento ao aduzirem a intenção do codificador. Para ambos “tutela-se a liberdade individual de querer, ou seja, a autodeterminação da vontade e da ação, incluindo-se, assim, a liberdade física e psíquica da vítima”.
A esse respeito ensina Bitencourt que, no crime de constrangimento ilegal, o bem jurídico protegido é a liberdade individual ou pessoal de autodeterminação, ou seja, a liberdade do indivíduo de fazer ou não fazer o que lhe aprouver, dentro dos limites da ordem jurídica. Preleciona o autor:
O que se viola ou restringe, no crime de constrangimento ilegal, não é propriamente uma vontade juridicamente válida, mas a liberdade e o direito de querer e atuar (agir ou não agir), de acordo com as condições pessoais e individuais de cada um (BITENCOURT, 2012, p.456).
Por fim, válido reproduzir a classificação doutrinária preconizada com mérito por Greco (2015, p. 489). Nas sempre pontuais palavras do penalista trata-se o constrangimento ilegal de crime comum com relação ao sujeito ativo, bem como quanto ao sujeito passivo; doloso; material (pois a sua consumação somente ocorre quando a vítima não faz o que a lei permite ou faz aquilo que ela não manda); de forma livre, podendo ser praticado comissiva ou omissivamente (desde que, nesta última hipótese, o agente goze do status de garantidor); instantâneo; subsidiário (somente se configurando a infração penal do art. 146 do Código Penal se o constrangimento não for elemento de outra infração penal mais grave); monossubjetivo; plurissubsistente; de dano; transeunte.
Analisaremos, a seguir, os pontos mais importantes desta classificação doutrinária.
1.1.1. Bem jurídico tutelado
Por se tratar de tema já abordado anteriormente, ainda que de forma indireta, a definição sobre o “bem jurídico tutelado” será sucinta. Pode-se dizer com base no que preleciona o próprio Greco (2015) que “a liberdade é o bem juridicamente protegido pelo tipo do art. 146 do Código Penal”.
Não se trata, obviamente, de simples redundância. Na verdade tem-se no comentário reforço a ponto basilar do exame minucioso do citado crime.
1.1.2. Sujeito ativo e sujeito passivo
Em uma análise estritamente prática, trazendo relevante posicionamento doutrinário de Bitencourt (2012), pode-se afirmar que o sujeito ativo do crime de constrangimento ilegal pode ser qualquer pessoa, seja homem ou mulher. Aduz o autor:
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, não requerendo nenhuma qualidade ou condição particular; cuida-se, pois, de crime comum. Tratando-se, contudo, de funcionário público, desde que no exercício de suas funções, o crime praticado poderá ser, de acordo com as circunstâncias, não este, mas qualquer outro, como, por exemplo, arts. 322 e 350 do CP, art. 3º da Lei n. 4.898/65 etc. (BITENCOURT, 2012, p.457).
Da mesma forma, como explica Greco (2015, p. 490), entende-se também que “qualquer pessoa pode figurar como sujeito passivo do crime de constrangimento ilegal”. Ressalva o mesmo, contudo, a respeito da necessidade de que esta tenha capacidade de discernimento, a fim de poder entender que está sendo constrangida a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda.
Bitencourt reforça essa interpretação ao afirmar que é cogente a capacidade de autodeterminação do sujeito passivo. Preleciona com precisão o autor:
Sujeito passivo pode ser qualquer pessoa, desde que capaz de sentir a violência e motivar-se com ela; em outros termos, é necessária a capacidade de autodeterminação, ou seja, a capacidade de conhecer e se autodeterminar de acordo com esse conhecimento. Assim, estão excluídos os enfermos mentais, as crianças, os loucos de todo o gênero, etc. Se, no entanto, o constrangimento for praticado contra seus representantes, com a finalidade de permitirem que se faça algo com eles, desautorizado em lei, os incapazes serão, nesse caso, objeto do crime, e seus responsáveis serão os sujeitos passivos. A incapacidade física, isto é, a incapacidade operacional (aleijados, paralíticos etc.) do sujeito passivo, não afasta a possibilidade de ser sujeito passivo do crime de constrangimento ilegal; aliás, poderá configurar uma agravante (art. 61, III, h (enfermo) ou j (desgraça particular do ofendido), conforme o caso). (BITENCOURT, 2012, p.457).
1.1.3. Elemento subjetivo
Para Capez (2012, p. 350) trata-se do dolo (direto ou eventual), consistente na vontade livre e consciente de constranger a vítima, mediante o emprego de violência ou grave ameaça. Oportunamente assevera:
O dolo deve abranger o conhecimento da ilegitimidade da pretensão (o agente deve saber que não está autorizado pela lei a exigir determinado comportamento); o emprego dos meios coativos (o agente deve ter conhecimento de que não está autorizado a se valer desse instrumento de coação para obter o comportamento desejado); e o nexo de causalidade entre o constrangimento e a conduta do sujeito passivo. Não basta, entretanto, o dolo consistente na vontade de coagir para que o crime em análise se configure, pois é necessário um fim especial de agir, que se consubstancia na vontade de obter a ação ou omissão indevida, ou seja, que a vítima faça o que a lei não determina ou não faça o que ela manda. Ausente essa finalidade especial, o crime poderá ser outro, conforme for empregada ameaça ou violência física (crimes de ameaça, vias de fato, lesões corporais). (CAPEZ, 2012, p. 350)
A ilegitimidade da pretensão, importante frisar, pode ser absoluta (caso o agente não tenha qualquer direito à ação ou omissão da vítima) ou relativa (quando existe o direito, mas a vítima não pode ser forçada por não haver lei que a obrigue).
Gonçalves (2016, p. 340) enumera dois exemplos ilustrativos para as situações elencadas. Para o primeiro considere-se a hipótese do indivíduo que obriga outro a ingerir bebida alcoólica.
Já no segundo caso, de ilegitimidade relativa, bom exemplo seria, nas palavras do autor, o da pessoa que obriga alguém a pagar dívida de jogo (a vantagem, como se sabe, pode ser considerada devida, mas a lei civil não fornece instrumentos para a cobrança desse tipo de dívida).
Por último convém lembrar ao leitor ponto importante que, segundo Capez (2012), merece nota. Este, como prelecionado em sua obra, refere-se ao fato de que o texto normativo deixa expresso não haver previsão legal da modalidade culposa do crime de constrangimento ilegal.
1.1.4. Consumação e tentativa
Hungria e Fragoso (1979), citados por Capez (2012), lembram que “o texto legal não fala em ‘constranger para’, mas em ‘constranger a’, isto é, em forçar efetivamente à ação ou omissão”.
A observação faz referência ao fato de que se trata o constrangimento ilegal de crime material, de conduta e resultado naturalístico. O crime se consuma, portanto, no momento em que a vítima faz ou deixa de fazer alguma coisa.
A tentativa, por sua vez, deriva do fato de tratar-se de crime material, como bem lembra Bitencourt: “Como crime material, admite a tentativa, que se verifica com o início da ação constrangedora, que pode ser fracionada” (2012, p. 463).
Adverte ainda o doutrinador, em seu “Tratado de Direito Penal”, ser plenamente possível a ocorrência das hipóteses de desistência voluntária e arrependimento eficaz, respondendo o agente, nestes casos, pelos atos já executados, nos termos do art. 15, C.P.
1.1.5. Modalidades comissiva e omissiva
Por meio de mera interpretação gramatical observa-se que o tipo deixa claro versar sobre comportamento comissivo. Constranger significa agir, como habilidosamente explica Greco:
O tipo penal do art. 146 retrata um modelo comissivo de comportamento. O ato "constranger", previsto expressamente pela figura típica, tem o sentido de agir, fazer alguma coisa para impedir que a vítima faça aquilo que a lei permite, ou obrigá-la a fazer aquilo que ela não manda. (GRECO, 2015, p. 491).
O próprio autor levanta outra hipótese pertinente. Indaga o experiente jurisconsulto se seria possível o raciocínio do constrangimento ilegal mediante uma conduta omissiva por parte do agente. Nesse sentido pondera:
Acreditamos que sim, desde que o agente goze do status de garantidor. Imagine-se a hipótese daquela que, na qualidade de enfermeira, obrigue um famoso ator, que está internado na enfermaria em que ela trabalha, a dar-lhe um autógrafo com palavras amorosas, sob pena de não aplicar-lhe a medicação destinada a fazer com que seja aliviada sua dor. Com isso queremos esclarecer que somente poderá haver o constrangimento ilegal por omissão se o agente gozar do status de garantidor, ou seja, desde que se amolde a qualquer uma das alíneas previstas no § 2º do art. 13 do Código Penal (GRECO, 2015, p. 491).
1.1.6. Causas de aumento de pena e concurso de crimes
Convém relembrar ao leitor que o texto normativo do art. 146 não traz a previsão de figuras qualificadoras. Estas, como se sabe, alteram o patamar da pena base. No crime de homicídio, por exemplo, a pena base é de 6 a 20 anos. Quando o homicídio (art. 121, CP) é qualificado (por motivo fútil, traição, uso de veneno, fogo, asfixia, etc.) a pena base muda e pula para 12 a 30 anos.
Nesta esteira, válido atentar para o ensinamento de Bitencourt, para quem “não há previsão de figuras qualificadas; o que existe são figuras majoradas”. Assegura o autor, com base no §1º do art. 146, que as penas serão aplicadas em dobro e cumulativamente se houver qualquer das duas majorantes: utilização de armas ou reunirem-se mais de três pessoas para a execução do crime.
Em que pese a literalidade da norma, ainda faz-se necessária explicação pormenorizada. Cunha (2016, p. 203), por exemplo, afirma que a primeira parte do parágrafo, considerando a maior facilidade na execução do crime, majora a pena no caso de concurso de quatro pessoas, no mínimo, considerando-se, no cômputo legal, eventuais inimputáveis ou sujeitos não identificados. Ensina o autor também que:
Quanto ao emprego de arma, aumento previsto na segunda parte do dispositivo, exige-se que seja ela efetivamente usada, não bastando o porte ostensivo, em que pese corrente em sentido contrário. Aliás, a expressão "arma" gera divergência na doutrina, lecionando uns abranger apenas os instrumentos fabricados com finalidade exclusivamente bélica, isto é, arma propriamente dita (revólveres, espingardas, espadas etc.); outros, espelhando a maioria, ensinam que a expressão "arma" deve ser encarada no sentido impróprio, alcançando todos os instrumentos com potencialidade lesiva, pouco importando se fabricados ou não com finalidades bélicas (faca de cozinha, podão etc.). A revogação da Súmula 174 do STJ é sinal suficiente de que não mais se aplica a majorante no caso de uso de simulacro de arma de fogo (réplicas de brinquedo). Além das penas cominadas ao crime de constrangimento ilegal, aplicam-se as correspondentes à violência (§ 2°). Apesar de no presente caso o agente, com uma só conduta, praticar dois crimes (constrangimento ilegal e lesão corporal), prevalece o entendimento segundo o qual a redação do parágrafo em estudo não deixa dúvidas de que o concurso será material (art. 69 do CP). (CUNHA, 2016, p. 203-204),
1.1.7. Exclusão de tipicidade
Como apropriadamente lembra Cunha (2016), a doutrina diverge sobre a natureza jurídica da norma permissiva em comento. Para um grupo minoritário (do qual fazem parte Bitencourt e Damásio de Jesus) tem-se uma causa excludente de tipicidade. Já a segunda corrente doutrinária (da qual fazem parte Hungria e Mirabete), majoritária, preleciona que o §3º tem a natureza de causa especial de exclusão da ilicitude.
Considerando tratar-se tão somente de divergência doutrinária, importa atentar unicamente para o fato de que o agente, nas hipóteses elencadas pelo derradeiro parágrafo, pratica o constrangimento, sem, todavia, cometer crime.
1.2. Ameaça
A ameaça, como ensina a melhor doutrina, pode ser interpretada como ato de exprimir a intenção de causar a alguém qualquer mal injusto e grave - não necessariamente um crime (CUNHA, 2016, p. 205). Diz o texto legal:
Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.
A interpretação citada, portanto, fundamenta o cerne das discussões sobre o tema. Na opinião do próprio Cunha (embasada em decisão jurisprudencial: ver JTACrimSP 36/351), justifica-se a incriminação vez que representa um ataque à liberdade pessoal do ameaçado, perturbando a sua tranquilidade e a confiança na sua segurança jurídica, abalando, desse modo, a sua faculdade de determinar-se livremente.
Deve cuidar o acadêmico, contudo, de evitar equívocos de entendimento. A ameaça se distingue do crime visto anteriormente (constrangimento ilegal), porque neste o agente busca conduta positiva ou negativa da vítima e no delito em tela o sujeito ativo pretende tão somente atemorizar o sujeito passivo.
Feitas estas breves considerações passemos a escrutinar os elementos da norma.
1.2.1. Classificação doutrinária
A classificação doutrinária feita por Greco (2015) é importante ponto de partida para nortear os estudos sobre o crime em pauta. Neste sentido assevera, com perfeição, o nobre jurista:
Crime comum quanto a o sujeito ativo, bem como quanto ao sujeito passivo, devendo ser ressalvado, neste último caso, que a vítima deve possuir capacidade de discernimento; doloso; formal (pois a infração penal se consuma mesmo que a vítima não se sinta intimidada); de forma livre (uma vez que o tipo penal somente exemplifica alguns meios em virtude dos quais o delito poderá ser praticado); comissivo (podendo ser praticado omissivamente, desde que o agente goze do status de garantidor); instantâneo; monossubjetivo; unissubsistente ou plurissubsistente (dependendo da forma como é praticada a infração penal); transeunte ou não transeunte (dependendo do fato de a infração penal deixar ou não vestígios) (GRECO, 2015, p. 503).
Passemos, pois, a uma breve análise.
1.2.2. Bem jurídico tutelado
Como bem ensina Bitencourt (2012), “o bem jurídico protegido, a exemplo do crime de constrangimento ilegal, é a liberdade pessoal e individual de autodeterminação, isto é, a liberdade psíquica do indivíduo [...]”.
A esse respeito também aduz com propriedade Mirabete (2012, p.184) quando diz que tutela-se com o dispositivo a liberdade psíquica, íntima, a tranquilidade de espírito, o sossego da vítima.
1.2.3. Sujeito ativo e sujeito passivo
No crime em comento o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. O passivo, entretanto, será, necessariamente, pessoa com capacidade de entendimento. Sobre o segundo, adverte corretamente Cunha:
Figura como vítima apenas a pessoa física, certa e determinada, capaz, de fato, de entender o mal prometido (nesse sentido: RT446/418). Como a ameaça é apenada em função de sua potencialidade intimidativa, é condição obrigatória que o sujeito passivo apresente condições de tomar consciência do mal, excluídos, portanto, os menores, os loucos, os ébrios (a não ser que a ameaça se reflita sobre outras pessoas, capazes de adverti-los), as pessoas jurídicas (a não ser que recaia sobre os componentes) e as pessoas indeterminadas (a lei diz: ameaçar alguém) (CUNHA, 2016, p. 205).
1.2.4. Elemento subjetivo
Segundo adequado ensinamento de Capez (2012) trata-se do dolo, seja este direto ou eventual. Fundamenta-se na vontade livre e consciente de ameaçar alguém de causar-lhe mal injusto e grave. Todavia cabe ressalvar, conforme preleciona o próprio doutrinador, que “exige-se a consciência de que o mal prometido é grave e injusto”.
1.2.5. Consumação e tentativa
Destaca-se no presente que, como é fácil intuir, consuma-se a ameaça no instante em que o sujeito passivo toma conhecimento do mal prenunciado. Defende a doutrina nesse sentido que, consuma-se ainda que independentemente de sentir-se ameaçado ou não (crime formal). Preleciona Greco:
Crime formal, a ameaça se consuma ainda que, analisada concretamente, a vítima não tenha se intimidado ou mesmo ficado receosa do cumprimento da promessa do mal injusto e grave. Basta, para fins de sua caracterização, que a ameaça tenha a possibilidade de infundir temor em um homem comum e que tenha chegado ao conhecimento deste, não havendo necessidade, inclusive, da presença da vítima no momento em que as ameaças foram proferidas. (GRECO, 2015, p. 506).
O mesmo autor, ainda que admita certa divergência doutrinária, assevera ser possível a tentativa quando a ameaça é realizada, por exemplo, por escrito.
1.2.6. Pena e ação penal
Sobre este tópico cabe particular atenção. Como o preceito secundário do art. 147 comina pena de detenção de um a seis meses, ou multa, subtende-se que a competência para julgar o delito de ameaça é do Juizado Especial Criminal, considerando-se o menor potencial ofensivo preconizado pela lei.
Contudo, a ação penal, conforme comenta Bitencourt, é pública, mas somente se procede mediante representação:
A ação penal é pública condicionada à representação do ofendido. A natureza da ação penal é pública, mas a iniciativa da autoridade (Polícia, na fase investigatória, e Ministério Público, para iniciar a fase processual) depende da provocação (ou aquiescência) da vítima. O ameaçado deverá avaliar a conveniência de instaurar-se o procedimento investigatório ou não. (BITENCOURT, 2012, p.480)
1.3. Sequestro ou cárcere privado
Art. 148 - Privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado:
Pena - reclusão, de um a três anos.
§ 1º - A pena é de reclusão, de dois a cinco anos:
I - se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005).
II - se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital;
III - se a privação da liberdade dura mais de 15 (quinze) dias.
IV - se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos; (Incluído pela Lei nº 11.106, de 2005)
V - se o crime é praticado com fins libidinosos. (Incluído pela Lei nº 11.106, de 2005).
§ 2º – Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral:
Pena – reclusão, de dois a oito anos.
Por se tratar de tipo penal notório, amplamente discutido, conceituá-lo é tarefa relativamente simples. Nas palavras exatas de Gonçalves (2016) refere-se a privar alguém de sua liberdade. Essa conduta típica pode se dar por qualquer meio - violência, grave ameaça, uso de soníferos, etc.
Aduz o autor com propriedade em obra recente que “o crime pode ser cometido mediante deslocamento (detenção), levando-se a vítima até um determinado local, ou mediante retenção no próprio local onde já se encontra”, a exemplo do individuo que tranca a esposa na residência do casal.
Apropriado, entretanto, pontuar breve observação de Greco (2015). Para este, como a lei penal usa o termo sequestro e a expressão cárcere privado, à primeira vista tem-se a impressão de que se tratam de situações diferentes. No entanto, como bem informa, majoritariamente, entende-se que sequestro e cárcere privado significam a mesma coisa.
1.3.1. Classificação doutrinária
Feita a necessária consideração anterior, passemos a classificação doutrinária. Sobre esta ensina Bitencourt:
Trata-se de crime comum, que pode ser praticado por qualquer pessoa, independentemente de qualquer condição especial; material, pois produz transformação no mundo exterior, consumando-se somente com a efetiva privação de liberdade da vítima; permanente, pois a ofensa do bem jurídico — privação da liberdade — prolonga-se no tempo, e enquanto a vítima estiver privada de sua liberdade de locomoção a execução estará consumando-se; esse crime permite, em razão da sua natureza permanente, que o agente pratique o crime mesmo quando a vítima já se encontra privada de sua liberdade, desde que aquele a reduza ainda mais, como, por exemplo, alguém que já se encontra em cárcere privado e é acorrentado para impossibilitar sua fuga; comissivo ou omissivo: comissivo, quando o sujeito ativo, com a sua ação, priva a vítima de sua liberdade; omissivo quando, por exemplo, o carcereiro deixar de colocar em liberdade o condenado que já cumpriu a pena, ou deixa de restituir a liberdade ao doente mental que recuperou a saúde etc.; doloso, não havendo previsão da modalidade culposa. (BITENCOURT, 2012, p.488).
1.3.2. Bem juridicamente tutelado e objeto material
O bem protegido pelo Estado, no presente tipo penal, é a liberdade individual, em especial a de locomoção, ou seja, a liberdade preconizada pelo direito de ir, vir e ficar.
O objeto, segundo Greco, é a própria pessoa privada da liberdade, contra a qual recai a conduta do agente.
1.3.3. Sujeito ativo e sujeito passivo
Em ambos os polos, como se trata de crime comum, podem figurar qualquer pessoa, ou, em outras palavras, não se exige qualidade ou condição particular nem do sujeito ativo, tampouco do sujeito passivo.
1.3.4. Elemento subjetivo
Trata-se do dolo. Consiste na vontade consciente e livre de privar alguém de sua liberdade. Importa lembrar, conduto, a necessidade de que o agente conheça a ilegitimidade do ato. Sobre tal hipótese adverte Greco:
Não foi prevista a modalidade culposa para o crime de sequestro e cárcere privado. Portanto, aquele que, encarregado de fechar as portas do escritório, por ser o último a sair, se esquece de que, naquele dia excepcionalmente, alguém está fazendo hora extra, negligentemente, deixa de verificar se todas as pessoas já haviam saído e tranca a porta, impedindo a saída de alguém, não responde por delito algum. (GRECO, 2015, p. 522).
1.3.5. Consumação e tentativa
Trata-se de crime material. Consuma-se, portanto, com privação ou restrição da liberdade de ir, vir ou ficar (capacidade de locomoção). Como se trata de crime de natureza permanente só com a restituição da liberdade à vítima tem-se o encerramento de seus efeitos.
Outro ponto a se destacar é que, ao contrário do preconizado no crime de extorsão mediante sequestro (art. 159), o exaurimento não ocorre em momento distinto da consumação; há entre ambos uma identificação temporal, coincidindo consumação e exaurimento (Bitencourt, 2012).
No que se refere à tentativa esta é plenamente possível. Para compreender basta considerar a hipótese do marido que tranca a esposa em casa. Esta, todavia, escapa utilizando cópia da chave da qual o agente não tinha conhecimento.
1.3.6. Ação penal e formas qualificadas
Admite-se, como bem ensina Bitencourt. Trata-se de ação pública e incondicionada em qualquer de suas modalidades. Nas palavras corretas do autor “os parágrafos do artigo em análise também preveem determinadas circunstâncias que, se ocorrerem, qualificam o crime, em razão da maior lesividade da conduta tipificada, da qual poderá decorrer do maior desvalor da ação (§ 1º) ou desvalor do resultado (§ 2º)” (BITENCOURT, 2012, p.488-489).
Como bem lembra, para as hipóteses do § 1º está prevista uma pena de reclusão de dois a cinco anos, e, para as circunstâncias do § 2º, a sanção prevista é de reclusão de dois a oito anos.
1.4. Redução à condição análoga à de escravo
Também intitulado pela doutrina de “plágio”, que se entende como sujeição do individuo ao poder de outro – e, portanto, difere do crime contra a propriedade intelectual -, o tipo penal previsto no art. 149 é objeto de especial atenção.
O trabalho escravo, como se sabe, é fenômeno antigo na sociedade humana. Hodiernamente, com destaque para a experiência brasileira, é realizado em zonas rurais, mas também visto nas grandes cidades, não raro, na forma de homens, mulheres e até mesmo crianças exploradas para fins econômicos. Embora na maioria dos casos o agente não prenda literalmente a vítima, este cria condições adversas para que ela não manifeste a sua vontade.
Segundo Hungria (1979), citado por Capez (2012), o crime de redução à condição análoga à de escravo “é a completa sujeição de uma pessoa ao poder de outra. Protege a lei penal, aqui, o status libertatis, ou seja, a liberdade no conjunto de suas manifestações”.
Greco (2015, p. 535) arremeta informando que se configura o delito em estudo não somente por se trabalhar forçosamente, mas também impor a um trabalhador jornada exaustiva, isto é, aquela que culmina por esgotar completamente suas forças, minando-lhe a saúde física e mental.
1.4.1. Classificação doutrinária
Trata-se de crime comum, logo, pode ser praticado por qualquer pessoa, independentemente de qualquer condição especial. É também crime material, exigindo para ser consumado à produção do resultado pretendido pelo agente, ou seja, a submissão da vítima ao seu jugo, ou, em termos típicos, reduzindo-a efetivamente a condição semelhante à de escravo. Configura-se ainda crime comissivo, sendo impossível praticá-lo através da omissão. É permanente, pois a ofensa do bem jurídico — a condição a que a vítima é reduzida — prolonga-se no tempo, e, enquanto a vítima encontrar-se nesse estado, a execução estar-se-á consumando, sendo viável a prisão em flagrante a qualquer tempo. Por fim, trata-se de crime doloso, não havendo previsão da modalidade culposa.
1.4.2. Objeto material, bem jurídico e ação penal
Protege-se pela norma emanada do artigo em tela a liberdade da vítima. Também são tutelados pela norma, considerando-se as condições degradantes, como preleciona Greco (2015), bens como a vida, a saúde e mesmo a segurança do trabalhador. O objeto do delito é a própria pessoa. A ação penal é pública e incondicionada.
1.4.3. Sujeito ativo, sujeito passivo, consumação e tentativa
Já que se trata de crime comum, o sujeito ativo do delito pode ser qualquer pessoa, independentemente de qualidades e condições especiais. O mesmo se deve dizer quanto ao sujeito passivo. Importante, no entanto, fazer pequenas observações, com base no que preleciona Greco. Assevera o mesmo que:
Após a nova redação do art. 149 do Código Penal, levada a efeito pela Lei nº 10.803, de 11 de dezembro de 2003, foram delimitados os sujeitos ativo e passivo do delito em estudo, devendo, agora, segundo entendemos, existir entre eles relação de trabalho. Assim, sujeito ativo será o empregador que utiliza a mão de obra escrava. Sujeito passivo, a seu turno, será o empregado que se encontra numa condição análoga à de escravo. (GRECO, 2015, p. 538).
Outra observação pertinente diz respeito ao disposto no § 2° do artigo. Traz este as causas de aumento para os casos em que o crime é cometido contra criança e adolescente, ou por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
De outra monta observe-se que o delito se consuma quando “o indivíduo é reduzido à condição análoga a de escravo, por meio da prática de alguma das condutas previstas, dispensando-se, como já dito, o sofrimento da vítima” (CUNHA, 2016, p. 217). A tentativa, como assevera corretamente, é perfeitamente possível em qualquer das figuras descritas no tipo.
2. DOS CRIMES CONTRA A INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO
Apesar do título, a segunda seção, do sexto capítulo, do Código Penal, é constituída somente de um crime. Trata este, como se sabe, de direito fundamental, haja vista que a inviolabilidade domiciliar encontra-se protegida pela Constituição Federal em seu artigo quinto, inciso XI. Observe o que diz a norma constitucional:
Art. 5º, XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;
Por dedução subtende-se que, no texto do inciso em tela, procura-se proteger não a posse ou propriedade, mas a liberdade privada e doméstica da pessoa, punindo a sua ilegal perturbação. Como bem coloca Cunha (2016), “a casa é (ou deveria ser) para o homem o local certo para o encontro do sossego”. A violação do lar, portanto, configura ataque ilegítimo a essa tranquilidade.
2.1. Classificação doutrinária
Primeiro vale salientar que o crime em estudo é comum, o que, de outro modo, significa dizer que pode ser praticado por qualquer pessoa, não carecendo nenhuma condição ou qualidade especial do sujeito ativo. Também se trata de crime de mera conduta, pois a descrição típica não vislumbra qualquer resultado: não há previsão de qualquer consequência da entrada ou permanência em “casa alheia”.
Sobre outras classificações preleciona Bitencourt (2012) que é “instantâneo (1ª figura), consumando-se no momento em que o agente entra na casa alheia, esgotando-se aí a lesão jurídica; permanente (2ª figura), embora pareça redundância, não pode ser outro o sentido de ‘permanecer’”.
Importa ainda dizer que é delito de conteúdo variado, pois, mesmo que o agente “entre” e “permaneça”, não pratica dois crimes, mas apenas um; bem como é crime comissivo na modalidade entrar e omissivo na de permanecer. Por último, trata-se de ato doloso, não havendo previsão de modalidade culposa.
2.2. Bem jurídico tutelado e sujeitos do crime
Evidente pelo exposto anteriormente que a questão é, sob muitos aspectos, menos complexa do que parece. O bem protegido juridicamente nesse tipo penal, por exemplo, continua sendo a liberdade individual.
Quanto aos sujeitos, qualquer pessoa pode ser o ativo: inclusive o proprietário (locador), como bem lembra Cunha (2016) ao tratar da hipótese deste invadir a casa do inquilino (locatário) sem autorização deste (crime comum).
Já o sujeito passivo é, por certo, o morador, que, evidentemente, não precisa ser o proprietário.
2.3. Consumação e tentativa
A doutrina é pacífica ao considerar que, consuma-se o crime de invasão de domicílio, com a entrada ou permanência em casa alheia, contrariadas por quem de direito. Cabem, porém, pequenas observações. Sobre a possibilidade de tentativa Greco (2015, p.546) lembra, por exemplo, que, considerada a “possibilidade de fracionamento do iter criminis, sendo este um delito considerado plurissubsistente, é perfeitamente admissível a tentativa de violação de domicílio”.
O autor explica seu posicionamento com a figura do individuo surpreendido tentando pular o muro da residência da vítima. Se flagrado antes de consegui-lo poderá ser responsabilizado criminalmente.
2.4. Elemento subjetivo e ação penal
A respeito do primeiro, trata-se do dolo o elemento subjetivo. Como aduz Capez (2012) “o agente deve saber que age contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, bem como que se trata de casa alheia”. No que se refere à ação penal esta será pública e incondicionada.
2.5. Qualificadoras e majorantes
As formas qualificadas estão relacionadas no §1º. O parágrafo subsequente, por sua vez, prevê majorante especial, considerando-se quando o fato for cometido por funcionário público, fora dos casos legais, ou com inobservância das formalidades estabelecidas em lei, ou com abuso de poder. Essa causa de aumento de pena do § 2º não estabelece, como se sabe, novos limites mínimo e máximo, como exige o tipo derivado e, por conseguinte, não se confunde com a qualificadora.
3. EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO
O crime de extorsão mediante sequestro, previsto no art. 159 do diploma penal, talvez seja, dos delitos examinados no presente opúsculo, um dos que mais tenha contribuído em momento recente da história brasileira com a exigência popular de leis mais severas. Como rememora Greco (2015, p. 115) no terceiro volume de sua obra, os constantes casos tomaram a mídia no final do século XX, motivando até mesmo a edição de novas normas, a exemplo da regulamentação dos crimes hediondos.
Por conseguinte, com propriedade assevera o autor tratar-se de delito inserido no rol das infrações penais mais graves e que mais estragos causa à vítima e aos seus familiares. Tendo esta premissa em consideração passemos a enfrentar os elementos de tal figura jurídica.
3.1. Classificação doutrinária
Como apontamento introdutório pode-se afirmar que a extorsão mediante sequestro é crime comum e, como tal, não exige condição especial do sujeito ativo. É também formal, como bem lembra Bitencourt (2012), “uma vez que se consuma independentemente do recebimento da vantagem patrimonial pretendida (resgate), isto é, consuma-se com a ação de sequestrar a vítima”.
Trata-se ainda de crime comissivo, praticável por meio único de ação positiva. Adverte o citado jurista, contudo, que somente de forma excepcional “pode ser comissivo-omissivo, ou seja, quando o agente estiver na condição de garantidor e não impedir que o sequestro ocorra (art.13, §2º, do CP)”, (BITENCOURT, 2012).
Além disso, é delito doloso, sem previsão legal para a figura culposa. É também crime de forma livre, sendo possível a execução por qualquer meio, forma ou modo. É ainda, segundo a didática definição de Bitencourt, permanente já que “sua consumação alonga-se no tempo; unissubjetivo (pode ser praticado, em regra, por um único agente); e plurissubsistente (pode ser desdobrado em vários atos que, no entanto, integram a mesma conduta)”.
3.2. Objeto jurídico e natureza hedionda
Tutelam-se no artigo em estudo dois bens jurídicos distintos: a inviolabilidade patrimonial e a liberdade de locomoção. É possível também, em sua forma qualificada, considerar a proteção legal ao bem “integridade física”, consideradas as hipóteses de lesão corporal ou mesmo morte do sujeito passivo. Com efeito, tem-se em tela crime complexo como bem afirma Capez (2012), formado da fusão de dois delitos distintos, a saber, os crimes de sequestro ou cárcere privado e extorsão.
Sua natureza hedionda advém do art. 1º, IV, da Lei n. 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos). Esta o definiu como tal, tanto em sua figura simples quanto em suas formas qualificadas.
3.3. Sujeito ativo e sujeito passivo
Por tratar-se de crime comum tanto o sujeito ativo, quanto o sujeito passivo podem ser qualquer pessoa. Com uma ressalva, no entanto. Como prevê o § 1º, se a vítima for menor de 18 ou maior de 60 anos, o crime de extorsão mediante sequestro torna-se qualificado.
3.4. Consumação, tentativa e ação penal
O tipo penal em estudo consuma-se mesmo antes do pedido de resgate. Preleciona a melhor doutrina que a consumação ocorre no momento em que a vítima é sequestrada, isto é, quando tem suprimida sua liberdade de ir e vir. A tentativa também é plenamente possível. Neste caso, contudo, a abordagem visando sequestrar a vítima deve ter sido feita pelos agentes e estes não tenham conseguido levá-la por circunstâncias alheias à sua vontade. A ação penal é pública e incondicionada.
3.4. Qualificadoras e minorante da pena
No caso das qualificadoras consideram-se três hipóteses previstas pela norma legal, como bem ensina Cunha:
O crime de extorsão mediante sequestro é qualificado nas hipóteses em que a privação da liberdade da vítima ultrapassa o período de vinte e quatro horas; em que o sequestrado é menor de dezoito ou maior de sessenta anos; ou em que é cometido por bando ou quadrilha (hoje, associação criminosa). (CUNHA, 2016, p. 295).
Por fim há de se destacar a delação premiada, considerada causa de redução da pena. Esta, como pontua Gonçalves (2016), foi introduzida no Código Penal pela “Lei dos Crimes Hediondos” e, num segundo momento, modificada pela Lei nº 9.269/96.
[...] para ser aplicada, exige que o crime seja cometido por pelo menos duas pessoas e que qualquer delas arrependa-se e delate as demais para a autoridade, fazendo com que a vítima venha a ser libertada. Como a lei usa a palavra “concorrente”, a delação pode partir tanto de coautor quanto de partícipe do crime.
Para a obtenção do benefício, o agente deve, por iniciativa própria ou quando questionado pela autoridade, prestar informações que efetivamente facilitem a localização e a libertação do sequestrado. (GONÇALVES, 2016, p. 485).
4. DA USURPAÇÃO
Previsto em dois artigos, distribuídos pelo terceiro capítulo, do segundo título, da parte especial do Código Penal, a normatização das hipóteses de usurpação concentra delitos que, em sua maioria, objetivam proteger a propriedade imóvel. Como assevera corretamente Capez (2012), “tutela-se de forma direta a posse, e indireta, a propriedade destes bens”.
Abrange-se, nos citados, os tipos penais de alteração de limites (art. 161), usurpação de águas (art. 161, I), esbulho possessório (art. 161, II) e supressão ou alteração de marca em animais (art. 162).
Neste sentido afirma Bitencourt (2012), com notável precisão, que o legislador buscou reunir no dispositivo em pauta as poucas prescrições penais por meio das quais protege a propriedade imobiliária, “especialmente em relação aos crimes patrimoniais, que, por sua própria natureza, são menos suscetíveis de sofrer alguma lesão jurídica dessa natureza”.
4.1. Alteração de limites
4.1.1. Classificação doutrinária
Apesar de alguns pontos específicos não chegarem a ser tema pacificado pela doutrina, como o sujeito ativo, por exemplo; no que concerne a classificação doutrinária a melhor definição encontra-se no terceiro volume da obra de Bitencourt.
Aduz o nobre jurisconsulto:
Trata-se de crime próprio (porque exige condição especial do sujeito ativo); de dano (consuma-se apenas com lesão efetiva ao bem jurídico tutelado); formal, na medida em que, embora descreva um resultado, não necessita de sua produção para consumar-se; comissivo (é da essência do próprio verbo nuclear, que só pode ser praticado por meio de uma ação positiva); doloso (não há previsão legal para a figura culposa); de forma livre (pode ser praticado por qualquer meio, forma ou modo); instantâneo (a consumação opera-se de imediato, não se alongando no tempo); unissubjetivo (pode ser praticado, em regra, apenas por um agente); plurissubsistente (pode ser desdobrado em vários atos, que, no entanto, integram a mesma conduta) (BITENCOURT, 2012, p.259)
4.2. Usurpação das águas
4.2.1. Classificação doutrinária
Como aduz Greco (2015, p. 144) trata-se de crime comum com relação ao sujeito ativo e próprio no que diz respeito ao sujeito passivo. É também doloso; comissivo (podendo, contudo, ser praticado na omissão imprópria, desde que o agente goze do status de garantidor); de dano; formal (pois o tipo penal não exige que o agente tenha, efetivamente, tido algum proveito com o desvio ou represamento, bastando que pratique uma das mencionadas condutas); de forma livre; instantâneo; monossubjetivo; plurissubsistente; não transeunte.
4.3. Esbulho possessório
4.3.1. Classificação doutrinária
Última das figuras típicas previstas no art.161, trata-se, na precisa interpretação de Greco (2015, p. 148), de crime comum, com relação ao sujeito ativo; próprio no que diz respeito ao sujeito passivo; doloso; comissivo (podendo, contudo, ser praticado via omissão imprópria, desde que o agente goze do status de garantidor); de forma livre; instantâneo; formal; monossubjetivo; plurissubsistente; não transeunte.
4.4. Supressão ou alteração de marca em animais
Tutela-se aqui a posse e a propriedade dos animais semoventes, considerados coisa móvel para efeitos penais.
Como explica Cunha (2016) “em razão da pena cominada, admite-se a suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95)”.
Neste sentido também assevera Greco:
Trata-se de crime comum com relação ao sujeito ativo e próprio no que diz respeito ao sujeito passivo; doloso; comissivo (podendo ser praticado via omissão imprópria, desde que o agente goze do status de garantidor) ; de mera conduta; de forma livre; instantâneo (pois a sua consumação ocorre no exato instante em que é realizada a supressão ou alteração da marca ou sinal indicativo de propriedade em gado ou rebanho alheio) ; monossubjetivo; plurissubsistente; não transeunte. (GRECO, 2015, p. 157).
5. DO DANO
Denomina o Código Penal como crime de dano, em termos de específica tipicidade, aquele limitado à esfera patrimonial, considerando-se o fato de destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia. A previsão legal encontra-se estabelecida dos arts. 163 a 167. Esboçado este breve comentário compete-nos examinar a estrutura jurídica do citado.
5.1. Dano simples
5.1.1. Classificação Doutrinária
Como apresentado de forma magistral por Bitencourt (2012, p.305), trata-se o crime de dano de crime comum (porque não exige condição especial do sujeito ativo); material, por excelência, na medida em que produz um resultado naturalístico; doloso (não há previsão legal para a figura culposa), embora também seja ilícito, devendo buscar sua reparação na esfera civil; de forma livre (pode ser praticado por qualquer meio, forma ou modo); instantâneo (a consumação opera-se de imediato, não se alongando no tempo); unissubjetivo (pode ser praticado, em regra, apenas por um agente); plurissubsistente (pode ser desdobrado em vários atos, que, no entanto, integram a mesma conduta), isto é, seu iter criminis pode ser fracionado em vários atos, permitindo, consequentemente, a tentativa.
5.1.2. Sujeito ativo e sujeito passivo
O primeiro pode ser qualquer pessoa, exceto o dono do bem danificado. Trata-se de crime comum, como dito anteriormente. Já o segundo será, necessariamente, o proprietário do bem danificado e, eventualmente, o possuidor que sofra prejuízo econômico em consequência do dano.
5.1.3. Consumação e tentativa
No momento em que o bem é danificado no todo ou em parte. Neste sentido assevera Gonçalves (2016) que, “se o agente queria destruir um objeto alheio, mas conseguiu apenas deteriorá-lo, existe o crime consumado, porque o ato de deteriorar já é suficiente para tipificar a infração”. O autor preleciona também que a tentativa é plenamente possível. Para exemplificar cita a ideia hipotética do agente que, colocando uma bomba caseira para destruir o vaso sanitário de uma escola, esta não detona por falha na produção do explosivo.
5.1.4. Modalidade qualificada
Estão elencadas cinco qualificadoras do crime de dano nos quatro incisos do parágrafo único, do art. 163, do Código Penal. Em tais hipóteses, como informa corretamente Gonçalves (2016), a pena é de seis meses a três anos de detenção, e multa, não configurando, portanto, infração de menor potencial ofensivo.
Preleciona o mesmo que:
A competência, assim, não é do Juizado Especial Criminal, e a reparação do prejuízo não extingue a punibilidade. Considerando, porém, que a pena mínima é de seis meses, possível a suspensão condicional do processo, desde que o réu preencha os demais requisitos do art. 89 da Lei n. 9.099/95. (GONÇALVES, 2016, p.508).
As qualificadoras são por ordem: a) Violência à pessoa ou grave ameaça; b) Emprego de substância inflamável ou explosiva, se o fato não constitui crime mais grave; c) Contra o patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista; d) Por motivo egoístico ou com prejuízo considerável para a vítima.
6. DOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE INTELECTUAL
O Título III do Código Penal brasileiro prevê os chamados crimes contra a propriedade imaterial. Destes, com o advento da Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996 (que veio regular os direitos e obrigações pertinentes à propriedade industrial), restou tão somente o capítulo dedicado aos crimes contra a propriedade intelectual.
Como expresso contemporaneamente por Cunha (2016, p.406) sem inquietações de origem doutrinária, pode-se conceituá-los como “o conjunto de prerrogativas exclusivas que a lei reconhece a todo o criador sobre suas obras intelectuais de alguma valia, abrangendo faculdades tanto de ordem pessoal como de ordem patrimonial”.
6.1. Violação de Direito Autoral
6.1.1. Classificação doutrinária
Concernente ao que preleciona a melhor doutrina considera-se crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa. Não exige qualquer qualidade ou condição especial. Trata-se de crime de mera conduta, sendo desnecessária a produção de resultado. Preleciona Bitencourt (2012) tratar-se de crime instantâneo, com exceção das modalidades de “expor à venda” e “ter em depósito”, descritas no § 2º, quando adquire a natureza de permanente; unissubjetivo, podendo ser executado por uma única pessoa.
6.1.2. Objeto material e bem jurídico
O objeto material do delito em tela é a obra literária, artística ou científica. Por seu turno, o bem jurídico protegido é o direito autoral, que, na verdade, como assevera Bitencourt (2012), constitui um complexo de direitos — morais ou patrimoniais — nascidos com a criação da obra. “Em outros termos, o objeto jurídico da proteção penal é a propriedade intelectual. Os direitos autorais abrangem os direitos de autor e os direitos que lhe são conexos” (p.561).
6.1.3. Sujeito ativo e sujeito passivo
No polo ativo pode figurar como sujeito qualquer pessoa por tratar-se de crime comum. Já no passivo tem-se o sujeito na figura do autor da obra ou herdeiros, caso esta tenha sido transmitida por herança. De igual modo Tendo sido transmitida à pessoa jurídica.
6.1.4. Consumação e tentativa
No primeiro caso será no momento da efetiva violação, respeitadas as hipóteses elencadas em cada um dos três primeiros parágrafos do art. 184. Explica Bitencourt:
Consuma-se com a prática efetiva das ações incriminadas, com a publicidade de obra inédita ou reproduzida; tratando-se de pintura ou escultura, com a exposição pública; no caso de obra musical ou teatral consuma-se com a publicação, com sua execução ou representação em local onde se exija retribuição. Nas formas de exposição e depósito trata-se de crime permanente. (BITENCOURT, 2012)
Por fim, sobre a tentativa cabe dizer que é possível em todos os casos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo exposto restou claro que, não obstante existam eventuais divergências doutrinárias a respeito de um ou outro ponto sobre os tipos penais estudados, tratam-se, em boa parte, de temas já pacificados e bem estabelecidos pela doutrina, de sorte que, ao que pretende aprofundar-se, não encontrará maior dificuldade.
Sob a luz de tal perspectiva pode-se afirmar que o objetivo do presente artigo foi convidar o leitor acadêmico à reflexão sobre algumas circunstâncias previstas no diploma penal. A partir destes fragmentos acredita-se que será possível ao interessado delimitar melhor o tema de estudo.
Ademais, ao descrever de forma sucinta passagens da doutrina bem como do código vigente, tencionou-se retratar de forma fiel informações que ajudem na compreensão dos institutos aludidos.
Espera-se, como dito em momento anterior, que tal colaboração possa, eventualmente, tornar-se o ponto de partida para a disposição acadêmica de questionar com base no prelecionado.
REFERÊNCIAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa. 12 ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012.
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______________. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal.
Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848.htm>. Acesso em 07 out. 2016.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial, dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts 121 a 212). 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte especial (arts. 121 ao 361). 8 ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2016.
Gonçalves, Victor Eduardo Rios. Direito Penal Esquematizado: Parte Especial. 6 Ed. São Paulo: Saraiva, 2016
Greco, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume II, introdução à teoria geral da parte especial, crimes contra a pessoa. 11 ed. Niterói, RJ: lmpetus, 2015.
_______________. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 12 ed. Niterói, RJ: lmpetus, 2015.
HUNGRIA, Nélson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. 5 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1979. v. 5.
MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato Nascimento. Manual de Direito Penal. São Paulo: Editora Atlas, 2012.
Advogado, jornalista e pesquisador jurídico com publicações em revistas nacionais e internacionais. Graduado em Direito pela faculdade Multivix Cachoeiro Ensino, Pesquisa e Extensão Ltda., pós-graduado em Direito Processual Penal pelo Instituto Damásio de Direito da Faculdade Ibmec-SP, pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela mesma instituição e pós-graduando em Direito Penal pelo Instituto Damásio de Direito da Faculdade Ibmec-SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CACEMIRO, Wellington. Sinopses acadêmicas: apontamentos didáticos a seis pertinentes temas do direito penal brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 nov 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47815/sinopses-academicas-apontamentos-didaticos-a-seis-pertinentes-temas-do-direito-penal-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
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