Resumo: Esse ensaio trata de uma visão crítica sobre o planejamento mercantil que vem sendo praticado, principalmente, nas grandes cidades brasileiras. Os enormes conglomerados humanos estão se tornando um lugar para a reprodução das relações de exploração do trabalho, no qual a cidade é o seu terreno fértil para acentuar as disparidades socioeconômicas e a pobreza estrutural globalizada. Para tal análise o pensador não pode estar estreito somente à ciência jurídica, mas atento à transversalidade do conhecimento, pois um tema tão complexo exige a atuação de outras áreas do conhecimento como a arquitetura, a geografia, a sociologia, a economia, etc. Dessa forma, trazer luz à obviedade de que nossas cidades estão encostadas em legislações ultramodernas como o Estatuto da Cidade e o mandamento constitucional da Política Urbana, muito embora a realidade classista dos modelos sociais urbanos está disseminada pela exclusão social viabilizada pela não efetividade dessas leis.
Palavras-chave: Função social; cidade; sociedade de classes; planejamento urbano.
SUMÁRIO: I. REFLEXÕES INTRODUTÓRIAS. II. CONEXÃO ESPAÇO-TEMPO JURÍDICO. III – SOBRE A CIDADE-ESPAÇO. IV – O ESPAÇO POLÍTICO. IV.a. Democracia em ajustes. IV. b. Crescimento e ampliação da função social da cidade. IV. c. A importância do Estatuto da Cidade. V. CONCLUSÃO. VI. BIBLIOGRAFIA.
O artigo 182 caput da Constituição Federal de 1988 traz na sua parte final, pela primeira vez no ordenamento jurídico brasileiro, os signos da função social da cidade[1], "A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade (grifo nosso) e garantir o bem-estar de seus habitantes".
Para dar efetividade a essas diretrizes gerais foi elaborada, mais de doze anos após a constituinte, a lei n.º 10.257 de 2001, conhecida como Estatuto da Cidade. A execução da Política Urbana exigível da Constituição passa a ser aplicada conforme o previsto nesta lei.
Não há como criar parâmetros teóricos de um tema, a cidade em sentido amplo, bastante complexo, em que o direito é apenas uma parcela, que está sujeito a influências diretas de outras áreas do conhecimento, como política, Economia, Sociologia, Arquitetura, Geografia, Direito, etc., sem o reconhecimento de variáveis pragmáticas que interferem no estudo e diagnósticos dos problemas urbanos.
Diante dessa dificuldade e do pouco material qualificado que discute a função social da cidade no Brasil, o objetivo geral desse estudo é refletir como a realidade urbana e as transformações sociais influenciam nas elaborações legislativas e se estas correspondem às reais demandas da população urbana.
O caráter da transversalidade do conhecimento provem reflexões mais próximas à realidade ao fôlego que essa temática exige. Lúcidos de que o fio dorsal desse trabalho está pautado na interpretação dos princípios constitucionais que iluminam a forma de se aplicar o direito sob a perspectiva do pensamento acolito pela função social da cidade.
É relevante fazer essas ressalvas, pois a urbanização, pouco compreendida ainda hoje, foi o maior fenômeno global do século XX e continua em expressivo crescimento. Até o fim desta década, os países da América Latina, segundo relatórios da ONU, terão 90% da população vivendo em cidades. No Brasil, o IBGE (2010) aponta que 84% das pessoas já estão morando nas cidades.
Essas informações revelam que é um processo irreversível, acontece muito rápido e essa velocidade não é acompanhada pela compreensão jurídica que à moda de reboque mascara as grandes mazelas sociais originadas pela incapacidade do poder público gerir a crise vivenciada pelas cidades brasileiras.
Estamos tratando do mesmo espaço-tempo (uber) coabitado pela exclusão social, segregação espacial, escassez de saneamento básico, clandestinidade, déficit habitacional, condomínios luxuosos, Shopping Center, clubes de alto padrão, vilas que fecham ruas públicas, etc. Uma miscelânea de contradições que em nenhuma delas constituem uma prospecção ao cumprimento da função social da cidade.
Sem dúvidas, a função social da cidade é um direito fundamental que deve ser prestigiado como prioridade política nas decisões públicas. Isso, pois, integra o arcabouço jurídico que reconhece ao homem na sua condição humana de ser racional e, portanto, digno, art. 1º, III, CF/88.
Sem deslembrar que os direitos fundamentais, tão caros às lutas humanas por séculos, só se realizam com as práticas políticas do Estado. Por isso, como Noberto Bobbio já nos ensinou em seu livro A Era dos Direitos, que descobrir e redescobrir direitos fundamentais sem a mínima efetividade prática de suas realizações mostra-se continuar gerindo um limbo de reconhecimento vazio.
A cidade, para tanto, não pode ser por excelência (o que infelizmente o é) a reprodução da força de trabalho.
Sob a abordagem marxista do direito, as relações de troca de mercadorias dão sustentáculo à forma jurídica que é consubstanciada pelas lentes coloridas do direito, pois o discurso formalista da função social da cidade se imiscua na superestrutura jurídica para ocultar a realidade sórdida sobre como e para quem as cidades estão sendo construídas.
Levando-se em conta a divisão classista da sociedade, a classe trabalhadora convive num ambiente urbano, principalmente nas grandes cidades, de absoluta hostilidade. Direitos básicos garantidos pela Constituição, moradia, lazer, saúde, transporte, art. 6º, IV, CF, segurança e iluminação pública são renegados sob a égide de uma cópia doutrinária alemã às avessas do princípio da reserva do possível.
Nesse sentido, a função social da cidade talvez seja o vetor de rompimento com o escracho soerguido pelo direito que utiliza do Estado como forçar coercitiva para realização de projetos antidemocráticos, como, por exemplo, a leniência do poder público à especulação imobiliária que torna as melhores parcelas da cidade inacessíveis, obsta o direito à moradia e marginaliza os indesejados.
O projeto de urbanização é, nesse ótica, uma enorme peneira que filtra quem tem e quem não tem direito à cidade.
A categoria de espaço na velha geografia foi delimitada como espaço absoluto na base do pensamento de Kant e Newton.
A ideia do espaço como uma exterioridade do homem sendo impróprio para quaisquer transformações apresenta o espaço como um vazio que somente pode ser ocupável. Esse ponto de vista míope sobre o espaço precisa ser abandonada.
A moderna geografia, inaugurada no Brasil por Milton Santos[2], trouxe a noção do espaço relativo, sendo este produzido e alterado pelo homem. Mais do que um conceito teórico, é comprovado, cientificamente, pela teoria da relatividade de Albert Einsten sobre a relatividade do espaço-tempo.
Pensar em questões territoriais e suas peculiaridades que interferem na qualidade da democracia – dimensão de realidade, é estar presente nos processos sociais que surgem e ressurgem na cidade.
A produção e fabricação do espaço social reflete toda a complexidade do humano, com suas intencionalidades, culturas, interesses, etc., o que faz ser uma dimensão da construção e da dinâmica so social.
É uma forma do humano operando sobre o humano.
Para tentar ser mais claro, por exemplo, os condomínios urbanos fechados para moradia que são uma nova ordem pandêmica da cidade moderna. Eles flexionam uma ilusão de cidade, pois os planos e políticas públicas para viabilizar condomínios, na verdade, estão sabotando a cidade.
Selecionam-se relações sociais (aquelas que podem pagar o acesso desses ambientes artificiais) e ratifica o afastamento – contra a lógica de congregação e unificação da cidade – produzindo um ser urbano menos social, seja o intramuros seja o extramuro.
Há um ajustamento propositado de exclusão daqueles arranjados como indesejados, uma verdadeira confusão para saber se quem esta atrás das grades são os condôminos ou os não-selecionados.
O espaço geográfico é uma internalidade e não uma externalidade do ser humano. Ele faz parte da integração psicossocial, pois participa do processo social.
O muro do condomínio opera e participa das relações sociais como objeto orgânico – incorpora as intencionalidades humanas –, é um discurso humano e sobre o homem.
Os cacos de vidro, o arame farpado e as cercas elétricas encimam no muro um grito discursivista para o vizinho e para a cidade que o circunda. É necessário dizer e entender que o espaço é relativo na medida da vontade humana, já que as intervenções no espaço são um discurso humano.
A perspectiva lógica e relativa do espaço encontra-se na ação do humano ao espaço e não o contrário.
É o homem, por intermédio do espaço que age sobre a sociedade, e não o espaço como sujeito desse processo; o espaço é mero predicado instrumental da ação humana.
Nessa linha de pensamento, pode-se concerne que o espaço é produzido por nós, ele não existe por si só, somente podendo existir depois do homem, como ensinou Leibniz sobre a teoria do espaço relativo: produto das relações entre as coisas.
A cidade, quando se pensa na sua função social, conjuga, pela natureza intrínseca do conceito da polis, o nível mais complexo e relativo de que o espaço possa ser produto.
Se o espaço surge da ação do homem, o espaço urbano é a trama relacional das interações humanas. Sob esse ponto de vista, a extensão territorial, por exemplo, é irrelevante para o conceito de espaço.
Cada ciência estuda, de certa forma, simplificando, uma parcela da realidade. A história estuda o tempo, a economia estuda as relações sociais de produção, as disposições monetárias e as bases fiscais, a geografia estuda o espaço, a política estuda as contingências humanas e o direito as normas.
Contudo, fatores fora dessa parcela de estudo interferem direta e indiretamente em outras ciências, pois a realidade é uma só.
No caso da função social da cidade erigida pelo direito como regra constitucional, há sem dúvida, de maior complexidade nas formulações teóricas, visto ser o espaço preponderante para atingir tal predisposição vinculativa à tarefa estatal. Essa tarefa será realiza por meio de política de desenvolvimento urbano que deve ser conduzida por legislações infraconstitucionais e matizes sólidos sobre o espaço urbano.
As cidades concebidas na linha do sistema capitalista neoliberal não possuem condições de prosperarem como '"cidades". Quando se chega ao ponto de ter que constitucionalizar um instituto chamado de "função social da cidade" em uma Carta Maior de caráter socializante, muito além do aperfeiçoamento dos espaços públicos e de convivência humana, indiretamente, há uma declaração sobre o fracasso e receio ao que os grandes conglomerados humanos podem ou estão se tornando.
O surgimento da cidade está historicamente ligado à reunião de pessoas propositadas a melhorarem de vida facilitando o acesso as mais variáveis necessidades e prazeres do homem.
Ninguém muda do campo à cidade com a intenção de ser explorado e marginalizado por um sistema econômico-social que cativa a carência por bens tacanhos e oferece em contrapartida migalhas.
O Brasil tem que ser interpretado sob a dimensão do espaço (dizer como o espaço atua nas relações sociais gerando novas interpretações), pois quanto mais ingredientes do observatório, mais complexo e verdadeiro às formulações científicas.
Isso para entender que cada país relaciona o capitalismo de forma diferente, já que há componentes pré-existentes da identidade histórica de um povo.
Como falar, por exemplo, em globalização e como o direito se comporta diante dela na cidade, se o próprio direito é um sistema técnico informacional que desqualifica o homem não integrado numa cidade pulverizada pelas distâncias sociais.
Por essas ideias Habermas denomina de "Violência Informacional" e a cidade atual seja, talvez, o caldeirão mais evidente das assimetrias materiais e de informação.
No relatório da ONU, Estados das Cidades da América Latina e Caribe, mostra que um dos vilões das cidades Latino Americanas está na defasagem e ausência da legislação infraconstitucional.
Sob esse ponto de vista, a democracia, base de governabilidade constitucional, não pode ser apenas uma forma jurídica: ela tem sempre forte componente social.
A democracia que se lê na Constituição não é a mesma que acontece (ou não) nas periferias urbanas, nos bairros "nobres", nas favelas paulistas, nos mucambos nordestinos, nos condominios de praia em laranjeiras ou nas universidade públicas do Brasil.
Nesse tocante, interessante notar como, pelo menos, na Grécia antiga eles eram mais cândido que os atuais governos brasileiros.
É sabido que Aristóteles não era muito simpático à ideia de "democracia"[3]. Mesmo, passado tanto tempo, não se mudou a ideia central sobre democracia.
Em Atenas, um governo democrático, todos eram iguais e todos os votos valiam na quantidade de uma unidade. O que, necessariamente, era diferente, a qualidade de ser cidadão, pois somente o cidadão podia votar.
Este sujeito qualificado – cidadão – não podia ser mulher, escravo, estrangeiro, ter uma certa idade, renda e etc.
O que realmente mudou, para hoje, no Brasil, foi o conceito de cidadão e não de democracia.
Sob o escudo constitucional, só não é considerado cidadão aquele que não possui pleno gozo dos direitos políticos passivos e ativos: o menor de dezesseis anos, que ainda não pode votar, em regra (art. 14, I, II, c, CF/88).
No prisma da lei, todos aqueles acima dos dezesseis anos são cidadãos iguais com os mesmos direitos e deveres.
Assim, o direito é uma relação social, diferente da ideologia jurídica como primado de justiça; uma relação social determinada em dado momento histórico condicionado por cânones econômicos e sociais.
A cidade configura nesses meandros da democracia o palco de inovação das ideias urgidas pelo processo dialético emergido, naturalmente, pelos encontros, acasos e escolhas das pessoas que ali convivem. Muito embora, os espaços da esfera pública precisam ser efetivados pelo Estado para que o movimento de ideias possa transitar.
O espaço urbano, além de possuir o papel de comando técnico da produção de bens de consumo, possui papel elementar político dessa mesma produção.
A forma de fazer política guiada pela democratização da cidade é a pedra angular que executa a função social da cidade enquanto possibilidade de trazer luz ao fazer política do cidadão.
Nas palavras de Milton Santos, confirma com precisão:
"O mundo, confusamente enxergado a partir desses lugares, é visto como um parceiro inconstante. Sem dúvidas, os diversos atores têm interesses diferentes, às vezes convergentes, certamente complementares. Trata-se de uma produção local mista, matizada, contraditória de ideias. São visões do mundo, do país e do lugar elaboradas na cooperação e no conflito. Tal processo é criador de ambiguidades e de perplexidades, mas também de uma certeza dada pela emergência da cidade como um lugar político, cujo papel é duplo: ela é regulador do trabalho agrícola, sequioso de uma interpretação do movimento do mundo, e é a sede de uma sociedade local compósita e complexa, cuja diversidade constitui um permanente convite ao debate"[4].
Uma cidade que planeja seu crescimento é aquela que prevê o aumento da sua população do ponto de vista do território ligado ao ordenamento de suas atividades para atender as demandas da sociedade na forma espacial da sua ocupação.
Quando se escuta a expressão ao se deparar com uma cidade desconchavada, "isso é falta de planejamento urbano", em verdade, não é a ausência de planejamento que modula uma cidade, mas sim um determinado planejamento posto a serviço aos que dominam determinados setores estatais: os donos do capital[5].
A lei 10.257/2001 em seu artigo 2º ordena de maneira peremptória que toda a política urbana deve ter por objetivo o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana e para isso, discorre um rol que podemos considerar exemplificativo de como executar e desenvolver tais institutos.
Por isso, tamanha importância na conceituação e delimitação do que seja a função social da cidade para que os movimentos de pressão democrática possam manifestar exigências mais palpáveis com o respaldo de mandamento legal.
Um caso muito emblemático é a realidade no bairro Barra da Tijuca no Rio de Janeiro. Uma área aberta imensa que em dado momento inicial estava passível a uma ocupação democrática do solo a realizar uma cidade socialmente integrada, no entanto, optou-se por um modelo de exclusão. Antigos proprietários de grandes glebas locais rentabilizaram esses espaços criando grandes condomínios fechados.
Essa característica não deixa de ser uma estratégia de ocupação que resultou num imenso espaço da cidade entregue a um determinado segmento da sociedade, bastante elitizado.
A lógica que organiza a administração municipal deveria ser a da função social da cidade, mas a lógica que se impõe é a do mercado.
"Os capitais que ganham com a produção e exploração do espaço urbano agem em função do seu valor de troca. Para eles, a cidade é a mercadoria. É um produto resultante de determinadas relações de produção. Se lembrarmos que a terra urbana, ou um pedaço da cidade, constitui sempre uma condição monopólio – ou seja, não há um trecho ou terreno igual a outro, e sua localização não é reproduzível – estamos diante de uma mercadoria especial que tem o atributo de captar ganhos sob a forma de renda. A cidade é um grande negócio e a renda imobiliária, seu motor central"[6].
Uma das alternativas para evitar essa crescente mercantilização da cidade, a começar, por princípios trazidos pelo Movimento da Reforma Urbana[7]:
A. A democratização da gestão da cidade, construir meios de comunicação entre povo e Estado, o que a sociedade tema dizer sobre e como a cidade deve ser gerida.
B. A regulação do solo urbano, o Estado deve ter função primordial nas diretrizes que já estão coletadas no Estatuto da Cidade e ir além à reestruturação dos espaços públicos para que a cidade não seja o objeto de mercado e as pessoas penalizadas por isso.
C. Talvez o mais importante seja o cumprimento da função social da propriedade, não podendo ser uma opção, mas um dever constitucional a todos os proprietários, pois, a propriedade está inserida num espaço urbano, e a cidade é um bem coletivo que deve ser respeitado.
Nesse sentido, a conjugação desses três elementos, podemos estar primando pela função social da cidade, que justamento por ser um construto social seu conceito é composto.
Não há como apequenar a importância da função social da cidade já que estamos tangenciando um tema, que pela primeira vez na história das constituições brasileiras, há a dedicação de um capítulo (capítulo II do Título VII – Da ordem econômica e financeira) específico à política urbana.
A reunião do Plano Diretor que está na Constituição Federal, art. 182, com o Estatuto da Cidade revela uma simbiose profícua que se efetividade, estaria se contornando todas as diretrizes que instituem a função social da cidade.
As ferramentas da lei nº. 10.257/2001 estão comaltadas, resumidamente, em três vieses. A primeira é sobre a persuasão das decisões políticas para um tipo de cidade integrativa e a serviços das pessoas oferecendo acessibilidades às necessidades humanas. Um desses instrumentos, de estímulo a uma cidade ordenada, está o IPTU progressivo, art. 182, §4º, II, CF/88, a desapropriação por títulos da dívida pública, art. 182, §4º, III, CF/88, as outorgas onerosas dos direitos de construir e de uso, as operações urbanas consorciadas, o inovador estudo de impacto de vizinhança e entre outros.
A segunda ferramenta é à promoção da regularização fundiária, dessa forma, há o combate à clandestinidade do solo e, também, trazer luz ao direito sobre a cidade informal ou irregular ou ilegal que subsiste nos canteiros de exclusão e na maior parte nas periferias urbanas.
O terceiro, pode-se dizer sobre o conjunto de medidas para uma gestão mais democrática da cidade.
Desse desiderato, somente com muita vontade política será possível aplicação plena do instituto da função social da cidade, pois a regulação legislativa já está alicerçada.
A função social da cidade é um princípio constitucional que permeia vários outros institutos jurídicos e precisa ser observado como mandamento vinculativo. A legalidade desse princípio já foi conquista, está generosamente repetida na Constituição Federal de 1988, nos Planos diretores e no Estatuto da Cidade. O acordo social a respeito de como e para quem a cidade deve servi já foi firmado.
O maior imbróglio, que, por sua vez, ultrapassa a seara jurídica sem isolá-la, encontra-se na implantação de uma lei contra a realidade das disparidades das nossas cidades. Em bem da verdade o problema reside na eficácia da função social da cidade e não na sua disposição legal.
O raciocínio que deve ser feito é entender que leis que beneficiam a maioria e para a maioria são leis que articulam contra interesses dos donos do poder. No momento de democracia vulnerável que vive o Brasil, mais do que nunca, a maneira de dar efetividade à função social da cidade é pelas manifestações públicas e resistência popular. A democracia, no caso, é o canal de transmissão à eficácia de leis com caráter socializante.
Um grupo social que historicamente está acostumando a ser privilegiado pelos organismos governamentais será contumaz às medidas políticas que priorizam o bem estar geral. Isso, porque, quando se exige isonomia social a quem sempre foi privilegiado e alguns degraus tão que ceder, acaba por soar como opressão e aparente injustiça, a esses setores excepcionais.
Por fim, afinal, a cidade é para quem? Para atender a maioria das necessidades socais ou para barganhar negócios e rentabilizar o lucro imobiliário? Os terrenos e ocupações irregulares são ou não são partes da cidade? Nos lugares irregulares o serviço público não é prestado, porque para o direito esse lugar não existe. Se a maior parte de cidade está marginalizada e irregular, quais são os cidadãos que possuem direito a cidades? Ou melhor, quem pode ser cidadão sem a ilusão de óptica que o texto constitucional nos proporciona.
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[1] A constituição de 1967 com a EC/69 apenas trazia no Título III, Da Ordem Econômica e Social, a ideia de função social da propriedade: "Art. 160. A ordem econômica e social tem por fim realizar o desenvolvimento nacional e a justiça social, com base nos seguintes princípios: I - liberdade de iniciativa; II - valorização do trabalho como condição da dignidade humana; III - função social da propriedade; IV - harmonia e solidariedade entre as categorias sociais de produção; V - repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio dos mercados, a eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros; VI - expansão das oportunidades de emprego produtivo".
A sociedade brasileira demorou a entender que uma cidade é formada, segundo o sistema econômico capitalista, por um conglomerado de propriedades privadas que precisam se relacionarem entre si no sentido de viabilizarem o mínimo de convivência humana. Mais do que exigir que seja cumprido a função social da propriedade numa dimensão individual e específica, a exigência dos níveis de complexidade interrelacionais das cidades, exigem uma dimensão coletiva, sendo expressada pela função social da cidade.
[2] O maior geógrafo produzido pelo Brasil, formado em direito, nasceu em 1926 na cidade de Brotas de Macaúbas-Ba. Faleceu, aos 74 anos, em 2001 em São Paulo Capital. Infelizmente, ainda hoje, no Brasil, o personagem ficou mais conhecido que sua obra. Foi exilado por 13 anos, durante a ditadura militar, onde estudou e trabalhou na França, principalmente. Autointitulou-se como "um cigano acadêmico solitário", pelas perambulações no mundo que o destino impôs e a dificuldade da elite intelectual na época em aceitar suas ideias. Hoje, suas ideias, são um marco e um novo paradigma para a geografia no Brasil e no mundo.
[3] Sabe-se que nessa época, 384 a 322 a.c. a palavra democracia ainda não existia, portanto era usado um termo semelhante politeia ou governo de muitos. Aristóteles de Estagira era, podemos dizer, um aristocrata, acreditava que somente os melhores deveriam governar.
[4] SANTOS. Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Editora Record, 25º ed. Rio de Janeiro-RJ, 2015.
[5] As cidades estão mórbidas, porque o planejamento que foi feito deixou as coisas como estão. Não foi porque não existiu planejamento, é preciso haver um outro planejamento, o da função social da cidade.
[6] MARICATO. Erminia. Para entender a crise urbana. Ed. Expressão Popular, 1º ed. São Paulo, 2015.
[7] A Reforma Urbana é uma política de planejamento social elaborada a fim de democratizar o direito à cidade. A sua plataforma de ação se faz no sentido de readequar o espaço das cidades que não é utilizado ou que é utilizado de forma precária e, nesses locais, proporcionar a construção de moradias ou de espaços sociais públicos, que teriam a função de atender demandas como lazer, cultura, saúde, educação e outros.
Advogado, graduado pela PUC-SP, Pesquisador Universitário do CNPq, Mestrando em Direito Constitucional e Processual Tributário pela PUC-SP, militante na área de Direito Fundamentais e investigador das causas e soluções da desigualdade social no Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: STECCA, Gabriel Capristo. Um ensaio pragmático sobre a função social da cidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 dez 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47911/um-ensaio-pragmatico-sobre-a-funcao-social-da-cidade. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Luis Carlos Donizeti Esprita Junior
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