Prof.ª Me. MARIA CLARA CAMARGO (Orientadora)
RESUMO: Diante da constante prática de crimes contra a mulher, com violência doméstica e familiar, surge a necessidade da criação de uma lei que viesse a ampara-la. Com a criação da Lei 11.340/2006 ( Lei Maria da Penha), obteve-se mecanismos para impedir essa prática de forma mais ágil e eficiente. Entrementes surge a questão da aplicabilidade da pena, que segundo o art. 41 da referida Lei Maria da Penha, veda a aplicação das penas elencadas pela Lei 9.099/95, ou seja, seus institutos despenalizadores. Daí a importância de se conhecer os motivos que levaram o legislador a proibição desses institutos em casos de violência doméstica, seja qual for a pena cominada. Ao analisar os argumentos suscitados pelo Poder Judiciário brasileiro para deferir ou indeferir pedidos de aplicação de sanções pela Lei 9.099/95, nos crimes praticados contra a mulher com violência doméstica e familiar, o que acabou culminando na Súmula 536 do Superior Tribunal de Justiça, foi utilizada consulta a bibliografias do Direito Penal, Leis e súmula do STJ.
Palavras chaves: violência doméstica, Lei Maria da Penha, Lei dos Juizados Especiais Criminais, Súmula 536/STJ.
ABSTRACT: Faced with the constant practice of crimes against women, with domestic violence, there is the need to create a law to come to shelters it. With the creation of Law 11,340 / 2006 (Maria da Penha Law), was obtained mechanisms to prevent this practice more quickly and efficiently. Meanwhile the question arises of the applicability of the sentence, which according to art. 41 said Maria da Penha Law, prohibits the application of the penalties listed by Law 9.099 / 95, that is, their despenalizadores institutes. Hence the importance of knowing the reasons that led the legislature to ban these institutes in cases of domestic violence, whatever the penalty capstone. By analyzing the arguments raised by the Brazilian judiciary to approve or reject requests for sanctions by Law 9,099 / 95, in crimes against women with domestic violence, which eventually culminated in Sumula 536 of the Superior Court of Justice was used consulting bibliographies of criminal law, laws and emulates the STJ.
Key words : domestic violence, Maria da Penha Law , Law of Special Courts Criminal , Precedent 536 / STJ .
SUMÁRIO: Resumo, Abstract , Introdução , 1 Breve histórico , 2 A violência doméstica e familiar contra a mulher, 3 Juizados Especiais Criminais – JECrim, 4 Conflito entre a Lei Maria da Penha e a suspensão condicional do processo, 5 Jurisprudências e a Súmula 536/STJ, Considerações Finais, Referencia.
INTRODUÇÃO
A Lei 9.099/95, que trata da competência dos Juizados Especiais, foi criada com o propósito de dar celeridade a atuação judicial, reduzir as lides, celebrar composições amigáveis e desafogar as penitenciárias. Entretanto diante do grande número de casos de violência doméstica contra a mulher e da impunidade contra a mesma, a referida Lei se tornou inócua, pois com sua aplicação percebeu, o poder Judiciário, que estava ocorrendo uma sensação de impunidade em relação às crimes perpetrados contra a mulher.
Diante deste cenário de impunidade nos casos de violência doméstica contra a mulher, surgiu no ano de 2006 a Lei 11.340, também conhecida como Lei Maria da Penha, com o propósito de proteger as mulheres e garantir-lhes um dos direitos básicos de todo o ser humano, o da “dignidade da pessoa humana” e a integridade física e a família.
A Lei Maria da Penha veio a socorrer as mulheres, em um tempo onde a violência doméstica tornou-se um dos grandes problemas que a sociedade atual enfrenta, e que não para de crescer. Lembrando que este tipo de violência atinge todas as famílias, independentemente do nível social, econômico, cultural e religioso. Enfim afeta a todas as famílias envolvidas, neste cenário.
Ante o debate entre a inaplicabilidade da Lei 9.099/95 frente à Lei 11.340/2006, o presente projeto pretende, não de forma a exaurir todo o assunto, tratar de dois institutos despenalizadores da lei dos Juizados Especiais, o da transação e da suspensão condicional do processo, que são objeto da Súmula 536 do STJ, publicada em 15/06/2015, oriunda de reiteradas decisões de Habeas Corpus, indeferidas para conceder ao réu o benefício dos institutos citados.
A constitucionalidade de ambas as leis é indiscutível, por este motivo não se busca, neste trabalho discorrer sobre este quesito, mas sim sobre a forma de interpretação da Súmula 536 do Superior Tribunal de Justiça, que diferem-se dos julgados de primeira instância em detrimento das decisões dos tribunais superiores. Estas formas de interpretações são vistas aqui, ainda que de forma subentendida, no estudo relacionado as jurisprudências e da referida súmula.
É evidente que o assunto abordado aqui merece uma análise contínua, para se aferir os resultados das vedações, que emergem da Súmula 536 do STJ, a qual se pode se perceber, veio para afastar os institutos da transação e da suspensão do processo aos crimes de violência contra a mulher, de forma inconteste, que é o entendimento que prevalece nos tribunais superiores.
1 Breve Histórico das Leis 11.340/06 e 9.099/95
A fim de diminuir o descaso com o qual era tratada a violência doméstica contra a mulher no Brasil, em 2005, um projeto de lei que visava à proteção das mulheres no âmbito doméstico foi aprovado na Câmara dos Deputados e, em julho do ano seguinte, foi criada a Lei 11.340/2006, também conhecida como Lei Maria da Penha. Ela surgiu, em homenagem à farmacêutica bioquímica, Maria da Penha Fernandes que ficou paraplégica por causa de um tiro nas costas dado pelo próprio marido e se tornou um ícone da luta contra a violência doméstica e a impunidade dos agressores.
Segundo DONEDA (2016), Maria da Penha Fernandes, atualmente com 71 anos, fora agredida pelo marido durante seis anos. Em 1983, por duas vezes, ele tentou assassiná-la. Na primeira tentativa, com uma arma de fogo, que a deixou paraplégica e, na segunda, por eletrocussão e afogamento. Mas o pior é que ele só foi punido depois de 19 anos e cumpriu apenas dois anos de prisão em regime fechado.
Como uma forma de punir mais severamente esse tipo de crime e é uma das conquistas femininas mais importantes da atualidade. O seu principal objetivo é coibir agressões domésticas e familiares, dentre elas qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, inclusive as de dano moral ou patrimonial.
A criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Lei nº 9.099/95) ocorreu sob a inspiração da Lei no 7.244/84 que regulava os Juizados de Pequenas Causas, objetivando desafogar o contingente crescente de demandas judiciárias brasileiras, trazendo mais eficiência e eficácia à válida experiência do Juizado Informal.
A Lei 9.099/95 obedece ao comando constitucional do artigo 98, caput, I, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ao instituir a criação dos Juizados Especiais Criminais. Estabelece a referida lei, que fica a cargo da União, o Distrito Federal e os Territórios, e os Estados a criação dos juizados especiais, que serão providos por juízes de carreira e leigos, com a finalidade de conciliar, de julgar e de executar as causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo.
A Lei nº 9.099/95 é pautada, conforme artigos 2º e 62º, pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade. Com isto quis o legislador, facilitar o acesso das partes ao Poder Judiciário, bem como da sua satisfação pelas partes, pelo serviço prestado pelo referido órgão, num tempo razoável e, principalmente, sem fazer com que se torne impune os agressores.
Segundo Juíza do TJDFT, Oriana Piske (PINTO, 2008), “a Lei nº 9.099/95, passou a determinar o processamento e julgamentos dos crimes de menor potencial ofensivo (contravenções penais e crimes cujas penas privativas de liberdade, atualmente, não sejam superiores a dois anos e multa, em seu máximo)”.
O princípio da instrumentalidade das formas é contemplado aqui pelo artigo 13, da Lei no 9.099/95, tendo em conta os princípios que orientam a criação desses Juizados (art. 2º da Lei no 9.099/95). Desta forma, todos os atos processuais são válidos ainda que praticados em descompasso com a lei, contanto que preencham as finalidades para os quais foram realizados.
2 A violência doméstica e familiar contra a mulher
A lei 11.340/06, intitulada como Lei Maria da Penha, traz no seu artigo 7º e incisos, as formas de violência, que são a violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, e suas respectivas definições, praticadas contra a mulher.
Para Debert e Oliveira (2007, p.330) a vitima de sujeitos de direitos é constituída em esposa ou companheira; da mesma forma que o agressor passa a ser marido ou companheiro. Ambas apoiam a Lei Maria da Penha no sentido de que esta afasta o crimes praticados contra mulher do JEcrim, impedindo a aplicação da pena de cesta básica e passando a exigir a instauração do inquérito policial, entretanto quanto aos institutos da suspensão e o da transação, elas não se posicionaram.
Já em artigo intitulado Violência doméstica e familiar contra a mulher, Marcelo Lessa Bastos (2006, p.06) diz que:
Não se aplicam, portanto, os institutos despenalizadores da Lei 9.099/95 em caso de violência domestica e familiar contra a mulher. Deste modo, em se configurando a violência doméstica e familiar contra a mulher, qualquer que seja o crime e sua pena, não cabe transação penal nem suspensão condicional do processo nem composição civil dos danos extintiva de punibilidade.
O problema em voga é que para todos os crimes praticados, independentemente da forma de violência e da pena cominada, não se aplica a Lei 9.099/95, como reza o art. 41 da Lei Maria da Penha, o que conforme SOUZA (2007, p.162) por ser uma lei posterior a dos juizados exclui os crimes de menor potencial ofensivo, “não havendo inconstitucionalidade, já que o legislador infraconstitucional agiu dentro dos limites que o constituinte lhe reservou”. Por exemplo, o crime tipificado no artigo 147 do Código Penal “ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causa-lhe mal injusto e grave”, prevê uma pena de detenção, de um a seis meses ou multa, o que possibilitaria o instituto da transação condicional do processo previsto no art.76 da Lei 9.099/95.
3 Juizados Especiais Criminais – JECRIM
Sancionada em 26 de setembro de 1995, a Lei 9.099 criou os Juizados Especiais Criminais, com o intuito de agilizar os processos penais, cujos crimes sejam de menor potencial ofensivo e a pena máxima não ultrapasse 2 anos. A lei 9.099/95 ainda em seu art. 62 orienta-se por critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.
A Lei 9.099/95 prevê ainda a transação penal (art. 76), exigência de representação nas lesões corporais leves ou culposas e na suspensão condicional do processo (art. 89), também conhecida como sursis processual. E conforme, GOMES E BIANCHINI (2006) “além desses institutos despenalizadores, o art. 69 e seu parágrafo prevê uma medida descaracterizadora (ou seja: não cabe prisão em flagrante nos casos de infração de menor potencial ofensivo)”.
Segundo SALIBA (2006) a conciliação civil permite que o autor da agressão e a ofendida buscassem, com o auxilio de mediadores, a solução adequada para os problemas vivenciados no ambiente doméstico e familiar. A conversa entre as partes é sem duvida alguma o único e eficaz caminho para se combater a violência, não se apresentando a punição mais severa como forma de resolução de conflitos. A violência contra a mulher não é um ponto isolado na história, mas sim fruto de um processo cultural da sociedade moderna.
Porém, o legislador considera insuficientes as medidas despenalizadoras da Lei 9.099/95, ainda que com a edição da Lei 10.455/02, que acrescentou ao art.69, parágrafo único da Lei 9.099/95, a previsão de medida cautelar, de natureza penal, consistente no afastamento do agressor do lar conjugal na hipótese de violência doméstica, e ainda com a edição da Lei 10.886/04, que o inseriu, no art.129 do CP, o parágrafo 9º, aumentando a pena, em decorrência de violência doméstica, de ter meses para seis meses.
4 Conflito entre a Lei Maria da Penha e a Suspensão Condicional do Processo
Em que pese a constitucionalidade do artigo 41 da Lei 11,340/06, ao afastar a incidência da Lei 9.099/95, não se deve interpretá-la precipitadamente, mas sim de modo a contextualiza-la com tal impeditivo.
Muitos julgados fundamentam-se pela inaplicabilidade da suspensão condicional do processo, por entenderem ser este medida de caráter despenalizadora criado pela Lei 9.099/95 e que vai de frente as medidas criadas pela Lei Maria da Penha, visando a proteção do gênero feminino.
A suspensão condicional do processo, no período de 2 a 4 anos, coloca o agressor em estado de vigilância, e com a designação da audiência resolve-se o problema, por ser uma audiência rápida, e podendo também ocorrer na pauta de instrução.
Pelo entendimento de MELO (2016), pode o juiz ao estabelecer o sursis, medidas de afastamento, de frequentar curso de reeducação, de pagar uma condição pecuniária, ou outra medida. E o interessante que ao evitar a condenação, não prejudica o acusado em sua reinserção no mercado de trabalho, e se já estiver trabalhando, evita que o mesmo venha a perder seu emprego.
Importante observar que a suspensão condicional do processo, não fica restrita ao Juizado Especial, destarte que o artigo 89 prevê a pena mínima abstrata de um ano, não havendo limite para pena máxima, deixando claro que se aplica também a crimes não elencados na lei 9.099/95.
Nos casos da Lei Maria da Penha, cabem fiança e audiência de custodia, mas recusa-se a sursis. Há casos em que o acusado, recebe pena de detenção, substituída por restritiva de direitos, como tem ocorrido em diversas sentenças, conforme no seguinte caso:
APELAÇÃO CRIMINAL - ART. ARTS. 129, § 9º E 147 DO CÓDIGO PENAL C/C ART. 7º, I E II, DA LEI Nº. 11.340/06 (LEI MARIA DA PENHA)- SURSIS DA PENA - POSSIBILIDADE - REQUISITOS PREENCHIDOS - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJRR – ACr 0010.12.015673-1, Rel. Des. MAURO CAMPELLO, Câmara Única, julg.: 15/12/2015, DJe 04/02/2016, p. 30).
Deste modo, não se vislumbra quais razões podem ser alinhadas para se vedar a suspensão condicional do processo, uma vez que este visa os efeitos danosos de uma condenação criminal, dando chance para o dialogo com o acusado, o qual tem a oportunidade de colaborar com a justiça e com a vítima. Lembrando sempre, que a violência domestica não se restringe a violência entre marido e mulher, mas ocorre também entre mãe e filho, entre avós e netos, entre outras relações no seio familiar.
5 Jurisprudências e Súmula 536/STJ
Recentemente o Superior Tribunal de Justiça editou a Sumula de nº536, ao anunciar que “a suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha”.
O fundamento para a tal sumula foi baseada após o julgamento do HC n. 106.212/MS pelo Supremo Tribunal Federal, o que deu origem a uma série de precedentes, dentre eles o pedido da concessão de Habeas Corpus 42092/RJ, conforme ementa a seguir:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL (ARTIGO 129,§ 9º, DO CÓDIGO PENAL). CRIMES PRATICADOS POR PADRASTO CONTRA ENTEADA. LEI MARIA DA PENA. INCIDÊNCIA. DESNECESSIDADE DECOABITAÇÃO. EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE INTIMIDADE E AFETO ENTRE AGRESSOR E VÍTIMA. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA PARA A DESCONSTITUIÇÃO DE TAL ENTENDIMENTO. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. DESPROVIMENTO DO RECLAMO.
O HC 42092/RJ, trata de recurso ordinário em habeas corpus interposto por J.C.R. contra acórdão proferido pela 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que denegou a ordem no HC n. 0044547-72.2013.819.0000.
No caso em tela, foram unânimes os votos dos Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, Regina Helena Costa e Laurita Vaz com o do Sr. Ministro Relator, em denegar o pedido de suspensão condicional do processo, ao paciente J.C.R.
Mas importante esclarecer, que nem todas as decisões foram unanimes, nos outros precedentes, como é o caso do HC nº 191.066-MS (2010/0215021-2), onde, brilhantemente, a Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura defendeu seu posicionamento a favor da aplicação da suspensão condicional, ao paciente W.Q. C.
Em sua tese de defesa a Sra. Ministra relata que:
Não desconheço os seguinte precedentes já prolatados neste Sodalício: HABEAS CORPUS. ART. 147 DO CÓDIGO PENAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. INAPLICABILIDADE DA LEI 9.099/95. VEDAÇÃO LEGAL. ART. 41 DA LEI 11.340/06. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DENEGADA. (HC 156.924/MS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 21/09/2010, DJe 16/11/2010)
Penso, todavia, que o presente caso é uma excelente oportunidade para que esta Corte melhor reflita acerca da possibilidade de aplicação do art. 89 da Lei 9.099/95 para os casos da Lei 11.340/06, respeitado, obviamente, o patamar de pena mínima não superior a um ano. Dúvidas não há que, tanto o art. 88 quanto o art. 89 não são dispositivos ínsitos à planificação dos Juizados Especiais Criminais. Tanto assim que a base constitucional para o tratamento das infrações penais de menor potencial ofensivo encontra-se no art. 98, I, do Texto Maior, ao passo que a ideia de alguma flexibilidade no tratamento daquelas consideradas de média gravidade, repousa no universo de atuação privativa ministerial, cf. art. 129, I, da Carta Magna (neste sentido: GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Juizados especiais criminais . 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. RT, p. 260). Na mesma linha, ensina GUSTAVO BADARÓ, esclarecendo que, apesar de poder incidir o art. 89 nos feitos do Juizado, não se trata de matéria de exclusiva aplicação em tal âmbito (Direito processual penal. 2. ed. atual. Rio de Janeiro: 2009, t. II, p. 49). Assim, tendo em vista que o fim do processo penal, a inflição da reprimenda, culminou na aplicação de mera restrição de direitos (como, em regra, é o caso das persecuções por infrações penais de médio potencial ofensivo), repisa-se, não se mostra proporcional inviabilizar a incidência do art. 89, por uma interpretação ampliativa do art. 41 da Lei 11.340/06.
Ante o exposto, concedo a ordem para anular o trânsito em julgado, devendo o Tribunal a quo providenciar a abertura de vista para que o Ministério Público se manifeste sobre o art. 89 da Lei 9.099/95, afastado o óbice do art. 41 da Lei 11.340/06.
E em recentes julgados, em São Paulo e no Rio Grande do Sul, muitos juízes têm compactuado com o pensamento da Meritíssima Relatora, senão vejamos algumas decisões, como a do Juiz de Direito: Dr. Leonardo Labriola Ferreira Menino, da Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo/SP:
Vistos.
Trata-se de procedimento criminal instaurado contra o réu LEANDRO APARECIDO GARCIA, em que foi aceita a proposta de suspensão condicional do processo, pelo prazo de dois anos (art. 89, § 1º, da Lei n. 9.099/95).
O representante do Ministério Público em sua manifestação, pugnou pela extinção da punibilidade ante o cumprimento das condições impostas.
É o breve relatório.
DECIDO.
O réu cumpriu integralmente as condições estabelecidas, sem dar causa à revogação, conforme bem explicitou o representante do Ministério Público.
Ante o exposto, declaro extinta a punibilidade de Leandro Aparecido Garcia (art.89, § 5º, da Lei n. 9.099/95).
Tendo em vista não haver interesse recursal, inclusive pelo Ministério Público, o qual requereu a extinção, arquivem-se os autos com as comunicações e averbações necessárias, considerando-se o trânsito em julgado desta na data da publicação em cartório.
P.R.I.C.
Santa Cruz do Rio Pardo, 14 de maio de 2016. Processo nº: 0004634-96.2008.8.26.0539
Outra importante decisão, da Meritíssima Juíza de Direito Karen Luise Vilanova Batista de Souza Pinheiro, da cidade de Soledade/RS, no sentido de aplicar o sursis ao réu J.L.M., conforme a seguir:
(...)Ora, tanto a Lei nº 11.340/06 quanto à Lei nº 9.099/95 são constitucionais. Entretanto, o julgador tem o dever de esclarecer e determinar qual o limite da vedação contida na Lei Maria da Penha em obediência ao princípio da proporcionalidade ¿ ao invés de simplesmente adotar uma interpretação literal e automática quanto à sobredita restrição. Desse modo, é evidente que o art. 89, da Lei nº 9.099/95, que possibilita a suspensão condicional do processo, não ofende os princípios da isonomia e da proteção da família, pois estabelece uma regra processual que não fragiliza a mulher no âmbito doméstico, nem possibilita que a conduta praticada pelo acusado resulte no pagamento de cestas básicas ou em prestação de serviços à comunidade. (¿) Portanto, ao contrário do que se tem alardeado contra a aplicação da Lei nº 9.099/95, a suspensão condicional do processo é medida terminativa do processo e possui nítido cunho pedagógico e intimidador em relação ao agressor. Quando não cumpridas as condições determinadas pelo juízo após o oferecimento da proposta pelo representante do Parquet, a ação penal transcorrerá normalmente até a sentença, e não será possível outra oportunidade de concessão de sursis ao mesmo acusado. E ainda há que se considerar o fator da efemeridade da (sic) sursis processual, poque não será permitida a repetição do benefício ao infrator renitente na violência doméstica contra a mulher? uma vez utilizado o benefício, o art. 89 da Lei 9.099/95 veda àqueles que pratiquem novo delito a concessão da benesse processual. Portanto, muito embora tenha que se reconhecer como constitucional a Lei nº 11.340/06, a sua eficácia restritiva em relação à Lei nº 9.099/95 não atinge todos os benefícios instituídos nesta última norma, devendo ser excluída da vedação o seu art. 89, que possibilita a sua suspensão condicional do processo, eis que esse mecanismo processual não limita ou afasta as medidas protetivas trazidas pela lei nova. Tanto é este o sentido da referida lei, que possível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e suspensão condicional da pena, excetuada a substituição por pena pecuniária ou multa. Logo, não existe óbice à aplicação do benefício de suspensão condicional do processo, desde que preenchidos os requisitos do art. 89 da Lei 9.099/95, situação verificada nos autos. Pelo o exposto, determino a citação do réu para responder a acusação, por escrito, em dez dias, conforme preceito contido no artigo 396 do Código de Processo Penal, por intermédio de Defensor, bem como sua intimação para que compareça em cartório, no prazo de 10 (dez) dias, a fim de manifestar se aceita a oferta do benefício da suspensão condicional do processo, pelo prazo de 02 (dois) anos, mediante o cumprimento das seguintes condições: a) prestação de serviços à comunidade, pelo prazo de 03 (três) meses, à razão de 04 (quatro) horas semanais? b) informar ao juízo qualquer mudança de endereço? c) apresentar-se trimestralmente em juízo para informar e justificar suas atividades, até o dia 10 do mês a ser determinado? e, d) proibição do ofensor de manter qualquer contato com a ofendida e seus familiares, até decisão em contrário, bem como de aproximar-se, a menos de 200 metros, do local de trabalho da ofendida e seu domicílio. Dil. legais. (Processo nº 2.13.0002350-0).
Em que pese consolidação da não aplicação da suspensão condicional do processo, da Lei 9.099/95, pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, com base na literalidade do artigo 41 da Lei Maria da Penha, e com o posicionamento de alguns doutrinadores, no mesmo sentido, como explana NUCCI (2008, p.1147), da seguinte forma:
Crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher não são de menor potencial ofensivo, pouco importando o quantum da pena, motivo pelo qual não se submetem ao disposto na Lei 9.099/95, afastando, inclusive, o benefício da suspensão condicional do processo, previsto no art. 89 da referida Lei do JECRIM. Embora severa, a disposição do art. 41, em comento, é constitucional.
Não é o que se tem observado nos julgados de 1ª instância, o mesmo posicionamento, que mesmo após a edição da Súmula 536 do Superior Tribunal de Justiça, vem decidindo em sentido contrário.
Considerações Finais
Percebe-se que da criação Lei Maria da penha, em 2006, até a publicação da Súmula 536 do STJ, em 2015, se passaram quase 10 anos, isto demonstra que apesar da vedação dos institutos da Lei dos Juizados Especiais, pelo artigo 41 da Lei Maria da Penha, em especial o da suspensão condicional do processo, alguns juízes vinham concedendo tal benefício, ainda que, posteriormente, fossem vencidos pelas instâncias superiores.
Com a Súmula 536, o STJ reitera uma série de julgados que indeferem a aplicabilidade do instituto da Lei 9.099/95, qual seja da transação ou da suspensão do processo, aos crimes de menor potencial ofensivo, praticados com violência a mulher, regidos pela Lei Maria da Penha.
Entrementes ainda que seja a posição do Superior Tribunal de Justiça, de negar os institutos despenalizadores da Lei 9.099/95, é salutar lembrar que a Súmula 536, não possui efeito vinculante. Sendo assim, cabe a cada julgador explanar seu entendimento quanto a aplicabilidade dos referidos institutos, frente a Lei Maria da Penha, ainda que na fase recursal, seja reformada a sentença pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça.
Ademais, é necessário um estudo detalhado dos efeitos desta Súmula, principalmente com respeito ao problema da superlotação carcerária, ainda que o acusado fique preso temporariamente. Pois, será que tem resolvido o problema da violência doméstica contra a mulher? Ou seria apenas, mero capricho do judiciário, para ter mais processos a julgar? Isto é claro, não deixando de observar os requisitos para concessão do benefício.
Percebe-se que o poder Judiciário quer dar um basta à violência doméstica, e acredita que tais medidas, ora vedadas pela súmula 536/STJ, não estejam exercendo uma função que venha diminuir os crimes de violência contra a mulher. O que entretanto se verifica na prática, é um aumento significativo da massa carcerária, ao excluir, principalmente o instituto do artigo 89 da Lei 9.099/95.
REFERÊNCIAS
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 1147.
SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. Curitiba/PR: Editora Juruá, 2007
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DEBERT, Guita Grin; OLIVEIRA, Marcella Beraldo de. Os modelos conciliatórios de solução de conflitos e a “violência doméstica”. Cadernos pagu, v. 29, p. 305-337, 2007. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/cpa/n29/a13n29.pdf>. Acesso em: 04 abr. 2016.
DONEDA, Priscila. Lei Maria da Penha: afinal, o que mudou nesses dez anos? Disponível em: <http://mdemulher.abril.com.br/estilo-de-vida/m-trends/lei-maria-da-penha-o-que-mudou-nesses-dez-anos>. Acesso em: 07 setembro 2016
GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. Lei da violência contra a mulher:. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1192, 6 out. 2006. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/9009>. Acesso em: 2 abr. 2016.
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PINTO, Oriana Piske De Azevedo Magalhães. Abordagem Histórica E Jurídica Dos Juizados De Pequenas Causas Aos Atuais Juizados Especiais Cíveis E Criminais Brasileiros - Parte II. Disponível em: <http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/artigos/2008/abordagem-historica-e-juridica-dos-juizados-de-pequenas-causas-aos-atuais-juizados-especiais-civeis-e-criminais-brasileiros-parte-ii-juiza-oriana-piske-de-azevedo-magalhaes-pinto>. Acesso em 07 setembro 2016
SALIBA, Maurício Gonçalves; SALIBA, Marcelo Gonçalves. Violência doméstica e familiar. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1146, 21 ago. 2006. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/8824>. Acesso em: 1 maio 2016.
BRASIL. Lei 11.340, de 07 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em: 04 abril 2016.
BRASIL. Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm>. Acesso em: 04 abr. 2016.
BRASIL. Lei 10.259, de 12 de julho de 2001. Dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10259.htm>. Acesso em: 04 abrv. 2016.
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 04 abr. 2016.
Sumula 536 do Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/SCON/sumanot/toc.jsp#TIT1TEMA0>. Acesso em: 04 abr. 2016.
Academico de Direito da Faculdade de Mato Grosso do Sul/FACSUL.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, Mario Marcio Pereira. A (in) aplicabilidade da Lei 9.099/95 em face da violência doméstica contra a mulher Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 dez 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47938/a-in-aplicabilidade-da-lei-9-099-95-em-face-da-violencia-domestica-contra-a-mulher. Acesso em: 22 nov 2024.
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