RESUMO: Este trabalho acadêmico busca analisar a influência da mídia nos julgamentos do Tribunal do Júri, e se essa influência causa desigualdade entre as partes do processo, não se observando a equidade processual. Não é objetivo desse trabalho monográfico defender o infrator da lei penal, mas sim defender o direito em questão, tornando-o mais claro e justo, com a abordagem de temas desde o surgimento do Tribunal do Júri até sua evolução, analisa-se, ainda, leis relacionadas ao tema, bem como a constitucionalidade do Tribunal do Júri, demonstrando-se, através de ordem cronológica, o desenvolvimento da emissão de um juízo de valor pela mídia, tendo início com a prática de um crime de valor moral e ético pela sociedade, conhecido por clamor social, passando pela procura da sociedade por um “vilão”, até chegar à temida mídia, a qual difunde informações de forma rápida e muitas vezes sem a precisão que deveria ter, assumindo uma postura frente ao crime, emitindo um juízo de valor, quando deveria ser imparcial.
Palavras-chave:Tribunal do Júri, princípios, mídia, influência, presunção de inocência.
ABSTRACT:This academic work is to analyze the influence of media on judgments of the jury, and whether this influence causes inequality between the parties of the case, no significant procedural fairness. There is purpose of this monograph defending the violator of the criminal law, but defend the right in question, making it more clear and fair, with the approach of themes from the appearance of the jury to its evolution, analyzes, yet laws related to the theme, as well as the constitutionality of the jury, showing up through chronologically, the development of the issuance of a judgment by the media, beginning with the commission of a crime of moral value and ethical by company, known for social outcry, through society's demand for a "villain", until you reach the dreaded media, which disseminates information quickly and often without the precision that should have, assuming a posture against crime, by issuing a value judgment, when it should be impartial.
Key-Words: grand jury, principles, media, influence, presumption of innocence.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Origem e evolução do tribunal do júri. 2. A constitucionalidade do tribunal do júri. 3. Plenitude de defesa. 4. Sigilo das votações. 5. Soberania dos veredictos. 6. O tribunal do júri e a mídia. 7. Principio da presunção de inocência x Liberdade de expressão. Conclusão. Referências
INTRODUÇÃO
Ao se discutir a constitucionalidade do Tribunal do Júri em julgamento de crimes dolosos contra a vida, temos em risco a questão da validade racional e imparcial do julgamento feito por seus membros. Esse questionamento se torna mais consistente quando nos detemos em analisar a influência da mídia nos processos que integram a formação de opinião.Na verdade, um juízo de valor carrega em si toda uma carga cultural, preferências e preconceitos e corresponde, em boa medida, à maneira com que o objeto em juízo interpela as identidades do sujeito social. As mídias, como formadoras de opinião, possuem a capacidade de, através de estratégias discursivas, estabelecerem um determinado enquadramento de temas e de sujeitos. Algumas vezes existe um processo de “linchamento público” feito pela mídia, que, depois de transcorridos os trâmites do julgamento legal, se mostra injusto. Porém, em sua grande maioria, os casos são apresentados, os suspeitos julgados e condenados pela mídia que, em nome da opinião pública, exige a punição do “suspeito-culpado”. Propõe-se nesse trabalho, restará demonstrado, através de ordem cronológica, o desenvolvimento da emissão de um juízo de valor pela mídia, tendo início com a prática de um crime de valor moral e ético pela sociedade, conhecido por clamor social, passando pela procura da sociedade por um “vilão”, até chegar à temida mídia, a qual difunde informações de forma rápida e muitas vezes sem a precisão que deveria ter, assumindo uma postura frente ao crime, emitindo um juízo de valor, quando deveria ser imparcial. Desse modo, a mídia eufórica por ibope, transmite um juízo de valor que induz o telespectador, ouvinte ou pessoas que navegam pela internet, que futuramente poderão ser jurados. Vale ressaltar, que assuntos como estes que envolvem pessoas famosas ou crimes horrendos que abalam a sociedade, atraem os consumidores de mídia, lhes dando ibope, sendo que a mídia investe nesses gêneros de programas, inclusive trazendo pessoas técnicas em direito, como doutrinadores, promotores, juízes e advogados renomados para explanar sobre o assunto.
1. ORIGEM E EVOLUÇÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI
Não há um consenso ou uma corrente majoritária sobre o surgimento do tribunal do júri, há sim, inúmeras teses sobre a origem dessa instituição milenar. Esse dissenso se dá pela falta de acervos históricos seguros e específicos, aliados ao fato de o instituto estar ligado às raízes do direito e acompanhar as mais antigas aglomerações humanas. A primeira tese é a chamada cética, que defende o surgimento do tribunal do júri na época clássica da Grécia, com os diskatas e Roma antiga, com seus judicesjurati, além dos centenicomites, presentes na Germânia. Por outro lado, a tese liberal aponta a origem do júri na época mosaica, com os judeus, onde o julgamento era feito pelos pares, no Conselho dos Anciões, e em nome de Deus.Na defesa desse entendimento Nucci (2008, p. 41) explica que:
Na Palestina, havia o Tribunal dos vinte e três, nas vilas em que a população fosse superior a 120 famílias. Tais cortes conheciam e julgavam processos criminais relacionados a crimes puníveis com a pena de morte. Os membros escolhidos dentre padres, levitas e principais chefes de Israel.
A tese mais segura, é que o tribunal do júri originou-se na velha Inglaterra, no ano de 1215, quando o Concílio de Latrão extinguiu as ordálias, ou seja, juízos de Deus, onde a crença dizia que Deus não deixaria de socorrer inocente. Todavia, o DNA teocrático foi mantido no tribunal do júri, visto a composição dos membros do júri ser 12 (doze) pessoas, uma alusão aos doze Apóstolos de Cristo, além de que aquelas pessoas estariam julgando uma conduta humana, papel naquela época exclusivamente detido por Deus.O silogismo não para por aí, basta observar o próprio vernáculo “júri”, que segundo os estudiosos do direito, origina-se de “juramento”, ou seja, o jurado era uma pessoa usada por Deus e deveria ter a consciência pura.O júri com berço na Inglaterra nasceu para julgar os crimes de bruxaria e de caráter místico, esotérico, tais como qualquer heresia.Depois de surgir na Inglaterra, o júri passou pela França, espalhando-se pelo mundo. Sobre a propagação desse órgão julgador, Nucci (2008, p. 42) leciona que:
Após a Revolução Francesa, de 1789, tendo por finalidade o combate às idéias e métodos esposados pelos magistrados do regime monárquico, estabeleceu-se o Júri na França. O objetivo era substituir um Judiciário formado, predominantemente por magistrados vinculados à monarquia, por outro, constituído pelo povo, envolto pelos novos ideais republicanos.
Como bem expôs Nucci, a França importou o sistema do júri, pois os juízes franceses eram de classes altas e não tinham a confiança do povo. Razão pela qual, fez se necessário criar um poder judiciário no qual a jurisdição pudesse ser praticada pela nova classe social que chegava ao poder. No Brasil, o júri adotado tem natureza inglesa, visto nossa colonização ter sido portuguesa, os quais tinham forte laço com a Inglaterra. Vale lembrar que quando a família real veio ao Brasil, trouxe na bagagem todos seus costumes e o sistema europeu. Em relação ao nascimento do tribunal popular no Brasil, Rangel (2008, p. 488) destaca que:
Em se tratando de Júri, o nosso nasceu na Lei de 18 de Julho de 1822, antes, portanto da independência (7 de setembro de 1822) e da primeira Constituição brasileira (25 de março de 1824) e, ainda, sob o domínio português, mas sob forte influência inglesa. Entretanto, o júri era apenas para os crimes de imprensa e os jurados eram eleitos.
O tribunal do júri pátrio foi criado em 18 de junho de 1822 pelo Decreto Imperial, inicialmente chamado de “juízes de fato” ou “juízo de jurados” e era composto por 24 (vinte e quatro) juízes, os quais deveriam ser honrados, patriotas e inteligentes. Sua competência limitava-se apenas aos crimes de imprensa e da decisão cabia recurso à Clemência Real. Os tais homens bons eram escolhidos pelo Corregedor e Ouvidores do crime. Em 25 de março de 1824, com o advento da primeira Constituição nacional, chamada Constituição do Império, a competência do júri foi ampliada, julgando causas cíveis e criminais. Mais adiante, em 24 de fevereiro de 1891, foi promulgada a Constituição Republicana, a qual recepcionou o tribunal popular e manteve sua soberania. Do mesmo modo, em 1934, na “Era Vargas”, o tribunal foi mantido, em pleno estado novo. A Constituição Democrática de 1946 restabeleceu a soberania do júri, bem como o dispôs no rol dos direitos e garantias constitucionais, que foi mantida até a última Constituição. Segundo Nucci (2008, p. 43):
A Constituição de 1946 ressuscitou o Tribunal Popular no seu texto, reinserindo-o no capítulo dos Direitos e Garantias individuais como se fosse uma autêntica bandeira na luta contra o autoritarismo, embora as razões desse retorno tivessem ocorrido, segundo narra Victor Nunes Leal, por conta do poder de pressão do coronelismo, interessado em garantir a subsistência de um órgão judiciário que pudesse absolver seus capangas.
Por fim, a atual Carta Magna, promulgada em 05 de outubro de 1988, recepcionou o instituto do júri, o reconhecendo como cláusula pétrea, elencando-o em seu artigo 5º, XXXVIII:
“(...) é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (...)”.
Sobre a importância do júri, Oliveira (2009, p. 107) afirma que:
Costuma-se afirmar que o Tribunal do Júri seria uma das mais democráticas instituições do poder judiciário, sobretudo pelo fato de submeter o homem ao julgamento de seus pares e não segundo a justiça togada. É dizer: aplicar-se-ia o Direito segundo a sua compreensão popular e não segundo a teoria dos tribunais.
2. A CONSTITUCIONALIDADE DO TRIBUNAL DO JÚRI
Como visto no capítulo anterior, os princípios que regem a instituição são os seguintes: a) plenitude de defesa, b) sigilo das votações, c) soberania dos veredictos, d) competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art. 5º, XXXVIII, alíneas “a”, “b”, “c” e “d”, da Constituição Federal).Vimos, ainda, que a Constituição de 1946 com seu espírito democrático restabeleceu a soberania do júri, bem como o dispôs no rol dos direitos e garantias constitucionais, que foi mantida até a última Constituição. Pois bem. Presente no contexto dos direitos e garantias humanas fundamentais, pergunta-se qual seria a efetiva posição constitucional do Tribunal Popular. Seria um direito individual ou uma garantia individual?
Com efeito, a doutrina majoritária assevera ser o júri uma garantia, ou seja, aquela cuja finalidade é assegurar que o direito seja, com eficácia, fruído, além de que contribui decisivamente à garantia do devido processo legal, essa é a posição adotada por renomados doutrinadores, como Rui Barbosa, Pontes de Miranda, Julio Fabbrini Mirabete, dentre outros. Há teses de que o Tribunal do Júri é uma garantia à liberdade, porém, esta deve ser afastada, visto que esta garantia não é um escudo protetor ao criminoso que atenta contra a vida humana, mas sim uma garantia ao devido processo legal. Logo, se o júri condenar ou absolver está cumprindo sua função. Ressalta-se que o júri constitui uma cláusula pétrea na Constituição Federal, conforme dispõe em seu artigo 60, § 4º, IV, “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais”, limitando o poder derivado de reformar esse instituto. Logo, qualquer discussão a respeito da exclusão do tribunal popular só poderá se dar numa nova constituinte que promulgue originariamente nova constituição. Contudo, é preciso avaliar se os seus princípios-garantia, estabelecidos pela Constituição Federal, vêm sendo cumpridos efetivamente. Sobre o tema Nucci (1999, p. 79) afirma que:
De nada resolveria estipular que o Tribunal do Júri é uma garantia individual da pessoa humana, constituindo o devido processo legal para a formação da culpa dos acusados da prática de crimes dolosos contra a vida, se não forem observados, na prática, os definidos e rígidos parâmetros impostos pelo constituinte para o seu funcionamento. Não teria cabimento, v.g., um julgamento pelo júri ser revisto por instância superior, alterando-se o mérito da decisão, pois seria uma grave ofensa à soberania dos veredictos. Sendo uma garantia fundamental, também não seria aceitável a realização do julgamento com flagrante desrespeito à plenitude de defesa, privigiliando-se, sob qualquer aspecto, a acusação. De outra parte, uma votação realizada sem o devido sigilo colocaria em risco a sobrevivência da própria instituição, pois o veredicto poderia ser ilegítimo.
Neste prisma de princípios-garantia que norteiam o Tribunal do Júri há inúmeras questões polêmicas, porém, estas serão objeto de estudo do próximo subtítulo.
3. PLENITUDE DE DEFESA
Este princípio é considerado um dos mais importantes no âmbito do júri, é considerado, ainda, como uma variante do princípio da ampla defesa, previsto no artigo 5º, inciso LV, da nossa Carta Magna. Para alcançar o devido processo legal, a plenitude de defesa deve ser respeitada e sobre o tema Nucci (1999, p.138) assevera que:
No contexto do Tribunal do Júri, onde os princípios processuais da imediatidade e oralidade ganham relevo, torna-se fundamental garantir uma defesa justa e eficaz. O jurado, que é leigo, precisa ser corretamente informado das provas que estão nos autos, a fim de decidir, por íntima convicção, o destino do indivíduo que lhe é apresentado para julgamento. Daí por que a defesa técnica é expressamente assegurada no Código de Processo Penal e também na Constituição Federal, ao consagrar o direito à assistência judiciária integral e gratuita aos que demonstrarem não ter recursos suficientes (art. 5º, LXXIV) e ainda ao considerar o advogado indispensável à administração da justiça. – g.n.
Desse modo, não basta o infrator da lei penal estar representado por advogado em juízo, ele deve estar bem representado, de modo que possa se defender regularmente, conforme dispõe o artigo 261, do Código de Processo Penal: “Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor”. Mais adiante, ainda no Código de Processo Penal, em seu artigo 497, inciso V, este afirma que:
São atribuições do juiz presidente do Tribunal do Júri, além de outras expressamente referidas neste Código: nomear defensor ao acusado, quando considerá-lo indefeso, podendo, neste caso, dissolver o Conselho e designar novo dia para o julgamento, com a nomeação ou a constituição de novo defensor.
Portanto, se houver defesa insuficiente, desidiosa, incorreta tecnicamente, tendenciosa, por parte do defensor do réu, o feito pode ser anulado, bem como pode ser nomeado novo defensor, sob pena de violação do princípio da plenitude de defesa. Nesse sentido Nucci (199, p. 139) nos ensina que:
Diante do júri, essas formas de defesa (técnica e autodefesa) ganham especialíssima conotação. O defensor despreparado, sem experiência no trato com os jurados, incapaz de sustentar seus pensamentos de forma lógica e didática, inabilitado para falar em público e distanciado das peculiaridades do tribunal popular pode colocar seriamente em risco do direito de defesa do réu, que é, repita-se, fundamental.
Ademais, este princípio não pode ser confundido com o princípio da ampla defesa, pois conclui-se que o princípio da plenitude de defesa é essencial no tribunal popular e sem este não há um júri justo, tendo em vista que o veredicto não é fundamentado, é necessário que a defesa seja absoluta e completa. Assim, a ampla defesa está presente durante a instrução criminal, que antecede o júri, de modo que no júri vige além da ampla defesa, a plenitude de defesa. Levando os significados dos vocábulos ao “pé da letra”, temos que Amplo quer dizer largo, vasto, rico, muito grande, copioso, abundante, ao passo que pleno significa completo, cabal, repleto, absoluto, perfeito. O art. 5°, inciso III, da Constituição Federal, é bastante claro ao prever que ”ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. – g.n. A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José de Costa Rica) estabelece o seguinte:
Art. 8º – Garantias judiciais (…)
2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
(…) c) concessão ao acusado do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa;
d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor;
(…) f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos.
No Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos se estabelece a mesma orientação:
Art. 14 – 1. Todas as pessoas são iguais perante os Tribunais e as Cortes de Justiça. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil.
2. Toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência enquanto não for legalmente comprovada sua culpa.
3. Toda pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
(…) b) a dispor do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa e a comunicar-se com defensor de sua escolha;
c) a ser julgada sem dilações indevidas;
d) a estar presente no julgamento e a defender-se pessoalmente ou por intermédio de defensor de sua escolha;
(…) e) a interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e a obter comparecimento e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições de que dispõem as de acusação;
(…) 7. Ninguém poderá ser processado ou punido por um delito pelo qual já foi absolvido ou condenado por sentença passada em julgado, em conformidade com a lei e com os procedimentos penais de cada país.
Porém, o uso das algemas já é um assunto superado, tendo em vista a súmula n.º 11 do Supremo Tribunal Federal:
SÓ É LÍCITO O USO DE ALGEMAS EM CASOS DE RESISTÊNCIA E DE FUNDADO RECEIO DE FUGA OU DE PERIGO À INTEGRIDADE FÍSICA PRÓPRIA OU ALHEIA, POR PARTE DO PRESO OU DE TERCEIROS, JUSTIFICADA A EXCEPCIONALIDADE POR ESCRITO, SOB PENA DE RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR, CIVIL E PENAL DO AGENTE OU DA AUTORIDADE E DE NULIDADE DA PRISÃO OU DO ATO PROCESSUAL A QUE SE REFERE, SEM PREJUÍZO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO.
Por fim, outra questão polêmica e suscetível de discussão é a disposição dos lugares no Tribunal do Júri, em especial o fato do Promotor de Justiça sentar ao lado do Juiz Presidente. Sobre essa questão, o Excelentíssimo Delegado de Polícia Sr. Eduardo Cabette, em entrevista para o site Atualidades do Direito respondeu que:
A disposição física da sala de audiência pode realmente ensejar mensagens subliminares prejudiciais ao equilíbrio processual entre as partes. Não há hierarquia e nem sobreposição entre acusação e defesa. Ao reverso, existe o chamado “Princípio de Paridade de Armas”, o Princípio da Isonomia ou Igualdade que, em alguns momentos, pode até mesmo pender para o benefício defensivo em virtude do denominado “Favor Rei”. Portanto, a disposição da sala de audiências deve primar pela igualdade de posições, inclusive topográficas entre as partes.
4. SIGILO DAS VOTAÇÕES
O princípio-garantia em estudo está previsto no artigo 5º, XXXVIII, b, da Constituição Federal e determina que os jurados profiram o veredicto em votação no interior de uma sala especial, assegurando-lhes a liberdade de convicção, sendo possível, ainda, consulta ao processo e elaborar perguntas ao Juiz Presidente do Tribunal do Júri. Antes de adentrarmos nesse tema que comporta inúmeros questionamentos acerca de sua constitucionalidade, necessário se faz explanar sobre a organização e composição do Tribunal do Júri e as funções dos jurados. Pois bem. O magistrado deverá ordenar o alistamento anual de várias pessoas aptas a servir como jurados no tribunal popular, que se faz até novembro do ano anterior àquele onde se darão os julgamentos, consoante se observa no artigo 425 e seguintes, do Código de Processo Penal:
Art. 425. Anualmente, serão alistados pelo presidente do Tribunal do Júri de 800 (oitocentos) a 1.500 (um mil e quinhentos) jurados nas comarcas de mais de 1.000.000 (um milhão) de habitantes, de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) nas comarcas de mais de 100.000 (cem mil) habitantes e de 80 (oitenta) a 400 (quatrocentos) nas comarcas de menor população. (Redação dada pela Lei n.º 11.689, de 2008)
§ 1o Nas comarcas onde for necessário, poderá ser aumentado o número de jurados e, ainda, organizada lista de suplentes, depositadas as cédulas em urna especial, com as cautelas mencionadas na parte final do § 3o do art. 426 deste Código. (Incluído pela Lei n.º 11.689, de 2008)
§ 2o O juiz presidente requisitará às autoridades locais, associações de classe e de bairro, entidades associativas e culturais, instituições de ensino em geral, universidades, sindicatos, repartições públicas e outros núcleos comunitários a indicação de pessoas que reúnam as condições para exercer a função de jurado. (Incluído pela Lei n.º 11.689, de 2008)
Art. 426. A lista geral dos jurados, com indicação das respectivas profissões, será publicada pela imprensa até o dia 10 de outubro de cada ano e divulgada em editais afixados à porta do Tribunal do Júri. (Redação dada pela Lei n.º 11.689, de 2008)
§ 1o A lista poderá ser alterada, de ofício ou mediante reclamação de qualquer do povo ao juiz presidente até o dia 10 de novembro, data de sua publicação definitiva. (Incluído pela Lei n.º 11.689, de 2008)
Nesse sentido o Código de Processo Penal prevê a interposição de recurso em sentido estrito quando a decisão incluiu ou excluir um jurado da lista geral:
Art. 581 - Caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença:
XIV - que incluir jurado na lista geral ou desta o excluir;
Vale consignar que a autoridade responsável pelo alistamento dos jurados é o juiz presidente. Ao passo que a acusação e defesa faculta acompanhar o processo e se entenderem que o jurado escolhido não é uma pessoa recomendável, pode requerer sua exclusão. O primeiro ponto relevante para debate a ser levantado é se a formação do corpo de jurados do Tribunal do Júri poderia afetar o princípio constitucional da plenitude de defesa. No que tange a composição do júri, este é composto por um juiz togado, que o preside, além de 21 (vinte e um) jurados sorteados para a sessão, dos quais apenas 07 (sete) irão compor o Conselho de Sentença. Insta salientar, ainda, que para dar início aos trabalhos é necessário a presença de no mínimo 15 (quinze) jurados, dos quais, após o sorteio, apenas 07 (sete) irão compor o Conselho de Sentença. O número de jurados está definido no artigo 447, do Código de Processo Penal:
Art. 447. O Tribunal do Júri é composto por 1 (um) juiz togado, seu presidente e por 25 (vinte e cinco) jurados que serão sorteados dentre os alistados, 7 (sete) dos quais constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento. (Redação dada pela Lei n.º 11.689, de 2008)
Portanto, há um Tribunal do Júri pleno, composto por um juiz togado e 21 (vinte e um) jurados; e há um Tribunal do Júri mínimo, composto por um juiz togado e 15 (quinze) pessoas. É válido colecionar que para ser jurado é necessário apenas ter 18 (dezoito) anos e ser pessoa idônea, consoante se observa no artigo 436, do Código de Processo Penal:
Art. 436. O serviço do júri é obrigatório. O alistamento compreenderá os cidadãos maiores de 18 (dezoito) anos de notória idoneidade.
A figura do jurado é de extrema importância para o Tribunal do Júri, ele exerce um serviço público, como bem expõe o artigo 439, do Código de Processo Penal:
Art. 439. O exercício efetivo da função de jurado constituirá serviço público relevante e estabelecerá presunção de idoneidade moral. (Redação dada pela Lei n.º 12.403, de 2011).
Quanto ao requisito da idoneidade moral, este se verifica através da ausência de antecedentes criminais, no entanto, em Comarcas menores, o magistrado tem a seu favor o conhecimento de outros elementos, a exemplo da conduta social do indivíduo. A alfabetização não é requisito expresso, porém, é de suma importância.
De acordo com o artigo 338, do Código de Processo Penal, a recusa em servir o Tribunal Popular motivada por convicção religiosa, filosófica ou política, pode levar à perda dos direitos políticos. In verbis:
Art. 438. A recusa ao serviço do júri fundada em convicção religiosa, filosófica ou política importará no dever de prestar serviço alternativo, sob pena de suspensão dos direitos políticos, enquanto não prestar o serviço imposto. (Redação dada pela Lei n.º 11.689, de 2008)
No mesmo sentido a Constituição brasileira dispõe em seu artigo 5º, VIII, que:
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.
Antes da realização do sorteio dos jurados, o magistrado os advertirão dos impedimentos e das suspeições, a fim de que estes quando chamados, afirmem se há situação de incompatibilidade, conforme versa o artigo 466, do Código de Processo Penal:
Art. 466. Antes do sorteio dos membros do Conselho de Sentença, o juiz presidente esclarecerá sobre os impedimentos, a suspeição e as incompatibilidades constantes dos arts. 448 e 449 deste Código. (Redação dada pela Lei n.º 11.689, de 2008)
§ 1o O juiz presidente também advertirá os jurados de que, uma vez sorteados, não poderão comunicar-se entre si e com outrem, nem manifestar sua opinião sobre o processo, sob pena de exclusão do Conselho e multa, na forma do § 2o do art. 436 deste Código. (Redação dada pela Lei n.º 11.689, de 2008)
§ 2o A incomunicabilidade será certificada nos autos pelo oficial de justiça. (Redação dada pela Lei n.º 11.689, de 2008)
De acordo com o artigo 448, do Código de Processo Penal, são impedidos de servir no mesmo conselho:
I – marido e mulher;
II – ascendente e descendente;
III – sogro e genro ou nora;
IV – irmãos e cunhados, durante o cunhadio;
V – tio e sobrinho;
VI – padrasto, madrasta ou enteado.
§ 1o O mesmo impedimento ocorrerá em relação às pessoas que mantenham união estável reconhecida como entidade familiar.
§ 2o Aplicar-se-á aos jurados o disposto sobre os impedimentos, a suspeição e as incompatibilidades dos juízes togados.
Iniciada a instrução em plenário e após os debates entre acusação e defesa, o magistrado indagará os jurados se estão aptos a julgar ou se há alguma dúvida a ser superada, consoante o § 1º, do artigo 480: “Concluídos os debates, o presidente indagará dos jurados se estão habilitados a julgar ou se necessitam de outros esclarecimentos”. Pois bem. Chegamos ao momento polêmico do princípio em estudo. A condução das partes e jurados à chamada sala secreta ou sala especial, este instituto está previsto no artigo 485, do Código de Processo Penal apesar de alguns doutrinadores a considerar inconstitucional.
Segundo o artigo 485, do diploma legal supracitado:
Não havendo dúvida a ser esclarecida, o juiz presidente, os jurados, o Ministério Público, o assistente, o querelante, o defensor do acusado, o escrivão e o oficial de justiça dirigir-se-ão à sala especial a fim de ser procedida a votação. – g.n.
Aduz, ainda, este mesmo artigo, em seu § 1º que: “Na falta de sala especial, o juiz presidente determinará que o público se retire, permanecendo somente as pessoas mencionadas no caput deste artigo” – g.n.
A polêmica está instaurada no sigilo das votações que se opõe à publicidade, esta que está assegurada duplamente na Constituição Federal, que prevê em seu artigo 5º, inciso LX: “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”.
Com efeito, o texto constitucional continua em seu artigo 93:
Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observada os seguintes princípios: IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentados todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes – g.n.
Na mesma direção, está o artigo 6º da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem: “Toda pessoa acusada de delito tem direito a ser ouvida em forma imparcial e pública (...)”.
Já a Declaração Universal de Direitos Humanos estabelece no artigo 11:
Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa – g.n.
Da farta fundamentação jurídica, extrai-se, ainda, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a qual versa em seu artigo 8º, n.º 5: “O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar o interesse da Justiça.”
Ademais, o Código de Processo Penal dispõe no artigo 792 que:
Art. 792. As audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos e se realizarão nas sedes dos juízos e tribunais, com assistência dos escrivães, do secretário, do oficial de justiça que servir de porteiro, em dia e hora certos, ou previamente designados.
§ 1o Se da publicidade da audiência, da sessão ou do ato processual, puder resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem, o juiz, ou o tribunal, câmara, ou turma, poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou do Ministério Público, determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o número de pessoas que possam estar presentes – g.n.
Por fim, o Pacto Internacional de direitos Civis e Políticos estabelecem em seu artigo 14, nº1:
Todas as pessoas são iguais perante os Tribunais e as Cortes de Justiça. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil. A imprensa e o público poderão ser excluídos de parte ou da totalidade de um julgamento, quer por motivo de moral pública, ordem pública ou de segurança nacional em uma sociedade democrática, quer quando o interesse da vida privada das partes o exija, quer na medida em que isto seja estritamente necessário na opinião da justiça, em circunstâncias específicas, nas quais a publicidade venha a prejudicar os interesses da justiça; entretanto, qualquer sentença proferida em matéria penal ou civil deverá tomar-se pública, a menos que o interesse de menores exija procedimento oposto ou o processo diga respeito a controvérsias matrimoniais ou à tutela de menores. – g.n.
Manter-se o sigilo das votações é essencial, assegurando-se que somente as pessoas descritas no artigo 485, do Código de Processo Penal, permaneçam no interior da sala secreta, ao passo que se estiver presente pessoa estranha ou ausente alguma parte pode causar a nulidade do ato. Ademais, para reforçar o sigilo das votações, com o advento da Lei n.º 11.689/08, que passou a viger em 09 de agosto de 2008, o legislador assegurou a ratioessendi do sigilo das votações, ou seja, atingido o quarto voto no mesmo sentido encerra-se a apuração, preservando os votos dos demais jurados, consoante se observa nos §§ 1º e 2º, do artigo 483, do Código de Processo Penal:
Art. 483. Os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre: (Alterado pela L-011.689-2008)
I - a materialidade do fato; (Acrescentado pela L-011.689-2008)
II - a autoria ou participação;
III - se o acusado deve ser absolvido;
IV - se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa;
V - se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação.
§ 1º A resposta negativa, de mais de 3 (três) jurados, a qualquer dos quesitos referidos nos incisos I e II do caput deste artigo encerra a votação e implica a absolvição do acusado. (Acrescentado pela L-011.689-2008)
§ 2º Respondidos afirmativamente por mais de 3 (três) jurados os quesitos relativos aos incisos I e II do caput deste artigo será formulado quesito com a seguinte redação:O jurado absolve o acusado?
Desse modo, conclui-se que as decisões no Tribunal Popular são por maioria de votos, conforme dispõe o artigo 489, do Código de Processo Penal: “As decisões do Tribunal do Júri serão tomadas por maioria de votos”.
No tocante aos erros ou contradições contidos nos votos, o artigo 490, do Código de Processo Penal disciplina que:
Art. 490. Se a resposta a qualquer dos quesitos estiver em contradição com outra ou outras já dadas, o presidente, explicando aos jurados em que consiste a contradição, submeterá novamente à votação os quesitos a que se referirem tais respostas. (Alterado pela L-011.689-2008)
Parágrafo único. Se, pela resposta dada a um dos quesitos, o presidente verificar que ficam prejudicados os seguintes, assim o declarará, dando por finda a votação. (Acrescentado pela L-011.689-2008)
Segundo NUCCI (2008, p. 796) existem duas espécies de prejudicialidade, a absoluta e a relativa:
A primeira (absoluta) significa que, em face da resposta dada pelos jurados a um quesito ou ao final de uma série deles, fica impossível continuar a votação, dando-a o juiz por encerrada. É o caso de negativa ao primeiro quesito ( autoria e materialidade) ou quando o Conselho reconhece todos os quesitos referentes à legítima defesa. A segunda (relativa) permite a continuidade da votação. É o que ocorre se o Conselho de Sentença reconhecer o relevante valor moral e, em seguida, o juiz der por prejudicado o quesito pertinente à qualificadora da futilidade. Continuará a votação para analisar outras qualificadoras, se porventura forem objetivas e existentes, bem como irá votar os quesitos das agravantes e atenuantes.
Ainda na seara da publicidade presente no instituto do Tribunal do Júri, em entrevista dada ao site Atualidades do Direito <www.atualidadesdodireito.com.br> o Delegado de Polícia Pedro Henrique Sumariva argumentou sobre a transmissão dos julgamentos do júri e perguntada se tal transmissão é acertada ou não, ele aduziu que:
Entendo acertada a transmissão dos julgamentos pela internet. Aliás, a publicidade das audiências, princípio consagrado no Direito, deve se amoldar á realidade. Sendo assim, entendo correta a transmissão de todas as audiências em tempo real, facilitando o acompanhamento dos processos pelos profissionais da área e estudantes de modo geral.
Por sua vez, o advogado criminalista João Paulo OrsiniMartineli, indagado sobre a mesma questão respondeu:
Não acho correto transmitir o julgamento do júri. O princípio da publicidade do processo não pode ser deturpado. Dar publicidade ao processo é impedir que haja julgamentos obscuros, sem o devido processo legal e a ampla defesa e a fundamentação das decisões. O processo ser público não significa ser para o público. Processo não é entretenimento ou meio de vingança. Quem julga deve estar atento aos fatos discutidos sem a influência externa. Principalmente no Tribunal do Júri, onde não há fundamentação das decisões, o risco de um julgamento influenciado por fatores externos é muito grande. A percepção de que uma eventual absolvição poderia gerar clamor público pode levar o jurado a julgar de forma diversa à sua convicção. Além disso, a acusação já começa o julgamento em vantagem, pois, além do aparato do Estado a seu favor, a opinião pública também pode voltar-se à condenação. Se for necessário transmitir um julgamento para dar transparência aos trabalhos, o Poder Judiciário ficaria desmoralizado por falta de presunção de moralidade.
Pois bem. Sobre o tema há opiniões distintas, o que é certo, é que houve o primeiro julgamento do Tribunal do Júri transmitido em tempo real por vários meios de mídia, quais sejam, rádio, televisão e internet, referente ao julgamento de Mizael Bispo de Souza, que ocorreu no dia 11 de março de 2013, acusado de matar sua ex-namorada Mércia Nakashima. O julgamento ocorreu no Fórum de Guarulhos. É válido colecionar que o júri somente foi transmitido porque as empresas de mídias interessadas na veiculação do julgamento arcaram com as despesas inerentes da transmissão.
5. SOBERANIA DOS VEREDICTOS
Por fim, o último princípio-garantia que rege o Tribunal do Júri está previsto no artigo 5º, XXXVIII, c, da Constituição Federal, o qual se refere à inalterabilidade da decisão do júri quanto ao mérito. Pois bem. Encerrada a votação dos jurados, o juiz então proferirá a sentença, conforme dispõe o artigo 492, do Código de Processo Penal:
Art. 492. Em seguida, o presidente proferirá sentença que: (Alterado pela L-011.689-2008)
I - no caso de condenação: (Alterado pela L-011.689-2008)
a) fixará a pena-base; (Acrescentado pela L-011.689-2008)
b) considerará as circunstâncias agravantes ou atenuantes alegadas nos debates;
c) imporá os aumentos ou diminuições da pena, em atenção às causas admitidas pelo júri;
d) observará as demais disposições do art. 387 deste Código;
e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva;
f) estabelecerá os efeitos genéricos e específicos da condenação;
II - no caso de absolvição: (Alterado pela L-011.689-2008)
a) mandará colocar em liberdade o acusado se por outro motivo não estiver preso;
b) revogará as medidas restritivas provisoriamente decretadas;
c) imporá, se for o caso, a medida de segurança cabível.
Caberá ao magistrado, após observar o resultado dos votos dos jurados, fixar a sanção, observando o sistema trifásico previsto nos artigos 59 e 68, ambos do Código Penal:
Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: (Alterado pela L-007.209-1984)
I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;
obs.dji.grau.5: Impedimento - Concessão do "Sursis" - Condenação Anterior à Pena de Multa - Súmula nº 499 - STF
II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;
III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;
IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.
Art. 68 - A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do Art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento. (Alterado pela L-007.209-1984).
Exarada a sentença, esta será lida perante todos, que deverão permanecer em pé, sendo um ato solene, porém, faculta às partes permanecerem em plenário. De acordo com o artigo 493, do Código de Processo Penal: “A sentença será lida em plenário pelo presidente antes de encerrada a sessão de instrução e julgamento”. Ressalta-se que não há publicação da sentença, haja vista que ela é lida em plenário sob a atenção do público. Portanto, considera-se publicada no momento de sua leitura. Há casos que cabe apelação da sentença proferida pelo Tribunal do Júri. Senão vejamos o que diz o artigo 593, inciso III, do Código de Processo Penal:
Art. 593 - Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias:
III - das decisões do Tribunal do Júri, quando:
a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia;
b) for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados;
c) houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança;
d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos.
Tal recurso será recebido com seu efeito devolutivo, conforme dispõe a súmula n.º 713, do Supremo Tribunal Federal: “O efeito devolutivo da apelação contra decisões do Júri é adstrito aos fundamentos da sua interposição”.
Muitos argumentam que o artigo 593, transcrito acima, fere a soberania dos veredictos prevista em nossa Carta Magna, porém, este argumento não merece guarida, visto que o tal artigo foi absorvido pela Constituição de 1988. O que realmente fere este princípio é a incorreta utilização dos recursos, como forma de tumultuar o veredicto dos jurados, colocando em dúvida a credibilidade destes, além da tentativa de retardar o cumprimento da pena pelo acusado. Desse modo, há a possibilidade de rever os veredictos, visto que o ser humano não é perfeito, sendo passível de erro. Não se pode presumir a ausência de erro apenas por considerar que a decisão partiu de um órgão colegiado. Ademais, até mesmo juízes togados podem cometer erros gravíssimos em caso de condenação ou absolvição.
É válido colecionar o entendimento de NUCCI (1999, p. 87):
Não é crível que as posições devam ser extremadas nesse contexto, sendo salutar um controle judicial togado sobre as decisões e os processos da competência do júri, pois se trata de um tribunal pertencente ao Poder Judiciário. Ocorre que, à vista de muitas opiniões acerca da “soberania limitada” do júri, vale dizer, de que a instituição é soberana, mas não onipotente, tem havido a incorreta reapreciação de muitos veredictos que não comportavam nenhum tipo de alteração, nem em nível de apelação e muito menos em revisão criminal. – g.n.
Por fim, Fernando Capez (2013, p. 841) afirma que:
A soberania do Júri não limita a revisão criminal, em face do princípio da ampla defesa (Constituição Federal, artigo 5°, LV). O princípio da soberania não é absoluto, e o tribunal técnico pode até mesmo absolver um réu condenado injustamente pelos jurados, pela força do princípio da plenitude da defesa do júri (Constituição Federal, artigo 5°, XXXVIII). – g.n.
Portanto, é totalmente possível a revisão criminal no âmbito do júri, desde que fundado em novas provas e que beneficie o réu, a chamada revisão pro reo.
6. O TRIBUNAL DO JÚRI E A MÍDIA
Com bem ensina Alexandre Cebrian Araújo Reis e Victor Eduardo Rios Gonçalves em sua obra titulada como Direito Processual Penal Esquematizado, publicado pela Editora Saraiva, “a Constituição Federal reconheceu a instituição do Júri como garantia individual (art. 5º, XXXVIII, da CF), atribuindo-lhe a competência mínima para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida”. Referida lição continua para afirmar que:
O júri é órgão jurisdicional de primeiro grau na justiça comum estadual e federal, composto por cidadãos (juízes leigos) escolhidos por sorteio, que são temporariamente investidos de jurisdição, e por um juiz togado (juiz de direito). (P. 488)
A própria Constituição Federal reservou a competência do tribunal do júri à parcela mínima das infrações penais, qual seja, o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, o que por sua vez não impede o próprio legislador de dilatar o rol de ilícitos a serem julgados pelo órgão. Atualmente os crimes que fazem parte da competência do tribunal do júri são tão somente os dolosos contra a vida apartados em capítulo específico do Código Penal, sendo eles taxados como homicídio doloso, infanticídio, auxilio, induzimento ou instigação ao suicídio e o aborto. Tais crimes fazem parte do rol de abrangência do tribunal do júri quer seja em sua forma tentada, quer seja em sua forma consumada, nos termos do artigo 14, do Código Penal. Os demais crimes que não são referidos no artigo 74, §1º, do Código Penal, não fazem parte do rol de competência do tribunal do júri, mesmo havendo o resultado morte. Exemplo disso é o crime de latrocínio, nos termos da Súmula n°. 603, do Supremo Tribunal Federal, in verbis: “A competência para o processo e julgamento de latrocínio é do juiz singular e não do Tribunal do Júri”.
O clássico doutrinador José Frederico mantém postura de discordância na forma de organização do tribunal do júri, pois reclama que o juiz leigo é muito suscetível à pressões das circunstâncias e manobras secretas para proferir seu voto. Para tanto, utiliza o autor fundamentação na doutrina de G. Lattanzi, para dizer que os jurados podem servir aos desejos de outrem, atendendo a finalidades políticas. Pelo Ordenamento Jurídico em vigor todo brasileiro, homem ou mulher, está apto a servir como jurado, desde que se trate de pessoa idônea, respeitando-se o texto do artigo 436, do Código de Processo Penal, in verbis:“O serviço do júri é obrigatório. O alistamento compreenderá os cidadãos maiores de 18 (dezoito) anos de notória idoneidade”. Por mais que seja inegável e necessária a notória idoneidade do jurado quando de sua convocação para o julgamento penal, é inegável que sobre este recaia a influência midiática e política, veiculada pelos meios de comunicação que se manifestaram sobre cada caso penal posto para julgamento. É sabido por todos que há todos os instantes, informações diversas chegam ao conhecimento público, criando regras e paradigmas, formando opiniões. Na esfera da criminologia e do processo penal, os meios de comunicação fazem a cobertura de casos criminosos, denotando maior atenção aos praticados com grande violência ou os que causam grande comoção social. A humanidade nunca evoluiu tanto no ramo das comunicações como no último século, desenvolvendo-se grande quantidade de informações e formas de se comunicar. Por decorrência de tal situação, deu-se a criação dos popularescos meios de comunicação, que por sua vez pode influenciar e criar opiniões naqueles que com eles mantiverem contato, promovendo alterações das mais variadas formas. O direito penal por sua vez objetiva tutelar os bens mais preciosos da existência humana, dentre eles a liberdade, a vida, o patrimônio, dentre outros, o que causa grande interesse social, principalmente pelo caráter sancionatório deste ramo do direito. Tal interesse não é despertado em apenas uma classe social, mas sim em toda a coletividade. Por conta dessa abrangência do direito penal, os meios de comunicação, têm procurado dar maior atenção aos fatos que permeiam o campo criminal, passando estas duas áreas humanas a ter uma forte interação, que por vezes geram frutos de influência uma na outra. Por óbvio que o ponto de maior repercussão neste estudo seria o da influência pejorativa dos meios de comunicação no julgamento penal, em especial na propagação de informações nos casos de incidência dos crimes de competência do tribunal do júri, formando, assim, indiretamente, a convicção dos julgadores desses casos, quais sejam, a própria sociedade em prejuízo dos princípios basilares que devem nortear o processo penal. Cabe destaque que os componentes do tribunal do júri, são o público alvo dos meios de comunicação, sofrendo influência política e ideológica destes, dando corpo, conforme dito acima, ao explicitado pelo doutrinador Frederico Marques ao criticar a instituição do Tribunal do Júri. Em artigo publicado durante o 2º Congresso Internacional de Direito e Contemporaneidade da Universidade Federal de Santa Maria a autora Fernanda Graebin Mendonça definiu muito claramente a relação entre a mídia e o sistema penal brasileiro. Descreve a autora:
Nas últimas décadas, a ‘mídia’ – comumente chamados os meios de comunicação em massa difusores de informações – ganhou força e influência que não devem ser desconsideradas. Através da multiplicação e popularização de cada vez mais veículos midiáticos, como a internet, informações, sobre os mais diversos assuntos chegam aos indivíduos a todo minuto e de forma constante. Deste modo, a sociedade é influenciada pelo que vê e ouve através da mídia, formando, assim, a chamada ‘opinião pública’. Sobre este termo, ele pode possuir várias concepções dependendo do autor e do enfoque dado ao termo, mas, de forma mais simples e objetiva, pode-se definir a opinião pública como “o juízo coletivo adotado e exteriorizado no mesmo direcionamento por um grupo de pessoas com expressiva representatividade popular sobre algo de interesse geral” o que demonstra que os veículos midiáticos são capazes de formar e transformar a consciência coletiva.
Como narrado acima, o sistema penal nacional tem ganhado espaço privilegiado nos meios de comunicação, o que também foi alvo de comentários da operadora do direito Arianne Câmara Nery, em sua obra Considerações Sobre o Papel da Mídia no Processo Penal, em seu tema de conclusão de curso no ano de 2010, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro:
É possível destacar, em qualquer dos Órgãos da mídia, espaços dedicados à questão criminal, com nítida preferência a alguns tipos de crimes, previamente selecionados, que são reiteradamente exibidos, narrados e descritos constantemente. Neste cenário, é possível que tamanha quantidade de informações veiculadas exerça alguma forte influência no comportamento das pessoas em geral, o que é extensível aos sujeitos processuais – especialmente o juiz.
A atuação em exagero dos meios de comunicação no repasse de notícias em especial as de ordem criminal, no campo de atuação do Tribunal de Júri, por vezes vai além dos campos aceitáveis de moderação e da moral, desvirtuando-se, se tornando uma verdadeira fábrica de vítimas e réus em seus contos.
7. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA X LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Na obra de Alexandre Cebrian Araújo Reis e Victor Eduardo Rios Gonçalves, intitulada Direito Processual Penal Esquematizado, 2ª edição, publicada pela Editora Saraiva no ano de 2013, os doutrinadores discorrem que:
O Estado, ente soberano que é, tem o poder de ditar as regras de convivência e, para isso, pode aprovar normas que tenham por finalidade mater a paz e garantir a proteção aos bens jurídicos considerados relevantes: vida, incolumidade física, honra saúde pública, patrimônio, fé pública, patrimônio público, meio ambiente, direitos do consumidor, etc. Essas normas, de caráter penal, estabelecem previamente punições para os infratores. Assim, no exato instante em que ela é desrespeitada pela prática concreta do delito, surge para o Estado o direito de punir (jus puniende). Este, entretanto, não pode impor imediata e arbitrariamente uma pena, sem conferir ao acusado as devidas oportunidades de defesa. Ao contrário, é necessários que os órgãos estatais incumbidos da persecução penal obtenham provas da prática do crime e de sua autoria e que as demonstrem perante o Poder Judiciário, que, só ao final, poderá declarar o réu culpado e condená-lo a determinada espécie de penal. (p. 32).
Em virtude de tal situação, no Direito Penal e Processual Penal Brasileiro há de ser reconhecida a existência do princípio imperativo da presunção de inocência. Referido princípio é previsto na Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LVII, que estipula que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Tal previsão constitucional decorre da dignidade da pessoa humana, consagrada no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal e garante que a pessoa que figurar como acusado em processo penal deve ter suas garantias penais e processuais penais resguardadas, sob pena de incidência de arbitrariedade em seu julgamento. Referido princípio, nada mais representa do que um direito fundamental com aplicação no campo penal, indispensável à pessoa humana que figure em processo penal, assegurando-se a esta sua dignidade e um julgamento justo. Tal princípio Constitucional é princípio do Estado Democrático de Direito, impondo ao próprio Estado regramentos e limites para que ocorra a condenação penal de qualquer individuo. Neste sentido, há de se ter destaque o fato de que o Estado através dos meios legais cabíveis, deve comprovar a culpabilidade e a ocorrência do crime, garantindo-se para tanto a validade de outros dois direitos fundamentais, quais sejam, o contraditório e a ampla defesa. Não se trata de inocentar o acusado penal, mas tão somente garantir que este seja considerado culpado após uma colheita de provas justa e o transcorrer do processo penal eficaz. Trata-se, portanto, de um dos mais importantes direitos fundamentais, devendo ser entendido como uma limitação ao próprio poder estatal, em prejuízo de que verdadeiras aberrações ocorram no julgamento de inocentes ou na aplicação de sanções mais gravosas aos autores de ilícitos penais. Cabe enfatizar, que com a evolução da própria sociedade e da massificação de seus meios de comunicações, a manutenção do referido instituto se encontra abalada, senão vejamos. Estamos inseridos em um Estado Social em que a propagação de informações pelos meios de comunicações, em especial os de grande porte e de circulação nacional, modulam o censo crítico dos cidadãos. Em muitos casos, referidos meios de comunicação, têm em sua organização departamentos próprios para a cobertura de ilícitos penais em virtude da grande violência que açoita a sociedade moderna, fazendo programas específicos para tais situações e dando grande ênfase no julgamento dos casos de maior repercussão. Por vezes, os meios de comunicação acompanham as infrações penais desde a sua consumação, passando pela fase inquisitiva, colheita de provas, chegando até o julgamento. Neste caso é ditado popularesco que esclarece que “a primeira impressão é a que fica” é real, pois com a exposição mássica ao público em geral das informações iniciais colhidas no inquérito policial cria-se uma atmosfera pela condenação daquele é o investigado ou indiciado. Os Julgadores que são seres humanos, inseridos no meio social, absorvem as demandas que circulam em seu entorno, através das informações que lhe são encaminhadas, razão pela qual não se faz equivocado afirmar que essas pessoas também sofrem a influência da mídia justiceira. Plenamente possível que os Julgadores sejam influenciados pela postura midiática que é imposta a sociedade pelos meios de comunicação. Tais Julgadores, nos casos de grande repercussão, não estão livres de se dirigirem à sessão de julgamento com uma mentalidade condenatória pré-estabelecida pelos meios de comunicação, o que prejudica a aplicação das regras processuais penais de livre apreciação das provas e da aplicação do princípio acima referido a presunção de inocência. A massificação de informações pelos meios de comunicação, podem gerar uma falsa realidade tendenciosa à condenação do acusado, o que se mostra arriscado, pois como dito acima, em muitos casos a posição midiática é estabelecida com os primeiros atos do Inquérito Policial que é organizado sem a existência do contraditório ou da ampla defesa. Devemos ter em mente ainda, que todos os meios de comunicação têm por objetividade a conquista de audiência e popularidade de suas informações, uma vez que tais situações resultam em aumento de rendimentos para os que controlam tais meios. Assim, pode-se o gestor dos meios de comunicação moldar a mentalidade dos que tem acesso às suas informações, inclusive para divulgar informações incorretas que objetivem a condenação de pessoas inocentes. Em caso de repercussão recente temos o exemplo que fatalmente aconteceu na Capital deste Estado de São Paulo com a família de Dina Vieira Lopes da Silva, que foi encontrada morta no interior do apartamento em que residiam. De imediato, os meios de comunicação passaram a noticiar que tais mortes foram causadas pela pessoa de Alex GuinonesPedrazza, boliviano residente neste país, que em tese teria promovido a dispersão de veneno no alimento consumido pelo grupo familiar. Tais fatos foram noticiados como um verdadeiro absurdo perante os meios de comunicação, denotando prévia condenação moral aos atos do sujeito estrangeiro. Contudo, ocorre que com o desenrolar das investigações, chegou-se à conclusão de que não houve envenenamento praticado pelo estrangeiro, mas sim um acidente na tubulação de gás do apartamento e a consequente asfixia dos membros da família morta. Para a maior parte da população, o sujeito boliviano foi e continuará sendo o autor do homicídio daquelas pessoas, pois a mídia dispensou neste caso uma maior atenção para imputar a ele a prática delituosa do que para assumir que a investigação estava equivocada e que ela noticiou fatos inverídicos. É em tom agressivo contra o princípio da presunção de inocência que a mídia neste caso imputa ao suspeito a autoria de um delito, que tempos mais tarde, descobriu-se que sequer existiu, tendo sido declarada uma fatalidade, pois a família não havia sido envenenada, mas sim asfixiada por um vazamento de gás no apartamento em que residiam. É de causar indignação a forma de veiculação das informações referentes ao caso, dando fim antecipado e injusto a inocência de Alex GuinonesPedrazza. O boliviano em entrevista ao Jornal “O Estado de São Paulo”, publicada no sítio da rede mundial de computadores em 27 de setembro de 2013, manifestou-se em relação à tais circunstâncias da seguinte forma.:
“Está todo mundo em cima de mim. Não deu tempo de fazer nada. Fiquei escondido. Achei uma injustiça falarem que eu era o culpado. Já falavam que eu era o boliviano assassino. Falei que não era eu desde o começo. Falaram que eu estava bêbado, mas eu não conseguia nem falar. Fiquei desesperado. Mas não estava bêbado”.
Provavelmente se este homem fosse a júri, o clamor popular seria por sua condenação, apesar de estar evidenciado que não foi ele quem matou qualquer das pessoas que compunham o núcleo familiar, já que a mídia despejou sobre a sociedade informações de forma mais intensa sobre a sua “culpabilidade” do que sobre a não ocorrência de qualquer ato criminoso que o envolvesse. Diante de tal situação temos a hipótese de que as informações repassadas pela grande mídia têm o condão de estabelecer ou não a convicção dos que irão compor o corpo de sentença em julgamento popular, pois todos os que o compõe fazem parte da sociedade, como de fato devem ser nos termos legais, mas que não podem se livrar da bagagem de emoções e informações que os levaram até o julgamento. Com o acontecimento penal, os meios de comunicação, imediatamente fazem com que as informações se propaguem perante toda a sociedade. Não pode se dizer que tal situação é ilegal, porém este tipo de postura há de ser tido como imoral, uma vez que em muitos casos a intimidade e a identidade dos envolvidos não é resguardada, criando-se uma mancha, muitas vezes de sangue na história do envolvido, que dificilmente pode ser removida, como no caso exemplificado acima. Como dito, a divulgação de informações não é ilegal, mas sim imoral e sensacionalista, estabelecendo-se um embate ético entre regras constitucionais, quais sejam a liberdade de expressão e os direitos fundamentais da presunção de inocência, garantia da ampla defesa e contraditório e a própria intimidade dos envolvidos. Os meios de comunicação amparados em sua liberdade de expressar, divulgam todas as informações sobre casos criminais, sobre o prisma de que devem informar a sociedade sobre os acontecimentos que a permeiam. De fato a sociedade tem o direito de ser informada e os meios de comunicação devem cumprir com seu papel de informantes, porém devem ter como regra básica a garantia de que em o fazendo, resguardarão a inocência do acusado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Com bem ensina Dalmo de Abreu Dallari (2006, p. A9):
A imprensa deve ter o direito de ser livre, a fim de que possa manter o povo informado de todos os fatos de alguma relevância para as pessoas e a humanidade, que ocorrerem em qualquer parte do mundo. (...) Como é evidente, esse direito e essa garantia não são um favor ou privilégio aos proprietários dos veículos de comunicação de massa, mas têm sua justificativa precisamente no caráter de serviço público relevante, da imprensa. Mas dos mesmos fundamentos que justificam o direito e a garantia de liberdade decorre o dever de informar honestamente, com imparcialidade, sem distorções e também sem omissões maliciosas, sem a ocultação deliberada de informações que possam influir sobre a formação de opinião pública. Assim, a liberdade de imprensa enquadra-se na categoria de direito/dever, semelhante a outros de relevante interesse social, como o sufrágio.
O dever citado acima é de difícil reconhecimento em terras tupiniquins, posto que inexiste sua aplicabilidade de fato pelos meios de comunicação. Os meios de comunicação se resguardam em seu direito de trazer a informação a público e trazem provas e indícios que por vezes são obtidos por meios ilícitos, como no caso de escutas telefônicas ilegais que deveriam ser restringidas ao próprio Poder Judiciário. O tempo de se fazer justiça não deve ser entendido como impunidade, mas sim como garantia constitucional de resguardo de um devido processo legal e de considerar o agente culpado somente após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. A interferência dos meios de comunicação em casos criminais pode gerar prejuízos inimagináveis ao julgamento e embora existam institutos dentro do processo penal como o do desaforamento, raro seria encontrar um local isento de contato com as informações para o julgamento de um acontecimento criminal de repercussão de grande abrangência em decorrência da veiculação de informações pelos grandes meios de comunicação. Também há se destacar que os próprios julgadores (e no caso do Tribunal do Júri, devemos lembrar que os julgadores fazem parte de uma classe sem formação jurídica, sendo leigos em tal matéria), não estão isentos de contato com eventuais provas produzidas fora dos autos ou eventuais excessos dos meios de comunicação. Ao manifestar-se em sua obra magistral o Professor Luis Flavio Gomes na companhia da Nobre Advogada Débora de Souza Almeida, na obra Populismo Midiático, manifestaram nos seguintes termos:
Nas literaturas criminológicas e processual penal, muito se discute sobre o potencial de impacto da mídia sobre os magistrados. Estes, como seres humanos, insertos no meio social, absorvem as demandas do seu entorno, razão pela qual não seria equivocado dizer que sofrem influência dos massmidea. Como bem ensina Karam, os julgadores “não se distinguem dos demais habitantes do mundo pós-moderno. Acostumados a apreender o real através da intermediação midiática”.
Nestes termos, valores, indiossincrasias e prejuízos exalados pelo material midiático podem restar introjetados pelo homem-juiz, interferindo, de alguma forma, em sua atividade jurisdicional. A teoria de Sack, pertencente à Criminologia Interacionista alemã, mas aproximando-se da Criminologia Radical ou Crítica, já sustentava que as metarregras, “[...] mecanismos psíquicos de natureza emocional [...] constituídos de estereótipos, preconceitos, indiossincrasias e outras deformações ideológicas [...]” são seguidas inconscientemente ou conscientemente pelo julgador, indicando que a tarefa de julgar não se cinge “às regras ou aos princípios metodológicos conscientemente aplicados pelo intérprete.
Por fim, cabe destacar que eventual pressão midiática sobre os agentes da cultura penal, em especial sobre os julgadores, mediante a indevida irrestritividade de informações, pode ocasionar em quebra de garantias constitucionais que se fazem indispensáveis á verdade real e a um julgamento justo, seja o réu quem for.
CONCLUSÃO
O Tribunal do Júri nasceu na velha Inglaterra no ano de 1215, sendo que lhe incumbia o julgamento de crimes de bruxaria e de caráter místico, trazendo em seu DNAa religião, ou seja, um caráter teocrático. A começar pelo número de membros que compunham o tribunal daquela época, qual seja, 12 (doze), em referência aos doze apóstolos de Cristo. A instituição do júri se propagou pela Europa e pelo mundo após ganhar força na França, onde substituiu o Poder Judiciário submisso à monarquia por pessoas do povo, daí o conceito democrático do júri. No Brasil, o júri chegou com os portugueses, que tinham forte laço com os ingleses. O ano era o de 1822, antes da independência e da primeira Constituição, sendo que cabia ao júri julgar crimes de imprensa, composto por 24 (vinte e quatro) homens, que deveriam ser inteligentes, honrados e acima de tudo patriotas. O corpo de jurados era eleito pelo Corregedor e Ouvidores do Crime. Contudo, com o advento da primeira Constituição brasileira em 1824, o júri teve sua competência ampliada, passando a julgar causas cíveis e criminais.Durante o decurso do tempo, o júri evoluiu e ganhou importância ainda maior em 1946, quando aquela Constituição o dispôs no rol dos direitos e garantias individuais, mantida até nos dias atuais na nossa Carta Magna de 1988. Entretanto vimos durante esse estudo, que o Tribunal do Júri é uma garantia individual, garantindo a eficácia do direito, além de contribuir para o cumprimento do devido processo legal. Consigna-se que o Tribunal do Júri, por estar inserido nos direitos e garantias constitucionais, é uma cláusula pétrea, ou seja, não é passível de emenda ou de abolição, somente na hipótese de uma nova constituição isso seria possível.Ademais, o tribunal popular é regido por três princípios: a plenitude de direito, o sigilo das votações e a soberania dos veredictos, os quais devidamente respeitados contribuem para o devido processo legal, consequentemente para um julgamento justo. Tais princípios foram vistos numa visão crítica, adentrando em questões polêmicas, sempre em prol do direito e nunca visando acoitar o infrator da lei penal. Observadas face à Constituição Federal e demais normas supralegais. Pois bem. Após analisar o Tribunal do Júri desde seu nascimento, passando pela sua evolução e inserção neste país, estudando de maneira crítica os princípios que o rege, chegamos ao ponto central do presente estudo, qual seja, a possibilidade da mídia influenciar o julgamento do Tribunal Popular. Com efeito, é inegável que sobre o jurado recaia a influência midiática e política,veiculada pelos meios de comunicação que se manifestaram sobre cada caso penal posto para julgamento. É notório que a mídia é formadora de opinião, sendo que a ânsia por ibope faz com que ela despeje através do rádio, televisão, jornais e internet, informações imprecisas aliado à busca de um vilão pela sociedade e ao clamor social, pode resultar em uma grave injustiça. É notório, também, que com o avanço tecnológico a população tem informações transmitidas pelos mais variados meios de comunicação em frações de segundos, resultado da globalização. Pois bem. Frente às notícias de aumento alarmante da criminalidade a população fica temerosa e é nesse momento que nasce um sentimento de impunidade, que posteriormente evolui para um sentimento de condenação a qualquer custo, desprezando os princípios basilares do Tribunal do Júri, bem como outros princípios constitucionais, tais como o princípio da ampla defesa e contraditório, da presunção de inocência, todos devidamente respeitados, alcança-se a equidade no júri, atendendo ao super princípio, qual seja, o devido processo legal. No tocante à presunção de inocência, não se trata de inocentar o acusado penal, mas tão somente garantir que este seja considerado culpado após uma colheita de provas justa e o transcorrer do processo penal eficaz. Trata-se, portanto, de um dos mais importantes direitos fundamentais, devendo ser entendido como uma limitação ao próprio poder estatal, em prejuízo de que verdadeiras aberrações ocorram no julgamento de inocentes ou na aplicação de sanções mais gravosas aos autores de ilícitos penais. Cabe enfatizar, que com a evolução da própria sociedade e da massificação de seus meios de comunicações, a manutenção do referido instituto se encontra abalada. Isso ocorre, tendo em vista que os meios de comunicação acompanham as infrações penais desde a sua consumação, passando pela fase inquisitiva, colheita de provas, chegando até o julgamento. Neste caso é ditado popularesco que esclarece que “a primeira impressão é a que fica” é real, pois com a exposição mássica ao público em geral das informações iniciais colhidas no inquérito policial cria-se uma atmosfera pela condenação daquele é o investigado ou indiciado. Portanto, conclui-se que é plenamente possível que os Julgadores sejam influenciados pela postura midiática que é imposta a sociedade pelos meios de comunicação. Tais Julgadores, nos casos de grande repercussão, não estão livres de se dirigirem à sessão de julgamento com uma mentalidade condenatória pré-estabelecida pelos meios de comunicação, o que prejudica a aplicação das regras processuais penais de livre apreciação das provas e da aplicação do princípio acima referido a presunção de inocência.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Ricardo Vital. O júri no Brasil. São Paulo: Edijur, 2005.
Acórdão n.º 1.0000.00.150041-2/000(1) de TJMG. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, 30 de Março de 2000.
A (MÁ) INFLUÊNCIA DA MÍDIA NAS DECISÕES PELO TRIBUNAL DO JÚRI – Fernanda Graebin Mendonça – Anais do 2º Congresso Internacional de Direito e Contemporaneidade. Edição 2013. UFSM.
BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 6ª ed. Editora Saraiva, 2011.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
________. Código Penal. Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Lex- Coletânea de Legislação: edição federal, São Paulo, 1940.
________. Código de Processo Penal. Decreto-lei n.º 3.689, de 3 de outubro de 1941. Lex- Coletânea de Legislação: edição federal, São Paulo, 1941.
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Os silêncios da imprensa. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil, 2006.
GOMES, Luiz Flávio; ALMEIDA, Débora de Souza. Populismo penal midiático. Editora Saraiva, 2013.
GOMES, Luiz Flávio. Prefácio. Abolição do banco dos réus do recinto dos tribunais. Curitiba, 2002.
MASSON, Cleber Rogério. Direito penal esquematizado. Volume 1. 7ª ed. Editora: Método, 2013.
MARQUES, José Frederico. A instituição do Júri. Editora BookSeller, 1997.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, Guia prático de relacionamento com a empresa, 2009.
MIRABETE, JulioFabrini. Processo penal. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2006.
___________, JulioFabrini. Código de processo penal. 7º ed. rev. atual.amp. São Paulo: Editora: Atlas, 2000.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 13ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.
NERY, Arianne Câmara. Considerações sobre o papel da mídia no processo penal. 2010. Monografia de Graduação. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio, Rio de Janeiro/RJ, 2010. Disponível em: . Acesso em: 18 abril 2013.
NUCCI, Guilherme de Souza. O tribunal do júri. 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
_______, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 9ª ed. Revista dos Tribunais, 2013.
TUBENCHLAK, James. Tribunal do Júri. Contradições e Soluções, 5ª edição, Saraiva, 1997.
STJ, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 23/02/2010, T5 - QUINTA TURMA.
STF - HC: 70193 RS, Relator: CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 20/09/1993, Primeira Turma, Data de Publicação: DJ 06-11-2006 PP-00037 EMENT VOL-02254-02 PP-00292.
STF - HC: 81061 RO, Relator: MAURÍCIO CORRÊA, Data de Julgamento: 17/09/2001, Segunda Turma, Data de Publicação: DJ 12-04-2002 PP-00053 EMENT VOL-02064-03 PP-00490.
- Supremo Tribunal Federal - http://www.stf.jus.br/portal/principal/principal.asp
- Superior Tribunal de Justiça - http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp
- Globo. Disponível em: <http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2013/09/namorado-da-auxiliar-de-enfermagem-envenenada-com-os-filhos-vai-preso.html>. Acesso em: 04 de outubro de 2013.
- Jornal Estado de São Paulo. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,me-chamavam-de-boliviano-assassino-diz-ex-suspeito-de-matar-familia-em-ferraz,1079497,0.htm>. Aceso em: 5 de outubro de 2013.
- Atualidades do Direito. Disponível em: <http://atualidadesdodireito.com.br/blog/2013/03/13/polemicas-sobre-o-tribunal-do-juri/>. Acesso em: 27 de setembro de 2013.
- Portal E-GOV UFSC. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/sociedade-e-os-aspectos-sociais-culturais-econ%C3%B4micos-e-os-meios-de-veicula%C3%A7%C3%A3o-que-influenci>. Acesso em: 13 de setembro de 2013.
Graduando no Curso de Direito na Universidade Brasil
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSINHA, Lucas Fernandes. A influência da mídia nos julgamentos do Tribunal do Júri: A busca da equidade nos julgamentos do tribunal do júri Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 dez 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/48044/a-influencia-da-midia-nos-julgamentos-do-tribunal-do-juri-a-busca-da-equidade-nos-julgamentos-do-tribunal-do-juri. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
Precisa estar logado para fazer comentários.