Resumo: O presente artigo tem por objeto analisar a postura atual dos nossos legisladores, que de forma usual e recorrente vem se utilizando das leis penais como um instrumento retórico e demagógico para a implementação de uma falsa sensação de segurança perante a sociedade, como se todos os problemas pudessem ser resolvidos através do direito penal.
Palavras-chave: Direito penal. Direito penal mínimo. Descriminalização.
Sumário: Resumo. 1. Introdução. 2. Desenvolvimento. 3. Conclusão. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Trata-se o presente artigo de um estudo acerca da banalização que o direito penal sofre atualmente em razão da desenfreada proliferação de leis penais que vêm sendo criadas pelos nossos legisladores. Como restará demonstrado, não há dúvidas de que a opção atual, que dá preferência ao encarceramento dos criminosos, não vem dando resultados. Tanto isso é verdade que a reincidência vem alcançando índices cada vez mais elevados. Neste sentido, a questão que se coloca é: Será que aumentar o número de crimes ou aumentar a quantidade de penas é capaz de diminuir a criminalidade? É esse o objeto de estudo deste artigo. Ao final, buscaremos apontar uma primeira solução para o problema, pois já passou da hora de se traçar novos rumos para o campo do direito penal, já que a pena de prisão não tem logrado êxito em resolver o problema da criminalidade que assola o nosso país.
2. DESENVOLVIMENTO
É do conhecimento de todos que a reputação do Direito Penal ficou extremamente abalada nas últimas décadas em razão da proliferação dos processos de incriminação e da decorrente ineficácia das reações penais contra os crimes. A maioria das pessoas já não confiam mais na justiça e isso ocorre em razão da absoluta sensação de impunidade que vivemos nos dias atuais. Enquanto as classes menos favorecidas recebem um tratamento totalmente desigual e segregatório, os corruptos, cada vez mais ousados, agem tranquilamente sob as sombras da impunidade.
Mas será que essa situação se dá em razão da ausência de leis penais? E mais. Será que aumentar as penas ou o número de crimes diminui a criminalidade? A resposta só pode ser negativa. Isso porque os criminosos não consultam as leis penais antes de cometerem um crime. Além disso, o fracasso no atingimento daquilo que as leis penais se propõem acaba nos levando a uma situação de anomia, ou seja, situações de comportamento em que as normas são contornadas ou ignoradas pela sociedade.
Neste sentido afirma Rogério Greco (2016, p. 74):
A anomia pode ser concebida de duas formas: em virtude da ausência de normas, ou, ainda, embora existindo essas normas, a sociedade não lhes dá o devido valor, continuando a praticar as condutas por elas proibidas como se tais normas não existissem, pois confiam na impunidade.
No mesmo sentido leciona Rogério Sanches da Cunha (2016, p. 38):
Movido pela sensação de insegurança presente na sociedade, o Direito Penal de Emergência, atendendo demandas de criminalização, cria normas de repressão, afastando-se, não raras vezes, de seu importante caráter subsidiário e fragmentário, assumindo feição nitidamente punitivista, ignorando as garantias do cidadão. Esquecendo a real missão do Direito Penal, o legislador atua pensando (quase que apenas) na opinião pública, querendo, com novos tipos penais e/ou aumento de penas e restrições de garantias, devolver para a sociedade a (ilusória) sensação de tranquilidade. Permite a edição de leis que cumprem função meramente representativa, afastando-se das finalidades legítimas da pena, campo fértil para um Direito Penal Simbólico.
Portanto, por mais estranho que pareça, a chamada “inflação legislativa”, ou seja, o número excessivo de normas, nos conduz a chamada sensação de anomia. Por outras palavras, quanto maior o número de normas, maior é a sensação de sua ausência, justamente em face do sentimento de impunidade que isso acarreta. Além disso, essa inflação acaba gerando a impossibilidade de que os seus destinatários tomem conhecimento de suas proibições.
Da mesma forma, não solucionará o problema simplesmente aumentar as penas, já que se as mesmas não têm condições de serem cumpridas, o que ocorreria, por vias transversas, seria o aumento da sensação de impunidade, banalizando-se ainda mais o Direito Penal e fazendo com que o mesmo passasse a ter um caráter meramente simbólico. Já no século XVIII, Cesare de Beccaria afirmava que “um dos maiores freios dos delitos não é a crueldade das penas, mas a sua infalibilidade”. Por conseguinte, não é a quantidade de pena em abstrato que impede uma pessoa de se enveredar pelo mundo do crime, mas sim a certeza de que receberá a devida punição, pois na medida em que as pessoas notam a impunidade pelos crimes cometidos, eleva-se o risco de se criar a mentalidade geral de que o crime é algo que compensa, já que na maioria das vezes nenhuma punição recebe o criminoso.
3. CONCLUSÃO
Diante do que fora exposto, percebe-se que as leis penais vêm sendo utilizadas pelos nossos legisladores como um instrumento retórico e demagógico para se implantar uma falsa sensação de segurança perante a sociedade, como se todos os problemas estivessem efetivamente sendo resolvidos. No entanto, “querer combater a criminalidade com o Direito Penal é querer eliminar a infecção com analgésico” (TELES, 2004, p. 46).
Destarte, acreditamos que a única solução que resolverá de fato o problema da credibilidade do direito penal é a certeza de imposição da punição correspondente. Isso porque a certeza de que será punido, mesmo que de forma mais branda, acarretará sempre uma impressão mais intensa que o receio de outra punição mais grave, mas que apareça unida com a esperança da impunidade. Sendo assim, não temos que criar mais leis aumentando o número de crimes, até porque de nada valem se não existirem mecanismos reais de efetivação. Temos, sim, é que efetivamente fazer cumprir as que já existem.
Pensamos que o melhor caminho seria a adoção de um direito penal mínimo, ou seja, o Estado deve procurar intervir o mínimo possível nos conflitos da sociedade, mas quando for o caso de agir que o faça com eficiência e sem deixar prevalecer a indigitada impunidade. Isto posto, se quisermos retomar a credibilidade do direito penal, o primeiro passo é adotarmos um número reduzido de leis claras, precisas, estritamente necessárias e com um mínimo de efetividade, pois resta claro que centenas de leis desnecessárias acabam enfraquecendo e desacreditando aquelas poucas que realmente são necessárias. Neste sentido, para revertermos esse quadro de anomia que envolve o direito penal atualmente, é fundamental que nossos legisladores levem a efeito um amplo movimento de descriminalização e despenalização da criminalidade de bagatela, pois somente assim é que será possível devolver ao direito penal a sua merecida e imprescindível credibilidade.
REFERÊNCIAS
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. 4. Ed. Salvador: Jus Podivm, 2016.
TELES, Ney Moura. Direito penal – parte geral. São Paulo: Atlas, 2004.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 18. Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2016.
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