RESUMO: Este artigo científico tem como tema principal a aplicação ou não da nova forma de contagem de prazos processuais em dias úteis criada pelo novo CPC ao Processo Penal, com o objetivo de certificar se a contagem dos prazos processuais penais dar-se-á em dias úteis ou dias corridos.
PALAVRAS-CHAVE: processo penal; prazos; dias úteis; dias corridos; analogia.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1. FORMA DE CONTAGEM DE PRAZOS NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL; 2. FORMA DE CONTAGEM DE PRAZOS NO DIREITO PROCESSUAL PENAL; 3. A ANALOGIA NO DIREITO PROCESSUAL PENAL; CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO:
O Novo Código de Processo Civil, que entrou em vigor em 18 de março de 2016, trouxe ao mundo jurídico uma nova forma de contagem de prazo. A regra inscrita no art. 219 do CPC/15 estabelece a contagem do prazo sempre em dias úteis.
Vale ressaltar, inicialmente, que este artigo apenas tratará da contagem do prazo em dias, desconsiderando a não menos importante contagem do prazo em horas, semanas, meses ou anos, que se faz de forma diferente, e que não teve alteração relevante pelo Novo CPC.
Considerando que, muitas das regras gerais do Processo Civil são aplicadas, por analogia, também ao Processo Penal, surgiu a dúvida no meio jurídico se os prazos com cômputo apenas em dias úteis também se aplicam no Processo Penal.
A importância do tema é grande, pois a forma de contagem de prazo, se em dias úteis ou em dias corridos, pode ocasionar preclusão temporal ou intempestividade dos atos processuais que, em se tratando do Direito Processo Penal, pode ocasionar uma condenação de um inocente ou a absolvição de um culpado.
Assim, este artigo tem o objetivo de dirimir as dúvidas sobre a forma de contagem de prazo no Processo Penal, após a vigência do Novo Código de Processo Civil, se em dias úteis ou em dias corridos.
O primeiro capítulo apresentará as normas legais que especificam a forma de contagem de prazos processuais no Direito Processual Civil, inclusive as alterações trazidas pelo CPC/15.
O segundo capítulo focará na forma de contagem de prazos no Direito Processual Penal e na consequência das dúvidas acerca da forma correta de contagem de prazos processuais.
O terceiro capítulo estudará a aplicação das regras gerais do processo civil ao processo penal por meio da analogia e a aplicação desta no caso do novo sistema de prazos processuais estabelecidos pelo novo CPC.
A elaboração deste artigo científico, com o intuito de concluir o objetivo sugerido, utilizará a metodologia de pesquisa bibliográfica, com a análise da literatura já publicada, a partir de livros, periódicos, dicionários e publicações avulsas, impressa ou eletronicamente, e de pesquisa documental, com o estudo da legislação penal brasileira, em vigor ou sem vigência e da jurisprudência dos tribunais superiores. O método a ser utilizado será o hipotético-dedutivo.
1. FORMA DE CONTAGEM DE PRAZOS NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL
O Direito Processual Civil não possuía um código único e nacional até a promulgação da Constituição de 1934, que conferiu à União a competência para legislar sobre Processo Civil. Até então, a legislação processual civil era estadual. O primeiro Código Nacional de Processo Civil foi publicado em 1939[i].
O CPC/39 estabeleceu a contagem dos prazos processuais de forma contínua: “Os prazos serão contínuos e peremptórios, correndo em dias feriados e nas férias”[ii].
O CPC/73, na mesma linha do código anterior, estabeleceu que os prazos processuais seriam contínuos: “O prazo, estabelecido pela lei ou pelo juiz, é contínuo, não se interrompendo nos feriados”[iii].
Verifica-se sem muita dificuldade que o sistema adotado pelos Códigos de Processo Civil de 1939 e 1973 é o do prazo contínuo, contado em dias corridos, sem interrupções em feriados ou dias não úteis. Diferente, porém, foi o sistema de prazo adotado pelo Novo CPC, como veremos a seguir.
O CPC/15, que entrou em vigor em 18 de março de 2016, alterou a forma da contagem do prazo em dias. É importante ressaltar que a forma de contagem do prazo em horas, semanas, meses e anos não foi alterado, pelo que não lhe daremos a atenção neste artigo. Entretanto, foi grande a mudança no sistema de contagem de prazo em dias.
Os prazos processuais, antes contínuos, passaram a ser contados de forma a neles se computarem apenas os dias úteis: “Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis”[iv]. O nobre jurista Humberto Theodoro Júnior explica essa nova forma de contagem de prazo: “o que realmente se dá é o desprezo de todos os dias não úteis intercalados entre o início e o termo final dos prazos processuais fixado pela lei ou pelo juiz em dias”[v].
Na nova forma de contagem de prazo, é importante explicitar quais são os dias úteis e os dias não úteis. Elpídio Donizetti deixa claro: “na contagem em dias úteis, há de verificar quais os dias são ‘inúteis’ (sábados, domingos e feriados)”[vi].
A consequência óbvia da contagem de prazos em dias úteis é o alargamento dos prazos processuais, que, por um lado, facilita o trabalho dos advogados e demais juristas, e, por outro, deixa o processo mais lento e retarda o seu fim. Lição que o sábio jurista Elpídio Donizetti ministra em seu livro: “Da análise dos dois dispositivos é fácil concluir que o novo CPC elasteceu os prazos, possibilitando uma ‘folga’ maior para a prática de determinados atos processuais”[vii].
2. FORMA DE CONTAGEM DE PRAZOS NO DIREITO PROCESSUAL PENAL
O atual, mas também antigo, Código de Processo Penal, vigente desde 1942, estabelece a forma de contagem dos prazos processuais de forma contínua, da mesma forma que os Códigos de Processo Civil de 1939 e 1973: “Todos os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado”[viii].
O certo é que, desde 1942, os prazos processuais penais são contados de forma contínua, e nunca houve uma alteração nessa forma de contagem de prazo. A nova forma de contagem do Novo CPC não trouxe uma alteração expressa do CPP nesse ponto, mas surgiu no mundo jurídico uma grande polêmica sobre a aplicação na nova forma de contagem de prazos processuais em dias úteis ao processo penal.
O douto jurista Humberto Theodoro Júnior leciona corretamente que “A inobservância dos prazos acarreta pesadas consequências para a parte que se manifesta sob a forma de perda de faculdades processuais, com reflexos, muitas vezes, até no plano do direito material”[ix] e que “(...) outras vezes a própria norma não é suficientemente clara, gerando dúvidas e perplexidades tanto para as partes como para o juiz”[x].
Se a norma não é clara, a parte pode ter prejuízos tanto na esfera do direito processual quanto na esfera do direito material. A dúvida quanto à forma de contagem de prazo pode causar preclusão, que é explicada pelo competente jurista Fredie Didier: “A preclusão temporal consiste na perda do poder processual em razão do seu não exercício no momento oportuno; a perda do prazo é omissão que implica preclusão”[xi].
A ausência de certeza quanto à forma de contagem de prazos processuais pode causar prejuízo à parte por lhe causar o não conhecimento de um recurso por intempestividade, cuja consequência é o trânsito em julgado de uma decisão que lhe foi desfavorável. Conforme a lição do mestre Eugenio Pacelli, “a exigência de manifestação tempestiva dos recursos é corolário lógico dos efeitos preclusivos das decisões. (...) esses efeitos, em regra, nascem sob condição suspensiva, a depender do encerramento do prazo destinado às impugnações das partes”[xii]. A tempestividade é um dos requisitos objetivos dos recursos, e segundo o nobre e atual decano do Supremo Tribunal Federal, o ministro Celso de Mello, “A inobservância desse requisito de ordem temporal, pela parte recorrente, provoca, como necessário efeito de caráter processual, a incognoscibilidade do recurso interposto”[xiii].
A celeuma que envolve essa questão pode causar a condenação de um inocente ou a impunidade de um culpado, por conta da dúvida na forma de contagem de prazo no processo penal, se em dias corridos ou dias úteis. Em suma: deve-se ou não aplicar a regra nova do art. 219 do CPC/15 ao Processo Penal?
3. A ANALOGIA NO DIREITO PROCESSUAL PENAL
As regras do Direito Processual Penal são geralmente mais resumidas e menos detalhadas que as que tratam do Direito Processual Civil. Podemos observar que enquanto o CPC/15 possui 1.072 artigos, o CPP possui apenas 811, isto é, quantidade bem menor.
Por outro lado, verificamos que o próprio Código de Processo Penal autoriza a utilização da analogia, cuja consequência básica é a utilização das normas do Direito Processual Civil ou de outro diploma normativo sempre que houver ausência de regulamentação no âmbito do Direito Processual Penal. O art. 3º do CPP diz exatamente o seguinte: “A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito”[xiv].
Diferentemente do Direito Penal, em que a analogia só pode ser aplicada em benefício do réu, proibida a analogia in malam partem, no Direito Processual Penal, vale a regra do tempus regit actum, isto é, como explica o mestre Nucci: “a nova norma processual tem aplicação imediata, preservando-se os atos praticados ao tempo da lei anterior”[xv], consequentemente, “o Código de Processo Penal admite, expressamente, que haja interpretação extensiva, pouco importando se para beneficiar ou prejudicar o réu, o mesmo valendo no tocante à analogia”[xvi].
Não fosse assim, dever-se-ia aplicar a nova regra do prazo em dobro à defesa, visto que mais benéfico ao réu, e o prazo em dias corridos à acusação, para não prejudicar o réu. Entretanto, qualquer que seja a regra, em se tratando de regra processual, não estaria submetida ao crivo do resultado benéfico ao réu.
Não se pode esquecer que a analogia, para ser aplicada depende de uma lacuna na lei. Vejamos a lição do ilustre jurista Guilherme de Souza Nucci: “A analogia, por sua vez, é um processo de integração do direito, utilizado para suprir lacunas. Aplica-se uma norma existente para uma determinada situação a um caso concreto semelhante, para o qual não há qualquer previsão legal”[xvii].
Portanto, o requisito necessário para a aplicação, por analogia, do sistema de contagem de prazos processuais do CPC/15 ao Processo Penal é a existência de uma lacuna. Fácil é observar que não há no CPP tal lacuna, haja vista que o art. 798 do CPP descreve expressamente a contagem de prazos processuais de forma contínua. Assim sendo, a conclusão lógica é que não se aplica ao processo penal a contagem de prazos em dias úteis.
O doutrinador Nestor Távora, ainda antes da entrada em vigor do Novo CPC, adiantou que não se aplicaria ao Processo Penal a contagem de prazo em dias úteis:
Não são aplicáveis ao processo penal (...) a contagem de prazo em dias úteis, consoante o enunciado que dispõe que os atos processuais são contados em dias úteis (...) Para o direito processual penal, diferentemente do cível, vigoram as regras do art. 798, CPP, que estatui que todos os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado[xviii].
Esse entendimento tem sido confirmado pelos tribunais superiores. O Superior Tribunal de Justiça, no informativo n° 585, de junho de 2016, firmou sua jurisprudência:
No âmbito do STJ, mesmo após a vigência do CPC/2015, em controvérsias que versem sobre matéria penal ou processual penal, a contagem do prazo para interposição de agravo contra decisão monocrática de relator continua sendo feita de forma contínua (art. 798 do CPP), e não somente em dias úteis (art. 219 do CPC/2015)[xix].
No mesmo caminho o Supremo Tribunal Federal, no informativo n° 830, de junho de 2016, afirmou sua jurisprudência:
Modo de contagem desse prazo recursal em sede processual penal: “dias corridos”. Existência, nessa matéria, de regra legal específica inerente ao processo penal (CPP, art. 798, “caput”). Não incidência do art. 219, “caput”, do Novo Código de Processo Civil[xx].
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Verificamos que o Novo CPC trouxe ao mundo jurídico uma nova forma de contagem de prazos processuais em que só se computam os dias úteis, e que surgiu uma grande discussão sobre a aplicação ou não dessa nova regra ao processo Penal.
O Direito Processual Penal aplica, por analogia, algumas regras do Direito Processual Civil, o que exige, necessariamente, a existência de lacuna legal. Entretanto, a existência do preceito inscrito no art. 798 do CPP, que dispõe sobre a contagem de prazos de forma contínua é suficiente para impedir a aplicação da regra sobre prazos do Novo CPC ao Processo Penal.
Por fim, observamos que a doutrina e a jurisprudência já demonstraram seguir esse mesmo entendimento de que no processo penal os prazos contar-se-ão de forma contínua, mesmo após a vigência do CPC/15.
Portanto, não se pode concluir de forma diversa que ao processo Penal não se aplica o sistema de contagem de prazos processuais em dias úteis trazido pelo Novo CPC, mantendo-se a regra anterior de prazos contínuos.
REFERÊNCIAS
BRASIL. DECRETO-LEI n° 1.608, de 18 de setembro de 1939. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/1937-1946/Del1608.htm>. Acesso em 14 dez. 2016.
________. DECRETO-LEI n° 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm>. Acesso em 14 dez. 2016.
________. LEI n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Código de Processo Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5869.htm>. Acesso em 14 dez. 2016.
________. LEI n° 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em 14 dez. 2016.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de Conhecimento. V.1. 18. ed. Salvador, Ed. Jus Podivm, 2016.
DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 19. ed. rev. São Paulo: Atlas, 2016.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 15. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 20. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2016.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AgRg nos EDcl nos EAREsp 316.129/SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 25 mai. 2016, DJe 01 jun. 2016.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HC 133.476/AM, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 14 jun. 2016, DJe 24 jun. 2016.
________. Revista Trimestral de Jurisprudência. V.203, n.1, janeiro a março de 2008, p.1-462. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoRTJ/anexo/203_1.pdf>. Acesso em 15 dez. 2016.
TÁVORA, Nestor e ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 11. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Jus Podivm, 2016.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Teoria Geral do Direito Processual Civil: Processo de Conhecimento e Procedimento Comum. V.1. 57. ed. ver. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
[i] THEODORO JÚNIOR, 2016, p.19-20.
[ii] BRASIL. DECRETO-LEI nº 1.608, de 18 de setembro de 1939. Código de Processo Civil. Art. 26.
[iii] BRASIL. LEI n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Código de Processo Civil. Art. 178.
[iv] BRASIL. LEI n° 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Art. 219.
[v] THEODORO JÚNIOR, op. cit., p.525.
[vi] DONIZETTI, 2016, p.435.
[vii] DONIZETTI, 2016, p.435.
[viii] BRASIL. DECRETO-LEI n° 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Art. 798.
[ix] THEODORO JÚNIOR, 2016, p.524.
[x] THEODORO JÚNIOR, 2016, p.524.
[xi] DIDIER JR., 2016, p.429.
[xii] OLIVEIRA, 2016, p.959.
[xiii] STF, RTJ 203, p.416.
[xiv] BRASIL. DECRETO-LEI n° 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Art. 3º.
[xv] NUCCI, 2016, p.39.
[xvi] NUCCI, 2016, p.42.
[xvii] NUCCI, 2016, p.43.
[xviii] TÁVORA&ALENCAR, 2016, p.1656.
[xix] STJ, EAREsp 316.129-ED-AgRg/SC.
[xx] STF, HC 133.476/AM.
Jurista, Analista Judiciário do Supremo Tribunal Federal, ex-escrivão de Polícia da PCDF, bacharel em Direito pela Faculdade Processus, especialista em Direito Penal, Direito do Trabalho e Escrivania Policial.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RAMOS, Leandro Ferreira. Contagem de prazo no Processo Penal após o novo CPC: dias úteis ou dias corridos? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 jan 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/48523/contagem-de-prazo-no-processo-penal-apos-o-novo-cpc-dias-uteis-ou-dias-corridos. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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