RESUMO: O presente trabalho científico tem como objetivo demonstrar a utilização do instrumento processual da ação civil pública como mecanismo eficaz na defesa dos patrimônios históricos. Primeiramente aborda-se o conceito e o breve contexto histórico da ação, abordando sobre o surgimento no Brasil e a criação da lei. A seguir, introduziram-se os principais princípios que fundamentam a ação, bem como suas principais características, destacando o seu objeto, a competência e a legitimidade. Em segundo momento, será abordada a legitimidade do Ministério Público para a defesa dos patrimônios históricos, ressaltando algumas decisões sobre o tema para melhor compreensão por parte do leitor. No último ponto, será mencionada a atuação do Ministério Público do Estado do Amapá na defesa dos patrimônios históricos no Município de Macapá, explanando a situação desses bens no que se refere à proteção e a conservação e citando quais os mecanismos utilizados para evitar os danos e a degradação. Este artigo foi feito por meio de levantamento bibliográfico, documental, jurisprudencial e de coletas de dados, pretendendo contribuir para os acadêmicos e, principalmente, para a sociedade amapaense, repassando os valores e a importância da preservação dos bens históricos.
PALAVRAS-CHAVE: Ação Civil Pública. Patrimônio Histórico. Ministério Público. Proteção.
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa pretende analisar, de uma maneira coesa e abrangente o instituto da ação civil pública, ressaltando-se uma de suas finalidades que é a proteção ao patrimônio histórico.
A pesquisa contida neste artigo científico aborda alguns comentários gerais sobre a ação civil pública, atribuindo uma visão ampla ao assunto, para depois se centrar na sua aplicabilidade na defesa dos bens históricos.
Portanto, tem como objetivo ressaltar a importância da ação civil pública na proteção ao patrimônio histórico, pois ao mesmo tempo em que reprime a prática de atos lesivos, também procura a reparação do dano causado pelo agente, logo sendo um instrumento processual benéfico para a sociedade.
Procurar-se-á demonstrar também a importância e eficácia da ação civil pública, enfocando os legitimados e a competência para sua propositura, assim como a aplicação da ação civil pública nos casos concretos, desta forma evidenciando a eficácia desse instrumento processual. A partir disso, averiguará a atuação do Ministério Público do Estado do Amapá na defesa dos patrimônios históricos no Município de Macapá.
Desta maneira, este artigo científico busca demonstrar e proporcionar uma reflexão da importância da ação civil pública para a tutela do patrimônio histórico, tendo como cenário o Município de Macapá.
Assim, para a elaboração da pesquisa será adotado o método de abordagem hipotético-dedutivo, pois consiste na construção de conjecturas baseadas nas hipóteses. A sistemática do artigo será realizada por meio de pesquisas jurídicas e teóricas, através de coleta de dados na legislação, doutrina, jurisprudência e em algumas instituições.
1. Conceito e origem da ação civil pública
A Ação Civil Pública começou a ser estudada e discutida no Brasil a partir de meados da década de 1970, sob influência do sistema jurídico common law, sendo este um direito criado ou aperfeiçoado pelos juízes através da analogia das culturas e costumes de um determinado povo.
Ressalta-se que esse tipo de sistema se desenvolveu em certos países por meio das decisões dos tribunais, e não mediante atos legislativos ou executivos. Com isso, notaram a necessidade de desenvolver ferramentas processuais mais adequadas para solução de conflitos de interesses transindividuais.
O primeiro texto legal a utilizar a expressão “ação civil pública” foi a Lei Complementar Federal nº 40, de 13 de dezembro de 1981 - Lei Orgânica do Ministério Público, cujo outorgava ao “Parquet” a função institucional de promover o referido instrumento processual, nos termos da lei.
Após a utilização deste instrumento de defesa fora verificado pelos maiores juristas brasileiros e promotores de justiça do Estado de São Paulo, a necessidade de criação de uma lei própria e de cunho constitucional, a fim de ter maior eficácia e aplicabilidade nas soluções dos conflitos.
A Ação Civil Pública surgiu em 1985 através da Lei nº 7.347 de 24 de julho de 1985, sendo o primeiro instrumento de proteção de interesse de toda coletividade, visando à responsabilização por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, bem como ainda por qualquer infração à ordem econômica, à economia popular e à ordem urbanística.
De acordo com o conceito dado pelo doutrinador Carvalho Filho (2007, p. 2):
Na expressão ação civil pública não se identifica a pretensão que lhe constitui objeto. O adjetivo civil indicia meramente que a ação tem natureza não-penal, não se voltando, portanto, a pedidos condenatórios decorrentes da prática de ilícitos penais. Já o adjetivo pública deve ser visto como antagônico à ação privada, de modo a indicar que a ação pode ser deflagrada por órgão do próprio Estado, como é o caso especial do Ministério Público.
Portanto, a Lei da Ação Civil Pública, especificamente, é de natureza predominantemente processual, pois objetiva, basicamente, oferecer os instrumentos processuais aptos à efetivação judicial dos interesses difusos e coletivos. Conforme disciplina o doutrinador Wald (2007, p. 17):
A ação civil pública é certamente um dos meios processuais modernos e democráticos de maior importância no ordenamento jurídico brasileiro, sendo uma das técnicas mais relevantes de defesa dos direitos individuais e coletivos, podendo ser utilizada nos mais variados campos de atividade.
Sendo assim, a ACP, na sua atual regulamentação constitucional e legal, constitui uma inovação e uma conquista para a solução rápida e eficiente dos conflitos de interesses, ensejando o acesso à justiça de todas as classes sociais.
2. Princípios norteadores da ação civil pública
O princípio do acesso à justiça está previsto no artigo 5º, XXXV da Constituição Federal, o qual disciplina que todos têm acesso à justiça para postular tutela jurisdicional preventiva ou reparatória relativa a um direito. Este princípio contempla não só os direitos individuais como também os difusos e coletivos e que a Constituição achou por bem tutelar não só a lesão a direito como também a ameaça de lesão, englobando a tutela preventiva.
Em relação ao processo coletivo foi necessário instituir a legitimação extraordinária como padrão, admitindo-se que determinadas pessoas ou entes compareçam a juízo, em nome próprio, para defender direito ou interesse alheio.
Outro importante princípio é o da universalidade da jurisdição, o qual tem como finalidade ampliar o acesso à justiça, estando estreitamente ligado ao princípio anteriormente abordado. Portanto, a base desse princípio vem no sentindo de ofertar jurisdição ao maior número de pessoas.
Em relação ao processo coletivo, pode-se notar que houve um grande aumento na demanda, visto que no caso das ações em prol de direitos individuais homogêneos, já se possibilita decidir, num único processo, questões relacionadas a outros interesses.
O princípio da economia processual também está inteiramente ligado à ação civil pública, o qual significa a obtenção do máximo na atuação do direito com o mínimo possível de despesa, ou seja, custo-benefício. É possível destacar vários procedimentos processuais para facilitar o andamento do processo, como exemplo, a reunião de processos por conexão ou continência, prevista no artigo 105 do Código de Processo Civil.
De acordo com Andrade, Masson e Andrade (2015, p. 42), “trata-se do princípio segundo o qual o direito deve resolver os conflitos de interesses empregando o mínimo possível de atividades processuais”.
Destarte, não se pode deixar de mencionar o princípio da não taxatividade da ação coletiva, pois o Código de Defesa do Consumidor viu a necessidade da inclusão do inciso IV, no artigo 1º da Lei 7.347/85, o qual possibilita o manejo das ações civis públicas em prol de qualquer outro interesse difuso ou coletivo. Após a inclusão do inciso citado anteriormente também se tornou possível a defesa de quaisquer espécies de interesses individuais homogêneos, não podendo falar em taxatividade dos bens defensáveis por ações coletivas.
Por fim, o último princípio é o da demanda coletiva, o qual assevera que a propositura da ação civil pública não depende da vontade das partes, mas, sim, da necessidade social, visto que o interesse público deve prevalecer, observando os critérios de conveniência e oportunidade.
Portanto, o objeto do processo coletivo não pertence ao autor, mas à coletividade, pois se houver uma desistência infundada da ação, não haverá extinção, mas substituição da parte.
3. Características da ação civil pública
Analisando a Lei 7.347/1985, nota-se que quase todos os seus mais de vinte artigos se destinam a regrar um instrumento processual voltado à tutela dos direitos coletivos. Desta forma, a Lei da Ação Civil Pública é uma norma processual.
É importante destacar que apenas 2 artigos se referem às normas de direito material, sendo eles, o artigo 10 (tipifica como crime a recusa, o retardamento ou omissão de prestar dados necessários para a propositura da ação civil) e o artigo 13 (menciona o fundo para reconstituição dos bens lesados, destinado a perceber os recursos provenientes das condenações em dinheiro).
A ação civil pública pode ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. Todavia, nada impede a cumulatividade desses tipos de pedido, ou seja, dependendo da situação ofensiva ao interesse difuso e coletivo que o autor pretenda coibir, pode ele pleitear o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer cumulado com o pedido indenizatório.
O objeto, nas ações civis, é exteriorizado através do pedido, que permite múltiplas formulações, sendo elas: simples, cumulativo, sucessivo, alternativo e eventual. À vista disto, é necessário a distinção entre o pedido imediato e mediato.
Na lição de Camargo (2014, p. 196), a distinção de pedido imediato e mediato consiste:
O pedido imediato consiste na providência jurisdicional solicitada: sentença condenatória, declaratória, constitutiva ou mesmo providência executiva, cautelar ou preventiva. O pedido mediato é a utilidade que se quer alcançar pela sentença, ou providência jurisdicional, isto é, o bem material ou imaterial pretendido pelo autor”
A partir da conceituação acima, é necessário fazer a distinção, também, da tutela repressiva e preventiva. A primeira, refere-se quando a sentença condena o réu à indenização em dinheiro, reprimindo a ação ou omissão causadora do dano, ou seja, quando o fato já ocorreu. A segunda, refere-se quando a condenação obriga o réu a fazer ou não fazer, prevenindo a ocorrência do dano, ou, evitando que a conduta ilegítima prossiga dando causa a ele.
Em vista disto, é competente para processar e julgar a ação civil pública o foro do local onde ocorrer o dano, conforme dispõe o artigo 2º da LACP. Tal medida, justifica-se pela facilidade de obtenção e coleta das provas, testemunhal e a realização de perícia que forem necessárias à comprovação do dano.
Isto posto, a ação sempre será interposta na justiça comum de primeiro grau na comarca em que ocorrer o dano ou o perigo de dano, havendo vara federal e interesse da União, a ação tramitará na justiça federal. Nas localidades onde a organização judiciária não tiver vara de juízo federal a competência passa a ser da justiça estadual, como determina a regra constitucional do art. 109, §3º, da Constituição Federal.
Caso o dano se verifique em mais de uma comarca, é competente qualquer uma delas, resolvendo-se a questão pela prevenção. Desta forma, a competência é sempre absoluta e identifica-se com o lugar da lesão, ou ameaça, não podendo ser prorrogável pelas partes.
A LACP menciona os interesses ou direitos difusos e coletivos, os quais são aqueles transindividuais, ou seja, são interesses de um grupo ou coletividade, bem como aquilo que não se pode individualizar de quem é o interesse, pois este é coletivo, ligado pelo mesmo fato, ou por objeto indivisível.
A primeira diferença entre estes interesses reside na titularidade pois
os interesses difusos têm como seus titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato, enquanto os interesses coletivos têm como titulares as pessoas integrantes de um determinado grupo, categoria ou classe.
Os interesses difusos ultrapassam a esfera de um único indivíduo, caracterizados principalmente por sua indivisibilidade, onde a satisfação do direito deve atingir a uma coletividade indeterminada, porém, ligada por uma circunstância de fato. Por exemplo, o direito de ter um meio ambiente equilibrado.
Os interesses coletivos, por sua vez, pertencem a grupos ou categorias de pessoas determináveis, possuindo uma só base jurídica, porém, seus sujeitos são indetermináveis, mas determináveis. Por exemplo, o direito de uma classe ou sindicato.
Os interesses individuais homogêneos são aqueles que dizem respeito a pessoas que, ainda, indeterminadas num primeiro momento, poderão ser determinadas no futuro, e cujos direitos são ligados por um evento de origem comum. Por exemplo, os consumidores que adquirem o mesmo produto produzido em série com o mesmo defeito.
Com base no exposto acima, faz-se necessário abordar sobre a legitimidade da ação civil pública, pois esta tem uma característica principal, qual seja a da legitimação extraordinária, sendo a possibilidade de alguém, em nome próprio, defender interesse alheio.
Conforme o artigo 5ª, e seus demais incisos, da LACP, são legitimados para propor a ação, o Ministério Público, a defensoria Pública, a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios. As pessoas jurídicas da Administração Indireta também são legitimadas, como é o caso da autarquia, empresa pública, fundação e sociedade de economia mista. A única pessoa jurídica de direito privado que tem legitimidade é a associação, tendo também uma grande importância na respectiva lei.
Quanto a legitimidade passiva, estende-se a todos os responsáveis pelas situações ou fatos ensejadores da ação, sejam pessoas físicas ou jurídicas, inclusive as estatais, autarquias ou paraestatais, porque tanto estas como aquelas podem infringir normas de direito material de proteção aos bens tutelados.
4. O Ministério Público como legitimado da ação civil pública na proteção dos patrimônios históricos no Município de Macapá
A Lei 7.347/1985 concede legitimidade ativa ao Ministério Público para propor a ação civil pública e ainda determina que se não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei.
Camargo (2014, p. 124) deu a seguinte interpretação: “O Ministério Público oficiará necessariamente na ação, podendo fazê-lo como parte principal no pólo ativo, ou, senão, ao menos como interveniente, neste caso atuando como fiscal da lei”.
O perfil institucional do Ministério Público encontra-se delineado na Constituição Federal, em seu artigo 127, o qual esclarece a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. No artigo 129, III, lhe dá competência para promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.
A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.625, de 12/2/1993), que regula a organização da instituição nos Estados, também previu a função, estabelecendo no artigo 25, inciso IV, que a ação civil pública será ajuizada:
1) Para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos.
2) Para anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado ou do Município, de suas administrações indiretas ou fundacionais ou de entidades privadas de que participem.
A Lei Complementar nº 75, de 20/5/1993, que dispõe sobre a organização, atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, também contemplou a ação civil pública. O artigo 6º, inciso VII, confere à instituição legitimidade para propor a ação civil pública, conforme verifica-se a seguir:
a) A proteção dos direitos constitucionais;
b) A proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
c) A proteção dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos, relativos às comunidades indígenas, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor;
d) A tutela de outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos.
A legitimidade do Ministério Público na ação civil pública é extraordinária, visto que este atua em nome próprio na defesa de interesses de terceiros. Age em nome próprio pela específica legitimação que a ordem jurídica lhe conferiu, mas os interesses cuja proteção persegue por meio da ação pertencem a terceiros, sejam estes, determinados, determináveis ou indetermináveis.
O artigo 1ª da Lei da ação civil pública disciplina sobre os bens que podem ser protegidos e tutelados, sendo estes:
Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:
l - ao meio-ambiente;
ll - ao consumidor;
III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
V - por infração da ordem econômica;
VI - à ordem urbanística.
VII – à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos.
VIII – ao patrimônio público e social.
Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados.
Entre todos os bens arrolados no artigo citado anteriormente, o presente artigo vai abordar sobre a proteção ao patrimônio histórico, asseverando sua importância para a coletividade, em especial, à população macapaense.
O patrimônio histórico é um conjunto de bens materiais e imateriais, tomados individualmente ou em conjunto, os quais foram construídos ou produzidos pelas sociedades passadas, por isso se torna uma importante fonte de pesquisa e preservação cultural.
Há uma preocupação mundial em preservar os patrimônios históricos da humanidade através de leis de proteção e restauração que possibilitam a manutenção das características originais.
A Constituição da República Federativa do Brasil, disciplina em seu artigo 23, III e IV, que todos os entes federativos devem proteger o seu patrimônio cultural, dentre eles, o de valor histórico, evitando assim, a evasão, a destruição e a descaracterização dos bens. Foi determinado, então, a competência concorrente, ou seja, a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, exercem simultaneamente sobre a mesma matéria, observando o princípio da hierarquia das normas, onde a legislação federal tem primazia sobre a estadual e municipal.
A Carta magna cita em seu artigo 216, caput, o patrimônio cultural material e imaterial, no qual o primeiro consiste em um conjunto de bens imóveis e móveis, classificados segundo sua natureza em: arqueológico, paisagístico e etnográfico; histórico; belas artes e artes aplicadas. O segundo está relacionado aos conhecimentos enraizados no cotidiano das comunidades, sendo as manifestações literárias, musicais, plásticas cênicas e lúdicas; rituais e festas, entre outros, ou seja, são valores em abstrato.
O ordenamento jurídico brasileiro se preocupou, ainda, em regular nas suas leis infraconstitucionais, sobre a organização e proteção ao patrimônio histórico e artístico nacional. Haja vista, estabelece o artigo 1º, caput, do Decreto-Lei nº 25, de novembro de 1937:
Art. 1º Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.
Ante a preservação do patrimônio cultural, entre eles, o de valor histórico, fica ressalvado a necessidade de uma política de proteção e, principalmente, a enumeração dos mecanismos legais, entre eles, a ação civil pública.
À luz dos artigos 127 e 129 da Constituição Federal e do artigo 25, IV, b, da Lei nº 8.625/93, tem o Ministério Público legitimidade para propor ação civil pública com vistas a defender o patrimônio público e social, inclusive requerendo a anulação ou decretação de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa.
Hoje já encontra-se consolidada a legitimidade para o Ministério Público propor ação civil pública em defesa dos patrimônios históricos, conforme entendimento de diversos julgados do Superior Tribunal de Justiça, a seguir expostos.
Ementa: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADMINISTRATIVO. CONSTRUÇÃO EM IMÓVEL VIZINHO À ÁREA TOMBADA PELO IPHAN. Preservação e conservação de patrimônio histórico. Interesse de agir e legitimidade ativa do ministério público federal. prescrição. inocorrência. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DA AUTARQUIA. INCIDÊNCIA DE IPTU SOBRE A CONSTRUÇÃO IRREGULAR. 1
Ementa: APELAÕES CÍVEIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO-CULTURAL. CASA VILLA FRANCISCA. BALNEÁRIO DO CASSINO. MUNICÍPIO DO RIO GRANDE. IMÓVEL LANÇADO NO INVENTÁRIO DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO RIO GRANDE DO SUL. ATO ADMINISTRATIVO SUFICIENTE PARA O BEM FICAR SOB PROTEÇÃO E/OU PRESERVAÇÃO (CF, ART. 216, § 1º). INADMISSIBILIDADE DE AGREGADOS AO IMÓVEL EM SI E AO ENTORNO, PROCEDIDO PELOS PROPRIETÁRIOS, DESCARACTERIZANDO-O COMO VALOR HISTÓRICO-CULTURAL, AINDA QUE SEJAM RELATIVOS À DESTINAÇÃO ECONÔMICA QUE LHE É DADA. CUSTAS. O MÚNCÍPIO PAGA-AS PELA METADE. DESPROVIDA UMA APELAÇÃO, PROVIDA EM PARTE OUTRA E NO MAIS SENTENÇA CONFIRMADA EM REEXAME NECESSÁRIO CONHECIDO DE OFÍCIO. (Apelação Cível Nº 70051889822, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Irineu Mariani, Julgado em 07/08/2013
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA ANTECIPADA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO HISTÓRICA E ARTÍSTICA. CONSTRUÇÕES IRREGULARES. DEMOLIÇÃO. PERTURBAÇÃO AO SOSSEGO PÚBLICO. CESSAÇÃO. CASA DE DIVERSÕES RESPONSÁVEL POR EDIFICAÇÕES TIDAS COMO IRREGULARES PELO IPHAN - INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL, EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO LOCALIZADA NA CIDADE DE OLINDA, E ONDE SE EXECUTAVA NOITE ADENTRO MÚSICA EM VOLUME HÁBIL A INVIABILIZAR O SOSSEGO DA POPULAÇÃO RESIDENTE NAS CERCANIAS. DECISÃO ANTECIPATÓRIA DA TUTELA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL NO SENTIDO DA DEMOLIÇÃO DAS CONSTRUÇÕES IRREGULARES E DA CESSAÇÃO DAS ATIVIDADES PERTURBADORAS DA PAZ PÚBLICA. PRONUNCIAMENTO JUDICIAL QUE ATENDE À LEGÍTIMA PROVOCAÇÃO DO PARQUET NO EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES INSTITUCIONAIS DE DEFESA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO. AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO. Fonte: Site: www.jusbrasil.com.br.
Portanto, a doutrina referenda o entendimento que a ação civil pública é o instrumento processual adequado conferido ao Ministério Público para o exercício do controle popular sobre os atos dos poderes públicos, exigindo tanto a reparação do dano causado ao patrimônio por ato de improbidade quanto à aplicação das sanções do art. 37, § 4º, da Constituição Federal, previstas ao agente público, em decorrência de sua conduta irregular.
O Município de Macapá é um ótimo cenário para abordar sobre a proteção dos patrimônios históricos em relação a atuação do Ministério Público, pois foi fundada em 1758 e possui um vasto contexto histórico e muitas construções antigas que contam um pouco da sua criação. Essas construções, diferentemente do que acontece, deveriam ser preservadas, pois dizem respeito à memória do Estado.
Conservar os seus importantes patrimônios históricos e culturais tem sido um grande problema para a capital do Estado do Amapá. Isso transparece as consequências do longo processo de burocratização dentro poder público para criar mecanismos de preservação, os quais muitas vezes não são postos em prática.
Em visita feita à Fundação Municipal de Cultura de Macapá – FUNCULT, para obtenção de informações relativas aos patrimônios históricos municipais, foi averiguado que a mesma não tem em seu arquivo os dados quantitativos de quantos patrimônios históricos possui o nosso Município, sendo um caso alarmante, pois são informações necessárias para o controle e fiscalização desses bens que são de enorme valor.
Em pesquisas feitas para este artigo foi constatado que o Município de Macapá possui atualmente em torno de 30 patrimônios históricos, sendo a Fortaleza de São José o único patrimônio tombado nacionalmente, o qual leva a sua importância não só para o povo amapaense, mas para a história do Brasil.
Diante disto, certifica-se que vários prédios antigos de Macapá, desde a fundação em 1758, poucos com características de arquitetura colonial ainda resistem ao tempo, a exemplo do Mercado Central, que foi construído com traços do colonialismo, sendo inaugurado em 13 de setembro de 1953.
O Mercado Central de Macapá é marcado por muito conteúdo, acontecimentos e lembranças, cujas tradições de um lugar que já foi tão frequentado e tão valorizado pelo povo amapaense, trazem à tona o que esse singelo mercado representa como patrimônio histórico e cultural do Estado. Este foi de grande importância para o comercio de Macapá, pois foi de suma importância para economia do nosso Município.
Infelizmente, este patrimônio histórico encontra-se em má conservação, estando sua arquitetura e estrutura a ponto de ocasionar grandes perdas, como exemplo a sua degradação. Várias políticas públicas já foram adotadas, porém nem todas foram postas em prática, ou, não executadas de forma eficaz, espelhando assim, uma realidade de uma edificação com aspectos insalubres e de relapso.
Todo esse contexto gera problemas não só para a conservação do patrimônio, mas também para o próprio turismo do Município, o qual deixa a desejar nos fatores de resgate cultural, ocasionando uma crise de identidade.
Outro exemplo de patrimônio é a Escola Barão do Rio Branco, sendo considerada também um patrimônio histórico, pois foi a primeira escola em alvenaria de Macapá, tendo sido inaugurada em 13 de setembro de 1946, pelo governo do Território Federal do Amapá na gestão do capitão Janary Nunes. Nesta escola também funcionou o 1º cinema de Macapá, o ex-Cine Territorial.
Esta instituição deveria ser valorizada por todo o contexto histórico proporcionado à população amapaense, no entanto, lamentavelmente, o prédio também encontra-se em degradação, a ponto de perder os traços da arquitetura daquela época.
Ressalta-se, também, o Estádio Glicério Marques, um patrimônio histórico que também se encontra em uma situação preocupante, pois acerca de 4 (quatro) anos foi fechado para reformas e até então não foi inaugurado. Contudo, foi noticiado que este está passando por reformas para ser reaberto em breve, sendo novamente mais um centro atrativo para o Município de Macapá.
Com intuito de averiguar a atuação do Ministério Público do Estado Amapá foi necessário visitar a instituição em prol de coletas de dados e informações, cujo ocorreu especificamente, na Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Público, onde ficou constatado que este utiliza procedimentos administrativos para a proteção dos patrimônios históricos, e que pouco se utiliza a via judicial, ou seja, a ação civil pública não é geralmente utilizada como mecanismo de defesa.
O “Parquet” já utilizou este instrumento processual na proteção e defesa dos patrimônios históricos no Município de Macapá. Entretanto, não informou os dados quantitativos sobre quantas ações civis públicas já foram ajuizadas na última década.
O Ministério Público na maioria das vezes procura resolver os conflitos da sociedade através da via judicial, no entanto, a ele cabe também poder atuar de forma extrajudicial para solução dos conflitos.
O Ministério Público do Estado do Amapá utiliza dois procedimentos administrativos para a proteção e defesa dos patrimônios históricos, sendo eles a Recomendação e o Termo de Ajuste de Conduta – TAC.
A Recomendação do Ministério Público é um instrumento de atuação extrajudicial, dirigida ao poder público em geral, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância social, bem como ao respeito, aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis.
Este procedimento administrativo não tem força coercitiva perante o Poder Público todavia, em caso de não atendimento ou justificativa insatisfatória pelo Poder respetivo, poderá dar ensejo a que o “Parquet" adote outras medidas, inclusive judiciais, como exemplo o ajuizamento da ação civil pública.
Desta maneira, a Recomendação é um instrumento, o qual se utiliza o Ministério Público para alertar os agentes públicos sobre a necessidade de resolver determinada situação que possa estar irregular ou que pode levar à mesma.
O Termo de Ajuste de Conduta (TAC), é um instrumento legal destinado a colher do causador do dano ao meio ambiente, entre outros interesses difusos e coletivos, um título executivo de obrigação de fazer e não fazer, mediante o qual, o responsável pelo dano assume o dever de adequar a sua conduta às exigências legais, sob pena de sanções fixadas no próprio termo.
O TAC (termo de ajustamento de conduta) tem como função evitar que seja acionado o poder judiciário, sendo ela um acordo feito entre o Parquet e a pessoa que cometeu a irregularidade, para que essa se submeta a algumas exigências propostas pelo Ministério Público para que o mesmo não inicie uma ação judicial.
No âmbito dos Ministérios Públicos Federal e Estadual, os termos de ajustamento de conduta são documentos assinados por partes que se comprometem, perante o Procurador da República ou o Promotor de Justiça, a cumprirem determinadas condicionantes, de forma a resolver o problema que estão causando ou a compensar danos e prejuízos causados.
À vista disto e com base nas informações colhidas, fica claro e evidente que o Ministério Público não utiliza de forma proativa a ação civil pública como mecanismo de proteção e defesa dos patrimônios históricos, ficando estes desprotegidos e sujeitos à degradação gradativa e, principalmente, sujeitos a perder suas referências históricas e culturais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A ação civil pública, instituto disciplinado pela Lei nº 7.347/85, foi criada em benefício de todos para a proteção dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Atualmente, apresenta-se como um dos instrumentos processuais direcionados à defesa dos patrimônios históricos, sendo estes protegidos pela Constituição da República Federativa do Brasil.
Tendo em vista a importância do instituto supracitado no presente trabalho, pretendeu-se, primordialmente, analisar sua atuação enquanto instrumento de proteção dos bens de valor histórico, mostrando ser o mecanismo eficaz contra os danos causados a estes bens e, subsequentemente, uma medida para evitar a perda de um legado trazido pela humanidade.
O Município de Macapá tem um rol de patrimônios históricos, os quais tem uma grande importância para a história, origem e cultura do povo amapaense, e até mesmo, da história do nosso país. Infelizmente, vários destes, encontram-se em deterioração, degradação e péssima conservação, sendo estes pontos de referências que caracterizam o Município de Macapá, e, portanto, fazem parte da nossa vida e da nossa história.
Constata-se por meio deste artigo que o Ministério Público pode atuar tanto através da via judicial quanto da via extrajudicial para tentar resolver os problemas relativos a proteção e conservação dos patrimônios históricos no Município de Macapá.
Entretanto, indaga-se o porquê dá não utilização da via judicial, pois vários patrimônios históricos não se encontram em boa conservação, e muito menos, aberto ao público, ocasionando um esquecimento pelo Poder Público e até mesma da população amapaense.
Diante o exposto, conclui-se que os patrimônios históricos não estão recebendo uma atenção devida, não só pelo poder público, mas também pelo próprio Ministério Público, o qual poderia ser mais proativo em relação à esses bens.
Por conseguinte, somente os procedimentos administrativos realizados pelo Ministério Público do Estado do Amapá não estão sendo suficientes para a manutenção dos patrimônios históricos, e por isso, a ação civil pública seria o mecanismo adequado para a resolução deste problema, tendo em vista, ser um instrumento processual célere e eficaz.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Adriano; MASSON, Cleber; ANDRADE, Landolfo. Interesses Difusos e Coletivos: Esquematizado. 5. Ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Ed. Método. 2015. 844 p.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação Civil Pública: Comentário Por Artigo. 6. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. 518 p.
DIAS, Paulo. História do Amapá: O passado é o espelho do presente. Macapá: Jm Editora Grpafica, 2009. 112 p.
Dominique Tilkin Gallois. Instituto Iepé (Org.). Patrimônio Cultural Imaterial e Povos Indígenas: Exemplo no Amapá e norte do Pará. Brasil, 2011. 92 p.
FERRARESI, Eurico. Ação Popular, Ação Civil Pública e Mandado de Segurança Coletivos. 1. Ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense. 2009. 364 p.
MACIEL, Nascimento Alves. Ação Civil Pública. São Paulo: Iglu, 2002. 163 p.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo et al. Ação Civil Pública: Em defesa do Meio Ambiente, do Patrimônio Cultural e dos consumidores – Lei 7.347/1985 e legislação complementar. 13. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. 523 p. (Revista, atualizada e ampliada).
MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnold; MENDES, Gilmar Ferreira. Mandado de Segurança e Ações Constitucionais. 36. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2014. 1040 p.
ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 5. Ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2011.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acessado em: 25.10.15.
Disponível em: http://www.dicyt.com/noticia/patrimonio-historico-uma-questao-de-cidadania. Acessado em: 28.10.15.
Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br. Acessado em: 11.11.15.
Disponível em: http://g1.globo.com/ap/amapa/noticia/2014/01/centro-historico-de-macapa-tem-ao-menos-30-patrimonios-aponta-estudo.html. Acessado em 12/11/2015.
Advogada. Graduada em Direito pela Faculdade Estácio de Macapá. Pós Graduanda em Direito Público pela Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Danielle Silva dos. A eficácia da Ação Civil Pública na proteção do patrimônio histórico no município de Macapá Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 jan 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/48631/a-eficacia-da-acao-civil-publica-na-protecao-do-patrimonio-historico-no-municipio-de-macapa. Acesso em: 26 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Por: PRISCILA GOULART GARRASTAZU XAVIER
Precisa estar logado para fazer comentários.