Resumo: Aponta para as novas transformações nos fundamentos do Direito Penal e da Criminologia, ressaltando a perspectiva ideológica revolucionária destes novos “fundamentos”. Salienta também a dicotomia ente modernidade e pós-modernidade e os seus reflexos no pensamento jurídico. Além disso, retoma os fundamentos teológicos e filosóficos do pensamento moderno para explicar as transformações no pensamento jurídico pós-moderno.
I – Introdução: A Ideologia, Modernidade e Pós-Modernidade
A definição de modernidade sempre foi um desafio. Mas podemos traçar alguns parâmetros básicos que sustentam a possibilidade de entendermos tal fenômeno. Cabe, antes de tudo, apontar que deste trabalho tenta-se entender os fundamentos epistemológicos do Direito moderno e agora, no mesmo sentido, os desafios do Direito pós-moderno em meio a um contexto de complexas mudanças paradigmáticas e discursivas. Nesse sentido, é tomado como parâmetro de análise de fenômeno de “pensamento laico” que culmina no século XVIII com aparecimento do conceito de “Ideologia”.
Diante de tantas possibilidades de traçarmos os caminhos da Modernidade e, do Direito Moderno, como sua criação suprema é possível partir do pressuposto de que a “era moderna” e nela o chamado “pensamento moderno” surgem de um ambiente no qual está em formação um universo muito mais amplo que costuma-se chamar de “civilização ocidental” ou “cultura ocidental”. Assim sendo, três pilares formam essa cultura ocidental: a filosofia e a cultura greco-romana; o Direito Romano e a tradição judaico-cristã. Ainda nesse último quesito, algo que terá reflexo em toda a formação do “Pensamento Moderno” e, por isso, do “Direito Moderno”, as “Questões Teológicas”, que tantas vezes impregnaram as filosofias medievais e modernas, orientando, mesmo quando se falou num suposto pensamento laico, debates que resultaram num universo heterogêneo, mas que, com muito esforço, podemos chamar de: “pensamento moderno”.
O Direito então passa a ser o universo aonde mais se refletem esses debates e questionamentos. É neste universo, no qual teoria jurídica e teoria política ainda se confundiam, que irá se buscar respostas para o possível ordenamento de uma sociedade que, tida como um projeto, que visava possibilitar a convivência entre os seres humanos, a tal sociedade moderna. Dentre as “questões teológicas” o problema da “Queda” e da origem do mal cobram respostas da Filosofia e em seguida de um Direito que foi pensado e repensado como forma de sustentar um Contrato Social. Ou seja, o homem sobre o qual se volta a Filosofia Moderna e toda a sua trajetória laica é o homem da “Queda”, aquele que foi expulso do paraíso. Essa questão vai ser fundamento para todo o universo Moderno e agora Pós-Moderno. A partir daí, outras dúvidas teológicas surgem e se infundem na filosofia contribuindo para o sustento da tradição moderna, tais como: “Deus existe?”, “Deus desistiu da humanidade ou perdeu o controle?”, “Como explicar e conter o Mal?”. E agora, num mundo sem Deus, como explicar o Ser?”. É a partir destes questionamentos básicos que se sustentam todas as discussões política e jurídica, repletas de ideologias e suas respectivas utopias para as quais, o Direito e Estado modernos, são chamados a ordenar e legitimar.
Em passagem ilustrativa, ensina e esclarece Daniel-Rops:
O fascínio dos livros de viagens - até, paradoxalmente, o grande interesse pelas missões – acabava por criar a famosa lenda do “Bom Selvagem”, tão cheio de virtudes, tão superior ao homem civilizado, e que não tivera necessidade do Evangelho para ser perfeito... [...] Os “filósofos” do século XVIII – Diderot, com a Enciclopédia, e Voltaire – foram buscar ao Dicionário inúmeras armas para as suas lutas anti-religiosas. [...] Assim nasceu a querela entre os antigos e os modernos, em que intervieram os maiores nomes da literatura. (2001, p. 27 a 32)
A trajetória filosófica, discursiva e mesmo epistemológica que levou ao aparecimento do conceito de Ideologia, tem entendimento pacífico na literatura de referência (VINCENT, 1995; ARENDT, 1979; THOMPSON, 1990). Como consequência de uma trajetória intelectual na qual filósofos e philosophes, buscaram encontrar explicações para o entendimento humano que estivessem afastadas, cada vez mais, dos antigos paradigmas medievais contrários a uma visão antropocêntrica da Razão. Em esclarecedora lição, Adão Lara em “Caminhos da Razão no Ocidente” (1986) afirma que:
Os medievais, quando queriam justificar os valores fundamentais da civilização, recorriam às letras divinas (a Bíblia). [...] Nos séculos da Idade Média, o homem é olhado como uma criatura de Deus. Ele se define, na relação com o absoluto, o transcendente, o que está além deste cosmos concreto e material, no qual vivemos. [...] A partir dela toda a cultura se estrutura e toda a civilização se organiza. [...] A racionalidade da convivência era explicada pela teologia, articulação racional da Bíblia, a qual contém a revelação divina e era institucionalizada pela Igreja. O medieval, antes de se sentir membro de qualquer Nação ou Estado, sentia-se membro da cristandade. (p. 26, 27, 28)
A transição para o racionalismo moderno, como assim podemos chamar, é por demais complexa e percorreu uma linha temporal impossível de ser abordada em toda sua amplitude num trabalho introdutório. Cabe aqui, apenas, pontuar passagens e conceitos importantes para a construção do raciocínio que perpassa essa monografia. Feito este esclarecimento, ainda baseado na lição de Adão Lara (1986):
A cultura humanista, pelo contrário, parte de outra premissa: é possível, urgente e proveitoso levar até às últimas consequências a força da racionalidade e da natureza humana, prescindido da revelação e da graça divinas. Não se tratava de mandar Deus às favas. Para a maior parte dos humanistas, tratava-se de pedir a Deus para esperar um pouco, na sala de visitas, até que a razão acabasse o seu trabalho. Era um novo mundo a ensaiar. (p.31)
Entendimento semelhante tem Gonçal Mayos (2004), que, em “O Iluminismo Frente ao Romantismo no Marco da Subjetividade Moderna”, afirma:
Em primeiro lugar devemos definir o que deve ser compreendido como o projeto constitutivo da Modernidade (presente em toda ela ao menos implicitamente). O essencial do projeto moderno é a assunção do desafio de que a humanidade se colocasse totalmente a cargo de si própria a partir de suas exclusivas potencialidades e faculdades. Ele implicava a renúncia absoluta a toda instância ou pretensão que não poderia ser validada a partir do estritamente humano, superando: os ideais ou preconceitos aceitos sem crítica, a autoridade injustificada, toda tradição imposta, toda transcendência que não se desprendesse da imanência, etc. Para isso, na Modernidade partia-se essencialmente do sujeito pensante, de sua autonomia e das evidências que a ele eram dadas, considerando-se que só a partir do sujeito se podia garantir sua certeza ou verdade em função de um método rigoroso. E o objetivo central final era a emancipação humana de todas as servidões exteriores (da natureza, das inclemências e das dificuldades para assegurar uma vida digna) ou interiores (superando a barbárie, a escravidão, o domínio e a violência aos quais os humanos se submetem mutuamente) para então garantir a si a liberdade, a felicidade e a paz. Para isto, em geral, se reconhecia a necessidade de se levar a cabo uma radical revolução ou regeneração – ao menos – da sociedade, de suas intenções e inclusive, do próprio ser da humanidade. (p. 133)
É nesse contexto, retratado em rápida síntese, que se desenvolvem as buscas de um “pensamento humanista”, “pensamento laico”, de uma “autonomia da razão”, de uma “compreensão do entendimento humano”, que abrirá espaço para o surgimento da ideia e conceito de Ideologia no século XVIII.
Segundo a literatura de referência as ideias e os fenômenos que originaram o conceito de Ideologia transitaram por todo o período moderno, podendo mesmo estar na origem da própria modernidade. O conflito entre o Iluminismo e o Romantismo no século XVIII ilustra esta questão. Foram ideologias em conflito que no Direito deram em geral origem a um profícuo debate sobre as possibilidades do Direito tornar-se uma ciência, seguir subordinando o uso da Razão Prática (Kant, 1959) ou às tradições dos costumes (Savigny, 2005). Foi daquele Iluminismo revolucionário que surgiu a Ideologia, enquanto conceito e ensaio de sistema de pensamento.
Em esclarecedor estudo sobre as ideias modernas revolucionárias Ostrensky (2006), observa que:
Na Inglaterra do século XVII, o conceito de revolução remete quase sempre a dois conceitos distintos, invariavelmente relacionados à astronomia e ao que hoje intitulamos física. O primeiro é sinônimo de circunvolução e designa o processo cíclico de geração, corrupção e morte pelo qual passam todos seres, mesmo os grandes corpos das repúblicas. [...] Daí falar-se também, não naquilo que se transforma, mas no que alterna em algo já conhecido, isto é, as repetições e os ciclos. Revolucionar é revolver. [...] Apenas com a Revolução Francesa o conceito se tornará um importante instrumento de compreensão política, designando os episódios históricos em que seres humanos haviam produzido o colapso de uma ordem política, social ou econômica e a emergência, em seu lugar, de novos valores e regimes. [...] O mesmo tipo abordagem pode se aplicar a outras questões, tais como o Direito a expressar determinada opinião religiosa e o caráter representativo do Estado. (2006, p. 27 a 31)
É nesse ambiente tumultuado em termos de ideias e propostas de mudanças que filósofos se confundem com philosophes. Os philosophes iluministas não criavam de fato, sistemas de pensamento, algo próprio dos filósofos e, sim, ideologias revolucionárias e panfletárias que como observa Robert Danton em “Poesia e Política: redes de comunicação na Paris do século XVIII” (2010) usavam os recursos das músicas populares, discurso em via pública ou jornais clandestinos para difundir os seus discursos revolucionários.
Mas, a Ideologia, termo criado pelo francês Antonie Destutt de Tracy, por volta de 1790, tinha como objeto formular um método de pensamento que superasse a chamada metafísica daquele tempo. Nesse sentido, Tracy é apontado tanto como filósofo quanto philosophes, isto porque a sua proposta de sistematização é revolucionária no sentido de se opor à influência do cristianismo nas doutrinas jurídicas e políticas, assim como suas instituições representativas. Por outro lado, ao propor um novo modelo de ordem através de uma nova sistematização racional do pensamento e compreensão humanas estaria na categoria do “filósofo”.
Isso se torna mais claro na relação entre Tracy e Napoleão Bonaparte, que bem esclarece Andrew Vicent em “Ideologias e Políticas Modernas”:
“Ideologia” foi um neologismo composto a partir dos termos gregos eidos e logos. Pode ser definida como “ciência das ideias”. [...] Tracy era profundamente anticlerical e materialista. [...] Como muitos philosophes iluministas e pensadores enciclopedistas Tracy acreditava que todas as áreas da experiência humana, muitas das quais haviam sido previamente examinadas sob o ângulo da teologia, deveriam ser agora examinadas pela razão. [...] Bonaparte, também, de maneira profética, denunciou os idéologues como um “Colégio de Ateus”. [...] Bonaparte parecia sofrer de “ideofogia”. [...] sentido pejorativo de ideologia, indicando esterilidade intelectual, inépcia prática e, mais particularmente, sentimentos políticos perigosos, tendeu a perseverar. [...] Ideologia, assim, tornou-se uma esfera limitada, na França, equivalente a “doutrina política”. [...] Marx usou o conceito no título de uma das suas primeiras obras, A Ideologia Alemã, como um rótulo pejorativo, referindo-se àqueles, principalmente aos jovens hegelianos, que interpretam o mundo filosoficamente, mas que não parecem capazes de transformá-lo. (1992, p. 11 a 16)
A interpretação adotada por John B. Thompson em: “Ideologia e Cultura Moderna”, segue viés análogo ao de Vicent (1992), Segundo aquele:
Por dois séculos, o conceito de ideologia ocupou um lugar central e, às vezes, inglório no desenvolvimento do pensamento social e político. Introduzido, originalmente, por Destutt de Tracy, como um rótulo para uma possível ciência das ideias, o termo “ideologia”, rapidamente, tornou-se uma arma numa batalha política, travada no terreno da linguagem (1998, p. 43).
Adotando uma perspectiva semelhante Frederick M. Walkins em “A Idade da Ideologia”, entende que as ideologias ou mesmo o que chamou de “a idade das ideologias” são credos seculares que atuaram de forma direta nas revoluções dos séculos XVII e XVIII, depois de terem provocado inúmeras reviravoltas e controvérsias religiosas com a Bíblia e o cristianismo. Daí conquistaram importância e influência na conduta de homens e grupos humanos. Mas é com a chamada revolução tecnológica, mais conhecida como Revolução Industrial, que as Ideologias terão o seu papel revolucionário profundamente acentuado. Ainda segundo o autor: “Uma característica típica das modernas ideologias é a sua feição militantemente revolucionária. É uma consequência natural, ainda que de alguma maneira necessária, de suas íntimas relações com o processo de inovação tecnológica” (1966, p. 13).
Em “Origens do Totalitarismo” (1998), Hannah Arendt buscou entender o fenômeno do totalitarismo, tomando como referência o problema da “questão judaica”. Ela obervou o quanto é perigosa a construção de discursos que numa falsa apelação ao bom senso, difundem ideias que aglutinam as massas em torno de certos ideais e utopias que levaram ao massacre de milhões de seres humanos e a quase destruição da sociedade ocidental. Nesse sentido, dois fenômenos são marcantes: o socialismo nazista e a efetivação da experiência de um Estado totalitário moderno. Empreendeu então encontrar os fundamentos históricos, filosóficos e ideológicos que resultaram e se aglutinaram no fenômeno da Segunda Guerra. Encontrou então na Ideologia o seu mais perigoso instrumento de manipulação das massas para formar um ambiente de terror. Segundo Atendt:
Platão, em sua luta contra os sofistas, descobriu que “a arte universal de encantar o espírito com argumentos” (Fedro,261) nada tinha a ver com a verdade, mas só visava a conquista de opiniões, que são mutáveis por sua própria natureza e válidas somente “na hora do acordo e enquanto dure o acordo” (Teeteto, 172b). Descobriu também que a verdade ocupa uma posição muito instável no mundo, pois as opiniões, isto é “o que pode pensar a multidão”, decorrem antes da persuasão da verdade. A diferença mais marcante entre os sofistas antigos e os modernos é simples: os antigos se satisfaziam com a vitória passageira do argumento às custas da verdade, enquanto os modernos querem uma vitória mais duradoura, mesmo que às custas da realidade (1998, 29).
Interessante notar que a formulação dos argumentos de Arendt sobre ideologia quase se aproximam dos de Marx, mas parecem se identificar com os de Napoleão que chamou a Ideologia de uma “metafísica obscura”. Para Arendt a ideologia é um discurso manipulador da verdade e da realidade em função de uma utopia a ser alcançada. Isso gerou no século XX a tragédia dos massacres efetivados através dos Estados totalitários nazifascistas e comunistas, mas que também contaram com a participação de cidadãos que se imaginavam defensores do bem. Como ela mesma afirma: “nos estágios finais do totalitarismo, (absoluto, por que já não pode ser atribuído a motivos humanamente compreensíveis)”, (1998, p. 13). Numa reflexão profunda e esclarecedora afirma a autora:
As ideologias – os ismos que podem explicar a contento dos seus aderentes, toda e qualquer ocorrência a partir de uma única premissa – são fenômeno recente, [...] As ideologias [...] pretendem ser uma filosofia científica. [...] A Ideologia é bem literalmente o que o nome indica: é a lógica de uma ideia. O seu objeto de estudo é a história, à qual a ideia é aplicada. [...] A ideia de uma ideologia não é a essência eterna de Platão, vislumbrada pelos olhos da mente, nem o princípio regulador da razão, de Kant, mas passa a ser instrumento de explicação (1998, p. 520 e 521).
Numa outra perspectiva, em “Interpretação e Ideologia” (1977), o filósofo francês Paul Ricoeur buscou elaborar uma teoria da interpretação do ser, tentando trazer respostas para o grande desafio moderno sobre o sentido da existência. Para isso, Ricoeur desenvolve uma hermenêutica, que como é próprio do século XX, busca o sentido da linguagem desmistificando o processo de interpretação, deixando em suspenso as grandes temáticas teológicas modernas do pecado original e da relação do homem com Deus. Para entender a existência vivida desenvolve uma “filosofia da vontade”, admitindo a falibilidade humana como algo natural sem o remorso da “Queda” ou do “Pecado Original”. É nisso que consiste a sua desmistificação da linguagem numa perspectiva da compreensão do sentido da existência vivida. Afasta-se de certo modo em sua obra do problema da realidade do Mal para admitir a sua possibilidade e assim, assumir o sentido da falibilidade humana. Admite o ser humano como um ser dotado de “negatividade” no sentido de estar dessintonizado de si mesmo.
Nesse ambiente desenvolve uma crítica às ciências humanas e, principalmente uma crítica hermenêutica sobre os discursos ideológicos que estariam sempre presentes em toda forma de conhecimento, por isso, se afasta do conceito de ideologia em quando fenômeno relacionado às classes sociais. Para Ricoeur, seguindo orientação weberiana, a ideologia se manifesta das relações socialmente inte gradas por ações mutuamente estabelecidas, dentro de um sistema de significações. Nas suas próprias palavras:
A ideologia depende daquilo que poderíamos chamar de uma teoria da motivação social. Ela é, para a práxis social, aquilo que é para um projeto de indivíduo um motivo. Um motivo é ao mesmo tempo aquilo que justifica e compromete. Da mesma forma, a ideologia argumenta. Ela é movida pelo desejo de demonstrar que o grupo que a professa tem razão de ser o que é. [...] Mas como a ideologia consegue preservar seu dinamismo? [...] Toda ideologia é simplificadora e esquemática. [...] Sua capacidade de transformação só é preservada com a condição de que as ideias que veicula tornem-se opiniões, de que o pensamento perca rigor para aumentar sua eficácia, como se somente a ideologia pudesse mediatizar não somente os atos fundadores, mas os próprios sistemas de pensamento (1977, p. 68 e 69).
A partir destas conceituações e reflexões sobre a Ideologia é possível desenvolver, explicar e entender como vem ocorrendo a influência de “novas ideologias” que vêm caracterizando o que será chamado aqui, genericamente, de: “Relativismo Jurídico”. O problema em questão aponta para um fenômeno que vem se expandindo de forma genérica, em todo o universo jurídico e, mundialmente, a partir da forte influência do Direito Internacional e suas instituições correlatas. Observa-se uma evidente penetração de novas doutrinas jusfilosóficas que trazem no seu bojo um forte viés ideológico e revolucionário para a nova hermenêutica jurídica, sedimentando novas interpretações que vão se refletir desde a legitimação das novas causas de pedir, passando pela interpretação do Direito, até a jurisprudência e novas leis “revolucionárias”.
Esta “inversão paradigmática” conduz à necessidade de entendimento dos novos suportes epistemológicos do Direito. Além disso, reclama por identificar o sentido destas “novas doutrinas”. Em outras palavras, os seus fundamentos jusfilosóficos e a relação de legitimidade que tem sido utilizada, relacionando a ideia de “mudança do Direito” como reflexo das mudanças no mundo das relações humanas.
Atentamos então para o fato de que tais mudanças, tanto no mundo da vida, como no universo jurídico são oriundas de um Direito Internacional, inteiramente direcionado por Agências, ONGs e Fundações que financiam estas mudanças, adotando as mais sofisticadas técnicas de Engenharia Social ao mesmo tempo em que, atuam como grupos de pressão, principalmente nas Casas Legislativas, no ambiente acadêmico e mesmo no próprio poder judiciário e instituições correlatas através dos adeptos e simpatizantes das novas ideologias jusfilosóficas.
A reprodução exata, por exemplo, do Plano Nacional de Diretos Humanos – 3 (PNDH – 3), no ambiente jurídico, Agenda inclusive, muito pouco citada pelos juristas, porém cuja efetivação das diretrizes demonstra a forte influência deste novo Direito Internacional sobre o Direito Pátrio. E, além disso, ao mesmo tempo, como fundamento legitimador de uma nova compreensão dos direitos humanos completamente distanciada dos antigos paradigmas modernos, principalmente jusnaturalistas e kantianos/hegelianos e agora, evidentemente neomarxistas revolucionários.
É neste atual cenário de intenso confronto ideológico, que o principal herdeiro do Iluminismo racionalista, o Positivismo Jurídico, se torna agora, o alvo predileto das doutrinas relativistas, cujo objetivo é atingir toda e qualquer influência da tradição moderna no Direito, conduzindo-nos para um mundo e um Direito pós-modernos. Não foi o Positivismo Jurídico a única Escola do Direito a se preocupar e a buscar um fundamento científico para o Direito. Mas, sem dúvida, foi a que levou esta questão às últimas consequências. Por isso, atingir o Positivismo Jurídico, tecendo-lhes as mais variadas críticas é, antes de tudo, uma estratégia política, pois enfraquecer o paradigma da segurança jurídica é condição fundamental para uma penetração, cada vez maior, das doutrinas relativistas de base completamente ideológicas, neomarxistas, revolucionárias.
II – Da Nova Epistemologia do Direito: modernidade e pós-modernidade
Em “Sexta-Feira Negra” o escritor americano David Goodis aborda o submundo de um grande centro urbano como a cidade de Filadélfia num cenário pouco estimulante para atitudes honrosas. Onde a sobrevivência tornar-se a ordem do dia e por isso, muitas vezes, não há espaço para a soberania da moral. Nesta obra a personagem central é Hart, um desocupado marginal comete crimes de acordo com as necessidades e possibilidades.
Em meio a um ambiente de frio intenso, numa noite de inverno em janeiro, aquele homem caminhava por uma avenida quando...:
“Ele continuou seu caminho, lutando contra o frio. Passou por uma vitrine com moldura espelhada e permaneceu em frente a ela, olhando para si próprio. [...] Precisava de um corte de cabelo. [...] E também precisava se barbear. [...] Estava envelhecendo. Mais um mês e faria 34. [...]
Percorreu mais um quarteirão e parou em frente a uma loja de roupas. Um cartaz na vitrine anunciava uma liquidação. Um sujeito prematuramente careca arrumava uns trajes na vitrine. Hart entrou na loja.
O vendedor sorriu avidamente para ele.
Hart disse:
- Gostaria de ver um sobretudo.
- Oh, sem dúvida – disse o vendedor. – Temos vários muito bons.
- Quero apenas um – disse Hart. [...]
- Hart disse:
- Você está disposto a me vender um sobretudo?
- Oh, sem dúvida – disse o vendedor. – De que tipo o senhor quer?
- Do tipo quente. [...]
- Hart vestiu o sobre tudo. Ficou perfeito.
- Aí está o seu casaco – disse o vendedor.
Hart correu os dedos pela lã verde brilhante. E perguntou:
- Quanto custa?
- Trinta e nove dólares e 75 centavos – disse o vendedor-, e é uma barganha. [...]
- Está certo disse Hart. – Vou levá-lo. – Dirigiu-se para a porta.
- São 39,75 – disse o vendedor. Ele caminhava atrás de Hart e começou a ficar nervoso assim que Hart acelerou o passo, e gritou: - Ei, escute...
Hart abriu a porta e caiu fora.
Havia três clientes no pequeno botequim da Décima Segunda quase esquina com a Race. [...] Hart dirigiu-se ao banheiro, tirou o casaco e arrancou as etiquetas com o tamanho e o preço do sobretudo. [...] dirigiu-se ao balcão e pediu uma cerveja. Já havia bebido dois terços quando um policial entrou no botequim [...] e então se encaminhou lentamente em direção a Hart.
Hart encarou-o, mantendo o copo próximo à boca.
O policial apontou para o casaco verde brilhante:
- Onde você arranjou?
- Numa loja - respondeu Hart.
- Onde?
- Acho que foi Atlantic City. Mas talvez tenha sido em Albuquerque.
- Você está querendo bancar o esperto?
- Sim – disse Hart.
- Você roubou este casaco, não?
- Claro – disse Hart, e jogou o resto da cerveja na cara do policial e saltou para a frente, enquanto o policial recuava com um grito, e caía fora, escutando, enquanto fugia, a excitação que deixava atrás de si.”(2007, p. 6,7,8, 9 e 10)
A cena descrita ilustra uma situação muito debatida atualmente no universo jurídico. Qual deve ser a compreensão e tratamento dado pelo Direito penal ao fenômeno criminal? Os crimes cometidos por Hart compõem o perfil de criminalidade que assusta os grandes centros urbanos, que torna a vida insegura e faz mobilizar todo aparato policial no tal “combate à criminalidade”? Sendo a resposta afirmativa ou negativa como o Direito Penal e a Criminologia estão sendo utilizados para dar respostas a estes ou outros fenômenos criminais? Hart ilustra o perfil típico de criminoso que alimenta a indústria da (in)segurança?
Como já foi visto não é novidade a incursão de ideologias nas chamadas ciências humanas desde ao menos o século XVIII. De fato, o que chamamos hoje de Ciências Humanas nascem como ideologias que ganham escopo acadêmico-científico a partir do século XIX. Não por acaso durante os séculos XIX e XX o grande desafio foi encontrar um raciocínio que merecesse o status de científico, livrando-se do problema ideológico. Aparece a ideia de pureza, ou seja, de um raciocínio científico puro.
Como exemplo deste dilema no século XIX a grande polêmica para o Direito Penal e a Criminologia sobre o problema da imputação. Se o homem é “predestinado” como imputar a culpa pelo crime? Este comportamento criminoso já não faria parte desta predestinação? Por outro lado, temos o “livre-arbítrio”, que em aparente conflito com a predestinação daria ao homem a mais completa responsabilidade pelos seus pensamentos e atos. Transformar o pecado em crime e fazer a punição não corresponder à vingança foram desde então complexos desafios.
Tal fenômeno só pode ser entendido buscando-se os fundamentos filosóficos e ideológicos das doutrinas atuais. Dificuldade que é possível identificar na literatura brasileira quando tal tema é abordado. As discussões epistemológicas sobre a Teoria Geral do Direito resvalam para o problema dos resumos e dos manuais que inibem o aprofundamento dos debates sobre o tema. Daí, porque a necessidade de recorrer a uma literatura mais eclética, para melhor fundamentar as ideias. A visão de Lenio Streck sobre o problema nos esclarece:
Pergunte-se, por exemplo, a um filósofo se é possível escrever sobre Aristóteles, Kant ou Heidegger de “forma descomplicada” ou “simplificada”...; pergute-se a um cirurgião se é possível fazer manual “descomplicado” acerca de como se faz uma operação cardíaca ou um transplante...; entretanto, parede que o direito se tornou locus privilegiado das (ou dessas) simplificações, como se o jurista não estivesse inserido em um “modo de ser-no-mundo”, enfim em um mundo que existe a partir de paradigmas de conhecimento.
Olhando por este ângulo, a situação hermenêutica da doutrina e da jurisprudência de terrae basilis Não é nada animadora. [...]
A dogmática jurídica, entendida como senso comum teórico (um saber não crítico-reflexivo), vem sofrendo novos influxos decorrentes da massificação do Direito. Nem linha vem crescendo em importância os setores ligados aos cursinhos de preparação para concursos. É o que se pode denominar de “neopentecostalismo jurídico”, em que juristas, à semelhança de alguns pastores/pregadores que podem ser vistos em congressos, sites e até mesmo em televisão, fazem apologia da estandartização/simplificação do Direito. (2013, p. 81, 82)
Temos então como hipóteses deste trabalho três pressupostos: a) que a modernidade tem sólidos fundamentos judaico-cristãos que levaram à construção de um modelo de ordem e, por isso, o objetivo das doutrinas pós-modernas é desmontar esta estrutura e criar o novo modelo de ordem, ou seja, uma “nova ordem” político-jurídica; b) que a influência da ideologia é muito mais presente no ambiente acadêmico, dito científico, do que é comumente aceito e identificado; c) e que, por isso mesmo, o Direito e as demais Ciências Humanas, tornam-se instrumentos veiculadores, difusores e legitimadores destas transformações vinculadas diretamente a movimentos revolucionários e partidos políticos.
Como exemplo, atualmente, estão em vigor, discursos “críticos” que buscam de fato, por dúvida em tudo que esteve constituído. A (des)construção de tudo. Ao mesmo tempo, apresentam-se com propostas salvacionistas de base neomarxista, empreendidas através do gramscianismo e foucaultianismo, que tentam colocar para o Direito Penal um ônus mal calculado. Pari passu, a criminologia é retomada como mero condão legitimador de mudanças contra um Direito Penal. Agora, é a vez de uma criminologia reduzida a um conjunto de ideologias revolucionárias, determinadas a desconstruir o Direito Penal “burguês”. Quais os fundamentos dos novos direcionamentos ideológicos que estão sendo dados ao Direito em geral e, particularmente ao Direito Penal e à Criminologia?
Então é exatamente isso, o discurso jurídico hoje é fundamentalmente ideológico, travado no universo da linguagem, com o objetivo de inverter todo o sentido semântico da linguagem jurídica de outrora. Como bem esclarece Goyard-Fabre:
Mesmo que a explosão crítica do mundo jurídico às vezes se perca, hoje, nos dédalos das discussões argumentativas e deliberativas, tornando-se pesada pelos excessos semânticos e obscuridades linguísticas que a “pós-modernidade” tanto aprecia, ela recorre, de modo mais ou menos voluntário ou mais ou menos consciente, a uma racionalidade não metafísica que permite pensar o direito até na imprescritibilidade de seus princípios fundadores (2006, p. XIX).
O conceito de crime, por exemplo, sempre foi um desafio para o Direito Penal, mesmo quando fez recurso da criminologia desde o século XIX para lhes dar fundamento. No seu trajeto da construção moderna as tipificações do “crime” seguiram diretrizes diversas, mas, sempre esteve orientado, tal como todo o Direito moderno, por parâmetros ético-morais de base greco-romana e judaico-cristãs. O primeiro grande rompimento foi com o conceito de pecado, como parte do processo de afastamento entre instituições cristãs, Estado, Direito, percorrendo o trajeto de uma suposta laicização do “pensamento” ocidental. Logo em seguida, como extensão, aparecem os dilemas da pena. O principal deles: como punir sem vingar?
Entretanto, de acordo com as origens modernas judaico-cristãs o homem tem uma natureza pecadora que, por analogia e extensão, não teria o homem também uma natureza violenta ou mesmo criminosa? Esse tema, que transcorreu todo o debate jusnaturalista e, a própria Teoria do Contrato Social, traz essa preocupação na sua essência. O desafio assim proposto, expõe um leque de opções de como entender o certo e o errado, a virtude e o pecado dentro de uma visão racionalizada e moderna que tem na concepção de “crime” e punição a possibilidade de controlar, em alguma medida, a conduta humana no convívio social.
São muitos os problemas colocados na dimensão jurídica e diversas são a respostas desenvolvidas. A questão sobre a dúvida se existe um comportamento criminoso como resultado de uma mente criminosa ou se, o crime é, de fato, apenas uma construção moral e jurídica, foi também tão influente no Direito Penal quanto na Criminologia.
Temos então a possibilidade de encontrar um conflito ideológico que está sendo travado no interior do universo jurídico através do qual, esses conteúdos ideológicos se travestem de Ciência Jurídica. Nesse ambiente, o inimigo número um é exatamente o Direito de base cristã, correspondendo à crítica que já vinha, ao menos, desde o período e movimento Iluminista.
Desde o início do Segundo Tratado de Governo, em intensa reflexão com Bíblia, quando questiona autoridade de Adão sobre seus descendentes e o as possibilidades do Direito Natural, J. Locke, afirma:
A Liberdade por tanto não corresponde a uma liberdade para fazer o que lhe aprouver, viver como lhe agradar e não estar submetido lei alguma. Mas a liberdade dos homens sob um governo consiste em viver segundo uma regra permanente, comum a todos nessa sociedade e elaborada pelo poder legislativo nela erigido (1998, p. 402 e 403).
Em o Leviatã, T. Hobbes, com reflexão semelhante, afirma:
Um crime é um pecado que consiste em cometer um ato que a lei proíbe, ou em omitir um ato que ela ordena. Assim, todo crime é um pecado, mas nem todo pecado é um crime. A intenção de matar ou roubar é um pecado desde que nunca se manifeste através de palavras ou atos, porque Deus, que vê o pensamento dos homens pode culpá-los por ele ( 1997, p.223).
Um século depois, Beccaria, já na condição de expoente do iluminismo italiano, no opúsculo “Dos Delitos e das Penas”, em radical oposição as discussões bíblicas no Direito, afirma:
Os juízes não recebem as leis dos nossos ancestrais como uma tradição de família e como um testamento que deixasse aos prósperos somente o cuidado de obedecer. [...] Em cada delito o juiz deve fazer um silogismo perfeito. [...] quando o juiz for forçado a construir mais de um silogismo, ou queira fazê-lo, abre-se a porta à incerteza.
Não existe coisa mais perigosa do que aquele axioma comum que é preciso consultar o espírito da lei. Seria um dique rompido ante à torrente de opiniões (1979, p. 40 e 41).
Isto posto, ficam mais claros os fundamentos da afirmação de que é no Direito pós-moderno, permeado por tantas ideologias em conflito, que se observa a mais evidente ofensiva contra a moral judaico-cristã. É neste universo que está se desenvolvendo uma avalanche de doutrinas que tentam extirpar dos Ordenamentos Jurídicos toda a influência do que outrora foi sagrado. Isto porque a primeira e objetiva experiência de “laicizar” o Direito, que já vinha ocorrendo como conteúdo da formação do pensamento moderno, se radicaliza com o Iluminismo, tentando afastar desde então, qualquer conteúdo supostamente “sagrado”. Para Engels e Kautsky, tal fenômeno foi explicado da seguinte maneira:
A bandeira religiosa tremulou pela última vez na Inglaterra no século XVII, e menos de cinquenta anos mais tarde aparecia na França, sem disfarces, a nova concepção de mundo, fadada a se tornar clássica para burguesia, a concepção jurídica de mundo.
Tratava-se da secularização da visão teológica. O dogma e o direito divino eram substituídos pelo direito humano, e a Igreja pelo Estado (2012, p. 18).
Como é possível perceber, não há nada de tão novo, nos atuais grandes debates, que não tenha sido contemplado em outros tempos. O desafio deste nosso tempo é entender como estas questões se manifestam agora. Como são difundidas e, a facilidade como são internalizadas sem a devida reflexão. Sobre isso, observa-se o pouco interesse pela identificação de ideologias políticas no suposto cientificismo acadêmico, num momento em que mais penetra o “relativismo ideológico” no discurso dito acadêmico-científico.
Além disso, a única característica própria do nosso tempo é afastar completamente a moral, como possibilidade de norma organizadora e mantenedora da sociedade e, entregar esta responsabilidade, unicamente ao Direito. Em nenhum momento da história ocidental houve tal entendimento. É exclusivo do nosso tempo, tentar repudiar toda regra moral como mero conjunto de preconceitos, ao tempo em que substituímos o discurso religioso pelas ideologias revolucionárias. Por isso, não é difícil perceber a substituição de uma moral por outra e a tentativa de deslegitimar o direito positivado, pondo em seu lugar a positivação das novas ideologias revolucionárias.
Diante do exposto é possível ampliar a questão mostrando como tais estratégias discursivas invadem as interpretações sobre o comportamento criminoso. Nesta perspectiva de uma inversão de sentidos ou mesmo dos esvaziamentos dos conceitos é estabelecida uma relação direta sobre o crime ser apenas uma invenção jurídica. Desde então, desenvolveu-se bastante, teorias doutrinário-ideológicas, que analisam a tal da violência e em sequência, os crimes, como tendo origens em causas genéricas. Desde as décadas de 60 e 70, do século XX, a O.N.U. vem construindo o discurso do “problema social” através de uma série de Convenções e outros instrumentos internacionais, colocando sempre, desde aquele tempo, o crime como um problema que tem suas origens em questões econômicas. Estava em andamento uma adaptação da teoria rousseauniana-marxista, através da qual, discretamente, foi se infiltrando a lógica de que, se o crime tem origem em problemas socioeconômicos e, uma vez que as economias são em sua maior parte capitalistas, logo, o problema do crime estaria nas relações socioeconômicas capitalistas.
Nesse discurso, os países comunistas sempre foram poupados, misteriosamente, de atenção e críticas. Nesse contexto, foi-se então, passando também a ideia de que, se o problema era o capitalismo, logo, a solução seria o retorno do comunismo em novo estilo. Além disso, foi-se também, tentando anular a interpretação do crime como problema psíquico, ou seja, anulou-se pouco a pouco a concepção de “indivíduo moderno” que, de origem greco-romana e judaico-cristã, foi tão fundamental para a construção da concepção de “homem moderno” e mesmo “cidadão moderno”.
Todos esses debates sempre foram alimentados pela expansão da criminalidade que, em cada tempo e lugar, sempre causou espanto e preocupação na seara penal. Agora constantemente reformulado por ideologias em conflito novas críticas surgem apontado tanto problemas como soluções.
Já no seu tempo, como observa Hungria:
A criminalidade aumenta, condicionada pelo processo de marginalização social, e provavelmente continuará aumentando. [...] O mecanismo policial-judiciário não funciona, apresentando-se como sistema opressivo, desigual e injusto. As investigações realizadas pela polícia são comumente viciadas pela violência ou pela corrupção, atuando seletivamente sobre pobres e marginalizados. A justiça é demasiadamente lenta e surpreendentemente ineficaz. O sistema penitenciário, da maioria dos nossos países, caracteriza-se pela superpopulação em estabelecimentos antigos e inadequados, onde prevalece a ociosidade e a violência (HUNGRIA, 2015, p. 05).
As agendas postas até o momento tratam de estabelecer critérios de análise que vão do extremo da extinção do Direito Penal como defendia Enrico Ferri (2006) ao aumento do rigor e expansionismo penal como já denunciou Jesús-María Silva Sánchez (2013). Ferri propôs a substituição do Direito Penal pela Sociologia Criminal e as penas por políticas de prevenção e ressocialização que ele chamou de “substitutivos penais”. Segundo Ferri numa severa crítica à política criminal:
Esta justiça se mostra inoperante, não só para defender a sociedade contra os delinquentes, senão também para proteger suas vítimas. A reparação dos danos causados pelo delito, não é hoje mais que uma fórmula platônica adicionada à sentença de condenação penal, e que, para produzir um efeito formal, é enviada ante outro tribunal e sofre as custosas lentitudes intermináveis da justiça civil. [...] Não são, pois, somente as razões teóricas tiradas do estudo científico do delito, são também as lições práticas da experiência cotidiana as que impõem uma nova orientação a administração da justiça penal em suas diferentes engrenagens, substraindo-a ao empirismo e ao espírito de expiação e de vingança a vez, de que organiza-la segundo dados experimentais da antropologia e da sociologia criminal (2006, p.263).
Por sua vez, Silva Sánchez (2013) já no nosso tempo, faz uma análise mais ampla, porém com preocupações semelhantes às de Ferri (2006). Silva Sánchez faz críticas severas aos abolicionismos originários de autores que sofrem influência da Escola de Frankfurt. Contudo, sobre a polêmica a respeito da “expansão do Direito Penal”, reconhece que há, de fato, uma forte tendência ao aparecimento de novos tipos penais e o recrudescimento de alguns já existentes. Na sua lição:
Nos últimos anos, a defesa do “minimalismo” tem sido associada, sobretudo, às posturas defendidas por alguns dos mais significativos autores da denominada “Escola de Frankfurt”. Esses voltando-se para a defesa de um modelo ultraliberal do Direito Penal, vêm propondo sua restrição a um “Direito Penal básico” que tenha por objetivo as condutas atentatórias à vida, a saúde, à liberdade e à propriedade, com manutenção das máximas garantias da lei, na imputação de responsabilidades e no processo. Nessa ótica, caracterizam a evolução do Direito Penal “oficial” como uma “cruzada contra o mal”, desprovida de uma mínima fundamentação racional.
Pois bem, ante tais posturas doutrinárias, realmente não é nada difícil constatar a existência de uma clara tendência claramente dominante em todas as legislações no sentido da introdução de novos tipos penais, assim como um agravamento dos já existentes (2013, p. 27 e 28).
Temos então, como expoente do pensamento jurídico-pena latino-americano e de viés socialista, o Eugenio Zaffaroni que, fortemente influenciado pela Escola de Frankfurt alerta para a ineficiência do sistema penal, particularmente na América Latina, onde é exercido fundamentalmente visando os interesses de classes. Para o autor:
Seria completamente ingênuo acreditar que o verdadeiro poder do sistema penal seja exercido, por exemplo, suas agências detêm, processam e condenam um homicídio. Esse poder se exerce muito eventualmente, de maneira altamente seletiva e rodeada de ampla publicidade através dos meios de comunicação social de massa. [...] Diante da absurda suposição – não desejada por ninguém – de criminalizar reiteradamente toda a população, torna-se óbvio que o sistema penal está estruturalmente montado para que a legalidade processual não opere e, sim, para que exerça seu poder com altíssimo grau de arbitrariedade seletiva dirigida, naturalmente aos setores vulneráveis (1989, p. 24 e 27).
Se por um lado é de extrema importância observar os usos políticos do Direito Penal e, de fato, de toda a política criminal, temos também que observar essa forte tendência, também política e ideológica, de perceber o crime como decorrente de questões socioeconômicas. A anulação do psiquismo individual para explicar a conduta delitiva tem implicado numa tendência a enfatizar e demandar uma postura tuteladora por parte do judiciário, frente aos novos desafios que a criminalidade crescente faz apresentar. A dialética imposta a essa situação implica uma permanente tensão entre “indivíduo versus coletivo” que, também, atende muito mais a bandeiras políticas do que a resultados plausíveis em termos de redução das diversas formas de crime.
Todo esse discurso está hoje fundamentado numa suposta Criminologia e até mesmo numa suspeita Sociologia Jurídica que, juntamente com o influente relativismo das Teorias da Argumentação, consolidam no universo jurídico uma completa e radical relativização e inversão conceitual.
III – Filosofia Jurídica: modernidade e pós-modernidade
As questões ligadas ao que se chamou no final do século XX de a crise dos paradigmas não era tão nova assim. Se atentarmos com cautela, já era uma polêmica que se arrastava desde o século XIX. A busca de certeza nas ciências naturais alcançou êxito desde logo. De resto a busca de aperfeiçoamento dos métodos resultaram em permanente aperfeiçoamento e, até mesmo, seguras mudanças de paradigmas. O problema residiu com insistência nas “humanidades”. Atualmente chamadas de ciências humanas, despontaram preocupadas com uma semelhança com as ciências naturais, principalmente quando Augusto Comte lançou a sua Filosofia Positivista.
Já no século XX, quando restou pacificada a ideia de que as ciências humanas não poderiam ser exatas, o caráter científico apontou para a “questão do método”. No vai e vem entre ciência e ideologia, questionando permanentemente todos os paradigmas, o uso de um método lógico fundamenta a possibilidade de um conhecimento seguro e alguma certeza sobre as descobertas e afirmações. Como ensinou Thomas Kuhn:
O significado das crises consiste exatamente no fato de que indicam que é chegada a ocasião de renovar instrumentos. [...] Já não se pode mais falar em pesquisa sem qualquer paradigma. Rejeitar o paradigma sem simultaneamente substituí-lo por outro é rejeitar a própria ciência. [...] Todas as crises iniciam com o obscurecimento de um paradigma e o consequente relaxamento das regras que orientam a pesquisa normal. (1991, p. 105, 110 e 115)
No mesmo sentido argumenta Miguel Reale em “O Direito como Experiência” ao entender que:
Toda pretensão de apresentar a Ciência do Direito independente de quaisquer pressupostos filosóficos, ou os subentende inadvertidamente, ou equívoco agnosticismo filosófico que já equivale a uma contraditória tomada de posição especulativa.
Essa ponderação vem-me à mente sempre que se cuida de traçar uma linha demarcatória rígida entre Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito, concebendo-se esta como algo de pleno e válido em si e por si, com tal abstração, não só dos valores metafísicos ou da cosmovisão que cada jusfilósofo necessariamente possui, mas também dos princípios condicionadores de qualquer tipo de conhecimento dotado de rigor e certeza (1968, p.75).
Atualmente Filosofia Jurídica quase se confunde com Hermenêutica e esta, vem cedendo lugar ao discurso único da Teoria da Argumentação. Em geral os teóricos da argumentação adotam um forte relativismo conceitual e se baseiam na possibilidade de democratizar o Direito fazendo recurso dos “argumentos persuasivos” diante de situações reais. Nos posicionamentos adotados por estas novas “hermenêuticas” sempre a figura do juiz se torna central onde restam duas perspectivas: o texto tem uma verdade que cabe ao juiz encontrá-la e dar voz a esta verdade, ou o juiz interpreta como ato de vontade podendo inclusive se afastar do texto escrito. Em todos dois sentidos é dado ao juiz a responsabilidade e o mérito de fazer a melhor escolha (DWORKIN 2002, 2005; ALEXY, 2011).
Daí porque atribui-se a possibilidade da construção do entendimento a partir de um estado de consciência suficiente para uma decisão ou sentença, apenas baseado em titulações acadêmicas. A ideia de repudiar a interpretação da lei, o texto escrito, como parâmetro para o entendimento tornou-se um dogma disfarçadamente utilizado para implantar outro dogma, que é, exatamente, o relativismo dogmático.
Nesse sentido, esclarece Streck:
[...] deslocar o problema da atribuição de sentido para a consciência é apostar, em plena era do predomínio da linguagem, no individualismo do sujeito que “constrói” o seu próprio objeto do conhecimento. Pensar assim é acreditar que o conhecimento deve estar fundado em estados de experiência interiores pessoais, não se conseguindo estabelecer uma relação direta entre estes estados e o conhecimento objetivo de algo para além deles.
Isso, aliás, tornou-se lugar comum no âmbito do imaginário dos juristas. Com efeito, essa problemática parece explicita ou implicitamente. Por vezes, em artigos, livros, entrevistas ou julgamentos, os juízes (singularmente ou por intermédio de acórdãos nos Tribunais) deixam “claro” que estão julgando “de acordo com a sua consciência” ou “seu entendimento pessoal sobre o sentido da lei”. Em outras circunstancias, essa questão parece devidamente teorizada sob o manto do poder discricionário dos juízes.
Não se pode olvidar a “tendência” contemporânea (brasileira) de apostar no protagonismo judicial como uma das formas de concretizar direitos. Esse “incentivo” doutrinário decorre de uma equivocada recepção daquilo que ocorreu na Alemanha pós-segunda guerra a partir do que se convencionou chamar de Jurisprudência dos Valores. (2013, p. 20)
O que é possível observar então, que com a bandeira de “democratizar o direito” e, elaborar argumentos persuasivos que fundamentem decisões e sentenças, evidencia-se o aumento da possibilidade do mergulho na insegurança jurídica e no arbítrio autoritário do juiz. Mas, este debate, apesar de não ser tão recente a filosofia jurídica, já pode ser considerado um discurso “pós-moderno”. Por isso, enfatiza Streck em “O que é isto – decido conforme mina consciência?”:
Já como preliminar é necessário lembrar [...] que não é e não pode ser aquilo que o interprete quer que ele seja. [...] A pergunta que se põe é: onde ficam a tradição, a coerência e a integridade do direito? Cada decisão parte ou estabelece uma grau zero de sentido?” (2013, p. 25 e 27).
A modernidade e toda sua estrutura teórica sempre estiveram fundadas em dicotomias. “Individual versus coletivo”, “indivíduo versus Estado”, “liberdade versus ordem”, “Estado versus sociedade”. Talvez estas sejam as mais importantes e, por isso mesmo, sempre ocorreu o dilema sobre a facticidade e legitimidade do significado de: “liberdade” e “igualdade”. Além disso, o que sempre agravou tais dilemas foi o fato de a sociedade moderna sempre esteve estruturada em função de alguma hierarquia. A hierarquia não é de modo algum uma invenção moderna, mas sempre foi no interior da própria teorização moderna um ponto frágil utilizado pelos seus opositores.
O projeto moderno, salientando aí o Direito e o Estado, foi uma frustrada investida de criar uma sociedade razoável por aqui mesmo, chegando muitas vezes, às utopias dos paraísos terrestres. Mas, as consequências desse projeto, logo apareceram na medida da sua implantação, dentre elas, a segregação, mostrando que a razão e a ciência não eram suficientes para garantir um resultado plausível.
A segregação parece ser um fenômeno natural nas sociedades humanas. Mas, quais e como os contornos modernos foram se desenvolvendo? No filme de Ridley Scott, Blade Runner – O caçador de Andróides, lançado em 1982, logo alcançou o status de clássico da ficção científica. Previa que no ano 2019, o planeta Terra, já em acentuada decadência, apresentaria um quadro no qual, os habitantes considerados humanos habitam em gigantescos edifícios apartados de tudo. Os demais habitantes são “humanos decadentes” e “androides” que, devido a sofisticada evolução da engenharia genética alcançaram força e agilidade superiores aos verdadeiramente humanos. Esses androides chamados de replicantes rebelam-se, fogem das suas colônias, abandonam a sua gênese e tornam-se uma ameaça aos “humanos superiores”, seus criadores. Para conter esses seres rebeldes e intrusos cria-se uma força especial de polícia para efetivar a “retirada”, o que significa matar, tais criaturas. Essa força policial especial chama-se blade runners, cuja missão é impedir a penetração dos androides nos espaços humanos. O problema está no fato de que os replicantes alcançam características cada vez mais humanas, inclusive não aceitando o limite de tempo de quatro anos para sua existência.
Ao mesmo tempo, os blade ranners apresentam características cada vez mais desumanas. Nessa confusão de parâmetros existenciais e não só por isso, o filme traz inquietações. Independente das origens, “humanos superiores” ou “inferiores” e “replicantes” confrontam-se com questões ontológicas como o conflito com o seu próprio passado, o sentido da existência e o prolongamento da mesma num mundo sem Deus.
Sem passado não há referência para o futuro. Mas qual futuro? Para os replicantes o futuro é imitar o mais possível o seu criador, o homem. Já o homem ao tentar tornar-se Deus, por dominar inteiramente as leis da ciência, condenou-se a perder o sentido da sua própria existência. Vive agora no alto e cercado de muros. Neste mundo blade runner o céu não é para todos e aqueles que não forem eleitos estão condenados a viver no inferno que está embaixo ou à morte como castigo pela rebeldia. Chegamos ao futuro.
Tal como Deckard, personagem-herói, caçador de androides, ao se ver num mundo totalmente criado pelo homem criador, o homem-deus, se questiona sobre a veracidade do seu próprio passado. E se seu passado fosse apenas virtual? Ou seja, e se ele não tivesse passado tal como os androides não têm? Então não haveria porque confiar num futuro. Pois, sem passado, qual seria o futuro? Diante desse impasse, esse presente exíguo, sem a certeza se houve “antes” e haverá “depois”, sublima os seus desejos se entregando com paixão à criação do homem-deus. Acasala com uma androide. Foge na sua nave, buscando um além-paradisíaco por aqui mesmo, pois está convencido de que o Céu é uma ilusão.
O significado do filme “Caçador de Androides”, ilustra muito bem alguns dos principais desafios modernos e pós-modernos e, como isto está posto para dimensão jurídica. Os dilemas entre liberdade e igualdade, o sentido do ser e da existência, a origem do mal, ganham representações variadas de tempos em tempos. Daí porque os permanentes debates sobre a lei mais justa, ou mesmo um Direito justo, buscando até, novas versões a respeito da universalização dos direitos, tentando mesmo, realizar a utopia da paz e felicidade universais.
Essa nova Filosofia Jurídica, que inclusive embasa e interpreta os Novos Direitos Humanos, está baseada sobremaneira em dois livros de K. Marx. São eles, principalmente: A Ideologia Alemã e A Questão Judaica. A obra de Marx está toda voltada para a grande batalha pela descristianização do ocidente, fenômeno que compõe toda a formação do pensamento moderno. Na busca de implantar uma inversão política, jurídica, econômica e social, Marx vai buscar no hegelianismo alguns dos seus principais fundamentos. O debate teológico que ele desenvolve com a juventude hegeliana, verifica-se principalmente, no embate que traça com Bauer e Feuerbach, demonstrando o interesse em fundamentar uma oposição ao cristianismo por ser este uma das principais sustentações da moderna cultura ocidental. Por isso, atingir o Direito, que é parte fundamental desta estratégia, pois é o mesmo que ao legalizar, legitima a manutenção de valores que impedem a revolução.
No primeiro livro leciona o autor:
No que diz respeito ao crime ele é, conforme já vimos antes, o nome para uma categoria universal do egoísta em acordo consigo mesmo, negação do Sagrado, pecado. Nas antíteses e comparações acerca dos exemplos do sagrado apresentadas: Estado, direito, lei, a relação negativa do Eu com esses Sagrados [...]. Como o furto de um pobre-diabo que se apropria de uma moeda alheia pode ser colocado na categoria de crime contra a lei, esse pobre-diabo furta uma moeda sem outra razão que não a de dar ao gosto de infringir a lei. Exatamente o mesmo que Jaques Le bon-homme imaginava mais acima acerca de as leis existirem graças ao sagrado, e que apenas graças ao sagrado os ladrões são metidos no cárcere. [...] Compreende-se, portanto, depois daquilo ficamos sabendo acerca do crime, que a punição é a autodefesa e a resistência do Sagrado contra os que querem dessacralizá-lo (2007, p. 378, 380).
Em A Questão Judaica também fica claro o debate teológico anti-cristão e contra as liberdades individuais:
Se reconhecem o Estado cristão como legalmente estabelecido, reconhecem também o regime de geral escravidão. Porque seria, então, penosa a opressão particular, se aceitam a opressão geral? Por que razão deve o alemão estar interessado na libertação do judeu, se o judeu não se interessa pela libertação do alemão? O Estado cristão sabe apenas de privilégios. Neste Estado, também o judeu possui o privilégio de ser judeu. [...] O Estado é o intermediário entre o homem e a liberdade humana. Assim como Cristo é o mediador a quem o homem atribui toda a sua divindade e todo o seu constrangimento religioso, assim o Estado constitui o intermediário ao qual o homem confia toda a sua não divindade, toda a sua liberdade humana. [...] Assim, nenhum dos supostos direitos do homem vai além do homem egoísta, do homem enquanto membro da sociedade civil; quer dizer, enquanto indivíduo separado da comunidade, confinado a si próprio, ao seu interesse privado e ao seu capricho pessoal. O homem está longe de, nos direitos do homem, ser considerado como um ser genérico; pelo contrário, a própria vida genérica – a sociedade – surge como sistema externo ao indivíduo, como limitação da sua independência original. […] Na democracia aperfeiçoada, a consciência religiosa e teológica aparece a si mesma como mais religiosa e teológica pelo fato de aparentemente não possuir significado político ou objetivos terrestres, de ser assunto de coração retirado do mundo, expressão dos limites do entendimento, produto da arbitrariedade e da fantasia, verdadeira vida no além. O cristianismo atinge aqui a expressão prática do seu significado religioso universal, [...] (2009, p.44, 54,54)
Por isso, Marx entende que:
A democracia política é cristã na medida em que nela, o homem passa por ser soberano, por ser supremo, mas é o homem no seu fenômeno insocial, incultivado, o homem na sua existência contingente, o homem tal como anda e está, o homem tal como está corrompido, perdeu a si mesmo, se alienou, se encontra dado sob a dominação de relações e de elementos inumanos – numa palavra, o homem que ainda não é um ser genérico real (2009, p. 58, 59).
Então, já no final da obra, Marx chega ao centro da sua crítica que é a negação dos Direitos Humanos, conforme estão na Declaração Francesa. Com clareza ele observa:
A incompatibilidade da religião com os Direitos Humanos reside tão pouco no conceito dos Direitos Humanos, que o direito de ser religioso do modo que lhe aprouver, de exercer o culto da sua religião, até está expressamente contado entre os direitos humanos.
Os direitos humanos são como tais, diferentes dos direitos do cidadão. Quem é homem diferente de cidadão? Ninguém senão o membro da sociedade civil. Por que é que o membro da sociedade civil é chamado de “homem”, por que é que os seus direitos são chamados direitos do homem? A partir de quê nós podemos explicar esse fato? A partir da relação do Estado político com a sociedade civil, a partir da essência da emancipação política.
Antes de tudo constataremos o fato de que os chamados direitos do homem e do cidadão, não são outra coisa senão os direitos do membro da sociedade civil burguesa, i. é., do homem egoísta, do homem separado do homem e da comunidade (2009, p. 62, 63).
Uma vez que o “homem egoísta” para Marx (2009) é aquele que desfruta das liberdades individuais e apesar do piedoso exemplo de um ladrão que rouba apenas uma moeda, Marx (2007, 2009) traz toda uma lógica contra o Direito, o Estado e a Lei que foi reproduzida por todos os seus fieis discípulos, principalmente a partir do revisionismo gramsciano elaborado e tão bem difundido pela Escola de Frankfurt. Tal lógica é muito simples e é central na obra de escritores como M. Foucault (1991). O conceito de crime tem origem no pecado e o pecado tem origem na violação das normas de Deus. No sentido inverso, se Deus não existe, como era próprio da pregação ateísta, pecado também não e por isso, a categoria crime não passa de preconceito e meio de controle de classe.
Foucault ainda vai além, substitui o conceito de “sociedade burguesa” por “sociedade do controle” e defende explicitamente em toda sua obra, que toda norma, seja ela moral ou jurídica, é excludente e segregadora. Por se tratar de mecanismos oriundos de uma “sociedade do controle” para acabar com essa exclusão e segregação é preciso extinguir as normas morais e jurídicas. Desta forma, abolindo o crime, estaria se realizando a utopia de uma sociedade sem crimes onde todos são iguais, pois não haveria mais as discriminações ou segregações estabelecidas pelas normas. O próprio Foucault demonstra sua aversão à sociedade das normas, afirmando em “A Verdade e as Formas Jurídicas” que:
Estamos assim na idade do que eu chamo de ortopedia social. Trata-se de uma forma de poder, de um tipo de sociedade que classifico como sociedade disciplinar por oposição às sociedades propriamente penais que conhecemos anteriormente. É a idade do controle social. Entre os teóricos que a pouco citei, alguém de certa forma previu e apresentou como que um esquema desta sociedade de vigilância, da grande ortopeia social. Trata-se Bentham. Peço desculpas aos historiadores da filosofia por esta afirmação, mas acredito que Bentham seja mais importante para a nossa sociedade do que Kant, Hegel etc. Foi ele que programou, definiu e descreveu da maneira mais precisa as formas de poder em que vivemos e que apresentou um maravilhoso e célebre pequeno modelo desta sociedade da ortopedia generalizada: o famoso Panopticon (2005, p. 86).
Observa-se então que o conflito ideológico que atualmente permeia o Direito reflete-se fundamentalmente numa crise de paradigmas jurídicos. Grosso modo, de um lado os revolucionários libertários que tentam abolir um Direito, insistentemente acusado de “repressor”, “ilegítimo” e “segregador”. Do outro, aqueles que admitem as mudanças de paradigmas, mas conservam determinadas tradições jurídicas e filosóficas como parâmetro de orientação para o embasamento de novas doutrinas e paradigmas.
IV - Conceitos, Doutrinas e Escolas Penais: do penalismo positivista ao abolicionismo penal revolucionário
Desde o final do século XIX quando Raymond Saleilles (2006) escreveu “A Individualização das Penas”, que algumas questões tornam-se evidentes no universo do Direito Penal, principalmente, como relacionar liberdade, responsabilidade e punição. Na introdução a esta obra o também, famoso jurista de então, Gabriel Tarde, salienta alguns dilemas para Direito ocidental moderno que continuaram desafios para a Escola Positiva. Por exemplo:
[...] a dificuldade em conciliar suas duas conclusões: por um lado, conservar a responsabilidade moral, apoiada no livre-arbítrio, como fundamento da condenação; de outro, fundar a penalidade em um princípio totalmente distinto: a individuação da pena. [...]
Não obstante, isso significa que, quando o ato não parecer emanar do caráter próprio do agente, quando parecer uma anomalia passageira, não é oportuno punir, já que não há de se reformar seu caráter por causa de atos que não lhe dizem respeito. Portanto, seria mais racional fazer com que a culpabilidade e a penalidade dependessem da natureza do caráter pessoal. E então, responsabilidade e individuação, longe de se contradizerem ou afrontarem-se de maneira estéril, teriam a mesma origem (2006, p. 17).
Na medida em que se pretendia que o Direito e particularmente o penal se afastassem dos juízos de valores morais e o Direito Penal pudesse adquirir um grau de ciência, cada vez mais, no século XIX, a criminologia e a sociologia positivista foram matrizes para embasar a perspectiva do um Direito científico ou, dito de outro modo, uma ciência jurídica. Por isso:
Não se trata de dimensionar a pena com relação ao mal cometido; nem se trata apenas de dimensioná-la segundo o grau de criminalidade empregado no momento do ato; antes de tudo, trata-se de adaptá-la à natureza da perversidade do agente, à sua virtualidade criminal, que se deve impedir que se traduza em novos atos [...] considerando a punição mais como um remédio do que como uma dívida e uma expiação (2006, p. 17).
E ainda, como se estivesse no nosso tempo, observa Tarde:
É algo estranho, quando os criminalistas contemporâneos, naturalistas ou socialistas, investigam as causas do delito, não descobrem mais do que fatores impessoais, o clima, a estação, a raça, as anomalias cranianas ou de outra espécie, os estímulos do meio social; em resumo, naturalizam ou socializam o delito e o tornam impessoal (2006, p. 17).
O entendimento de que o Direito Penal é um conjunto de leis positivadas cujo objetivo é proteger a sociedade é muito evidente nos estudos do século XIX. Essa visão a respeito do Direito Penal originou, inclusive, interpretações mais radicais, algumas das quais estão presentes até hoje. Dentre elas a “defesa social” ou a “nova defesa social”, também o “abolicionismo penal” que, tal como antes e agora, pregam a extinção dos presídios, e a substituição do Direito Penal por uma sociologia criminal que estaria voltada exclusivamente para a adoção de políticas preventivas e ressocializadoras. O próprio Raymond Saleilles admitia: “O Direito Penal, evidentemente, é sociologia criminal” (2006, p. 27).
A primeira questão reside na necessidade de se trazer o Direito Penal para uma proximidade com o mundo fático. E isso, sem dúvida, é ao mesmo tempo uma reação à abstração teórica da Escola Clássica. Pode-se perceber então que são imediatas as reações a essa necessidade ao apresentar-se com certa constância, na medida em que, senão os crimes, mas a forma de cometê-los cobra atualizações das Políticas Criminais e por isso, da persecução penal. Não por acaso surge naquele contexto a expressão “defesa social”, retratando o principal objetivo e função do Direito Penal, para logo em seguida, tornar-se uma Escola penal e criminológica.
A origem moderna da legitimidade do Estado criar leis e punir encontra-se toda no jusnaturalismo e no contratualismo. Hobbes resume muito bem esta questão quando afirma: “Mas tal como os homens, tendo em vista conseguir a paz, e através disso sua própria conservação, criaram um homem artificial, ao qual chamamos Estado, assim também criaram cadeias artificiais, chamadas leis civis” (1997, p. 172).
Em Rousseau, um século mais tarde, a questão está ainda mais clara:
O fim do tratado social é a conservação dos contratantes: quem quer o fim quer também os meios, que são inseparáveis de alguns riscos e até algumas perdas.
[...] quanto mais o malfeitor insulta o direito social, torna-se por seus crimes rebelde e traidor da Pátria, de que cessa de ser membro por violar suas leis e à qual até faz guerra; a conservação do estado não é compatível com a sua, deve um dos dois morrer, e é mais como inimigo que se condena à morte como cidadão (2004, p.46)
Temos então, duas perspectivas diferentes. Em Hobbes temos uma das matrizes do Direito liberal. Já em Rousseau a matriz do Direito socialista. Não por acaso, é o mesmo Rousseau que infunde o início da “naturalização do crime”, ou seja, imputar ao meio ambiente social a culpa pelos comportamentos danosos, uma vez que, para Rousseau, “o homem nasce livre e em toda parte encontra-se a ferros” (2004, p. 23). O homem como vítima do seu meio, essa ideia está presente em muitos jusnaturalistas. Mas é Marx, no século seguinte, que levará tal concepção às últimas consequências.
Neste século XIX, a obra de Liszt se insere num contesto de visível contestação ao classicismo, onde para fundamentar uma tese científica do Direito Penal, um Direito Penal Positivo, a Criminologia passa a ser fonte primária de informações a respeito. Outras necessidades já se apresentam como, por exemplo, trazer o Direito Penal para uma aproximação com a realidade dos atos humanos. Tais ideias, como formadoras do Direito Penal moderno, já podiam ser identificadas no próprio pensamento hobbesiano. Para Hobbes:
Um pecado não é apenas uma transgressão da lei, é também qualquer manifestação de desprezo pelo legislador. Por que tal desprezo é uma violação de todas as leis ao mesmo tempo. [...] Não há lugar para humana acusação de intenções que nunca se tornaram visíveis em ações exteriores. [...]
Nenhuma lei feita depois de praticado um ato pode transformar este num crime, pois se o ato for contraditório à lei de natureza a lei existe antes do ato, uma lei positiva não pode ser conhecida antes de ser feita, portanto não pode ser obrigatória (1997, p. 223, 225).
Porém, nestes contrapontos entre o Direito penal liberal e o Direito penal socialista, uma das grandes expressões do Direito penal socialista atual, a partir da qual Direito Penal e Criminologia voltam a se encontrar é, Alexandro Baratta (2002), numa clara abordagem neomarxista que lhe dá, inclusive, o status de um dos expoentes da Escola da Criminologia Crítica. Segundo o autor:
Um confronto desmistificador. Desde o velho discurso da Sociologia Criminal, que ainda estuda o crime como realidade ontológica preconstituída, até o novo discurso da Sociologia do Direito Penal, que estuda as definições e o processo de criminalização do sistema penal como elementos constitutivos do crime e do status social de criminoso (2002, p. 09).
O argumento de que o Estado não tem direito legítimo para exercer a punição é um discurso marxista muito refletido nas obras de: Gramsci (2004), Habermas (1997) e Foucault (1991). No contexto atual, seguindo as diretrizes do Direito Penal Crítico e da Criminologia Crítica, ou seja, neomarxistas, Zaffaroni (2001), por exemplo, na América Latina, argumenta que o sistema penal já não consegue dar as respostas ao mundo cotidiano e fático, pois atua a partir de construções teóricas que não mais condizem com a realidade. Afirma então ser o sistema penal uma:
[...] programação normativa que baseia-se numa “realidade” que não existe e o conjunto de órgãos que deveria levar a termo essa programação atua de forma completamente diferente. [...] É bastante claro que, enquanto o discurso jurídico-penal racionaliza cada vez menos – por esgotamento de seu arsenal de ficções gastas -, os órgãos do sistema penal exercem seu poder para controlar um marco social cujo signo é a morte em massa (2001, p. 12, 13)
Talvez a primeira questão mais importante que a obra de Zaffaroni tenta mostrar é a condição de um ordenamento jurídico, e mais especificamente de um Direito Penal de Terceiro Mundo. E, retratando tal contexto, diz Zaffaroni: “Hoje, temos consciência de que a realidade operacional de nossos sistemas penais jamais poderá adequar-se à planificação do discurso jurídico-penal” (2001, p. 15). É preciso então que antes de falarmos nas penas perdidas temos que lembrar das inúmeras situações históricas, inclusive recente, nas quais ao invés de nos distanciarmos de certas raízes históricas mantivemos a continuidade. É muito mais honesto do que essa culpabilização frustrada a respeito do “sistema capitalista”.
Tanto Foucault (1991) como Zaffaroni (2001) fazem descrições ideológicas da história das instituições modernas, mudando completamente o sentido do que passaram a chamar de “poder”. A disciplina que passa a caracterizar o sistema penal moderno é sempre analisada e interpretada como simples artimanha do poder de uma classe. Nesse ponto, tanto Foucault como Zaffaroni se articulam com a teoria marxista, substituindo o conceito de “classe burguesa” por “sociedade do controle” e “luta de classe” por “relações de poder”.
Entretanto, Foucault (1991) e Zaffaroni (2001), põem em dúvida o desenvolvimento das doutrinas e instituições penais modernas tal como sinalizam as obras de Hobbes (1997), Montesquieu (1973), Beccaria (1968) e Bentham (2002), por exemplo. A introdução do conceito de “disciplina” é muito mais sinônimo de evolução das regras de convívio desenvolvidas pela sociedade moderna, urbano-industrial, do que a reduzida concepção de repressão ou segregação, como que, implementada como estratégia sorrateira de grupos dominantes. É evidente que as ideologias e poder de classe estão presentes em qualquer grupo social. Nesse sentido, Marx e Foucault, não inventaram nada.
Ao seguir Foucault para analisar a “disciplina” Zaffaroni entra em contradição com seus argumentos iniciais. Primeiro, porque como foi visto a “disciplina” sempre foi carente, sempre houve imenso esforço para impor-se. Segundo, porque parece consolidar a estigmatização de que realmente nós, povos e pessoas de Terceiro Mundo não temos realmente condições de interiorizar os valores modernos de origem europeia, todos girando em torno ou fundamentados mesmo na autodisciplina.
De fato, antes de tudo estamos falando de uma crise da República. Essa crítica ao Direito Penal vem sendo desenvolvida, principalmente com base na teoria marxista de escolas criminológicas tais como a Criminologia da Reação Social, a Criminologia Crítica e o Abolicionismo Penal.
Críticas dirigidas ao Direito Penal e, principalmente essa crítica na América Latina, tem duas variáveis que se apresentam permanentemente. Primeiro, a crítica ao Direito Penal carece de pontuação específica. Segundo, o discurso direcionado contra o Direito Penal é muitas vezes resultado da ausência da reflexão sobre o Estado na República e a sua insuficiência institucional. Em outras palavras, é simplesmente inexistente o desenvolvimento teórico sobre o Estado. Dessa forma, a crítica ao Direito carece de uma reflexão entre a validade e a eficácia passando pela instituição, “Estado”.
Sobre essa tendência pondera Jorge L. Esquirol:
Essa fórmula pode parecer inofensivamente instrumental ou mesmo incidental, uma vez que promete grandes resultados. Todavia ela não é um modo institucionalmente sustentável de fortalecimento do Direito. [...] Esse processo abala e empobrece aquelas mesmas instituições. E, ao mesmo tempo, as torna ainda mais vulneráveis ao neocolonialismo. [...] Agindo desse modo cria-se aquela característica típica de uma “república das bananas” que os reformadores simplesmente alegam descrever e querer fortalecer.
Essa representação do Direito latino-americano como fracassado é ao que me refiro como sendo uma ficção (2011, p. 444).
De modo geral são autores como Zaffaroni (2001) e Nilo Batista (2001), que propõem críticas ao Direito Penal sem, contudo, mostrar exatamente qual caminho a seguir enquanto alternativa, quais reformulações podem ser adotadas e, principalmente aonde, exatamente podemos encontrar alternativas sensatas.
O rápido desenvolvimento tecnológico dotou o Estado de tal capacidade de vigilância que, quando incorporado pelas forças de segurança do Estado, dotaram-no de uma capacidade incrível de vigilância, captura e busca de provas. Ao mesmo tempo é visível que um número cada vez maior de pessoas se dispõe a comer crimes e dos mais variados tipos. Por isso, quando Zaffaroni afirma que o “discurso jurídico-penal é falso” (2001, p. 14) em função da manutenção de interesses das relações de poder, temos de perguntar quem escreve e interpreta sobre o Direito, senão juízes e juristas?
Em outras tantas vezes esses autores “críticos”, tecem suas análises e comentários, direcionando para o Direito o que de fato é uma clara questão de Estado, de República, de divisão de poderes e instituições fortes ou fracas.
Por exemplo, quando Zaffaroni, denuncia:
Seria completamente ingênuo acreditar que o verdadeiro poder do sistema penal seja exercido, por exemplo, quando suas agências detêm, processam e condenam um homicídio. Esse poder que se exerce muito eventualmente, de maneira altamente seletiva e rodeada de ampla publicidade através dos meios de comunicação social de massa, é ínfimo se comparado com o poder de controle que os órgãos do sistema penal exercem sobre qualquer conduta pública ou privada através da interiorização dessa vigilância disciplinar por grande parte da população (2001, p. 24).
O aparato estatal, muito pelo contrário, este sim, exerce um poder mínimo sobre o comportamento das pessoas, inclusive não observa o referido autor, das inúmeras falhas nos sistemas de segurança pública, que poderiam, se mais percebidos do que são, fazer todos os criminosos atuarem quase de uma só vez. Esse aparato estatal exerce uma ameaça violenta e constante, exatamente por que já perdeu todo o poder de controle das massas insubordinadas e do crime em geral. O próprio Zaffaroni em passagem posterior reconhece o problema:
Se todos os furtos, todos os adultérios, todos os abortos, todas as defraudações, todas as falsidades, todos os subornos, todas as lesões, todas as ameaças etc. fossem concretamente criminalizados, praticamente não haveria habitante que não fosse, por diversas vezes, criminalizado (2001, p. 26).
Essa essência da crise da modernidade que leva a buscas de alternativas para o que o está aí é bem retratada quando Zaffaroni diz:
O discurso jurídico-penal não pode desentender-se do “ser” e refugiar-se ou isolar-se no “dever-ser” porque para esse “dever-se” seja um “ser que ainda não é” deve considerar o vir-a-ser possível do ser, pois, do contrário, converte-a em um ser que jamais será. Isto é num embuste. Portanto, o discurso jurídico-penal é socialmente falso, também perverso: torce-se e retorce-se, tornando alucinado um exercício de poder que oculta ou perturba a percepção do verdadeiro exercício de poder (2001, p. 19)
O problema desta reflexão de Zaffaroni, visivelmente influenciada pela teoria marxista é que desloca o Direito deontológico para a dimensão ontológica. Em outras palavras, a perspectiva deontológica se adequou muito bem às tradições modernas na medida em que o “não pecar mais” cedeu lugar para a “ressocialização”. Ainda assim, como observaram Marx e Engels, na Ideologia Alemã (2007), a exigência ou mesmo a possibilidade do vir a ser, nesta perspectiva, nega o ser. Por isso, o direito não pode criminalizar quem é. Sendo assim, o Direito Penal, até então, é uma expressão da modernidade e, dentro deste universo, de valores e doutrinas, cujas origens estão lá no passado dos fins da Idade Média, onde a concepção de liberdade é a palavra de ordem. Agora, o Direito vai se tornando cada vez mais, ontológico, ou seja, o Direito vem sendo chamado para legalizar e legitimar o que o indivíduo é. Qualquer outra disposição legal torna-se preconceito ou repressão. Antes os significados de “liberdade” oscilavam entre estar subordinado à lei e autogoverno ou autocontrole. Então, como adequar o Direito Penal à nossa realidade fática e não reduzi-lo a um abolicionismo inconseqüente ou uma mera regulação do crime? Além disso, quando a filosofia existencialista fala de um “dever-ser”, está falando de expectativa; da possibilidade de normas comuns de conduta e convívio. Por isso adequou-se ao Direito Penal moderno, que buscava distanciar-se da filosofia cristã.
Não é novidade perceber que as instituições modernas, vindas de caravelas, não se adaptaram bem por aqui. Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil já afirmava:
A frouxidão da estrutura social, a falta de hierarquia organizada deve-se alguns dos episódios mais singulares da história das nações hispânicas, incluindo-se nelas Portugal e Brasil. Os elementos anárquicos sempre frutificaram aqui facilmente, com a cumplicidade ou a indolência displicente das instituições e costumes. [...]
Essa ânsia de prosperidade sem custo, de títulos honoríficos, de posições e riquezas fáceis, tão notoriamente característica da gente de nossa terra, [...]. E, no entanto, o gosto da aventura, responsável por todas essas fraquezas, teve influência decisiva em nossa vida nacional (1988, p. 05, 15 e 16).
É ainda importante notar que mesmo os autores brasileiros e latinos que em geral reclamam por um Direito Penal “adequado” vão buscar legitimação para suas “críticas” em autores e doutrinas também estrangeiras, ou seja, distantes do nosso contexto.
Nesse sentido, o Abolicionismo Penal, que nasce nos países nórdicos particularmente na Noruega, chega ao Brasil e América Latina em grande estilo. De base marxista, foucaultiana, essa doutrina prega em regra o fechamento dos presídios e a extinção do Direito Penal. De um modo geral todos esses doutrinadores usam a mesma retórica estratégica de tentar denunciar a permanência de caracteres antigos nos sistemas penais atuais. Não conseguem compreender e explicar os motivos que levam ao aumento das taxas de crime e da população prisional no mundo inteiro, senão, através de acusações genéricas ao capitalismo. Geralmente denunciam os Estados Unidos, como se as prisões cubanas, chinesas ou russas fossem algum modelo a ser seguido.
Segundo Thomas Mathiesen, um dos autores mais reconhecidos dessa corrente,
[...] o sistema penal atual, elaborado por políticos, e muito mais dependente no contexto geral daquilo que chamamos de “opinião pública” e dos meios de comunicação de massa. [...]
O calcanhar de Aquiles, o solo de barro da prisão é sua total irracionalidade em termos de seus próprios objetivos estabelecidos, um pouco como a caça às bruxas sem provas. Em termos de seus próprios objetivos, a prisão não contribui em nada para nossa sociedade e nosso modo de vida. Relatórios após relatórios, estudos após estudos às dezenas, centenas e milhares, claramente mostram isso.
Como vocês sabem, a prisão tem cinco objetivos estabelecidos que são ou têm sido usados como argumentos para o encarceramento. Primeiro, há o argumento da reabilitação, [...]. Segundo, há o argumento da intimidação do indivíduo, [...]. Terceiro, há o argumento da prevenção geral, isto é dos efeitos da intimidação, [...]. Quarto há o argumento da interdição dos transgressores, [...]. Quinto, e último, acrescentem a essa justiça equilibrada – a resposta neo-clássica ao crime através da prisão e a lista estará completa (2003, p. 89, 90, 91, 95).
Mathiesen (2003), com base em Foucault (1991) observa que os mecanismos de controle foram se aperfeiçoando, principalmente com o desenvolvimento e difusão da televisão que define valor es a partir da imagem. A mensagem escrita foi substituída pela imagem. Sendo assim, algumas pessoas passam a ser alvos selecionados de atenção, particularmente no que diz respeito aos mecanismos repressivos.
Daí que, segundo a Escola do Abolicionismo Penal, faz muito pouco sentido punir com prisão pessoas que já são previamente estigmatizadas e, num aparato prisional apartado das suas finalidades. É exatamente nestas teorias do Abolicionismo Penal que Zaffaroni (2001) e Nilo Batista (2001), por exemplo, estão baseados para tecer críticas ao sistema prisional e ao Direito Penal, no Brasil e na América Latina.
Os debates e teorizações sobre a função do Direito Penal em nosso tempo, não são tão recentes. Já vem ao menos desde os anos de 1970, quando tantas formas de rebelião: gangues, terrorismo marxista e máfias (envolvendo a criminalidade econômica), por exemplo, tornam-se, portanto, focos de atenção político-jurídica no mundo inteiro, particularmente na Europa. É nesse ambiente que aparece o Funcionalismo Penal alemão, cuja especulação doutrinária inicia-se exatamente nesse contexto, no qual, pessoas ou grupos “libertários” explodem bombas em lanchonetes repletas de pessoas em quando intelectuais marxistas acusam e reduzem o Direito Penal a uma elaborada estratégia de conspiração de classe e manutenção das relações de poder.
As obras de Roxin (2008) e posteriormente, Jakobs (2007) estão fundamentadas na realidade do mundo pós-Segunda Guerra, contexto esse, que traz, outra vez, a possibilidade se afastamento dos princípios do Direito reincorporado pelo trauma da Guerra. Como salienta Jakobs: “De acordo com uma cômoda ilusão, todos os seres humanos, enquanto pessoas estão vinculadas entre si por meio do direito” (2007, p. 09). A forçosa saída deste paraíso imaginado ocorre por via do visível aumento de todo tipo de crime, no mundo inteiro, na mesma medida em que o Estado do bem-estar Social e a qualidade de vida aumentavam em quase toda parte.
Nesse ambiente, o Funcionalismo salienta preocupação na forma de questionamento que pode ser traduzida com uma única pergunta: qual a função do Direito Penal em uma sociedade? Tomando tal viés Roxin em “Estudos de Direito Penal” desenvolve um amplo debate com o Abolicionismo Penal. Nesta obra inicia com aquele tipo de pergunta, somente mais focada nos argumentos do Abolicionismo. Por isso questiona: “Tem futuro o Direito Penal?”, “O Direito Penal pode ser abolido?”. Segundo o autor, de fato, o Direito Penal caminha para uma grande reformulação, cujos resultados, implicam uma profunda despenalização de determinadas condutas que, mesmo mantidas como típicas e antijurídicas, não refletem necessidade de encarceramento.
Em certo sentido, Roxin concorda com alguns dos fundamentos do Abolicionismo Penal, inclusive admitindo que a necessidade de reforma do Direito Penal não reside apenas numa especulação abstrata. Ao contrário, tudo indica que um dos motivos que levam à necessidade de revisar o conceito e o sentido da “pena” é exatamente o fato de que as taxas de crime aumentaram e os recursos para construir e manter presídios já estão no patamar do esgotamento. Para o autor:
O movimento abolicionista, que possui vários adeptos entre os criminólogos [...] considera que as expostas desvantagens do direito penal estatal pesam mais que os seus benefícios. [...]
Se tais suposições são realistas, o futuro do direito penal só pode consistir em sua abolição. Mas, infelizmente, a inspiração social-romântica de tais ideias é acentuada demais para que elas possam ser seguidas. [...]
Não corresponde, portanto, à experiência que a criminalidade se deixe eliminar através de reformas sociais. [...] As circunstâncias sociais determinam muito mais “como” do que o “se” da criminalidade: quando camadas inteiras da sociedade passam fome, surge uma grande criminalidade de pobreza; quando a maioria vive em boas condições econômicas, desenvolve-se a criminalidade de bem-estar, relacionada ao desejo de sempre aumentar as posses e, através disso, destaca-se na sociedade. [...]
Minha primeira conclusão intermediária é a seguinte: também no estado Social de Direito, o abolicionismo não conseguirá acabar com o futuro do direito penal (2008, p. 03, 04 e 05).
Dito isso, podemos entender que mesmo admitindo que diversas formas de comportamentos proibidos possam ser revistos, quanto ao problema da despenalização é diferente, cabe notar, com sua descriminalização. Essa reestruturação do Direito Penal à qual se referem tanto o Abolicionismo quanto o Funcionalismo implica repensar com mais detalhe e cuidado, tanto as Teorias do Crime quanto as Teorias da Pena.
A reflexão elaborada por Roxin não respalda uma descriminalização inconseqüente como propõem os abolicionistas penais, tomando muitas vezes exemplos distorcidos a respeito do sistema prisional e das causas da criminalidade. Trata-se sim, de reconhecer que, o fato do sistema prisional não regenerar, não implica dizer que se deve simplesmente fechar os presídios e deixar que, por exemplo, estupradores e homicidas venham ao convívio social, como se tais comportamentos fossem tipificações oriundas de preconceitos e interesses de classes. Ainda segundo Roxin:
A descriminalização é possível em dois sentidos: primeiramente, pode ocorrer uma eliminação definitiva de dispositivos penais que não sejam necessários para a manutenção da paz social. [...]
Um segundo campo de descriminalizações é aberto pelo princípio da subsidiariedade. [...] Tal caminho foi encetado pelo direito alemão, p. ex., ao se criarem infrações de contra-condenação. Assim, distúrbios sociais com intensidade de bagatela [..] não são mais sujeitos à pena, e sim, como infrações de contra-ordenação, [...] (2008, p. 12 e 13).
Podemos observar, então, que tais institutos já existem do Direito Penal brasileiro na figura do ”menor potencial ofensivo”. Sendo assim, há uma paridade entre o Direito Penal pátrio e que ocorre no cenário internacional. Contudo, ainda cabe muita preocupação a respeito da pouca diferença que parecemos fazer, de fato, entre menor potencial ofensivo e impunidade. A falta de operacionalidade das instituições que compõem todo o caminho da persecução penal e ainda, quando da competência da execução penal, parece ser, aqui no Brasil, um problema político amplamente generalizado e que está acima de ideologias político-partidárias.
Tal realidade tão evidente no cotidiano das instituições e na relação entre estas e os fenômenos do mundo da rua, mostra em parte, o desinteresse em interpretar adequadamente as doutrinas com seus respectivos institutos e aplicá-las adequadamente, através do nosso ordenamento, aos nossos problemas mais prementes.
V – Ideologia e a Crise de Paradigmas no Direito Moderno e Pós-moderno
Há certos desafios para o Direito que, sem dúvida, fazem parte da sua história. Questões como: o que significa e como alcançar a justiça, como distribuir direitos, o que é ser igual, igualdade em que e para quê, estão desde os gregos e os romanos. Tais desafios fazem parte da história do Direito porque lhe são inerentes a sua existência e sentido. O maior desafio dos tempos atuais se encontra na permanente tensão entre a validade e a eficácia do Direito, uma vez que nos encontramos num ambiente caracterizado por uma profunda crise de legalidade e legitimidade, trazidas por novas ideologias revolucionárias.
É evidente que essa crise da legalidade e legitimidade não tem outra origem senão a incapacidade do Direito em dar respostas eficazes para a realidade do mundo da rua e da relação entre as pessoas, particularmente, neste século XXI.
Não foi por acaso que só recentemente, no século XIX teoria política e teoria jurídica se afastam numa ambição de tratar como entes sempre distintos Direito e Estado. De fato, se a priori, devem ser assim tratados como dimensões abstratas, que primeiro são formuladas no mundo das ideias, já no plano da realidade da vida individual e coletiva um não se realiza sem o outro.
I. Entre o Direito Natural, Direito Positivo e o Positivismo Jurídico.
A busca por uma sociedade perfeita, às vezes chamada de “ideal”, faz parte de uma necessidade individual e grupal de retorno ao paraíso. A literatura inglesa retrata muito bem esta questão. Tanto no campo da teoria jurídica, política, social ou até mesmo nos romances e contos o problema da “queda”, está presente. Em seguida, a influência desta perspectiva vai se fazer presente na França, na Alemanha e até mesmo na literatura russa na qual Dostoiévski é o seu maior representante.
Mutatis Mutandis é a partir da “queda” que começam os problemas modernos, quiçá, a própria modernidade. Vem de longe o debate sobre um Direito ditado pelos deuses e um Direito criado pelos homens. Mas é quando surge o interesse de se criar uma sociedade diferente da que existia até então, ou seja, européia e medieval, é que vai se buscar nos greco-romanos os fundamentos para um novo modelo.
A modernidade foi um projeto que tinha como objetivo construir um novo modelo de sociedade diferente daquela que existia até então. Qual modelo estava sendo questionado? O modelo que vinha até então e que passou a ser chamado pelos “modernos” de “medieval”. De fato, o projeto moderno tinha como ambição construir um novo modelo de sociedade no qual a Igreja e a Monarquia não ditassem os parâmetros de conduta.
O desenvolvimento do conhecimento racional, laico, que passou a ser chamado de ciência também contribuiu bastante para que o homem sentisse confiança em afastar-se da religião e buscar um modelo de sociedade, onde ele mesmo resolvesse os próprios problemas.
Nesse contexto, o que aqui mais interessa é que todas as reflexões filosóficas são direcionas ao mesmo tempo tanto para o Direito quanto para o Estado sem distinção. Mas, há uma questão que precisava ser respondida. Como manter a ordem, ou uma nova ordem?
É bem verdade que as instituições que hoje chamamos de Estado moderno e Direito moderno, não seguiram a linha reta de transformação e evolução como os resumos dos manuais acadêmicos costumam apresentar. E assim foi tanto na relação entre Estado e Direito como, internamente, no que diz respeito ao universo de abrangência de cada uma destas instituições.
Em “O Positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito” (1999), Bobbio descreve muito bem os contextos e trajetórias entre Direito Natural, Direito Positivo e Positivismo Jurídico. Salienta que desde cedo já era reconhecida a necessidade de articular Direito Natural e o Direito Positivo. A partir no século XVIII a antiga dicotomia entre os direitos referidos começa a mudar de rumo. Como Bobbio afirma:
Estas duas espécies de direito não são consideradas diferentes relativamente à sua qualidade ou qualificação: se uma diferença é indicada entre ambos refere-se apenas ao seu grau (ou gradação) no sentido de que uma espécie de direito é considerada superior à outra, isto é postas em planos diferentes (1999, p. 25).
Ao descrever essa evolução histórica do Direito ocidental salienta aspectos importantes quanto ao papel desempenhado pelas diferentes doutrinas. Mostra inclusive a importância de perceber que: “o positivismo jurídico é uma concepção do direito que nasce quando ‘direito positivo’ e ‘direito natural’ não mais são considerados direito no mesmo sentido, mas o direito positivo passa a ser considerado como direito no sentido próprio” (1999, p. 26).
Mas o nascimento do positivismo jurídico retrata, antes de tudo uma crise, na qual se envolvem o direito natural e o que veio a ser conhecido como direito positivo, ou seja, o Direito produzido e estabelecido pelo Estado. Daí surgem algumas questões importantes tais como: a relação entre Direito e Estado, as fontes do Direito, e qual a possibilidade do Direito fornecer legitimidade a todas as pretensões modernas, principalmente com a inclusão no seu discurso do conceito de “povo”.
Não há dúvida de que a monopolização do poder por parte no Estado moderno implicou na necessidade de formação de um Direito único e que, as normas consuetudinárias só poderiam ser aceitas na medida em que, não ameaçassem a segurança da propriedade privada e dos seus detentores.
Isso está muito claro com a formação, desenvolvimento e influência do historicismo romântico que põem dúvidas a respeito do otimismo iluminista que promete trazer para a sociedade humana as possibilidades de uma vida feliz, por conta do uso da Razão. A velha questão da “queda” e do “paraíso”. A modernidade foi um projeto que na evolução do seu empreendimento começou a apresentar falhas, principalmente quando tratou de incorporar a ideia de igualdade e direitos para todos.
Bobbio lembra autores como Burke que duvidou, desde o século XVIII, que a razão e as instituições provenientes dela, o Estado e o Direito, fossem suficientes para cumprir as promessas inclusas no discurso moderno.
Na verdade o conflito que se pretende atual entre jusnaturalismo e positivismo jurídico não tem tanta razão, se for levado em conta que a tradição de origem do positivismo jurídico se remete à Beccaria, um clássico jusnaturalista italiano. Mesmo rompendo com a tradição do Direito Natural e adotando o viés utilitarista, a questão trazida pelo Positivismo Jurídico, não nega o “ter direitos” que possam estar ligados à pessoa humana e sim, a elaboração dos fundamentos do Direito e qual o recorte epistemológico deve ser efetivado para que estes fundamentos possam ser identificados. De fato, não por acaso, é clara a influência do utilitarismo no Positivismo Jurídico logo a partir de John Austin (2006). Os refrões com os quais comumente é atacado o Positivismo Jurídico opacam o sentido e a importância dessa doutrina para o Direito moderno contemporâneo.
Mesmo já sinalizando uma modernidade em crise o Positivismo Jurídico surge como uma possibilidade de organizar uma ordem político-jurídica que pusesse termo aos desmandos dos subjetivismos e vontades das elites. Como mostra Morrison, analisando a obra de Austin:
[...] O fundamento dessa constituição – dessa – nova ordem social – não é a vontade subjetiva ou a vontade das elites que, fisicamente configuram a soberania, e tampouco se reduz a uma questão de relações de poder. [...] A norma falida da vontade da aristocracia devia ser substituída pelo governo racional segundo os ditames do conhecimento positivo; uma ideia que também servia para manter a distância as ideias de um governo por maioria popular que o círculo benthamista passara a defender depois de perder as esperanças de mudar as concepções das elites dominantes. [...] A filosofia analítica subseqüente tem valorizado rigor intelectual e a lucidez da escrita em detrimento de qualquer preocupação mais ampla com a realidade social e política. Em resultado, nas últimas décadas o positivismo jurídico passou a ser atacado por ser um empreendimento sustentado por si mesmo e desvinculado de qualquer contexto. [...] Austin, em nome do rigor analítico e conceitual separou o estudo do direito da tarefa de identificar seu contexto social na realidade social, e também da tarefa de identificar seus efeitos constitutivos sobre essa mesma realidade. Tal impressão é, contudo, resultado de uma simplificação excessiva que se encontra no material didático habitual. [...] Para Austin, os conceitos acham-se inseridos nos processos sociais. Não faz sentido falar de direitos como se eles se sustentassem sobre as suas próprias bases – os direitos não param de pé por si sós, mas extraem seus fundamentos da realidade dos deveres correspondentes; deveres que devem ser exeqüíveis para poder terem existência real (2006, p. 255, 256, 263, 259, 264).
Diante do exposto fica claro que é injusta acusação de que o positivismo jurídico é refratário à realidade da qual nasce o Direito e que ainda seria resistente a mudanças e atualizações no Direito, seguindo o compasso das mudanças no mundo das relações humanas reais.
Para dirimir qualquer dúvida podemos recorrer à obra de Kelsen: “O Que é Justiça?” quando o autor está ponderando sobre qual composição de ordenamento jurídico tornaria mais viável um universo social mais justo. Dentro dessa problemática Kelsen, importante representante do neokantismo no século XX, retoma uma das principais questões modernas e utilitarista, a felicidade. Daí ele pergunta o que vem a ser felicidade e retoma as lições de Platão quando este associava felicidade a justiça. Só que Kelsen admite que mesmo o homem diante do dilema de ter que buscar a sua felicidade na vida social, tem que reconhecer que “nenhuma ordem social poderá compensar totalmente as injustiças da natureza” a exemplo das seguintes questões: “por que não tenho a aparência do outro?” ou “por que a natureza me concedeu tão poucos atrativos?” Então Kelsen afirma: “Uma ordem social justa é impossível, mesmo diante da premissa de que ela procura proporcionar, senão a felicidade individual de cada um, pelo menos a maior felicidade possível ao maior número possível de pessoas” (2001, p. 02, 03).
Mas isso não quer dizer que tal doutrina defende a aceitação da sociedade injusta ou que o Direito nada pode fazer para alterar tal dilema. O que torna-se evidente é a necessidade de se estabelecer uma hierarquia de valores, que atuem como princípios, que, por sua vez, possam de fato ordenar e fundamentar o Direito. Em outras palavras, o que o positivismo jurídico não aceita é uma transformação do Direito através do uso abusivo do poder discricionário das autoridades que lhe competem.
Kelsen então traduz para o Direito a questão moderna da igualdade e da justiça nas relações humanas. Como ele escreve: “Mas quais interesses humanos têm esse valor e qual é a hierarquia desses valores?”. E esclarece afirmando que: “um conflito de interesses se apresenta, todavia, quando um interesse só pode ser satisfeito à custa de outro, ou seja, quando dois valores se contrapõem e não é possível concretizá-los ao mesmo tempo se a concretização de um implicar a rejeição do outro” (2006, p. 06). Em seguida ele mostra que o Direito só pode atuar no universo das relações humanas regulando as escolhas dos princípios e a hierarquia decorrente.
Sendo assim, os dogmas exercem função importantes, pois estão como ponto de partida para a eleição destes princípios e o estabelecimento da hierarquia. Se a princípio tudo parece uma questão de valores, postos inclusive na relação entre o Direito e o seu tempo, logo se faz necessário ultrapassar os limites dos juízos de valor, para recorrer aos juízos de realidade que são os que podem ser verificados no mundo da realidade através da experimentação.
A questão acima, muito bem ilustrada por Kelsen, mostra a dificuldade de igualar o diferente. Desde a Grécia antiga, retratada na obra de Aristóteles (2001) a questão das “desigualdades originais” e a concepção de tratar as desigualdades de forma desigual foi um desafio. O problema está na interpretação que vem sendo dada recentemente a respeito da obra de Aristóteles, a partir do momento em que os resumos acadêmicos distorcem completamente o sentido dos conceitos. Os gregos consideravam que a desigualdade seria algo natural e deveria ser mantida assim, na medida que retratava também uma hierarquia. Por isso é recente a interpretação de “ajuda”, de “amparo” para os que são considerados desiguais, bem retrata nas políticas compensatórias ou também chamadas de descriminação positiva.
Habermas trouxe a mesma questão em outras palavras:
Nisso se reflete o seguinte paradoxo, embutido nos fundamentos da validade do direito positivo; se a função do direito consiste em estabilizar expectativas de comportamento generalizadas, como é que essa função pode ser preenchida por um direito vigente modificável a qualquer momento por uma simples decisão do legislador político? (1997, p. 224).
Cabe então especular sobre as possibilidades do relativismo jurídico que o próprio Habermas contribuiu para desenvolver e que vem atingindo o Direito, extrapolando a competência de sustentar a tese de que se trata apenas de uma adaptação à realidade. O Direito vem sendo chamado a dar respostas às mudanças e crises nas relações humanas, respaldando, muitas vezes, o que antes era o comportamento delituoso. E agora, sob o argumento pseudo-democrático de que é interesse da maioria ou de uma parte significativa da sociedade e isso, sem falar da igualdade das chamadas minorias. Vemos então a importância de rever os alertas que já haviam sido dados por aqueles que, como Burke, passaram a ser pejorativamente chamados de conservadores.
II. O Conflito Epistemológico nas Perspectivas do Positivismo Jurídico e do Liberalismo Igualitário
Até bem pouco tempo enquanto o Direito caminhava em compasso com as tradições morais, culturais etc., os argumentos teóricos também evoluíram no sentido de analisar em que medida o Direito poderia estar mais próximo ou distante destas tradições. Mesmo distante das tradições e adquirindo perfil de um Direito estabelecido pelo Estado ou ainda com pressupostos de uma ciência jurídica, a estabilidade jurídica, necessariamente era característica das duas vertentes.
O conflito entre o jusnaturalismo e o direito positivo parecia sanado através da positivação dos direitos fundamentais, quando, a partir da segunda metade do século XX, o excessivo relativismo jurídico trazido pela influência da Escola de Frankfurt no universo jurídico e filosófico tratou de desregular todas as formas de relações humanas. Foi nesse contexto, que a obra de Kelsen, como representante do positivismo jurídico, tornou-se alvo predileto de ataques e argumentos que segundo Lenio Streck:
“o positivismo enquanto ideologia é identificado nas versões juspositivistas do século XIX [...] geralmente procura-se aplicar a Kelsen um tipo de pecha que o colocaria como defensor do positivismo primitivo caracterizado por esta ideologia, (na medida em que sua obra supostamente pregaria uma espécie de aplicação cega de valores do direito positivo). [...] esse tipo de interpretação só pode ser feita por alguém que possua algum tipo de domínio vulgar da teoria do direito (2014, p.21).
Tal contradição é mais visível no universo jurídico quando os reclames atuais pregam o afastamento de uma moral supostamente preconceituosa das entranhas do Direito. Tem-se com isso fragilizado os ordenamentos jurídicos, de fato, substituindo uma moral por outra, utilizando-se valores respaldados numa tal “divida histórica”. Ou seja, estamos para além da análise do contexto, recomendado inclusive desde os primeiros idealizadores do positivismo jurídico. Temos então o presente analisado por um passado ideologicamente distorcido, obrigando o Direito a dar respostas imediatas para transformações que estão sendo provocadas por movimentos revolucionários, cujas ONG`s e Fundações que os compõem são sabidamente financiadas pelas grandes corporações industriais e bancárias. Ao mesmo tempo, a relativização dos valores morais do nosso tempo vai ocorrer de forma intencional, através das mudanças no modelo educacional e familiar, difundidos com facilidade, através do aperfeiçoamento das tecnologias aplicadas à comunicação de massa, seguindo à risca as instruções do Manifesto do Partido Comunista.
Mesmo nos momentos mais iniciais da obra de Kelsen, por influência kantiana, o Direito não possuía realidade em si mesmo. O Direito para o autor é concebido como um ato de vontade por parte do legislador e demais autoridades de competência jurídica. Até mesmo por que sua teoria na norma não atribui caráter de verdade ou falsidade à norma e sim validade ou invalidade. Foi, principalmente, pelo fato de buscar separar do Direito os aspectos morais, políticos, econômicos e históricos que os positivistas tornaram seus trabalhos passíveis às críticas, tais quais, a de que não relacionavam a teoria jurídica à realidade a sua volta.
Desta forma qual seria então a origem do Direito, o seu fundamento e vínculo a partir do qual um determinado ordenamento jurídico brota e tem validade em uma dada sociedade? Na obra de Kelsen a resposta está no problema da norma hipotética. Entretanto, tal pergunta levaria a uma resposta infinita, pois se considerarmos a Constituição como norma original, a Constituinte como norma fundante da original, caberia sempre a pergunta sobre qual norma deu origem à norma posterior. Em outras palavras, qual norma deu origem à Constituinte? Como esclarece Coelho:
Prosseguir-se, no entanto, neste questionamento significa não alcançar nenhum resultado sensato, pois a competência para editar normas jurídicas sempre decorre de outra norma, e esta, por sua vez somente pode ter sido editada por uma autoridade competente. Estamos diante de uma regressão ao infinito, sem sentido racional. Para enclausurar o sistema jurídico, solucionando a questão em aberto, Kelsen lança mão de uma norma que deve sustentar o fundamento da validade da ordem jurídica como um todo, mas que necessariamente não tenha sido editada por nenhum ato de autoridade. Uma norma não posta, mas suposta (2001, p. 11,12).
Tal perspectiva de uma norma original parece se assemelhar ao problema da origem no jusnaturalismo. Durante muito tempo, os tratados jusnaturalistas foram interpretados de maneira a se entender que os autores estavam apontando para uma origem enquanto marco histórico para o Estado, a sociedade civil, e demais instituições correlatas. Em tais escritos (Locke 1998, Hobbes 1997) era corriqueira a versão de que primeiro surge o Estado civil, para em seguida, a sociedade, também civil, fundada numa suposta racionalidade.
Foi com o advento de obras de jusfilósofos do porte de N. Bobbio (1999) e Michel Villey (2005), que tais equívocos começaram a ser corrigidos. De fato, as metáforas utilizadas pelos jusnaturalistas preenchiam também a necessidade de encontrar um ponto de origem para o novo empreendimento teórico que estava em curso, qual seja; a modernidade. Por isso podemos falar que a modernidade foi um “projeto”. Cada livro escrito propunha um novo modelo de sociedade dando ênfase ao Estado ou à sociedade civil, partindo de uma origem suposta e hipoteticamente elaborada. Tal elaboração metaforicamente originária é muito clara na obra de Rousseau (1958, 2004) quando ele afirma que quando o primeiro homem colocou o pé num pedaço de terra, cercou e afirmou ser dele aquela terra, tem-se ali a origem da propriedade privada.
O problema da origem fora do “paraíso” é um problema “moderno”, por isso atinge também os positivistas. Qual teria sido o primeiro constituinte histórico? Dentro deste contexto, o positivismo jurídico só admite como válido em Direito, o direito que esteja incluso em ordenamento jurídico determinado pelo Estado. Daí que, enquanto o Direito natural não foi incorporado nos ordenamentos jurídicos - e isso só começa acontecer reconhecidamente a partir da Segunda Guerra Mundial – esses direitos não eram reconhecidos como direitos válidos.
A discussão que cabia também e foi trazida por Kelsen era a que dizia respeito à possibilidade de valoração moral da norma jurídica em detrimento de buscar uma eficácia que apontasse para um resultado rigorosamente respaldado. Talvez seja aí que possamos encontrar a origem dos problemas do nosso tempo; o retorno à valoração moral da norma jurídica, mesmo que negando essa valoração. Esconde-se essa valoração no discurso politicamente correto da busca por justiça.
O impasse é então o seguinte: se o Direito Natural preserva direitos que supostamente vinculam-se á natureza humana, qual a finalidade do Direito? Preservar a ordem a partir da regulamentação das condutas e das relações entre as pessoas ou preservar a pessoa em detrimento da preservação da ordem social? Além disso, quando estamos falando da ética no Direito ao que estamos nos referindo?
Os positivistas certamente responderiam que se tudo isso está na previsão do ordenamento jurídico então é legal e é legítimo. Os jusnaturalistas responderiam que baseado na preservação da dignidade da pessoa humana o acusado teria que usar de todos os recursos para provar sua inocência mesmo não sendo ele inocente.
Para o positivismo jurídico a justiça é a justiça do que está previsto no ordenamento jurídico e o Direito é um sistema de normas não-morais. Por influência de Weber, na teoria de Kelsen, o Estado e o Direito se equivalem e tanto em um quanto no outro há uma perspectiva objetiva de coerção. Por essa influência weberiana é que as normas se reduzem a imposições de sanções. Esse ordenamento complexo de normas e bens jurídicos ao qual Kelsen se refere como Direito é também uma questão de escolha. Passa necessariamente pela motivação axiológica e até dogmática. O que ele se opõe, de fato, é ao relativismo axiológico que leva ao relativismo jurídico tirando do Direito o seu caráter puro, isento e científico. Por isso, o problema da origem histórica da norma hipotética é tão importante para coagir e regular o comportamento do homem decaído.
Esse problema fica mais claro na teoria de Kelsen quando é tratada a questão da validade da norma jurídica e a vinculação à norma fundamental. Segundo Coelho:
A validade norma jurídica, em Kelsen, depende, inicialmente, de sua realização com a norma fundamental. Ou por outra, é função da manifestação de vontade de uma autoridade competente. Como as normas jurídicas, pela descrição realizada em preposições, integram um sistema essencialmente dinâmico, o seu conteúdo é irrelevante para a definição de validade. Esse é um aspecto pouco entendido e pouco difundido da teoria pura do direito. A norma jurídica é válida se emana de autoridade com competência para editar, ainda que o respectivo comando não se compatibilize com disposição contida em normas de hierarquia superior (2001, p. 29)
Complementando, todavia, para Kelsen a validade da norma está em certa medida vinculada à sua eficácia. Por isso, ensina Coelho:
Sustenta a teoria pura que tanto a norma jurídica singularmente considerada quanto à própria ordem jurídica como um todo deixam de ser válidas se perdem a eficácia. [...] a validade não se confunde com a eficácia, esta é apenas uma condição daquela. Ou seja, pode-se sintetizar o pensamento kelseniano sobre o assunto na assertiva de que a ineficácia absoluta compromete a validade da norma jurídica. Qualquer relação entre validade e eficácia não se pode estabelecer prontamente nos quadrantes da teoria pura do direito (2001, p. 30, 33).
O apego da teoria pura à questão da norma, sua legitimidade, validade e eficácia ocorre, outra vez, por conta da influência weberiana em Kelsen. O pessimismo niilista que tanto caracterizou as últimas décadas do século XIX e adentra pelo século XX, já vinha em formação mesmo quando observado e ressaltado o otimismo iluminista. Para os jusnaturalistas o problema da “queda”, refletido no “homem decadente”, havia sido superado com o aparecimento do Estado moderno, e da razão instrumental, que nas lições de Hobbes tinha que ser Leviatã por que tinha como objetivo tornar a conduta humana compatível com a convivência coletiva. Entretanto, como mostra Coelho:
A antropologia kelseniana considera o homem naturalmente inclinado a perseguir apenas a satisfação de interesses egoístas. O estabelecimento de uma ordem social não altera essa realidade natural. [...] nem as normas morais ou jurídicas se podem definir a partir da natureza do homem, como pretendem os jusnaturalistas, nem essa mesma natureza se pode modificar pela vontade expressa em padrões de conduta. O homem essencialmente egocêntrico se deixará conduzir de acordo com as prescrições das normas apenas se divisar vantagem – ou, pelo menos, menor desvantagem – na obediência à ordem social. Ao considerar oportuno comportar-se conforme o sentido da norma, no entanto, ele ainda continua manifestando seu caráter naturalmente egoísta.
Por isso, o direito só pode ser entendido como uma ordem social coativa, impositiva de sanções (2001, p. 34, 35).
O problema agora, deste nosso século XXI, não é tanto reconhecer a importância do Direito sancionador e sim, preservá-lo. Trata-se agora de um relativismo axiológico e jurídico, que nem os jusnaturalistas dos séculos XVII e XVIII pensaram em tal proporção. Não é mais reconhecer os Direitos Humanos como direitos válidos e sim, do que estamos falando quando falamos em Direitos Humanos. A partir das novas correntes teóricas que debatem com o positivismo jurídico nas últimas décadas do século XX, a obra de R. Dworkin ganha destaque, principalmente na literatura de língua inglesa.
Apontado como importante representante da filosofia liberal jurídica destacou-se no campo do que vem sendo chamado de “liberalismo igualitário”. Seus trabalhos foram ganhando esse perfil na proporção em que foi transportando a obra de J. Rawls para o universo jurídico.
Como é sabido “Uma Teoria da Justiça” (2000) tornou-se uma referência nas doutrinas sobre o significado de justiça e as novas possibilidades do que poderia ser chamado de uma sociedade justa. Rawls parte de princípios liberais para propor uma revisão do modelo de Estado regido pela doutrina utilitarista, (ver Bem-estar Social), mostrando que não é mais justificável que diante de tanta riqueza ainda existam tantas disparidades que caracterizaram as sociedades contemporâneas, inclusive entre os países ricos. Nos seus trabalhos, enquanto neocontratualista propõe mudanças em princípios que regem as instituições que formam e organizam o Estado, visando obter destas instituições e na relações entre elas, resultados mais aceitáveis do que poderia ser uma sociedade mais justa.
Seguindo esta ideia no seu confronto com o positivismo jurídico de Hart e influenciado pelas doutrinas de Rawls e outros autores, a questão central de Dworkin é a justiça no seu sentido amplo. Porém, analisa e interpreta o Direito contemporâneo na realidade dos tribunais diante das demandas, cada vez mais amplas, por novas concepções do que é ter direitos. Rawls chamou esta questão de “as intratáveis concepções de bem” e Dworkin aborda este mesmo tema, enfatizando as possibilidades do Direito quando desafiando por estas demandas e seus novos significados sobre equidade.
A teoria rawlsiana é certamente considerada uma teoria institucionalista, pois o referido autor era professor de filosofia política em Harvard. Tanto ele quanto Dworkin estão num ambiente onde a palavra “crise” começa a ser generalizada. É nesse ambiente de crise institucional generalizada que tanto Rawls quanto Dworkin ganham notoriedade. Seguindo Gargarella que analisa a obra de Rawls e a influência em Dworkin:
Os vínculos entre as concepções defendidas por Rawls e Dworkin em torno da justiça são claramente mais fortes que suas diferenças. Dworkin preocupa-se em aperfeiçoar uma visão como a proposta por Rawls, mas compartilhando com ele muito dos seus pressupostos básicos. Para Dworkin, uma concepção liberal igualitária adequada precisa apoiar-se em quatro idéias básicas, muito próximas às defendidas por Rawls, Em primeiro lugar, o liberalismo igualitário deve distinguir entre “personalidade” e as “circunstancias” que cercam cada um. O Objetivo desse liberalismo deve ser nesse sentido, igualar as pessoas em suas circunstâncias, permitindo que os indivíduos se tornem responsáveis pelos resultados de seus gostos e ambições: se alguém, situado em uma posição de relativa igualdade com os demais, decide, por exemplo, empreender uma ação muito arriscada, sabendo das possibilidades de que ela termine mal, então, no caso de um final infeliz em sua empreitada, deve arcar sozinho com o resultado obtido. [...] Se uma pessoa prefere o trabalho ao ócio, e a outra o ócio ao trabalho, então certamente serão compensadas de modo desigual, mas essas desigualdades não gerarão transferências adicionais (2008, p. 67, 72). Na mesma ambição de interpretar a obra de Dworkin, Morrison observa que:
[...] ele procura uma objetividade para o discurso jurídico e um novo sentido para a prática jurídica. Uma prática que ele revigora com um compromisso ético particular; o liberalismo jurídico. [...] Ao longo de sua obra, Dworkin substitui o positivismo pela abordagem interpretativa, mas parece conservar algo do legado positivista. [...] A teoria de Dworkin será, então, simplesmente sua interpretação e, desse modo, prescritiva? Será que todo o seu projeto consiste em impor sua versão do liberalismo ao campo cada vez mais diversificado da teoria jurídica?
Contra tal crítica, Dworkin alega estar apresentando uma “verdade” inerente ao material. Sua obra mais elaborada (O Império do Direito, 1986), Dworkin afirma estar trabalhando com a concepção de direito de uma insider e se diz preocupado em manter a “fidelidade” ao material; sua interpretação será fiel ao empreendimento do direito e não irá despojá-lo de seu significado latente; ao recusar-se a discutir a natureza do direito com observadores externos, sua interpretação vai ignorar os comentários céticos e articular melhor a ambição do direito para nós, de modo que possamos unir esforços. [...] Numa época em que a terminologia do pluralismo jurídico tornou-se lugar-comum [...] haverá algum sentido em que se possa falar sobre um conjunto diversificado de práticas que abrangem o direito moderno [...] como se existisse uma corrente inequívoca de ideias comuns? (2006, p. 499, 500, 501).
A crítica de que o positivismo jurídico se afastou da análise social realista para, atualmente, respaldar a posição daqueles que defendem um relativismo jurídico acentuado ou um pluralismo jurídico confortável, que atenda a todas as ansiedades pós-modernas postas em pauta para o Direito, não se legitima se fizermos até mesmo uma breve reflexão sobre os objetivos do Direito e a sua relação com o ambiente do seu tempo. As demandas que estão aí nesse ambiente, e cobradas para o Direito, não se tratam apenas ou simplesmente de carência de regulação legal. Mas, também, porque não podem ser atendidas pelas demais instituições políticas e sociais. Moldar o Direito aos simples clamores políticos das massas é criar um socialismo jurídico autoritário, disfarçado de luta por justiça.
Parece que o dilema da obra de Dworkin passa por estas questões. Questionar a obra do ex-professor, de forma ríspida no seu aspecto semântico, doutrinário e epistemológico, deixou para o ex-aluno, o desafio já trazido pelo mestre de como lidar com os “casos difíceis”. Esses “casos difíceis” que momentaneamente parecem pontuais, de fato, exemplificam nos tribunais o clamor de parte da população de um grupo. O aceite deste clamor pode implicar em violação de princípios e de direitos para a parte do grupo que não se pronunciou. Por exemplo, o reconhecimento de cotas raciais em universidades.
Em “Uma Questão de Princípios” Dworkin afirma que:
Um juiz que decide baseando-se em fundamentos políticos não está decidindo com base em fundamentos de política partidária. [...] A visão correta, creio, é a de que os juízes baseiam e devem basear seus julgamentos de casos controvertidos em argumentos de princípio político, mas não em argumentos de procedimento político. [...] o que é Estado de Direito? Os juristas pensam que há um ideal político distinto e importante chamado o Estado de Direito. Mas discordam quanto ao que é esse ideal. Há, na verdade, duas concepções muito diferentes do Estado de Direito, cada qual com seus partidários. A primeira é a que chamarei de concepção “centrada no texto legal”. Ela insiste que, tanto quanto possível, o poder do Estado nunca deve ser exercido contra os cidadãos individuais, a não ser em conformidade com as regras explicitamente especificadas num conjunto de normas públicas à disposição de todos. [...] Chamarei a segunda concepção do Estado de Direito de concepção “centrada nos direitos”. De muitas maneiras, é mais ambiciosa que a concepção centrada no livro de regras. Ela pressupõe que os cidadãos têm direitos e deveres morais entre si e direitos políticos perante o estado como um todo. [..] O Estado de Direito dessa concepção é o ideal de governo por meio de uma concepção pública precisa dos direitos individuais. [...] A concepção centrada nos direitos, portanto, é mais complexa que a concepção centrada no texto legal. [...] elas são, não obstante, compatíveis quanto aos ideias mais gerais para uma sociedade justa. Qualquer comunidade política será melhor, se seus tribunais não tomares nenhuma atitude que não as especificadas em regras publicadas previamente, e, também, se suas instituições jurídicas fizerem cumprir qualquer direitos que os cidadãos individuais tenham (2005, p. 06 07, 08).
Dessa perspectiva a questão então entre o Positivismo Jurídico e o Liberalismo Igualitário é muito mais de hermenêutica do que de fundamentos epistemológicos ou princípios. Além disso, um “caso difícil” nos tribunais, como foi dito, não se refere em geral a um “caso isolado” e, mesmo quando se trata disso, logo se reflete no âmbito da coletividade para respaldar anseios surdos ou novas perspectivas que são instigadas. Se o Liberalismo Igualitário de Dworkin visa promover condições para ao mesmo tempo respeitar o livre-arbítrio e reduzir desigualdades, como o Direito pode trazer estas respostas se a fragmentação dos direitos pode levar a um instrumentalismo jurídico muito mais potencializador de conflitos do que solucionador?
Analisando a obra de Dworkin, Sgarbi tem o seguinte entendimento:
No ano de 1985, também em livro constituído pela reunião de artigos, Uma Questão de Princípio, Dworkin continua sua trajetória teórica; agora, além de polemizar com seus críticos, procura desenvolver algumas ideias de LDS. Disso resultam modificações terminológicas e desenvolvimentos no particular da compreensão do direito como uma prática interpretativa, ou seja, a teoria de Dworkin sofreu ao longo dos anos aprimoramento.
Aliás, esse processo evolutivo é por ele mesmo reconhecido logo no prefácio do livro O Império do Direito. [...]
Nesse sentido, com ID Dworkin se propõe recolher e aperfeiçoar os esforços anteriores com o objetivo de mais bem desenvolver a ideia do direito como um conceito imperativo de uma perspectiva do caso concreto (2009, p. 168, 169).
Tudo parece começar pela permanente dificuldade de se estabelecer o que é o Direito e então, quais os seus fundamentos e objetivos. Esse problema vai seguramente se refletir em situações reais dos tribunais, onde a discricionariedade do juiz, principalmente nos “casos difíceis”, pode passar por uma interpretação ampla e vaga do Direito, distanciando-se da norma escrita.
A questão da argumentação, ou retórica, não poderia deixar de ser inerente ao Direito, uma vez que, não raro os argumentos e seus fundamentos vão depender do ponto em que se encontram cada uma das partes envolvidas e, até mesmo, o juiz que decide. Nesse sentido, não fica clara oposição de Dworkin quando pondera que Hart valorizava pouco o papel dos princípios (SgarbiI, 2009). Então o que está em jogo é a plausibilidade da segurança jurídica ao aceitar que a decisão judicial seja resultado de uma ponderação entre princípios e regras já estabelecidas, ou arriscar um julgamento baseado em “argumentos políticos”, que vagueiam entre os princípios em busca de amparo legal e, tudo em nome de uma justiça que ninguém sabe ao certo definir qual.
VI - Conclusão: política, crime e Ideologia: as interfaces entre o bem e o mal
É sabido que a formação do Direito moderno implicou o aparecimento de diversas tendências filosóficas, algumas das quais se tornaram Escolas. Sabemos também que o chamado “pensamento moderno” esteve todo pautado em ideologias que, vez por outra, numa forte influência do historicismo, gerou o que ficou conhecido no século XX como: “as grandes narrativas”.
A questão aqui colocada direcionou uma parte deste percurso, tentado mostrar os principais fundamentos dos grandes debates atuais. É evidente que em alguns momentos certas tendências foram deixadas de lado e permaneceu o privilégio no foco em questão. Qual seja: demonstrar os principais aspectos do debate ideológico dentro do direito atual e, em particular, quando direcionados para o Direito Penal e a Criminologia.
Se em algum momento da sua história o Direito Penal e a Criminologia estiveram afastados de determinantes ideológicos e políticas partidárias, agora, não há esperança de ver brotar um conhecimento desinteressado em políticas partidárias.
O romantismo e a utopia criminológica vêm adentrando o Direito Penal e, ao contrário do que pensam muitos, está solapando o lugar de excelência, antes exclusivo do Direito Penal. Não é uma particularidade nacional. Muito ao contrário, trata-se uma expressão da mundialização do Direito Penal na era das Convenções. Mesmo admitindo que estamos sempre imitando heranças que transformamos em passageiros modismos acadêmicos, a mundialização do Direito Penal é uma tendência persistente. Conflita é claro, com tradições locais e com paradigmas acadêmicos que, algumas vezes, levaram séculos em construção. Essa tendência persistente busca sustentar-se num suposto Direito Penal “humanitário” ou mesmo “libertário”, cujos resultados já se apresentam quando se refletem em Políticas Criminais inteiramente fracassadas no mundo todo.
A Revolução Sexual como base deste contexto é um projeto realizado e em andamento. Libertar os instintos sempre foi o ideal revolucionário maior. Agora, quando a frustração e a angústia que tanto caracterizaram a existência, ao menos, segundo os niilistas, não há mais lugar para elas. Agora, o humano meramente humano entra em cena. Impõe sua vez.
Neste ambiente, onde a frustração e angústia são reconhecidas como resultado do autoritarismo, a realização do prazer afronta os conceitos e preconceitos, tanto nas normas morais, quanto nas normas jurídicas. Então, como não haver crimes? E quais as respostas devem ser dadas para tal fenômeno?
Foi nesse contexto acadêmico de Terceiro Mundo que se tornou elegante citar Foucault e outros da mesma geração, mesmo sem se observar ao certo o que pretendiam esses autores. Pouco a pouco, a ideia de “desconstrução” tornou-se uma máxima. Temos ao menos o sintoma da ausência de cultura que tomou conta de um universo acadêmico que deveria ser a autoridade em preserva-la.
O crime tem suas curiosidades por nos deixar sempre próximos ao vazio de sentido da existência. Mas, ainda não é essa a sua principal curiosidade. É curioso como a literatura atual sobre o fenômeno “crime” trata o objeto em questão. É inquietante e sintomático quando o significado de “esclarecimento” é não perceber que, ao negar a consciência do agente do crime, nega-se a consciência do ser humano por completo, depositando no ambiente as responsabilidades pelas condutas. No conjunto, o confortante conceito de “problema social” acolhe também o medo de reconhecermos do quanto somos capazes de realizar o inimaginável, tanto para o bem, quanto para o mal. Acaricia o ego fraco e mimado daqueles que não transpõem a pequena ponte entre o “princípio do prazer” e o “princípio da realidade”.
Mas é no universo das carências materiais e de status, que as almas pobres e aflitas se vendem aos serviços do capital, que suas bandeiras alarmistas, dizem negar. É aí, nesse bom exemplo do absurdo da existência, que vagam almas aflitas e discursos desencontrados, buscando um meio de enaltecer o próprio ego, cuspindo a culpa da sua própria consciência aflita no outro. A alteridade pós-moderna, ao contrário da moderna, se propõe ao conflito e a destruição no sentido mais radical possível. A anarquia niilista é o seu lema.
Como não haver crimes? Tudo está programado, então, para haver crimes. Tudo está sendo feito para isso. O desmantelo das instituições modernas, dentre elas, Estado, Direito e Família tem esse objetivo e, por isso, “crime” tornou-se o mais eficiente meio no conjunto estratégico para fazer a “revolução”. Daí também, a usual confusão entre o liberalismo, enquanto doutrina moderna, e o uso da ideia de liberdade na atualidade com o objetivo de anarquizar qualquer forma de organização. A abolição das restrições ao intenso e imediato prazer instintual é outro importante meio desse conjunto estratégico para destruir a modernidade greco-romana e judaico-cristã. A ideia de liberdade agora não é aquela do liberalismo do século XVII e que migrou para o século XVIII, tornando-se um dos pilares do Iluminismo. Esse liberalismo está consagrado no quinto artigo da nossa Constituição Federal. Os conceitos revolucionários de liberdade e individualismo atuais estão fundamentados nas doutrinas anarquistas. É daí que vem a concepção de que não há limites para o prazer humano e, por isso, toda liberdade é necessária para satisfazer qualquer das necessidades instintivas do ser humano e todo esse querer tem que ser legalizado e legitimado pelo Direito.
Principalmente nas ultimas décadas do século XX e no raiar do século XXI, assistiu-se uma nova forma de controle que usualmente ganhou o nome de “Engenharia Social”. Esta veio se caracterizar pelo uso sistemático de todas as descobertas acadêmicas e científicas com o objetivo muito claro de controlar o comportamento humano em todos os ambientes e dimensões da nossa vida.
Sobre isso é ingenuidade pensar que o uso desse conhecimento está sendo usado para a construção de um mundo melhor, ou que ele é exclusivamente um complô da burguesia etc. Muito ao contrário, qualquer estudo honesto e apurado irá descobrir que foi muito mais o retorno do socialismo ao poder, que requereu o uso planejado dos conhecimentos e das tecnologias para a geração de um novo consenso.
Esse novo consenso e a Engenharia Social são partes fundamentais das novas formas de poder. Por isso, agora, entre outras inversões, se a violência das ditaduras de direita e a agressão dos seus torturadores devem ser imputadas à própria política e aos seus algozes, por que nas revoluções e ditaduras de esquerda, a violência do sistema e a agressão dos seus terroristas e torturadores ficam depositadas na conta da “liberdade”, “igualdade” e “justiça social”?
Muito tem se falado sobre a relação entre “modernidade” e “pós-modernidade”. De fato, a modernidade é uma construção ou até mesmo um projeto, que tem seus fundamentos na filosofia antiga e na filosofia judaico-cristã. A disputa entre modernidade e pós-modernidade traz em seu bojo, ao tempo em que lhe é fundamento, a questão do embate ideológico. Não quer dizer com isso, que essa disputa começou agora. Fez parte de toda a formação do pensamento moderno. Mas é agora, caracterizando a pós-modernidade, esta rivalidade torna-se mais evidente.
Cabe lembrar, que foram os valores espirituais cristãos que muito contribuíram para a formação e base da psique moderna. Por isso, o abandono e repúdio a estes valores ameaçam uma estrutura mental que levou séculos sendo construída e que contribuiu sobremaneira para impedir que os desejos corporais se sobrepusessem aos anseios espirituais. Deste modo, o novo projeto pós-moderno se caracteriza pelo orgasmo corpóreo. Aquele que o corpo biológico pode proporcionar. Até porque o abandono de Deus deixou o “ser” sem asas. Não há outro mundo para o qual ir. Não por acaso, a mais próxima e possível definição do que é o “ser”, na filosofia moderna, se confunde com sua própria condição. Qual seja: o “ser-aí”, o “dasein” e nada mais. Não por acaso, agora, num mundo sem Deus, o intenso prazer, o refrigério que a alma necessita e que a razão não tem como saciar, só pode vir do saciamento do mais forte e poderoso dos instintos: o sexo e as suas sexualidades.
Neste mundo da ausência de sentido para uma existência transcendental só resta o aqui e agora que é estimulado através da exacerbação de tudo que é instintivo. É o abandono do homem espiritual e o retorno ao passado animal. A religião que ainda cabe é exatamente aquela ou aquelas que dizem sim ao natural, que subliminarmente condicionam o espírito ao instinto, invertendo o modelo cristão em toda sua essência. Daí porque, na pós-modernidade, também a religião coletiviza as consciências, perde adeptos a ideia de ”salvação individual”. Vigora a filosofia do “todos podem tudo” ou “é proibido proibir”. Buscar-se uma nova religião universal desde que não se trate de recorrer ao Deus cristão. Nesta nova religião mundial até a salvação é coletiva como que fundada no encontro de um “grande arcano”, retratado na reconstrução de um único arquétipo religioso, uma espécie de empréstimos de todas as religiões para formar uma só. É neste ambiente que as substâncias psicoativas e o sexo exacerbado tonam-se a marca do novo caminho para os únicos prazeres que ainda restam.
A “Nova Engenharia Social” que molda as mentes, comportamentos e vontades tem como referencial a mais famosa das suas tecnologias: a televisão. Mas não é só ela e não se trata mais de mera “indústria cultural”. A Nova Engenharia Social articula através do uso das tecnologias, condiciona inteiramente o comportamento humano aos novos padrões necessários para a consolidação do projeto pós-moderno.
Se na modernidade o ser humano vivia ou deveria viver em busca de Deus, na pós-modernidade o mesmo ser humano vive em busca do prazer por aqui mesmo. Antes a busca do gozo espiritual, agora o gozo sexual. Isso não é resultado do simples “despertar das consciências” como pregam muitos. É sim, resultado de um capcioso trabalho pelas mais diversas vias para condicionar os comportamentos e vontades humanas em todo lugar e em todas as idades. Não por acaso, só como exemplo, somos obrigados a assistir cenas de sexo, ou ao menos, de forte erotização todos os dias da semana nas nossas televisões. Já se ampliam situações em que as crianças, nas escolas, estão aprendendo mais sobre sexo do que sobre geografia. Temos que também conviver com cenas de crime por todos os meios de comunicação. O resultado é uma necessária e instintiva adaptação do nosso cérebro à banalização do sexo e do crime, ou seja, uma adaptação à violência.
Então, o mal parece estar aí, diluído em cada pensamento que temos. Por isso, a necessidade de repudiá-lo e estabelecer causas externas para a sua existência. Como mostram inúmeros fatos da vida e da história, “ser humano”, é ser violento e agressivo, é cair constantemente na armadilha da banalização da agressão, da cobiça e da maldade. Não por acaso, nas interfaces entre o mundo do crime e as relações de poder, nada é o que aparenta ser.
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Bacharel em Direito - FBB; Bacharel em Ciências Sociais - UFBa; Mestre em Sociologia - UFBa; Professor universitário e de faculdades; Atualmente leciona em cursos de graduação: Direito e Serviço Social; Leciona em cursos de pós-graduação: Agência Brasileira de Análise Criminal - ABACRIM, Curso de Especialização em Segurança Pública - (CESP-PMBa), Curso de Especialização em Gestão Estratégica de Segurança Pública - (CEGESP-PMBa); Autor de Livros especializados, artigos acadêmicos e crônicas. Coordenador do Observatório de Estudos Criminais - Salvador - Ba.; Coordenador do Seminário em Direito Penal, Literatura e Hermenêutica: Coordenador Adj. do Curso de Especialização em Ciências Criminais e Sistemas Prisionais - Dom Petrum.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Osvaldo de Oliveira Bastos. Novos Fundamentos Epistemológicos do Direito Penal e da Criminologia: Ideologias, Hermenêuticas e os Dilemas das Liberdades Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 jan 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/48689/novos-fundamentos-epistemologicos-do-direito-penal-e-da-criminologia-ideologias-hermeneuticas-e-os-dilemas-das-liberdades. Acesso em: 22 nov 2024.
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