RESUMO: Prova é o meio pelo qual se busca estabelecer a verdade no processo. Sendo assim, é assegurado às partes, a princípio, o emprego de qualquer meio de prova. Contudo, existem provas que são coibidas por nosso ordenamento jurídico, pelo fato de desrespeitar normas de caráter material ou processual, chamadas, pelo Código de Processo Penal, de provas ilícitas, não tendo sido adotada, legalmente, a divisão doutrinária entre provas ilícitas e ilegítimas. A consequência da prova ilícita no processo é seu desentranhamento e sua posterior destruição. Outrossim, é considerada ilícita a prova lícita oriunda de outra prova ilícita, sendo adotada, portanto, a teoria dos frutos da árvore envenenada. Contudo, a proibição das provas proibidas é amenizado sempre que favoreça o réu, bem como pelo princípio da proporcionalidade, que prega a utilização da prova ilícita quando do conflito entre o princípio da vedação das provas ilícitas e outro princípio constitucional de maior relevância social.
INTRODUÇÃO
A Constituição da República elenca entre os direitos e garantias fundamentais o princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas no processo. Contudo, haja vista não existirem garantias absolutas no direito pátrio, existem hipóteses nas quais é permitida a utilização das provas proibidas no processo.
Sendo assim, o princípio supramencionado é amenizado sempre que a prova ilícita favoreça o réu, diante do princípio do favor libertatis e, para parte da doutrina, sempre que haja conflito entre a proibição da prova ilícita e outro direito de maior relevância social, diante do princípio da proporcionalidade.
Além das provas proibidas, que a doutrina classifica como as ilícitas e as ilegítimas, são também coibidas as derivadas das ilícitas, sendo portanto adotada a teoria dos frutos da árvore envenenada, oriunda do direito norte-americano, que prega que o vício em uma prova contamina as provas que são consectário desta.
Em âmbito do direito brasileiro, em 2008 foi editada a lei 11.690 que regulamentou o artigo 157 do Código de Processo Penal, visando concretizar a disposição contida no artigo 5º, LVI, da Constituição da República, bem como dispôs explicitamente no § 1º do mesmo artigo sobre a teoria norte-americana acima citada.
Entretanto, a citada disposição legal pecou por, mais uma vez, não diferenciar as provas ilícitas, que violam preceitos de direito material, das provas ilegítimas, que ferem disposições processuais, denominando as duas espécies de provas ilícitas e não adotando a classificação proposta unanimemente em sede doutrinária.
A consequência da presença de prova ilícita no processo, conforme o artigo 157 do Código de Processo Penal, é seu desentranhamento e sua posterior destruição, tese essa criticada reiteradamente em âmbito doutrinário, haja vista impossibilitar futura revisão criminal.
É praticamente unânime o pensamento que defende a utilização da prova ilícita sempre que esta beneficie o réu, com fulcro no princípio do favor libertatis, haja vista o direito à liberdade possuir maior relevância do que o direito à proibição das provas ilícitas.
Por outro lado, parcela minoritária (mas muito significativa) da doutrina preconiza a utilização da prova ilícita mesmo em prejuízo da defesa sempre que exista um conflito entre princípios constitucionais e haja um valor maior, amparado constitucionalmente, que tenha que prevalecer sobre o direito à proibição da prova proibida, diante do princípio da proporcionalidade.
O termo “prova” é oriundo do latim probatio e, num sentido comum, é possível defini-lo como a demonstração de verdade de uma preposição. Juridicamente, pode-se conceituar a prova como o meio pelo qual se busca estabelecer a verdade no processo, ou seja, é com o uso da prova que a parte demonstra a certeza do que diz ou alega. É, portanto, o instrumento de verificação do thema probandum, pelo qual se leva ao conhecimento de terceiro uma verdade conhecida pela parte mas desconhecida aos outros.
Sobre o assunto, Fernando da Costa Tourinho Filho explica que:
O termo “prova” é utilizado em tríplice significado: a) prova como atividade probatória: ato ou complexo de atos que tendem a formar a convicção do juiz sobre a existência ou inexistência de determinada situação factual; b) prova como resultado: a convicção do juiz formada no processo sobre a existência ou não de uma dada situação de fato; c) prova como meio: o instrumento probatório para formar aquela convicção. (TOURINHO FILHO. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, p. 232)
Sendo assim, a prova é essencial para que se alcance a vitória em âmbito jurídico. Na verdade, sem sombra de dúvida, pode-se afirmar que a versão bem mais provada, aquela que vier a convencer o julgador, tem tudo para ser a vencedora em determinado processo.
Como já afirmou Bentham “a arte do processo não é essencialmente outra coisa senão a arte de administrar as provas” (BENTHAM, Jeremías. Tratado de lãs pruebas judiciales, vol. 1. E. Dumont (org.). Manuel Ossorio Florit (trat.). Buenos Aires: Valleta Ediciones Jurídicas Europa-América, p.10.)
Corolário disso é que o direito à prova é considerado direito fundamental implícito, oriundo dos princípios do contraditório e do acesso à justiça. Isto por que o contraditório não pode ser analisado apenas em seu aspecto negativo, qual seja, a oposição ou a resistência ao agir alheio, mas, ao contrário, precisa ser encarado como o direito ou a possibilidade de influir ativamente sobre o desenvolvimento e o resultado da demanda, ou seja, em seu aspecto positivo. Seria inútil uma participação no processo que não propiciasse o uso efetivo dos meios necessários à demonstração das alegações.
Marinoni, em posição acertada, ensina que “o direito de produzir prova engloba o direito à adequada oportunidade de requerer a sua produção, o direito de participar da sua realização e o direito de falar sobre os seus resultados” (MARINONI. Luiz Guilherme; ARENHART. Sérgio Cruz. Prova. 1 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais Ltda., p. 258-259).
Devido ao fato das provas visarem o alcance de uma tutela jurisdicional justa, deve ser assegurado o emprego de todos os meios de provas imprescindíveis a corroboração dos fatos. Tanto é verdade isso, que hoje, a teoria predominante prega a não taxatividade do Código de Processo Penal quando da enumeração das provas admitidas em nosso ordenamento jurídico, podendo serem utilizadas quaisquer tipos de provas, contanto que não atentem contra a moralidade e não violem a dignidade humana.
Lado outro, cabe relembrar que o direito probatório não é absoluto, podendo ser limitado quando colidir com outros valores e princípios constitucionais, conforme preconiza o princípio da proporcionalidade.
A finalidade da prova é convencer o juiz a respeito de determinado fato, para que este faça um juízo de valores e procure restaurar, na medida do possível, a “verdade real”. Marinoni, a respeito disso, assevera que “a função da prova é se prestar como peça de argumentação no diálogo judicial, elemento de convencimento do Estado-jurisdição sobre qual das partes deverá ser beneficiada com a proteção jurídica do Órgão Estatal”. (MARINONI. Luiz Guilherme; ARENHART. Sérgio Cruz. Prova. 1 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais Ltda., p. 51).
O objeto da prova é constituído por todos os fatos (no sentido lato do termo), principais ou secundários, que reclamem apreciação judicial e exijam comprovação. Contudo, apenas os fatos que possam dar lugar a dúvida necessitam de comprovação, excluindo-se, portanto, a prova para os fatos notórios (notória vel manifesta non egent probatione), os fatos evidentes (axiomáticos ou intuitivos), as presunções legais (absolutas ou relativas), bem como os fatos inúteis.
1.2. Distinção doutrinária entre provas ilícitas e provas ilegítimas
Primeiramente, cabe ressaltar, que a distinção ora apontada decorre apenas da visão doutrinária sobre o assunto, haja vista que a Lei 11.690 de 2008, ao modificar o art. 157 do Código de Processo Penal, aboliu qualquer diferença entre provas ilícitas e ilegítimas, equiparando-as. Na mesma linha de pensamento, o art. 5º, LVI da grundnorm não diferencia as duas expressões.
Contudo, os processualistas, em geral, estabelecem diferença entre as provas obtidas em desrespeito a norma de cunho processual (ilegítimas) e àquelas que violam preceito de direito material (ilícitas). Segundo a doutrina, o gênero denominado “prova proibida” engloba, portanto, as supracitadas espécies de prova.
Capez ao discorrer sobre o assunto preceitua que:
A ilicitude formal ocorrerá quando a prova, no seu momento introdutório, for produzida à luz de um procedimento ilegítimo, mesmo se for lícita a sua origem. Já a ilicitude material delineia-se através da emissão de um ato antagônico ao direito e pelo qual se consegue um ato probatório, como nas hipóteses de invasão domiciliar, violação do sigilo epistolar, constrangimento físico, psíquico ou moral a fim de obter confissão ou depoimento de testemunha etc.(CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo. Editora Saraiva, p. 345)
Portanto, a prova vedada comporta duas espécies:
a) Prova Ilegítima: viola norma de natureza processual. Exemplo disso é o documento exibido em plenário do Júri, desobedecendo ao art. 479, caput, do CPP ou o depoimento prestado violando sigilo profissional.
b) Prova Ilícita: afronta normas de direito material. Sendo assim, todas as provas produzidas mediante a prática de crime ou contravenção ou aquelas que violem normas de Direito Civil, Comercial ou Administrativo, bem como aquelas que violem princípios constitucionais, serão acoimadas de ilicitude e, portanto, vedada será sua utilização.
O Ministro do STF Ilmar Galvão, relator na APn 307-3, sobre a vedação da utilização das provas ilícitas, assim se posicionou:
É indubitável que a prova ilícita, entre nós, não se reveste da necessária idoneidade jurídica como meio de formação do convencimento do julgador, razão pela qual deve ser desprezada, ainda que em prejuízo da apuração da verdade. É um pequeno preço que se paga por viver-se em um Estado Democrático de Direito (Disponível em: < www.stf.jus.br >. Acesso em 01 de junho de 2011.)
Enfim, é importante notar, que quando um magistrado se depara com uma prova ilícita, não é ele obrigado a se declarar suspeito, podendo, portanto, continuar atuando no processo.
Não só as provas obtidas ilicitamente são proibidas, como também as denominadas ilícitas por derivação. Entende-se a prova ilícita por derivação como sendo aquela que, embora sendo lícita, decorre de prova anterior ilícita.
À guisa de exemplo pode-se citar a escuta telefônica (prova ilícita) propiciando a informação do lugar em que se encontra o entorpecente, que, a seguir, é apreendido com todas as formalidades legais. Sendo assim, a obtenção ilícita daquela informação se projeta sobre a diligência de busca e apreensão, aparentemente legal, maculando-a com ilicitude penal.
A inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação decorre da teoria dos frutos da árvore envenenada (fruit of the poisonous tree ou fruit doctrine), oriunda do Direito Norte Americano.
Aludida teoria foi adotada pelos Estados Unidos da América em 1914 para os Tribunais Federais e em âmbito estadual desde 1961, sendo que a maior repercussão se deu em 1920, no caso Silverthorne Lumber Co. v. United States, 251 US 385, quando a Corte decidiu que o Estado não podia intimar uma pessoa a entregar documento cuja existência fora descoberta pela polícia por meio de uma prisão ilegal.
A citada teoria subsume-se na ideia de que o vício da planta se transmite a todos os seus frutos ou, em linguagem jurídica, de que o vício presente em determinada prova alcança as provas que desta derivam.
Em âmbito nacional, o Ministro Sepúlverda Pertence, Relator no Habeas Corpus n. 69.912 RS, assim se posicionou:
Vedar que se possa trazer ao processo a própria “degravação” das conversas telefônicas, mas admitir que as informações nela colhidas possam ser aproveitadas pela autoridade, que agiu ilicitamente, para chegar a outras provas, que sem tais informações não colheria, evidentemente, é estimular, e não reprimir a atividade ilícita da escuta e da gravação clandestina e conversas privadas [...] E finalizando: ou se leva às últimas consequências a garantia constitucional ou ela será facilmente contornada pelos frutos da informação ilicitamente obtida. (Informativo STF n. 36, de 21-6-1996)
Neste contexto leciona Tourinho filhe que “é preferível que o criminoso fique impune a permitir o desrespeito à Lei Maior” (TOURINHO FILHO. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, p. 263).
Segundo Capez, “Tal conclusão decorre do disposto no art. 573, § 1º do CPP, segundo o qual “a nulidade de um ato, uma vez declarada, causará a dos atos que dele diretamente dependam ou sejam consequência””. (CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo. Editora Saraiva, p. 347).
O Código de Processo Penal aborda o assunto em seu art. 157, §§ 1º e 2º, que assim dispõem:
§ 1º. São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
§ 2º. Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ai fato típico objeto da prova.
Portanto, no caso das provas derivadas das ilícitas puderem ser obtidas sem necessidade dos elementos informativos revelados pela prova ilícita, não haverá invalidade do processo. Inclusive, sobre o assunto, já se posicionou o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Habeas Corpus n. 76.231 RJ (Informativo STF n. 115) (Disponível em: < www.stf.jus.br >. Acesso em 01 de junho de 2011).
Marinoni, com sua clareza habitual, ensina que:
O problema é saber quando uma prova está ligada a outra de modo a se contaminar por sua ilicitude. Deixe-se claro, antes de mais nada, que a ilicitude da prova não contamina o fato a ser esclarecido, podendo se ligar, no máximo, a outras provas. Porém, uma prova ilícita não contamina, como é lógico, todo o material probatório, pois nada impede que um fato seja provado por meio de provas lícitas que nada tenham a ver com a prova ilícita. A prova obtida de modo ilícito pode propiciar uma outra prova, que então estará contaminada, mas nada impede que o fato que se desejou demonstrar seja objeto de uma prova que com ela não tenha qualquer vinculação. Esta última prova não pode ser dita derivada da ilícita ou pensada como contaminada. Tal prova é absolutamente autônoma e independente. (MARINONI. Luiz Guilherme; ARENHART. Sérgio Cruz. Prova. 1 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais Ltda., p. 258-259).
Pode-se, portanto, considerar uma prova contaminada por outra ilícita quando for consequência desta. A solução desta problemática é descobrir se a prova teria sido produzida ainda que a prova ilícitas não tivesse sido obtida, não sendo, contudo, tarefa das mais simples de se resolver no caso concreto.
A doutrina espanhola, no tocante ao assunto, afirma que para ter contaminação entre as provas é exigida a presença de conexão natural e conexão jurídica, ou seja, o elemento fático e a ocorrência, em caso de eliminação da segunda prova, de real efetividade à tutela dos direitos fundamentais (MARINONI. Luiz Guilherme; ARENHART. Sérgio Cruz. Prova. 1 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais Ltda., p. 261).
Existem, porém, exceções à teoria dos frutos da árvore envenenada. No caso de descobrimento inevitável, por exemplo, entende-se que não há razão para reputar a prova derivada da ilícita como nula ou ineficaz, isto porque a descoberta advinda da prova ilícita ocorreria mais cedo ou mais tarde.
Na hipótese de descobrimento provavelmente independente, a segunda prova não é admitida como derivada, mas como uma prova provavelmente independente, e, assim, despida de nexo causal com a prova ilícita.
O professor Renato Brasileiro de Lima cita, ainda, como limitações à prova ilícita por derivação, as seguintes teorias: limitação da mancha purgada, exceção da boa-fé, teoria do risco, limitação da destruição da mentira do imputado, doutrina da visão aberta, limitação da renúncia do interessado, limitação da infração constitucional alheia e limitação da infração constitucional por pessoas que não fazem parte do órgão policial (LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal, volume único. 2ª edição. Salvador: Juspodivm, p. 591/602).
Sendo assim, é possível concluir que a teoria dos frutos da árvore envenenada é relativa, devendo ser utilizada nas hipóteses em que a prova derivada da ilícita seja realmente corolário único desta, não devendo ser adotada, a mencionada teoria, quando a prova decorrer de descoberta inevitável ou de descobrimento provavelmente independente, entre outras.
Enfim, cabe ressaltar que o STF, inicialmente, admitia as provas consideradas ilícitas por derivação, argumentando que seria preferível a admissão dessas provas a garantir a impunidade de organizações criminosas, adotando, portanto, o princípio da proporcionalidade. Porém, hoje, a corrente majoritária do STF proíbe a utilização dessas provas, visando dar efetiva concretização à inadmissibilidade de provas ilícitas.
Visando regulamentar o preceito contido no art. 5º, LVI, da Constituição Federal foi editada a Lei n. 11690/2008 que disciplinou no art. 157 do Código de Processo Penal a matéria relativa ás provas ilícitas. Sendo assim, o artigo mencionado preceitua a inadmissibilidade das provas ilícitas (ilícitas propriamente ditas e ilegítimas, exceto aquelas que poderiam ser descobertas independentemente, apenas seguindo-se os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação criminal).
Esta lei, não distinguiu as provas produzidas com violação das disposições materiais (provas ilícitas) daquelas realizadas em contrariedade a disposições processuais (provas ilegítimas). Além disso, o § 3º do art. 157 do CPP preconiza que “preclusa a decisão de desentranhamento da prova declara inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado ás partes acompanhar o incidente”.
Portanto, o preceito legal dispôs acerca do desentranhamento da prova ilícita e, caso a decisão se torne preclusa, da destruição dessa prova por decisão judicial, sendo facultado às partes o acompanhamento do incidente. A autorização para destruição da prova ilícita tem suscitados diversos questionamentos, pois poderá inviabilizar a propositura de futura revisão criminal, impedindo, assim, a utilização da prova em favor do acusado.
A preservação do segredo nas comunicações é expressa no art. 5º, XII, da Constituição Federal, que cita o sigilo nas comunicações a) por carta; b) telegráfica; c) de transmissão de dados; d) telefônica. Somente no caso das comunicações telefônicas, é admitida por nossa Magna Carta a quebra do sigilo, para as demais comunicações o sigilo foi estabelecido de modo absoluto.
Entende-se que a correspondência epistolar ou por carta, como a comunicação feita por escrito, ao passo que, comunicação telegráfica, é aquela feita por telegrama.
A priori, o direito de confidenciar algo íntimo a outrem não deve ser alvo de interferência, exceto quando a quebra seja necessária para evitar a tutela oblíqua de condutas ilícitas ou práticas contra legem. Isso decorre do fato de nenhuma liberdade individual ser absoluta.
Sendo assim, é possível, observados os princípios constitucionais e legais, a interceptação de correspondências e de comunicações telegráficas e de dados, sempre que as liberdades públicas estiverem sendo utilizadas como amparo de práticas ilícitas.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC 70.814-5, emitiu acórdão que transcrevo in verbis:
A administração penitenciária, com fundamento em razões de segurança pública, pode, excepcionalmente, proceder à interceptação da correspondência remetida pelos sentenciados, eis que a cláusula da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas (STF, HC 70.814-5, rel. Min. Celso de Mello, DJU, 24 jun. 1994, p. 16649) (Disponível em: < www.stf.jus.br >. Acesso em 01 de junho de 2011).
Isso nada mais é do que a concretização do Princípio da Proporcionalidade, que será melhor analisado no decorrer deste trabalho.
Anteriormente à Lei 9.296/96, o STF decidira que, até a matéria ser regulamentada por lei específica, deveria ser considerada inconstitucional toda e qualquer prova obtida por meio de escuta telefônica, ainda que autorizada pela justiça, pautado no fato de que para ser lícita a quebra do sigilo das comunicações telefônicas, conforme o art. 5º, XII, da CF, seriam necessários três requisitos: a) ordem judicial; b) finalidade de colheita de evidências para instrução de investigação criminal ou processo penal; c) existência de lei prevendo as hipóteses em que a quebra será permitida. A inexistência de lei específica regulamentando a matéria gerava a impossibilidade da quebra.
Com a entrada em vigor da lei 9.296, passou a ser possível a quebra do sigilo de ofício ou a requerimento do Ministério Público ou autoridade policial, quando preenchidos os seguintes requisitos: a) indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal; b) não houver outro meio de se produzir a mesma prova; c) o fato for punido com pena de reclusão.
Deve-se entender como comunicações telefônicas a transmissão, emissão, receptação e decodificação de sinais linguísticos, caracteres escritos, imagens, sons, símbolos de qualquer natureza veiculados por telefone estático ou móvel. Não importa se isso se concretiza por meio de fios, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético.
A doutrina tem caracterizado as interceptações telefônicas do seguinte modo:
a) Interceptação telefônica em sentido estrito: captação da conversa telefônica por um terceiro, sem o conhecimento do interlocutores (grampeamento);
b) Escuta telefônica: captação da conversa com o consentimento de apenas um dos interlocutores;
c) Interceptação ambiental: captação da conversa entre presentes, efetuada por terceiro, dentro do ambiente em que se situam os interlocutores, sem o conhecimento destes;
d) Escuta ambiental: interceptação da conversa entre presentes, realizada por terceiro, com o conhecimento de um ou alguns;
e) Gravação clandestina: praticada pelo próprio interlocutor ao registrar sua conversa, sem o conhecimento da outra parte.
Conforme entendimento do STF, é válida a gravação clandestina, pois a garantia constitucional do sigilo se refere à interceptação feita por terceiros, o que não ocorre na hipótese. Contudo, será ilícita quando atentar à intimidade alheia.
Em relação à gravação ambiental, esta será válida sempre que a conversa registrada não seja proibida ou reservada. Cabe ressaltar que esta gravação não é objeto da lei supramencionada.
Portanto, o preceito legal dispôs acerca do desentranhamento da prova ilícita e, caso a decisão se torne preclusa, da destruição dessa prova por decisão judicial, sendo facultado às partes o acompanhamento do incidente. A autorização para destruição da prova ilícita tem suscitados diversos questionamentos, pois poderá inviabilizar a propositura de futura revisão criminal, impedindo, assim, a utilização da prova em favor do acusado.
O Código de Processo Penal pátrio descreve em seu art. 157 que “são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”.
Sendo assim, o preceito legal dispôs acerca do desentranhamento das provas ilícitas dos autos e, em seu § 3º que, quando preclusa a decisão, a prova será destruída por decisão judicial, facultado às partes acompanhar esse incidente.
Parte da doutrina, critica a destruição desta prova, pois isso impossibilitaria futura possível revisão criminal. Capez, sobre o tema, afirma que “Desse modo, constitui medida bastante temerária a inutilização dessa prova, pois ela poderá constituir elemento importante a embasar futura revisão criminal, constituindo, assim, prova para a defesa”. (CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo. Editora Saraiva, p. 354).
Portanto, deve ser coibida, em regra, a admissibilidade de prova espúria no processo, observado o Princípio da Proporcionalidade, devendo, em caso de sua presença nos autos, ser esta desentranhada e destruída, visando a concretização de princípios penais, processuais e constitucionais.
CAPÍTULO II – O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
O princípio da proporcionalidade teve origem na Grécia Antiga, onde Aristóteles já fazia referência ao meio termo e à justa medida que podem ser entendidas como os precursores históricos do que viria a ser o princípio da proporcionalidade.
Posteriormente, em Roma, o princípio da proporcionalidade foi positivado por meio da máxima: summus jus summa injuria, que visava coibir o abuso do direito, como prévia concepção do que viria a ser o princípio da proporcionalidade.
A Lei das XII Tábuas, em clara adesão à ideologia da proporcionalidade, estabeleceu a Lei do Talião igual ao mal que o delinquente propiciava.
No século XIII, A Magna Carta outorgada por João Sem Terra na Inglaterra, ganhou mais similitude com a concepção hodierna de proporcionalidade, já que visou limitar o poder estatal.
Contudo, para a doutrina majoritária, a proporcionalidade começou a existir, realmente, quando da criação do Estado de Direito na Idade Moderna.
A aplicação do princípio sub examine ganhou maior relevância durante o decorrer dos séculos XVII e XVIII, mormente, com o surgimento das ideias iluministas. À guisa de exemplo, citamos como marcos da evolução do princípio da proporcionalidade: a declaração Gloriosa de 1688, a declaração Bill of Rights de 1776, a Revolução Francesa de 1789 e a publicação da obra dei delitti e delle pene do Marquês de Beccaria.
O país onde o citado princípio ganhou mais ênfase é a Alemanha, sendo que o termo foi utilizado pela primeira vez em 1802 por Von Berg. Porém essas ideias só foram impostas de forma efetiva no que concerne ao poder de polícia, apenas um século mais tarde, por obra do Superior Tribunal Administrativo da Prússia.
Contudo, o princípio referido só foi previsto constitucionalmente na Alemanha no período pós-guerra na Lei Fundamental de Bonn, e foi denominada, então, de teoria da proporcionalidade (Verhaltnismassigkeitsprinzip), chegando-se então ao princípio do balanceamento dos interesses e dos valores (Guterund Interessenabwagung).
Luiz Carlos Branco, em relação à aplicação do mencionado princípio sobre o tema das provas no processo penal, preconiza:
No direito alemão, o princípio da proporcionalidade requer três qualidades para o ato administrativo: 1) adequação, ou seja, o meio empregado na atuação deve ser compatível com sua finalidade; 2) exigibilidade, isto é, a conduta deve ser necessária, não havendo outro meio menos gravoso ou oneroso para atingir o fim público; 3) proporcionalidade em sentido estrito, em que as vantagens almejadas superem as desvantagens” (BRANCO, Luiz Carlos. Equidade, proporcionalidade e razoabilidade, São Paulo. RCS Editora, p. 136).
Como corolário desta concepção alemã, o princípio da proporcionalidade se expandiu pelo mundo e foi recebida em suas constituições por inúmeros estados.
É imperioso informar que o direito norte-americano adotou o princípio da proporcionalidade com denominação diversa, qual seja, princípio da razoabilidade.
Como derradeiro, é mister ressaltar que em âmbito brasileiro, a proporcionalidade é aplicada ainda timidamente.
2.1.CONCEITO E APLICAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO
Podemos definir o critério da proporcionalidade como a exigência de racionalidade quando da imposição de atos estatais aos cidadãos pelo Poder Legislativo.
Sobre o tema, afirma André Ramos Tavares:
A proporcionalidade passou a ser compreendida como a especial forma de vinculação do legislador aos direitos fundamentais. A partir dessa concepção de proporcionalidade, a legalidade passa a ser exigência não apenas da lei, mas de lei proporcional. (TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, p. 765).
Em âmbito judicial, o princípio da proporcionalidade é utilizado quando há conflito aparente entre princípios e garantias constitucionais, sendo que, o mais importante deve prevalecer em detrimento do menos importante. Desta forma, a vida e a liberdade, por exemplo, possuem valor maior do que a intimidade. Sobre o tema, Fernando Capez preceitua:
Assim, surgindo conflito entre princípios fundamentais da Constituição, torna-se necessária a comparação entre eles para verificar qual deva prevalecer. Dependendo da razoabilidade do caso concreto, ditada pelo senso comum, o juiz poderá admitir uma prova ilícita ou sua derivação, para evitar um mal maior, como, por exemplo, a condenação injusta ou a impunidade de perigosos marginais. Os interesses que se colocam em posição antagônica precisam ser cotejados, para escolha de qual deva ser sacrificado. (CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo: Editora Saraiva, 17ª edição, p. 349).
Nesse sentido, J.J. Gomes Canotilho preceitua:
De um modo geral, considera-se inexistir uma colisão de direitos fundamentais quando o exercício de um direito fundamental por parte de seu titular colide com o exercício de um direito fundamental por parte de outro titular (CANOTILHO. Direito Constitucional, 6. ed., Coimbra, Livr. Almedina, 1993, p. 643).
Portanto, segundo o citado princípio, não existe propriamente um conflito entre garantias fundamentais, mas, ao contrário, o sistema faz atuar um mecanismo de harmonização que faz prevalecer o princípio de maior relevância sobre o de menor valor social.
No direito pátrio, a aplicação do princípio da proporcionalidade se dá em duas situações distintas:
1) Proporcionalidade como instrumento de interpretação judicial: Celso Ribeiro Bastos considera o critério da proporcionalidade como um guia à atividade interpretativa aplicável em qualquer situação.
A respeito do tema, André Ramos Tavares ensina:
Esse posicionamento encontra guarida nas concepções contemporâneas do Direito, que o qualificam como um sistema aberto de normas. (…) Floresce, portanto, a normatização de condutas, por via indireta, através de parâmetros colocados por normas, que, apesar do grau de abstração, contam com existência objetiva. Dentro desse contexto, o critério da proporcionalidade desponta como relevante instrumento de solução de conflitos na medida em que se apresenta como mandamento de “otimização de princípios”, ou seja, como critério de sopesamento de princípios quando estes conflitam em dada situação concreta (TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 770-771).
Portanto, nessa concepção, o Princípio da Proporcionalidade é utilizado para solucionar da melhor forma o “conflito” entre princípios ou garantias constitucionais. Compulsando este princípio é preciso atentar-se para que seja evitado um aumento exacerbado do poder dos magistrados.
2) Proporcionalidade como conteúdo da norma fundamental do Direito: A Proporcionalidade, analisada sob este prisma, corresponde à regra fundamental que deve ser imposta tanto aos que exercem quanto aos que padecem o poder, podendo ser considerado o “princípio dos princípios”.
É mister salientar que o Direito Brasileiro não contempla o critério da proporcionalidade expressamente, em seus diplomas legais. Seu fundamento jurídico se pauta no artigo 5º, § 2º da Constituição da República, que assim dispõe: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”
Em âmbito jurisprudencial, a aplicação do Princípio da Proporcionalidade em decisões dos Tribunais é farta, abrangendo os demais ramos do direito.
À guisa de exemplo: os ministros do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Habeas Corpus 80.949-RJ argumentaram que o princípio da proporcionalidade, em um Estado Democrático de Direito, deve atuar como meio de orientação para assegurar a manifestação e cumprimento dos direito sociais. ( HC 80.949-RJ, Rel- Min. Sepúlveda Pertence). Mais uma vez deixou-se claro que o princípio da proporcionalidade é considerado como um princípio autônomo e de regência muito importante.
O STJ, assim já se manifestou:
RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. POLICIAL MILITAR. EXCLUSÃO. PENA. APLICAÇÃO. AUTORIDADE COMPETENTE. COMANDANTE GERAL. ESFERAS ADMINISTRATIVA E PENAL. INCOMUNICABILIDADE. MÉRITO ADMINISTRATIVO. LIMITES DO CONTROLE JURISDICIONAL. PROPORCIONALIDADE. EXAME. INVIABILIDADE.
1. O Comandante-Geral da Polícia Militar é a autoridade competente para a aplicação de penalidade em razão da prática de ilícitos disciplinares. Precedentes.
2. As esferas penal e administrativa são independentes e autônomas, razão pela qual a aplicação de sanção administrativa não depende do desfecho da ação penal. Precedentes.
3. Averiguar a adequação, à luz do princípio da proporcionalidade, da penalidade imposta no processo disciplinar, importaria, nas circunstâncias do caso, fazer exame do próprio mérito administrativo, inviável em mandado de segurança. Precedentes.
4. Recurso ordinário a que se nega provimento. (RMS 32573 / AM
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA
2010/0121126-1 Relator(a) Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI (1124) Órgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 04/08/2011).
2.3. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE: SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS
Embora alguns doutrinadores igualem o Princípio da proporcionalidade e o da Razoabilidade, existe relevante diferenciação quando da comparação entre os dois. Neste sentido, Raphael Queiroz ministra:
A diferença reside na classificação e nos elementos constitutivos desses princípios, já que a razoabilidade é mais ampla que a proporcionalidade. Sustentar a fungibilidade entre os termos, no Brasil, é dar à proporcionalidade um raio de aplicação maior que suas possibilidades. (QUEIROZ, Raphael Augusto Sofiati. Os princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade das Normas e sua Repercussão no Processo Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p. 45).
Portanto, esta concepção vislumbra um conceito de proporcionalidade inserido no de razoabilidade.
Adotando enfoque diverso, outro segmento doutrinário entende que a proporcionalidade implica em uma relação de causalidade entre meio e fim, enquanto a razoabilidade não engloba referência desta magnitude. Neste sentido, à guisa de exemplo, Humberto Ávila (ÁVILA, Humberto.Teoria dos Princípios, p. 111).
Sendo assim, o Princípio da Razoabilidade é adotado quando existe um ato, uma norma, uma resolução (entre outros) irrazoável, ou seja, foge do senso comum. Por outro lado, o princípio da Proporcionalidade se manifesta com o intuito de sacrificar uma regra ou um princípio em relação a outro, visando alcançar a melhor solução entre as partes.
Sua origem histórica também é diversa. O Princípio da Proporcionalidade é oriundo do Direito Germânico, tendo sido concebido (sob o prisma em que é analisado atualmente) nos séculos XII e XVIII, enquanto o Princípio da Razoabilidade deriva do Direito Norte-americano, tendo sido criado por volta do ano 1215.
Não obstante o exposto, existem semelhanças entre os dois princípios. Destarte, o motivo do surgimento de ambos foi o de frear o poder desenfreado do Estado Formal de Direito, trazendo prerrogativas em respeito à dignidade humana e ao Princípio do Devido Processo Legal.
Ambos os princípios foram criados com o intuito de que o julgador não apenas executasse a lei como se fosse um mero marionete do Poder Legislativo, mas que, ao invés disso, adotasse critérios mais subjetivos quando do julgamento, visando assim concretizar o verdadeiro ideal de justiça.
2.4. CONCLUSÃO
Em relação ao Princípio da Proporcionalidade, é necessário ainda salientar que os Tribunais Brasileiros por muito tempo não o aplicaram por entender o seu emprego dava margem a um exagerado subjetivismo por parte dos magistrados. Contudo, com o decorrer do tempo passaram a fundamentar suas decisões na noção de proporcionalidade, embora não se refiram a ele de modo expresso.
Em relação à utilização do mencionado princípio em âmbito de prova ilícita sua utilização é totalmente admitida em favor do acusado, enquanto seu aproveitamento em prol da acusação é controverso, sendo o tema do próximo capítulo deste trabalho.
CAPÍTULO III – AS PROVAS ILÍCITAS E A PROPORCIONALIDADE
O princípio da proporcionalidade ou princípio do sopesamento é utilizado quando há colisão entre princípios ou garantias constitucionalmente garantidos. No âmbito das provas ilícitas, isso significa que, embora a vedação da prova ilícita seja direito fundamental, é induvidosa a existência do direito fundamental à prova, bem como de outros direitos que podem conflitar com aquele.
No que concerne à utilização da prova proibida, existem divergentes posições sobre sua utilização: há quem não admita, em nenhuma hipótese, a prova ilícita; há quem admita sempre; há quem a admita apenas na esfera penal e apenas favor rei; e, finalmente, há quem defenda a aplicação do princípio da proporcionalidade para a solução do conflito in concreto.
Fredie Didier, ao defender este último posicionamento, assim se manifestou:
Quando se está diante de um conflito de normas jusfundamentais (direito à prova versus vedação da prova ilícita), a solução deve ser dada sempre casuisticamente à luz da ponderação concreta dos interesses em jogo, isto é, à luz do princípio da proporcionalidade. (DIDIER, Fredie Jr., BRAGA, Paula Sarno e OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: JusPodivim, p. 34).
Destarte, este posicionamento é o mais acertado. Os que admitem sempre a prova ilícita, ou não a admitem nunca, erram por não averiguar no caso concreto os direitos fundamentais conflitantes. Por outro lado, aqueles que defendem a utilização da prova ilícita apenas na esfera penal, o fazem por entender que sempre naquela área há discussão acerca do direito à liberdade, o que não é verdade, pois nem todas as penas envolvem privação da liberdade, bem como, pecam por entender que apenas o direito à liberdade prevalece sobre o direito à vedação da prova ilícita, sendo que este ideal não coaduna com a teoria dos direitos fundamentais.
Contudo, o exposto não retira a condição de excepcionalidade da utilização da prova ilícita no processo que, conforme descreve Didier, precisa preencher quatro requisitos:
(i) imprescindibilidade: somente pode ser aceita quando se verificar, no caso concreto, que não havia outro modo de se demonstrar a alegação de fato objeto da prova ilícita (…); (ii) proporcionalidade: o bem da vida objeto de tutela pela prova ilícita deve mostrar-se, no caso concreto, mais digno de proteção que o bem da vida violado pela ilicitude da prova; (iii) punibilidade: se a conduta da parte que se vale da prova ilícita é antijurídica/ilícita, o juiz deve tomar as providências necessárias para que ela seja punida (…); (iv) utilização pro reo: no processo penal, e apenas nele, tem -se entendido que a prova ilícita somente pode ser aceita se for para beneficiar o réu/acusado, jamais para prejudicá-lo (DIDIER, Fredie Jr., BRAGA, Paula Sarno e OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: JusPodivim, p. 34-35).
Desta forma, é praticamente unânime no Direito Brasileiro a aceitação de provas ilícitas no processo, quando estas beneficiarem o réu, tudo isto pautado no princípio do favor rei. No tocante a isso, ministra Luiz Francisco Torquato Avolio:
A aplicação do princípio da proporcionalidade sob a ótica do direito de defesa, também garantido constitucionalmente, e de forma prioritária no processo penal, onde impera o princípio do favor rei é de aceitação praticamente unânime pela doutrina e pela jurisprudência. (AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas Interceptações telefônicas, ambientais e gravações clandestinas. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais Ltda, p. 80).
Outrossim, segmento minoritário da doutrina e dos tribunais entende que, em alguns casos, as provas ilícitas podem e devem ser admitidas no processo, quando o interesse que se quer defender tem maior relevância social do que a intimidade que se quer preservar, mesmo que venha a prejudicar o réu.
Para os que compartilham essa linha de pensamento, incide na inadmissibilidade das provas ilícitas o princípio da proporcionalidade que, em âmbito deste tema, representa a possibilidade de utilização das provas proibidas, sempre que exista, no caso concreto, um bem maior a ser preservado. A respeito do tema, Fernando Capez dispõe:
Entendemos não ser razoável a postura inflexível de se desprezar, sempre, todas e qualquer prova ilícita. Em alguns casos, o interesse que se quer defender é muito mais relevante do que a intimidade que se deseja preservar. Assim, surgindo conflito entre princípios fundamentais da Constituição, torna-se necessária a comparação entre eles para verificar qual deva prevalecer. (CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo. Editora Saraiva, p. 349).
Ressalte-se que a admissibilidade das provas ilícitas pautada no princípio da proporcionalidade é oriunda do direito alemão, que, ao elaborar a própria teoria da proporcionalidade no período pós-guerra admitiu, em caráter extraordinário, a prova ilícita, baseando-se no princípio do equilíbrio entre valores contrastantes.
Para a mencionada teoria, a proibição das provas ilícitas é um princípio relativo que poderá ser violado sempre que estiver conflitando com interesse de maior relevância ou outro direito fundamental.
Na mesma linha de pensamento agora exposta, Vicente Greco Filho preconiza:
O texto constitucional parece, contudo, jamais admitir qualquer prova cuja obtenção tenha sido ilícita. Entendo, porém, que a regra não seja absoluta, porque nenhuma regra constitucional é absoluta, uma vez que tem de conviver com outras regras ou princípios também constitucionais. Assim continuará a ser necessário o confronto ou peso entre os bens jurídicos, desde que constitucionalmente garantidos, a fim de se admitir, ou não, a prova obtida por meio ilícito.(GRECO, Vicente Filho. Manual de Processo Penal. São Paulo. Editora Saraiva, p. 189).
Como derradeiro, é mister salientar que o princípio da proporcionalidade vem sendo utilizado pelos tribunais europeus, mormente os alemães, conforme o pensamento supracitado, ou seja, mesmo em favor da acusação.
À guisa de exemplo, na França e da Inglaterra a questão da proporcionalidade foi positivada expressamente, permitindo a utilização de provas ilícitas no processo, punindo-se, porém, os responsáveis pela produção. Da mesma forma, o Direito Norte-americano também admite, excepcionalmente, as provas ilícitas, com fulcro no princípio da razoabilidade.
Em relação ao direito norte-americano é importante ainda evidenciar que aceita a prova obtida ilicitamente por particulares, pois a vedação dirige-se ao Estado e não ao particular.
Portanto, devemos entender a vedação das provas ilícitas como direito fundamental que, excepcionalmente, pode não ser utilizado, caso beneficie o réu ou na hipótese de conflitar com outro direito fundamental de maior valor social.
É praticamente unânime a aceitação do princípio da proporcionalidade pro reo, pois o princípio da inadmissibilidade de provas ilícitas, nos dizeres de Fernando Capez “não pode ser usado como um escudo destinado a perpetuar condenações injustas” (CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo. Ed. Saraiva, p. 351).
Na verdade, é mais do que óbvio que, por não ser a vedação das provas ilícitas uma garantia absoluta, não se poderia pensar em não utilizar a única prova capaz de comprovar a inocência do réu e permitir assim que alguém inocente seja privado injustamente de sua liberdade, por esta ser uma prova vedada. Além de um retrocesso imenso, seria também contrário ao estado democrático de direito, bem como à proteção da dignidade humana.
Destarte, a Constituição da República não se coaduna com o erro judiciário, ou seja, é inaceitável que um inocente seja condenado apenas porque a prova que o inocenta não foi obtida por meios lícitos.
No tocante à utilização de provas ilícita pro reo foi editada a Súmula 50 das Mesas de Processo Penal da USP, que assim dispõe: "podem ser utilizadas no processo penal as provas ilicitamente colhidas, que beneficiem a defesa”.
À guisa de exemplo, podemos pensar na pessoa que foi injustamente acusada e que tenha como único meio de prova apto a demonstrar sua inocência uma interceptação telefônica que não tenha sido feita conforme os trâmites legais. De um lado, há esta prova, manifestamente ilícita; de outro lado há, porém, a previsão do direito à liberdade. No sopesamento entre os dois fatores, mais do que o direito à intimidade violada, prevalece o direito à liberdade do réu.
Exemplificando, Vicente Greco afirma:
Veja-se, por exemplo, a hipótese de uma prova decisiva para a absolvição obtida por meio de uma ilicitude de menor monta. Prevalece o princípio da liberdade da pessoa, logo a prova será produzida e apreciada, afastando-se a incidência do inciso LVI do art. 5º da Constituição, que vale como princípio, mas não absoluto (…). (GRECO, Vicente Filho. Manual de Processo Penal. São Paulo. Editora Saraiva, p. 189).
Sobre o tema, acertadamente, Fernando Capez afirma: “Se uma prova ilícita ou ilegítima for necessária para evitar uma condenação injusta, certamente deverá ser aceita, flexibilizando-se a proibição dos incisos X e XII do art. 5º da CF” (CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo. Ed. Saraiva, p. 350).
Compartilhando o mesmo pensamento, Eugênio Pacelli preconiza:
A prova da inocência do réu, deve sempre ser aproveitada, em quaisquer circunstâncias. Em um Estado de Direito não há como se conceber a idéia da condenação de alguém que o próprio Estado acredita ser inocente. Em tal situação, a jurisdição, enquanto Poder Público, seria, por assim dizer, uma contradição em seus termos. Um paradoxo jamais explicado ou explicável. Aliás, o aproveitamento da prova ilícita em favor da defesa, além das observações anteriores, constitui-se em critério objetivo de proporcionalidade, dado que:
a) a violação de direitos na busca da prova da inocência poderá ser levada à conta do estado de necessidade, excludente da ilicitude;
b) o princípio da inadmissibilidade da prova ilícita constitui-se em garantia individual expressa, não podendo ser utilizado contra quem é seu primitivo e originário titular. (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro. Ed. Lumen Juris. p. 330).
É mister ressaltar que não é possível utilizar prova em favor do réu, mesmo que seja para inocentá-lo, quando esta prova derivar de tortura, pois além de inidônea, careceria de credibilidade.
Enfim, quando a ilicitude da prova engendrar nulidade absoluta, esta não poderá ser utilizada nem contra, nem a favor do réu, pois a nulidade absoluta é sempre insanável. Por outro lado, se a nulidade decorrente da prova for de caráter relativo, dependerá do caso concreto. Sobre o tema, preceitua Norberto Avena:
Assim, se a violação da norma processual importar em nulidade de caráter absoluto, não poderá a prova ser utilizada nem contra o réu, nem a seu favor, visto que nulidades absolutas são sempre insanáveis. Imagine-se, por exemplo, a perícia feita por apenas um perito não oficial, não sendo hipótese que permita esta situação. Por mais benéfico que seja o resultado ao réu ou à acusação, não poderá, de forma nenhuma, ser usado o laudo então produzido como prova por qualquer das partes. (AVENA, Norberto. Processo Penal Esquematizado: Editora Método, p. 496).
Concluindo: quando a prova for imprescindível deve ser aceita e admitida, mesmo se ilícita, sempre que venha a favorecer o réu e sempre que seja o único meio para se conseguir provar fato importante à sua defesa, visando a concretização do Princípio do favor libertatis, exceto quando for oriunda de nulidade absoluta.
Apesar da doutrina majoritária entender não ser viável a admissibilidade das provas ilícitas no processo quando estas desfavorecerem o réu, segmento doutrinário importante, bem como decisões jurisprudenciais modernas, vem aceitando a admissibilidade das provas ilícitas pro societate, excepcionalmente, com fulcro no Princípio da Proporcionalidade.
Destarte, a função do Ministério Público visa resguardar valores fundamentais para o Estado e para a própria sociedade, amparados pela própria lei penal. Sendo assim, há casos em que a proteção constitucional à intimidade do réu não pode prevalecer sobre valores supremos também preconizados pela Carta Magna, como, por exemplo, o direito à vida, ao patrimônio, à segurança. Sobre o tema, dispõe Fernando Capez:
Quando o conflito se estabelecer entre a garantia do sigilo e a necessidade de se tutelar a vida, o patrimônio e a segurança, bens também protegidos por nossa Constituição, o juiz, utilizando seu alto poder de discricionariedade, deve sopesar e avaliar os valores contrastantes envolvidos.(CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo. Editora Saraiva, p. 352).
Sendo assim, o critério da proporcionalidade poderá ser utilizado em desfavor do acusado quando não colocar em risco a aplicabilidade potencial e finalística da própria norma da inadmissibilidade, ou seja, quando a utilização da prova proibida não seja um estímulo à ilegalidade praticada pelas autoridades.
Eugênio Pacelli assim se manifesta sobre o assunto:
Mas, voltando à questão do aproveitamento da prova ilícita em favor da acusação, diríamos que o critério da proporcionalidade poderá validamente ser utilizado, nas hipóteses em que não estiver em risco a aplicabilidade potencial e finalística da norma da inadmissibilidade. Por aplicabilidade potencial e finalística estamos nos referindo à função de controle da atividade estatal (responsável pela produção da prova) que desempenha a norma do art. 5º, LVI, da CF. Assim, quando não se puder falar no incremento ou no estímulo da prática de ilegalidade pelos agentes produtores da prova, pensamos ser possível, em tese, a aplicação da regra da proporcionalidade. (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro. Ed. Lumen Juris. p. 330).
Norberto Avena, como defensor da utilização do Princípio da Proporcionalidade pro societate, ensina:
Entendemos que, na atualidade, decorrendo a prática do crime, muitas vezes, da ação de organizações altamente especializadas, não se pode radicalizar a incidência do princípio da proporcionalidade a ponto de direcioná-lo, unicamente, aos interesses do réu. (AVENA, Norberto. Processo Penal Esquematizado: Editora Método, p. 493).
Portanto, no caso concreto, cabe ao juiz cotejar os interesses conflitantes e escolher qual será sacrificado. Não podemos pensar que o réu nunca poderá ser penalizado embora tenha praticado crime, sendo que existe prova apta para demonstrar sua autoria. Óbvio que o magistrado precisa agir com parcimônia e sempre excepcionalmente.
Pensemos, por exemplo, na organização criminosa que teve seu sigilo telefônico violado ilegalmente, sendo, portanto, descoberta sua atuação ilícita. É cristalino que é de maior interesse para a sociedade a condenação dos quadrilheiros em detrimento de seu direito à intimidade.
Renato Brasileiro de Lima, sobre o tema, cita Barbosa Moreira, ao dispor que:
Segundo Barbosa Moreira, a aplicação do princípio da proporcionalidade também autoriza a utilização de prova ilícita em favor da sociedade, como, por exemplo, nas hipóteses de criminalidade organizada, quando esta é superior às Polícias e ao Ministério Público, restabelecendo-se, assim, com base no princípio da isonomia, a igualdade substancial na persecução criminal. (...) Essa admissibilidade da prova ilícita pro societate somente seria possível em situações extremas, sob pena de se conferir ao Estado legitimidade ampla e irrestrita para violar direitos fundamentais, tornando lei morta o preceito constitucional que prevê a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos. (DE LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal, Salvador: Juspodivm, p. 606/607).
Importante, ainda, transcrever trecho da obra de Fernando Capez, ipsis litteris:
Suponhamos uma carta apreendida ilicitamente, que seria dirigida ao chefe de uma poderosa rede de narcotráfico internacional, com extensas ramificações com o crime organizado. Seria mais importante proteger o direito do preso ao sigilo de sua correspondência epistolar, do qual se serve para planejar crimes, do que desbaratar uma poderosa rede de distribuição de drogas, que ceifa milhões de vidas de crianças e jovens? Certamente não. Não seria possível invocar a justificativa do estado de necessidade?(CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo. Editora Saraiva, p. 352).
Ao analisarmos o assunto, é necessário entender que no processo penal prevalece a busca pela “verdade real” que, embora para muitos seja inatingível, prega que a reconstituição dos fatos ocorra da forma mais fiel possível à realidade, visando, assim, que se descubra a maneira mais próxima da realidade de como se desenvolveram os acontecimentos.
Sendo assim, quando a segurança pública é colocada em risco pelo acusado, deve ser admitida a prova obtida ilicitamente que contribua para se alcançar a verdade real e, consequentemente, punir o réu, evitando-se, assim, a impunidade de criminosos.
Outros argumentos favoráveis à possibilidade de utilização das provas ilícitas pro societate são representados por aquilo que a doutrina nomeia de prevenção geral e prevenção especial. Pela prevenção geral, a ameaça quanto a utilização das provas obtidas ilicitamente já consistiria, por si, em espécie de advertência para os criminosos, servindo assim como elemento apto a diminuir a criminalidade.
Por outro lado, a prevenção especial se dirigiria ao condenado no caso concreto, pois seria critério menos rigoroso de aceitação das provas, auxiliando assim para que este não volte a delinquir.
É mister outrossim salientar que há segmento jurisprudencial entendendo que quando a própria vítima visando proteger seus próprios direitos produzir prova ilícita, esta deverá ser admitida. No tocante a isso, dispõe Norberto Avena:
Neste caso, há forte posição, adotada, inclusive, no âmbito dos Tribunais Superiores (STF e STJ) no sentido de que poderá a prova ser utilizada desde que se caracterize hipótese de evidente legítima defesa ou estado de necessidade. Não se estaria, enfim, diante de uma prova ilícita, mas sim de prova lícita, visto que tanto a legítima defesa como o estado de necessidade caracterizam-se como excludentes de ilicitude, afastando, portanto, eventual ilicitude da prova obtida com violação a regras de direito material. (AVENA, Norberto. Processo Penal Esquematizado: Editora Método, p. 494-495).
Concluindo, é importante transcrever trecho da obra do consagrado Alexandre de Moraes, que descreve perfeitamente o pensamento supramencionado:
As liberdades públicas não podem ser utilizadas como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos de criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito. Dessa forma, aqueles que, ao praticarem atos ilícitos, inobservarem as liberdades públicas de terceiras pessoas e da própria sociedade, desrespeitando a própria dignidade da pessoa humana, não poderão invocar, posteriormente, a ilicitude de determinadas provas para afastar suas responsabilidades civil e criminal perante o Estado. (MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional: Ed. Atlas. São Paulo, p. 382-383).
Sendo assim, infere-se do exposto que, apesar de obsoleto o pensamento que proíbe a utilização do princípio da proporcionalidade apenas em favor do réu, é a tendência dominante tanto da doutrina quanto da jurisprudência.
Como já dito reiteradas vezes no decorrer deste trabalho, prevalece no direito brasileiro, a possibilidade de admissibilidade de provas ilícitas no processo apenas quando estas beneficiarem a defesa, diante do princípio do favor libertatis.
Contudo, já houve julgados em que foi admitida a prova ilícita em favor da acusação, como exceção. Exemplificando: anteriormente à Lei da Interceptação Telefônica (Lei 9.296 de 24 de julho de 1996), a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, contrariando a orientação do Supremo Tribunal Federal, admitiu a incidência do princípio da proporcionalidade pro societate, quando da decisão do Habeas Corpus 3.982/RJ, em 05 de dezembro de 1995, conforme transcrição a seguir ipsis litteris, oriunda da doutrina de Fernando Capez:
A 6ª Turma do STJ, contrariando a orientação do STF, decidiu que, havendo expressa autorização do juiz, e contanto que esta autorização “não seja dada fora dos princípios lógicos”, é perfeitamente viável a aceitação da prova obtida mediante interceptação telefônica, uma vez que a exigência constitucional de lei estabelecendo as hipóteses de restrição ao sigilo “só tem lugar sem a observância do sistema constitucional, e cairia em absurdo, o de que um texto feito em defesa da sociedade, do homem de bem, deve ser utilizado para proteger um marginal. Isso não entra na cabeça de ninguém, nem do juiz, dentro de seu equilíbrio, da sua isenção, porque o juiz também é humano, e percebe as coisas fora do processo”. Mais adiante, o julgado sustentou que, pelo fato de estar cumprindo pena em presídio, não teria o preso direito de invocar a cláusula constitucional, pois, além de não estar em seu domicílio, a proteção constitucional não se presta a acobertar a prática de ilícitos penais. (CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo. Editora Saraiva, p. 351)
Do mesmo modo, o STF já proferiu interessante acórdão, quando do julgamento do HC 70.814-5, que teve como relator o Min. Celso de Mello, sendo transcrito parcialmente a seguir:
A administração penitenciária, com fundamento em razões de segurança pública, pode, excepcionalmente, proceder à interceptação da correspondência remetida pelos sentenciados, eis que a cláusula da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas. (STF, HC 70.814-5, el. Min. Celso de Mello, DJU, 24 jun. 1994, p.16649).
Sendo assim, o Pretório Excelso possibilitou o desrespeito ao princípio da intimidade, em detrimento do princípio da segurança pública, incidindo, claramente, o princípio da proporcionalidade em desfavor do réu.
Na mesma linha de pensamento, Eugênio Pacelli transcreve julgamento do STF que admitiu provas ilícitas em favor da acusação:
Em julgamento não muito distante, envolvendo a extradição de uma artista mexicana, e diante da alegação, feita por esta, de que teria sido vítima de estupro no interior das dependências da Polícia Federal, o Supremo Tribunal Federal deferiu a produção de exame de DNA na placenta da gestante, recolhida sem autorização desta, com fundamento em uma necessária ponderação, entre valores constitucionais contrapostos, admitindo-se, então, a aplicação da proporcionalidade na produção da prova (RCL, nº 2.040/DF, Rel. Min. Néri da Silveira, em 21.2.2002 – Informativo STF nº 257, 18 a 22 de fevereiro de 2002). (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro. Ed. Lumen Juris. p. 333).
No tocante a esta decisão, é mister salientar que:
a) não existe lei no Brasil que autorize o exame de DNA contra a vontade do titular do material recolhido;
b) não existe, tampouco, lei preceituando a prévia autorização judicial que permita a criação de meios de provas não previstos em lei;
c) o meio de prova seria ilegal.
Ex positis, foi adotada a teoria da proporcionalidade em favor da acusação.
Por outro lado, o STJ já se manifestou contrariamente à admissibilidade de provas ilícitas no processo em favor da acusação:
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. ESCUTA TELEFONICA. GRAVAÇÃO FEITA POR MARIDO TRAIDO. DESENTRANHAMENTO DA PROVA REQUERIDO PELA ESPOSA: VIABILIDADE, UMA VEZ QUE SE TRATA DE PROVA ILEGALMENTE OBTIDA, COM VIOLAÇÃO DA INTIMIDADE INDIVIDUAL. RECURSO ORDINARIO PROVIDO.
I - A IMPETRANTE/RECORRENTE TINHA MARIDO, DUAS FILHAS MENORES E UM AMANTE MEDICO. QUANDO O ESPOSO VIAJAVA, PARA FACILITAR SEU RELACIONAMENTO ESPURIO, ELA MINISTRAVA "LEXOTAN" AS MENINAS. O MARIDO, JA SUSPEITOSO, GRAVOU A CONVERSA TELEFONICA ENTRE SUA MULHER E O AMANTE. A ESPOSA FOI PENALMENTE DENUNCIADA (TOXICO). AJUIZOU, ENTÃO, AÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA, INSTANDO NO DESENTRANHAMENTO DA DECODIFICAÇÃO DA FITA MAGNETICA.
II - EMBORA ESTA TURMA JA SE TENHA MANIFESTADO PELA RELATIVIDADE DO INCISO XII (ULTIMA PARTE) DO ART. 5. DA CF/1988 (HC 3.982/RJ, REL. MIN. ADHEMAR MACIEL, DJU DE 26/02/1996), NO CASO CONCRETO O MARIDO NÃO PODERIA TER GRAVADO A CONVERSA A ARREPIO DE SEU CONJUGE. AINDA QUE IMPULSIONADO POR MOTIVO RELEVANTE, ACABOU POR VIOLAR A INTIMIDADE INDIVIDUAL DE SUA ESPOSA, DIREITO GARANTIDO CONSTITUCIONALMENTE (ART. 5., X). ADEMAIS, O STF TEM CONSIDERADO ILEGAL A GRAVAÇÃO TELEFONICA, MESMO COM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL (O QUE NÃO FOI O CASO), POR FALTA DE LEI ORDINARIA REGULAMENTADORA (RE 85.439/RJ, MIN. XAVIER DE ALBUQUERQUE E HC 69.912/RS, MIN. PERTENCE).
III - RECURSO ORDINARIO PROVIDO. (RMS 5352 / GO
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA
1995/0003246-5 Relator(a) Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO (1084) Relator(a) p/ Acórdão Ministro ADHEMAR MACIEL (1099) Órgão Julgador T6 - SEXTA TURMA Data do Julgamento 27/05/1996)
Da mesma maneira, o STF não admitiu a prova ilícita contra o réu ao proferir o decisão no julgamento do RE nº 251.445/GO, que Eugênio Pacelli transcreve como exemplo, alterando, porém, a situação fática, bem como resumindo os fatos:
T (em referência a um terceiro), sabendo da prática habitual de crimes contra crianças e adolescentes, por parte de R (réu, na ação penal em comento), adentrou o local de trabalho deste, dali subtraindo diversas fotografias nas quais apareciam diversas crianças nuas e/ou mantendo relações sexuais. De posse do material incriminador, T passou a exigir de R a entrega de dinheiro, sob ameaça de entregar as fotografias à Polícia. Recusada a exigência, as fotos foram efetivamente entregues à autoridade policial, terminando por instruir ação penal instaurada contra R. Após absolvição em segunda instância, a Suprema Corte terminou por rejeitar o recurso aviado, sob o fundamento da inadmissibilidade da prova obtida ilicitamente com violação ao domicílio de R.(OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro. Ed. Lumen Juris. p. 330-331).
Portanto, infere-se claramente o obsoleto pensamento jurisprudencial majoritário que não consegue se desvencilhar nem um pouco da letra da lei, mas, ao contrário, comete enormes injustiças e peca em não examinar o caso concreto.
Ora, o réu não pode ser amparado sempre pela justiça. Existem valores maiores, bem como bens maiores que merecem igual proteção. Os magistrados precisam agir levando em conta o caso concreto e a realidade social, e não apenas como se fossem marionetes a serviço de uma lei muitas vezes ultrapassada!
Sendo assim, entendemos ser possível a utilização do princípio da proporcionalidade pro societate, haja vista existirem bens jurídicos, preconizados por nossa Magna Carta, mais relevantes do que o direito à intimidade do réu. Os criminosos não podem se valer de brechas na lei para escaparem de sua punição, não foi este o pensamento do legislador e não é essa a vontade da sociedade!
1. Embora a doutrina, ao discorrer sobre a prova proibida, tenha cindido esta em prova ilícita, que é aquela que fere norma de direito material, e prova ilegítima, que conflita com norma de direito processual, a Lei 11.690 de 2008, ao disciplinar o art. 157 do Código de Processo Penal, não faz esta distinção, considerando as duas provas mencionadas como ilícitas.
2. Além das provas que violarem norma de cunho material ou processual, serão consideradas ilícitas as provas obtidas licitamente mas que sejam oriundas de prova considerada proibida, em cristalina adoção da teoria norte-americana dos frutos da árvore envenenada, exceto quando a prova derivada não seja consequência da ilícita, ou quando aquela possa ser obtida por fonte independente.
3 .A consequência da prova ilícita no processo é seu desentranhamento e sua posterior destruição. Contudo, vasto ramo doutrinário defende a não destruição da prova ilícita, haja vista esta impossibilitar futura revisão criminal.
4. O princípio da proporcionalidade, apesar de ter origem na antiguidade, ganhou maior ênfase na Alemanha, significando a possibilidade de sopesamento de interesses quando do conflito entre princípios constitucionais, devendo prevalecer o de maior relevância social em detrimento do princípio menos importante. Por outro lado, o direito norte-americano elaborou a teoria da razoabilidade, que, no tema das provas ilícitas, tem o mesmo significado.
5. Sendo assim, apesar da Constituição da República elencar entre os direitos e garantias fundamentais o princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas no processo, existem exceções, haja vista não existirem direitos e garantias absolutos. Portanto, segmento doutrinário defende a adoção do princípio da proporcionalidade, no que concerne a adoção das provas ilícitas em desfavor do acusado, quando do conflito entre a inadmissibilidade da prova proibida e outro princípio constitucional de maior relevância social.
6. Além disso, sempre que a prova ilícita favoreça o acusado, esta sempre terá que ser admitida no processo, visando a concretização efetiva do princípio favor libertatis.
7. Ressalte-se que a admissibilidade da prova ilícita deve ser vista como exceção, não podendo ser utilizada prova ilícita quando esta for despicienda e existir outra solução.
8. Contudo, nunca será admitida a prova ilícita quando esta for oriunda de tortura, já que mencionada prova, além de inidônea, carece de credibilidade.
9. Como derradeiro, é mister salientar que em âmbito do direito pátrio, a prova ilícita tende a ser utilizada sempre em benefício do acusado. Entretanto, diversos penalistas, bem como várias decisões em âmbito judicial, já admitiram a prova ilícitas favor societate, tendo entendido que existem princípios preconizados por nossa Magna Carta de maior relevância social do que a o princípio da proibição das provas ilícitas.
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Delegado de Polícia Civil do Estado de Goiás. Bacharel em Direito pela PUC/GO, em 2012.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LEONARDI, Tommaso. A (in)admissibilidade das provas ilícitas no processo penal à luz do princípio da proporcionalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 jan 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/48824/a-in-admissibilidade-das-provas-ilcitas-no-processo-penal-luz-do-princpio-da-proporcionalidade. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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