RESUMO: O presente estudo foi idealizado com o objetivo de demonstrar a disparidade entre a nossa legislação penal e a realidade carcerária brasileira. Estudou-se, em primeiro plano, a história da pena, bem como, os tipos de penas previstas na legislação penal brasileira. Em seguida, foi feito um estudo sobre as funções da pena, bem como, se tais funções estão sendo concretizadas na atual realidade carcerária. Por fim, fizemos um estudo sobre a exclusão social do preso pelo Estado e pela Sociedade, sendo detectados vários problemas para serem discutidos.
Palavras-chave: Exclusão Social, Sistema Penitenciário, Preso, Estado, Sociedade.
1. INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, temos vivenciado a falência do sistema penitenciário nacional, tendo em vista que as facções criminosas tomaram para si o poder, que seria do estado, de comandar os presídios. E, em especial, tivemos a rebelião no início do corrente ano na cidade de Manaus-AM, com resultado de 56 mortes, tendo durado mais de 17 horas. Em tal rebelião, verificamos que os presos possuíam pistolas, espingardas e armas improvisadas, as quais foram utilizadas contra outros presos e contra a polícia[1].
No estado do Paraná, tivemos no ano de 2014 várias rebeliões organizadas e ao mesmo tempo nas cidades de Cruzeiro do Oeste, Guarapuava e Cascavel, sendo que, segundo informações passadas pelo Sindicato dos Agentes Penitenciários do Paraná, a rebelião de Guarapuava foi a 21ª rebelião no sistema penitenciário paranaense, desde dezembro de 2013[2].
A pior das três rebeliões citadas foi a rebelião da Penitenciária de Cascavel-PR, pois houveram cinco mortes declaradas oficialmente e vinte e cinco feridos, durante as quarenta e quatro horas de rebelião, sendo que, destes cinco detentos mortos, dois detentos morreram decapitados[3].
E no ano de 2015 não foi diferente, pois tivemos uma onda de rebeliões em 11 presídios no Estado do Rio Grande do Norte, que resultou em um decreto de Calamidade Pública pelo governo estadual.[4]
Tais rebeliões foram notícia em vários jornais de circulação nacional e, até, em alguns jornais internacionais, que demonstraram a total ineficiência do sistema carcerário brasileiro, que é comandado pelas facções criminosas, tendo estas facções o poder de decisão e controle dos presídios.
Vendo isso, podemos concluir que o sistema carcerário brasileiro é totalmente ineficiente nas suas funções, principalmente quanto à ressocialização do preso, tendo em vista que não consegue controlar rebeliões e nem tirar os presos do poder das facções criminosas.
Isto se dá, também, por um tema que já se tem debatido em muito, que é a exclusão social do preso. A sociedade, em sua esmagadora maioria, não tem interesse em dispor de recursos para o sistema carcerário, sempre dizendo que tais pessoas reclusas deveriam “sofrer mesmo; que a pena é muito pouca;” dentre outras frases pejorativas e que influenciam para piorar a situação.
Tal exclusão também se dá por parte do poder estatal que, visando somente um sistema eleitoreiro, com o único objetivo de obter votos e se manter no poder, atua como a sociedade deseja, ou seja, atua somente com o mínimo possível, presando sempre pela punição e não pela ressocialização prisional.
Ademais, vemos ainda a exclusão do preso por parte de seus familiares, que prejudica em muito tal situação, pois estes reclusos perdem o objetivo de melhorar de vida, piorando suas personalidades e se associando a organizações criminosas.
Assim, é válido debater o presente tema, com o fim de analisar os problemas que a exclusão social traz na vida do preso reeducando e, principalmente, objetivando melhorar tal situação caótica que temos vivido.
2. PENAS NO DIREITO BRASILEIRO
2.1. Considerações históricas sobre a pena
O sistema penal brasileiro é constituído de duas espécies de sanções penais, quais sejam: pena e medida de segurança. A medida de segurança é a sanção aplicada ao inimputável, sendo que seu fundamento está com base estritamente no tratamento da pessoa que cometeu o fato criminoso, pois o mesmo não detém o discernimento de que tal fato era errado, ou, em alguns casos, das consequências de tal fato descrito como crime.
Já a pena é “a reação que uma comunidade politicamente organizada opõe a um fato que viola uma das normas fundamentais da sua estrutura e, assim, é definido de lei como crime” (MASSON, 2011, p. 537).
Em um conceito mais analítico, dispõe Dotti (2013, p. 553) que: “A pena criminal é a sanção imposta pelo Estado através de previsão legal específica e consistente na perda ou restrição de bens jurídicos do responsável pela infração, em retribuição à sua conduta e para prevenir novos ilícitos.”
Assim, em uma sociedade organizada, temos como resposta estatal a pena, para a pessoa que comete conscientemente fatos descritos em nossa legislação como crime. E não poderia ser diferente, tendo em vista que em um estado democrático de direito há de se ter uma sanção para aqueles que não respeitam as leis, pois, se não existisse tal punição, não haveria um mínimo de organização social.
A pena foi criada desde quando os primeiros homens começaram a viver em sociedade, tendo como citação na própria bíblia, com a punição de Adão e Eva quando comeram o fruto proibido e foram expulsos do jardim do Éden.
Assim, para viver em sociedade, o homem precisava de leis que punissem pessoas que as transgredissem, sob pena de se instalar o caos e ser insuportável e inviável a sobrevivência da raça humana. Verificamos a pena até nos povos mais primitivos e sem qualquer tipo de estudo, como no caso mais próximo a nós, os índios, com suas punições e determinações culturais.
Ademais, estudando a pena dos povos indígenas, observa-se que a legislação brasileira concedeu uma parte de seu jus puniendi a tal cultura, conforme dispõe o artigo 57 do Estatuto do Índio, Lei nº 6.001/1973, sendo que tal norma é uma exceção ao poder de punir do Estado.
Um dos registros de legislações que traziam penas nos povos antigos se dá pelo Código de Hamurábi, onde era prevista a Lei de Talião (olho por olho, dente por dente), sendo que tais penas eram muito cruéis, sem qualquer tipo de humanidade, tendo em vista que se permitiam as penas de morte, mutilações, esquartejamento, enterramento, dentre outras até mais cruéis. (VIEIRA, 2011).
Na idade antiga, com o direito penal grego e direito penal romano, apesar de ser uma época em que a filosofia e a ciência política começaram a ser estudadas, as penas ainda eram muito cruéis, sendo que o crime era considerado uma transgressão contra Deus, juntamente com a vítima e contra o estado. Mas foi aqui que se começou a pensar sobre os fundamentos da pena, bem como, sobre se ter um processo com contraditório para se condenar por um crime.
Após, na idade média, veio o direito germânico que, na opinião de muitos estudiosos, teve uma das penas mais cruéis da história, que foi a pena de perda da paz, onde o estado decretava a “ausência de proteção jurídica, podendo o agressor ser perseguido e morto por qualquer pessoa; se privado o crime, a pessoa era entregue à vítima ou a seus familiares para que exercessem o direito de vingança” (MASSON, 2011, p. 59).
Mas, por influência do direito romano e canônico, o direito germânico trouxe um grande avanço para as penas, que foi o sistema de composição pecuniária, onde o infrator poderia pagar pelos seus crimes, indenizando as vítimas, que recebiam os valores e perdoavam os infratores.
Dentro da idade média ainda, por volta do século XII, com o cristianismo e seus seguidores, bem como, com o crescente poder da Igreja Católica sobre o estado, criou-se o direito penal Canônico pelo decreto de Graciano, que teve como marco o caráter retributivo e ressocializador da pena, onde o infrator deveria pagar pelos seus pecados em uma penitenciária (termo criado nesta época da palavra penitência), onde, pela solidão e sofrimento, a alma do homem melhorava e pagava o pecado (MASSON, 2011).
Ademais, no direito penal Canônico, teve também a criação das inquisições, que foi o procedimento adotado pela Igreja Católica, com o fim de julgar as infrações penais da época, sendo que, ainda assim, tinha-se penas severas como a tortura e açoitamento.
Após tal período, com a influência do iluminismo, instituiu-se a idade moderna, chamado também de período humanitário, que teve início no século XVIII com os estudos e trabalhos de Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria, sendo que sua obra mais famosa foi “Dos Delitos e das Penas”, publicada em 1764, que, dentre algumas fases que ultrapassaram gerações, está descrito o seguinte : “Toda pena, que não derive da absoluta necessidade, diz o grande Montesquieu, é tirânica, proposição esta que pode ser assim generalizada: todo ato de autoridade de homem para homem que não derive da absoluta necessidade é tirânico” (BECCARIA, 2006, p. 22).
Neste período, além da publicação da obra de Beccaria, a sociedade em geral estava cansada das punições cruéis e arbitrárias, sendo que, juntamente com a Revolução Francesa, em 1789, foi criada a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, trazendo penas mais brandas e julgamentos mais justos, prezando sempre pela pessoa.
A partir deste período, começou a ser criados vários códigos penais em vários países, com a influência mais humanitária das penas, sendo que, tal período seguiu-se até a segunda guerra mundial, onde todos nós conhecemos a história de horrores e infrações cometidas contra a pessoa humana.
E diante de tal guerra, criaram-se novas legislações como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, sendo que tais textos têm por base os direitos humanos, proibindo as penas cruéis.
Tais legislações internacionais foram recepcionadas pela Constituição de 1988, que trouxe a dignidade da pessoa humana como centro das atenções de nossa legislação, conforme previsto no artigo 1º, inciso III, trazendo a pessoa humana como o mais importante ser de nossa nação, instituindo as leis em seu favor e proibindo práticas que o prejudicasse.
Ademais, nossa Constituição Federal também prevê vários Princípios relativos às penas, sendo os mais importantes: Reserva Legal e Anterioridade (art. 5º, XXXIX); Princípio da Personalidade (art. 5º, XLV); Princípio da Humanidade (art. 5º, XLIX e XLVII); e Princípio da Individualização da Pena (art. 5º, XLVI).
Assim, o sistema penal mundial teve um grande avanço em toda a sua história, pois com os erros das aplicações de penas cruéis, aprendemos que a finalidade da pena não pode ser somente a de punir o infrator, mas sim de recuperá-lo para o convívio em sociedade, sendo que, para isso, devemos prezar pela dignidade da pessoa humana.
2.2. Espécies e Eficácia das Penas no Direito Brasileiro
As espécies de penas permitidas e proibidas estão descritas na Constituição Federal, sendo que são consideradas cláusulas pétreas, por estarem inseridas no artigo 5º que relatam as garantias e os direitos fundamentais.
2.2.1. Das penas proibidas
Conforme dispõe o artigo 5º, inciso XLVII, da Constituição Federal, são vedadas as penas de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX da CF; de caráter perpétuo; de trabalhos forçados; de banimento; e cruéis.
Apesar de termos esta vedação, verificamos em muitos casos a presença destas penas vedadas pela Constituição Federal. A pena de morte, que seria a pena relativamente permitida, verificamos que são aplicadas por policiais, que ao invés de cumprirem suas funções, executam agentes que cometeram crimes de forma sumária, sem qualquer julgamento prévio.
A exemplo disso, é válido citar dois casos que foram notícia na mídia nacional. Um é o caso do Pedreiro Amarildo, que desapareceu após operação policial na favela da Rocinha[5]. O outro caso é aquele onde um adolescente foi encontrado morto em uma área de mata, sendo que os acusados pelo crime são dois policiais militares[6].
O policial é um representante do estado, sendo que deveria cumprir suas funções e não executar sumariamente pessoas acusadas de ter cometido crimes. E no mesmo diapasão, verificamos que a exclusão social dos presos é feita, em alguns casos, por próprios policiais, que torturam e maltratam os detentos.
Para combater tal situação, o estado deve intervir de modo eficaz, combatendo tais crimes cometidos por policiais, bem como, treinando-os para que trabalhem de forma correta e legal.
Quanto às demais penas proibidas, é válido destacar as penas de banimento. Tais penas são cometidas pela própria sociedade, que excluem os condenados por crimes, negando empregos e tratamento digno. No banimento, encontramos a exclusão social do preso, que tem que sair do cárcere e conseguir sozinho seu sustento, sem ajuda do estado e muitas vezes, com o empecilho da sociedade preconceituosa.
E é em razão disso que verificamos as altas taxas de reincidência em crimes no Brasil, pois, muitas vezes, o reeducado, por não conseguir um emprego digno, volta a cometer crimes.
Por fim, temos as penas cruéis. Tais penas nós vemos que são aplicadas todos os dias nas penitenciárias brasileiras. Tais lugares são insalubres, sem qualquer tipo de higiene e estrutura adequada para seres humanos.
No Estado do Espírito Santo, vemos prisões Contêiner, que são caixas de metal onde os presos cumprem suas penas[7]. Em um estado em que as temperaturas são normalmente altas, imagine a temperatura dentro de uma caixa de ferro no meio do dia? Outra situação são as penitenciárias e cadeias superlotadas.
Em Umuarama-PR mesmo, a cadeia pública da Delegacia de Polícia tem estrutura para comportar 60 presos. Normalmente, se trabalha com quase 300 presos. Ou seja, cinco vezes a capacidade correta. Com certeza se trata de penas cruéis.
Sobre tal assunto, é válido citar a seguinte opinião:
O sistema prisional brasileiro constitui-se num dos maiores atentados aos direitos humanos no país e no mundo, desde o seu surgimento até os dias atuais, conforme dão conta os diversos estudos realizados sobre a situação carcerária. Em que pese o fato de que vivemos em uma época de inflação punitiva e de altas taxas de encarceramento, a pena privativa de liberdade encontra-se hoje marcada pela sua total insustentabilidade como principal forma de resposta ao delito. Dentre os aspectos que nos revelam essa inequívoca constatação, podemos destacar o histórico descaso por parte do Estado com relação aos estabelecimentos prisionais, circunstância esta que, para além de todas as críticas ao encarceramento, impossibilita a satisfação de quaisquer fins a que a pena possa estar supostamente destinada, e inviabiliza a garantia da segurança na sociedade como um todo. (CANOTILHO, MENDES, SARLET E STRECK, 2013, p. 415).
Assim, antes de se criticar o preso e suas condutas, devemos também entender pelo que o mesmo passa quando cumpre sua pena. Penas cruéis e desumanas nunca levarão à ressocialização e nem à inclusão social, tanto almejada para uma melhora no sistema carcerário.
Diante disso, percebe-se que as penas vedadas pela Constituição Federal, apesar de não serem aplicadas de modo direito e claro, estão no meio carcerário que nós vivemos. Isto se dá pela falta de uma política pública efetiva de controle e estruturação das penitenciárias e cadeias públicas, trazendo mais sofrimento e agonia para os detentos e, também, seus familiares.
2.2.2. Das penas permitidas
As penas permitidas em nosso ordenamento jurídico também estão previstas em nossa Constituição Federal, sendo que estão descritas no artigo 5º, inciso XLVI: privação ou restrição da liberdade; perda de bens; multa; prestação social alternativa e suspensão ou interdição de direitos.
Tal rol das penas é exemplificativo por própria expressão do citado inciso da Constituição, tendo em vista que seu caput prevê que “a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:” O termo “entre outras” é bem claro e preciso em permitir a criação de outros meios de pena, que deverão ser criadas por Lei, em razão do Princípio da Estrita Legalidade, bem como, respeitando as penas vedadas, conforme o artigo 5º, inciso XLVII, da própria Constituição Federal.
E regulando tal preceito constitucional, nosso Código Penal tem a previsão de três tipos de penas, conforme determina o artigo 32: privativas de liberdade; restritivas de direito e multa.
As Penas Privativas de Liberdade, descritas nos artigos 33 e seguintes do Código Penal, são penas que retiram do condenado o direito de locomoção em virtude da prisão por tempo determinado, que são dividas em reclusão e detenção, podendo ainda ser cumpridas em três regimes: fechado, semiaberto e aberto.
Segundo preceitua Prado (2010, p. 520):
A diferenciação entre reclusão e detenção hoje se restringe quase que exclusivamente ao regime de cumprimento de pena, que na primeira hipótese deve ser feito em regime fechado, semiaberto ou aberto, enquanto na segunda alternativa – detenção – admite-se a execução somente em regime semiaberto ou aberto, segundo dispõe o artigo 33, caput do Código Penal. Contudo, é possível a transferência do condenado a pena de detenção para regime fechado, demonstrada a necessidade da medida.
Tais penas privativas de liberdade são as penas que temos criticado, pois dificilmente ressocializa os condenados, principalmente a pena em regime fechado, que impõe a privação total de liberdade em penitenciárias sem qualquer tipo de estrutura.
E as penas em regime semiaberto devem ser cumpridas em penitenciárias de colônia penal agrícola, industrial ou similar, sendo que as penas em regime aberto devem ser cumpridas em casa de albergado.
E como alternativa às penas privativas de liberdade, nosso Código Penal criou as penas chamadas alternativas, que são as penas restritivas de direito e de multa. Essas Penas possuem o propósito de evitar à imposição das penas privativas de liberdades substituindo-as por penas mais brandas, pois há indivíduos que possuem condições pessoais favoráveis e envolvidos em infrações penais de menor gravidade.
As penas restritivas de direito estão elencadas no artigo 43 do Código Penal. São elas: prestação pecuniária; perda de bens e valores; prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas; interdição temporária de direitos; e limitação de fim de semana.
A prestação pecuniária esta disciplinada no artigo 45, parágrafo 1º e 2º, do CP, consiste no pagamento de dinheiro à vítima, a seus dependentes ou entidade pública ou privada com destinação social, devendo este pagamento ser entre 1 (um) a 360 (trezentos e sessenta salários mínimos). O parágrafo segundo do artigo 45 do Código Penal, prevê a possibilidade, caso da aceitação do beneficiário, de prestação pecuniária converter em prestação de outra natureza, distinto de dinheiro como a doação de cestas básicas e até serviços de mão de obra.
A perda de bens e valores pertencentes aos condenados, esta disposta no artigo 45, §3º do Código Penal, sendo que se reverte em favor do Fundo Penitenciário Nacional (FUPEN), ressalvado disposições em legislação especial. Trata-se de uma sanção que recolhe os bens ou valores de origem ilícita do indivíduo. Esse tipo de pena restritiva vem sendo muito aplicada nos crimes contra ordem econômica ou tributária, não podendo essa pena ser aplicada no caso de condenação por contravenção penal.
Disposta no artigo 46 do Código Penal, a prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas é aplicável em condenações superiores a seis meses de privação de liberdade, com característica de prestação gratuita de serviços em entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros do mesmo gênero. O juiz da condenação é que determinará a substituição da pena privativa pela prestação de serviços à comunidade, devendo esta ser cumprida em uma hora por dia de condenação para não prejudicar a jornada de trabalho normal.
Outra pena privativa é a interdição temporária de direitos em relação ao exercício de direitos legítimos de todos os cidadãos. O artigo 47 do Código Penal prevê cinco interdições temporárias: proibição de exercício de cargo, função ou atividade pública, bem com mandado eletivo; proibição de exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habitação especial, de licença ou autorização ao poder publico; suspensão de autorização ou habilitação para dirigir veículo; proibição de frequentar determinados lugares; proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exames públicos.
Por fim, dispõe o artigo 48 do Código Penal a pena de limitação de fim de semana que, conforme diz o artigo consiste “na obrigação de permanecer aos sábados e domingos, por 5 (cinco) horas diárias em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado”. Os feriados são excluídos dessa restrição, limitando-se apenas aos fins de semana e a execução da pena terá o mesmo prazo que a pena privativa de liberdade que substitui.
Entre as características das penas restritivas de direitos, existe sua finalidade de reabilitação do indivíduo na sociedade para que haja possibilidade de seu retorno ao convívio social, Assim é necessário que o Estado adote medidas para que o preso possa retornar ao convívio social, tentando minimizar a reincidência.
E por fim, temos a pena de multa, que poderá ser aplicada isoladamente ou conjuntamente com as penas privativas de liberdade e restritivas de direitos. Tal pena está descrita no artigo 49 do Código Penal, consistente no “pagamento ao fundo penitenciário de uma quantia fixada na sentença e calculada em dias multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 dias multa”, sendo que o valor de dias multa será fixado na sentença, “não podendo ser inferior a um trigésimo do salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a cinco vezes esse salário”.
Tais penas previstas na legislação brasileira, principalmente as penas alternativas, são soluções que, juntamente com outras medidas, poderiam ajudar na resolução do problema prisional brasileiro. Mas tais penas são vistas pela sociedade como penas ineficazes, sem qualquer efeito, vindo até a perder a credibilidade.
Diante disso, o poder público tem optado pelas penas privativas de liberdade, com o único fim de dar uma falsa segurança à sociedade, dizendo que está cumprindo os rigores da lei e combatendo o crime.
Mas tal forma de punição, além de não estar surtindo o efeito desejado, não está cumprindo com suas finalidades de forma correta, que deveria ser o objeto almejado com as penas, cumprindo também sua função social.
2.3. Das Finalidades da Pena
Para que uma pena possa ser imposta a um condenado por fato descrito como crime, utilizando sempre o Princípio da Proporcionalidade, devemos verificar qual que a finalidade e o fundamento de tal pena.
Sobre as finalidades da pena, lembramos as palavras do já citado autor Beccaria (2006, p. 43):
Da simples consideração das verdades, até aqui expostas, fica evidente que o fim das penas não é atormentar e afligir um ser sensível, nem desfazer o delito já cometido. É concebível que um corpo político que, bem longe de agir por paixões, é o tranquilo moderador das paixões particulares, possa albergar essa inútil crueldade, instrumento do furor e do fanatismo, ou dos fracos tiranos? Poderiam talvez os gritos de um infeliz trazer de volta, do tempo, que não retorna, as ações já consumadas? O fim da pena, pois, é apenas o de impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e demover os outros de agir desse modo.
É, pois, necessário selecionar quais penas e quais os modos de aplica-las, de tal modo que, conservadas as proporções, causem impressão mais eficaz e mais duradoura no espírito dos homens, e a menos tomentosa no corpo do réu.
E deste pensamento inovador criou-se as teorias que hoje estudamos, que se dividem em teoria absoluta, teoria relativa e teoria mista. A teoria absoluta diz que a finalidade da pena é retributiva, ou seja, é a vingança do estado contra uma pessoa que praticou um fato descrito como crime. A teoria relativa se divide em teoria da prevenção geral e especial. A prevenção geral prevê que a pena tem caráter somente preventivo, ou seja, serve de exemplo para que outras pessoas não cometam crimes, pois se o fizer, correm o risco de sofrer as penalidades. A teoria relativa da prevenção especial se refere a ressocialização do delinquente, fazendo com que o mesmo volte para sociedade como uma pessoa melhor, sem tendência de cometer crimes. Já a teoria mista, seria a junção das duas teorias antes analisadas, ou seja, ela descreve que a pena tem duas finalidades, a de vingança estatal e a preventiva. (PRADO, 2010).
No nosso ordenamento jurídico, conforme dispõe o artigo 59 do Código Penal, adotou-se a teoria mista, também chamada de unificada ou dupla finalidade, pois está descrito que a pena será estabelecida pelo juiz “conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime”.
Assim, nosso sistema penal dispõe que a pena tem o caráter vingativo do estado, que seria a finalidade mais popular e desejada pela sociedade em relação à pena, bem como, o caráter pedagógico, que serviria de aviso para aqueles que teriam a intenção de cometer tais crimes e ressocializador para aqueles que já cometeram crimes não voltem a cometê-los.
Tal teoria mista é a mais correta para o direito penal moderno, tendo em vista que somente a retribuição da sociedade em face o infrator não seria um modo de punição correta, apesar de ser a forma mais desejada, que traz audiências e sucesso para vários programas sensacionalistas de TV e Rádio.
É de se salientar que, tendo em vista o sistema de penas elencando em nossa Constituição Federal de 1988, principalmente quanto à proibição das penas de morte e perpétuas, o condenado, se não falecer na prisão, em certa hora será reinserido na sociedade. Diante disso, entendo que a finalidade principal da pena é a ressocializadora.
Se houvesse a prisão perpétua ou, até mesmo, a pena de morte, não haveria sentido em ressocializar o preso, pois o mesmo nunca mais iria voltar para o seio da sociedade, sendo que a pena teria somente o caráter punitivo e pedagógico. Mas como o preso, futuramente e certamente, voltará para a sociedade, devemos trabalhar para a ressocialização do mesmo, pois quando voltar, poderá voltar melhor e sem a vontade de vingança contra o estado e contra a sociedade, pretendendo mudar para uma vida digna.
O caráter pedagógico e ressocializador são essenciais para a sociedade. Mas para que tais finalidades sejam eficazes, há a necessidade de atuações do poder estatal, de forma veemente, com programas adequados, o que não vem sendo cumprido.
E este descumprimento por parte do Estado se dá, principalmente, quanto ao caráter ressocializador da pena, tendo em vista que muitos dos condenados voltam a delinquir após o saírem das penitenciárias. Isso é um dato importante e que devemos levar em consideração para a inclusão social do preso, pois, após cumprir sua pena, é jogado na sociedade sem qualquer perspectiva de melhora em sua vida.
Ademais, o sistema carcerário por si só já desmotiva a melhora do preso, pois são prisões sem qualquer estrutura, sendo muito criticada pela Criminologia Crítica: “A ressocialização não pode ser conseguida numa instituição como a prisão. (...). A pena privativa de liberdade não ressocializa, ao contrário, estigmatiza o recluso, impedindo sua plena reincorporação ao meio social.” (BITENCOURT, apud MIRABETE, 2007, p. 26).
Vendo isso, verifica-se que a principal finalidade da pena não está sendo cumprida, motivo pelo qual o sistema carcerário se encontra falido, com várias rebeliões e reincidências, pois os presos se encontram marginalizados, fora da sociedade, esquecidos pelos governantes. Verifica-se ainda, que a grande maioria da sociedade deseja que os presos fiquem deste modo, sem qualquer dignidade, o que leva mais ainda à exclusão social.
Diante disso, a única finalidade da pena que traz a inclusão social do preso na sociedade é a ressocialização que, alinhada juntamente com a conscientização da própria sociedade, seria a alternativa mais eficaz de abaixar os índices de criminalidade, que são alarmantes.
3. DA EXCLUSÃO SOCIAL DO PRESO
3.1. Exclusão social e seus efeitos
O estudo sociológico da exclusão social é muito discutido por autores do ramo, sendo que tal conceito não é unânime. Mas de uma forma ou de outra, tal conceito sempre está relacionado com a marginalização, colocando tal classe social fora da sociedade.
Um dos conceitos que entendemos ser mais adequado, diz que exclusão social é “uma combinação de falta de meios econômicos, de isolamento social e de acesso limitado aos direitos sociais e civis”[8].
Diante de tal conceito, verifica-se que a exclusão social não pode ser verificada e estudada somente em um âmbito restrito, mas sim em um contexto geral, pois é necessária uma combinação de fatores para se concluir que um indivíduo é excluído socialmente.
O primeiro fator diz respeito aos meios econômicos, pois, nos dias atuais e no nosso país com uma base econômica capitalista, uma pessoa que não possui qualquer tipo de renda ou meio de subsistência, pode-se dizer que é uma pessoa excluída do meio social.
Ademais, verifica-se que até em movimentos culturais, educacionais e de lazer, há uma exclusão social das pessoas menos favorecidas economicamente, pois não podem (nem tem condições) de frequentar lugares um pouco mais requintados.
Já o segundo ponto do conceito trazido à baila diz respeito ao isolamento social. Tal ponto é bastante relevante, pois, conforme vemos todos os dias na mídia e em nossas cidades, as pessoas excluídas residem na zona periférica das cidades ou, nos casos de mendigos, nas praças e portas de igrejas, sendo que, a maioria da sociedade, “olham” tais pessoas sem “enxergá-las”, ou seja, fingem que não existem.
E o terceiro ponto diz respeito ao acesso aos direitos sociais e civis. Os direitos sociais dizem respeito aos direitos fundamentais elencados em nossa Constituição Federal, como, por exemplo, saúde, alimentação, educação, trabalho, moradia, lazer, dentre outros. Já os direitos civis dizem respeito às prerrogativas de liberdades individuais, também descritas na Constituição Federal, como, por exemplo, liberdade de expressão, de pensamento, de fé, de ir e vir, de associação, dentre outros. No contexto social atual, verificamos que há muitas pessoas excluídas socialmente e civilmente, pois não têm acesso a tais direitos.
Já quanto aos efeitos da exclusão social no quotidiano do indivíduo, devemos analisa-la em seis dimensões principais, ao nível: do SER, ou seja, da personalidade, da dignidade e da autoestima e do autorreconhecimento individual; do ESTAR, ou seja, das redes de pertença social, desde a família, às redes de vizinhança, aos grupos de convívio e de interação social e à sociedade mais geral; do FAZER, ou seja, das tarefas realizadas e socialmente reconhecidas, quer sob a forma de emprego remunerado (uma vez que a forma dominante de reconhecimento social assenta na possibilidade de se auferir um rendimento traduzível em poder de compra e em estatuto de consumidor), quer sob a forma de trabalho voluntário não remunerado; do CRIAR, ou seja, da capacidade de empreender, de assumir iniciativas, de definir e concretizar projetos, de inventar e criar ações, quaisquer que elas sejam; do SABER, ou seja, do acesso à informação (escolar ou não; formal ou informal), necessária à tomada fundamentada de decisões, e da capacidade crítica face à sociedade e ao ambiente envolvente; e, por fim, do TER, ou seja, do rendimento, do poder de compra, do acesso a níveis de consumo médios da sociedade, da capacidade aquisitiva (incluindo a capacidade de estabelecer prioridades de aquisição e consumo). (ARAÚJO, 2009, p. 15-16).
Assim, a exclusão social é uma situação de não realização de algumas ou de todas estas dimensões. É o “não ser”, o “não estar”, o “não fazer”, o “não criar”, o “não saber” e/ou o “não ter”.
Conforme se vê, tal formulação estabelece uma relação entre a exclusão social com a pobreza, tendo em vista que esta é, na maioria das vezes, resultado da privação de recursos financeiros.
Assim, observa-se que tal discurso apontado assim se encaixa perfeitamente no contexto social do recluso, do preso, do reeducando. A grande maioria dos presos são extremamente pobres, sem provimento de qualquer recurso financeiro, cultura e social, razão pela qual, muitas vezes, se volta para a criminalidade como meio de subsistência.
Ademais, depois que é preso, é excluído com mais força ainda, pois o Estado, a sociedade e, muitas vezes, seus familiares, querem que fiquem trancafiados pelo resto da vida, por erros cometidos.
3.2. Exclusão do preso pelo Estado
Em primeiro lugar, devemos trabalhar com a exclusão social do preso pelo seu responsável, que é o Estado. A partir que o Estado trouxe para si o direito do jus puniendi, trouxe também todas as responsabilidades e consequências de tal punição.
O artigo 10 da Lei de Execução Penal diz que “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”.
Quando imposta a prisão como resposta penal principal, acreditava-se que poderia ser um meio adequado para reforma do criminoso. Durante muitos anos chegou-se a acreditar que a prisão poderia ser um meio eficaz para reabilitar o delinquente. Mas não é o que se tem visto na atualidade, pois é comum, ao se falar da falência da pena de prisão, fazer menção ao seu efeito criminológico, uma vez que a prisão ao invés de acabar com a criminalidade parece estimulá-la.
Os fatores que dominam a vida carcerária podem ser classificados em materiais psicológicos e sociais. Materiais enquanto problemas estruturais, acarretando problemas de saúde, alimentação, a falta de alojamentos adequados. Fatores psicológicos que muitas vezes acabam estimulando a delinquência, que sobre o ponto de vista social acaba amadurecendo o criminoso, muitas vezes levando a formação de associações delitivas. E por fim os fatores sociais, que dificulta a reinserção social do delinquente.
O isolamento de uma pessoa, que é excluída da vida social, é um dos efeitos mais graves da pena privativa de liberdade, sendo em muitos casos irreversíveis. A superlotação, condições desumanas e a convivência contínua com outros criminosos mais perigosos tornam os presídios verdadeiras universidades do crime.
É nítido que o sistema carcerário não reabilita o preso, fazendo com que a pena privativa perca seu valor. O processo de ressocialização do preso é ineficaz, pois não há como fazer isto o privando da liberdade. É necessário para sua readaptação permanecer com um convívio social aliado a medidas educativas e acompanhamentos psicológicos. Assim, o maior meio atual utilizado para ressocialização, reeducação deve ser reanalisado, pois uma grande parte dos condenados à pena de prisão voltam a delinquir. E tal realidade não poderia ser outra, pois tal sistema se encontra falido.
No dia 05 de junho de 2014, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ)[9] divulgou dados sobre a população carcerária brasileira, tendo concluído que no Brasil há 711.463 presos, somando os provisórios e os definitivos (563.526), bem como, os presos em domicílio (147.937). Destes números, 32% são de presos provisórios e 68% definitivos.
Com tais números, o Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo, ultrapassando a Rússia, que tem 676.400 presos, perdendo somente para a China, que vem em segundo lugar com 1.701.344 presos; e Estados Unidos, que possuem 2.228.424 presos.
Mas, diante destes números, devemos observar também a população destes países, sendo que o Brasil, em 2014, possui uma população de 203.280.620[10] pessoas. A china possui uma população de 1.366.008.160[11], sendo que os Estados Unidos possuem 321.024.681[12]
Levando em consideração o número de habitantes, o Brasil tem uma porcentagem de presos maior que da China, só perdendo mesmo para os Estados Unidos.
De um lado mais específico, estudando os dados obtidos através do Plano Diretor do Sistema Penal do Estado do Paraná[13], os estudos realizados até dezembro de 2010 concluíram que haviam um total de 26.509 presos no Estado, incluindo presos provisórios e definitivos.
Diante destes números e da realidade social, conclui-se que a prisão não cumpre com a função social da pena, principalmente no que tange à ressocialização. Todos os anos os índices de criminalidade vem aumentando, juntamente com o número de presos. Ademais, com tudo isso, aumenta-se também o número de reincidência.
Conforme notícias do último estudo efetuado pelo CNJ em 2009[14], o número de reincidência no Brasil ultrapassa os 80%, sendo que se está fazendo um estudo no ano de 2014 sobre a reincidência, não havendo conclusão de tais estudos.
E tal número de reincidência se dá pela ineficácia e falência do sistema prisional brasileiro, que no lugar de ressocializa, somente presa pela punição, satisfazendo assim os olhos da sociedade.
Dentro das penas privativas de liberdade, observamos que a pena em regime fechado são as penas que menos surtem efeito. Conforme já estudado acima, tal pena é muitas vezes desumana, sem qualquer caráter ressocializador.
Mas há de se acreditar nas penas privativas de liberdade dos regimes semiaberto e aberto, pois são penas mais eficazes e que possuem um cunho mais ressocializador que o regime fechado, principalmente pelos benefícios do trabalho, saídas temporárias e remição para o semiaberto, bem como, pela convivência com a sociedade no regime aberto.
Ocorre que tais penas, na maioria das vezes, não são cumpridas de forma eficaz especialmente as penas de regime aberto, por ausência de casas de albergado. Conforme informações do plano diretor de 2011/2014 do Estado do Paraná, até no ano de 2010, tínhamos somente 04 penitenciária de regime semiaberto e 02 casas de albergado.
Assim, a justiça tem concedido, no caso dos presos em regime semiaberto, por falta de vaga, o benefício do trabalho externo, onde o preso trabalhar durante o dia e dorme na cadeia ou penitenciária. Em Umuarama-PR, por exemplo, como também não há vagas para todos os presos pernoitarem, tem se concedido tal benefício de forma com que o preso fique dois dias trabalhando e durma somente um na cadeia. Ou seja, o regime semiaberto perde totalmente sua eficácia, sendo que, na maioria das vezes, tais presos voltam a delinquir.
Ademais, tal benefício tem sido um grande problema para o sistema carcerário, tendo em vista que presos neste regime trazem bebidas, drogas e celulares para os presos em regime fechado e provisório.
Como alternativa a isso e buscando inibir tais atitudes, alguns juízes tem concedido o benefício da prisão domiciliar, que tem um caráter totalmente diferente do regime semiaberto, esquecendo-se também do caráter punitivo da pena. Mas não pode-se culpar os magistrados e, muito menos, os presos, que nunca poderiam ficar em um regime mais grave do que lhe é de imposto.
Já quanto ao regime aberto, conforme já informado acima, é mais fácil a verificação de sua ineficácia, pois somente duas casas de albergado em todo o Paraná é vergonhoso. Para suprir isso, criou-se o Programa Patronato[15], também chamado de Programa de municipalização do acompanhamento das penas e medidas alternativas em meio aberto, substituindo o programa Pró-Egresso.
Mas somente 08 municípios aderiram a tal programa, sendo que a maioria dos municípios do Paraná não aderiram ainda, ficando muitos dos condenados sem qualquer tipo de acompanhamento, cumprindo pena no regime aberto simplesmente indo ao Fórum para justificar suas atividades toso os meses, sem poder viajar mais de oito dias e recolhendo-se em sua residência nos fins de semana.
Assim, por falta de estrutura no sistema prisional, a pena privativa de liberdade não tem surtido eficácia no meio prisional.
Ademais, para humilhação maior do Estado, hoje está em trâmite uma ação de indenização, que chegou até o Supremo Tribunal Federal, onde o Autor, que hoje se encontra em liberdade condicional, foi uma das 269 ações propostas pela Defensoria Pública do Estado do Mato Grosso do Sul, requerendo indenização por ter sofrido muito na detenção. O presídio que cumpriu pena tinha 262 vagas, mas abrigava 674, sendo que não tinha colchões, espaço para todos dormirem, nem qualquer tipo de saneamento básico. No STF, os Ministros Gilmar Mendes e Teori Zavascki já deram o voto favorável ao pedido de indenização, fixando o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), tendo o Min. Luís Roberto Barroso pedido prazo para avaliar a questão.[16]
Tal questão é muito importante, devendo ser discutida a fundo por nossos líderes governamentais, bem como, por toda a sociedade, pois, se trata da discussão de como o nosso país está tratando parte de sua população, que, na maior parte, é composta por negros, pobres e analfabetos.
Como alternativa a esta situação, temos as penas restritivas de direito, que como já estudadas acima, são também conhecidas como penas alternativas. Apesar de ainda pouco aplicadas, surgem como uma alternativa eficaz para evitar a aplicação das penas privativas de liberdade a indivíduos que revelem condições sociais favoráveis com uma maior finalidade de ressocialização, já que não tira o delinquente do convívio social.
Prova disso são dados anunciados no site do Ministério da Justiça[17], que ao contrario dos 80% da reincidência das penas privativas, apenas 12% dos condenados às penas restritivas voltam a reincidir.
A pena restritiva de direito é opção mais humana para punir e ao mesmo tempo reeduca os delituosos, não retirando o condenado de seu ambiente familiar, social e profissional, o que ajuda na sua ressocialização. O condenado não é atingido pelos efeitos negativos da pena privativa de liberdade como, por exemplo, contato com condenados mais perigosos o que pode causar efeitos irreparáveis, porém ao mesmo tempo o condenado não deixara de cumprir sua pena, não tendo sensação de impunidade e insegurança perante a sociedade.
Além das penas restritivas de direito, temos também que aprimorar e possibilitar a remição de pena pelo trabalho e pelo estudo para todos os condenados. Conforme dispõe o artigo 126 da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84), o condenado poderá remir sua pena pelo trabalho, sendo que a cada três dias trabalhados, tem remido um dia de pena, bem como, pelo estudo, sendo que a cada doze horas de estudo, tem um dia de pena remido. Além de tais benefícios, dispõe ainda o §5º do mesmo artigo que, caso o condenado conclua o ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena, terá acrescido um terço no montante da remição pelo estudo.
Tal benefício é muito benéfico para os condenados, que terão como incentivo o desconto em suas penas pelo trabalho e estudo, sendo que tais ocupações podem transforma-los em pessoas melhores, cumprindo assim a função da ressocialização da pena, além, é claro, de que se cometerem falta grave durante o cumprimento da pena, poderão perder parte do tempo remido, conforme preceitua o artigo 127 da Lei de Execuções Penais.
Mas para que tal benefício possa surtir o efeito esperado, além de se ter um trabalho tratamento digno, bem como, estudos eficientes que ensinem o condenado, o Estado também deve proporcionar o reingresso de tal pessoa no seio da sociedade, vindo tal fato ser um problema muito grande.
3.3. Exclusão do preso pela Sociedade
Sem dúvida alguma, o cárcere reflete a sociedade em suas piores características, pois é ali que se veem as pessoas que são consideradas as piores, que devem ser excluídas do seio social, que, de forma quase absoluta, são pessoas não queridas pela população dominante.
Quantas vezes já ouvimos em nossos lares, em igrejas, em conversas com os amigos, bem como, em nosso trabalho, que “o preso deve ficar preso mesmo”; “que ele está lá porque quer”; “que se a prisão fosse um lugar ruim, não seriam reincidentes”; dentre outras frases sempre com um cunho pejorativo.
A sociedade em geral não quer que os presos cumpram penas privativas de liberdade somente, elas querem que eles fiquem afastados do seio social, sem contato com o mundo exterior, bem como, querem que os mesmos sofram com a falta de higiene e do mínimo existencial para uma pessoa. E, além de tudo isso, querem ainda que os reclusos sofram com torturas e açoitamentos diários.
E isso é regra de qualquer conversa com qualquer pessoa, de todas as classes sociais e educacionais, que tenham um emprego e pegam seus impostos normalmente, sem falar nas falácias e invenções das pessoas quanto ao auxílio reclusão, pois, em muitos lugares, já ouvimos que o auxílio reclusão é um absurdo, pois todo filho de preso tem direito a um salário mínimo.
Mas o que nos deixa entristecidos, muitas vezes, são os comentários em sala de aula, com alunos de direitos, que já tenham estudado os direitos fundamentais, bem como, o Princípio da Dignidade Humana, pois, como muitos deles dizem, tal princípio deve ser aplicado somente aos humanos direitos, dando a entender que só deve ter dignidade a pessoa humana que não comete crimes.
Em nosso seio social, verificamos muitas classes excluídas, como os negros, pobres, índios, idosos, crianças, dentre outros. Mas, sem sombra de dúvidas, a classe mais excluída socialmente pela sociedade é a classe das pessoas que estão cumprindo pena no sistema carcerário. E isto se dá pelo simples fato de que a própria sociedade quer manter tal exclusão.
Se perguntarmos para qualquer pessoa na rua, sobre a destinação de uma verba de um milhão de reais, tendo duas opções: educação e sistema carcerário; ou, saúde e sistema carcerário; qual seria a resposta das pessoas para a destinação de tais verbas? É clarividente que seriam para qualquer outra área social, menos ao sistema carcerário.
No ano de 2012, no Paraná, a média de gastos com cada preso implantado no sistema estadual teve uma média em torno de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) mensais. Já nos presídios federais, a média de gasto mensal com cada preso foi de R$ 3.472,22 (três mil, quatrocentos e setenta e dois reais e vinte e dois centavos).[18]
Se observarmos isso, cada preso tem um gasto muito alto, pelas condições que vivem. Tais gastos são divididos entre estrutura dos presídios, funcionários e agentes penitenciários, bem como, no cuidado com o preso.
Para se ter uma ideia, no ano de 2013, o salário de um professor com licenciatura plena-20 horas – nível 1, tinha um salário de R$ 1.044,94 e um policial militar de 2ª classe tinha um salário de R$ 1.463,00[19]. Na verdade, um preso tem um custo caro para o estado.
Mas, mesmo com tal custo, ainda assim tais valores são insuficientes para que o preso tenha uma vida digna dentro do cárcere. Há quem diga isso, alegando que seria uma má gestão pública dos valores empregados, no que concordamos, tendo em vista a convivências semanais em presídios da região de Umuarama-PR.
Na realidade, deveria ser implementado um sistema de trabalho dentro dos presídios, conforme dispõe a própria legislação de execuções penais, pois, se cada preso trabalhasse para o seu sustento e seus gastos, pensamos que haveria uma ressocialização maior. Mas, para isso, é necessário o incentivo da sociedade também, com empresas que queiram arriscar em tal empreendimento, bem como, após o cárcere, queira contratar o preso para um trabalho.
Não conseguir emprego digno é um dos fatores que, de longe, prejudicam muito o condenado e faz com que ele volte a delinquir. Não adianta nada o Estado fornecer estudo e aprendizado moral se, na hora que voltar para a sociedade, o condenado não consiga trabalho digno e com remuneração adequada.
E isso é tarefa, além do Estado é claro, da sociedade, que tanto têm preconceitos em contratar e conviver com pessoas que cumpriram penas no cárcere por crimes cometidos. Os condenados, além de sofrerem muito durante o cumprimento da pena, também sofrem depois de saírem, sendo descriminados pela sociedade.
Segundo informações prestadas pelo Instituto Avante Brasil, no ano de 2012, somente 17% dos presos brasileiros exerceram algum tipo de atividade laboral dentro do sistema penitenciário.[20] Verifica-se que é muito pouco, pois a grande maioria dos presos ficam vivendo no ócio, somente pensando em coisas ilegais e imorais, além de muitos planejarem fugas e formas de cometer mais crimes dentro e fora de presídios.
Dentro do cárcere, o condenado além de cumprir a pena imposta por nossa legislação, sofre também algumas consequências da pena como a “perda de identidade, aquisição de nova identidade, sentimento de inferioridade, empobrecimento psíquico, infantilização e regressão” (SÁ, apud, BATACLINE, CORREIA JÚNIOR, 2004).
E muitas vezes isso se dá pela própria família, pois abandonam seus parentes, sem qualquer tipo de apoio psicológico ou amoroso, prejudicando, cada vez mais, a personalidade do detendo, que já está abalada com a vida no cárcere.
“A reintegração do sentenciado na sociedade significa reverter às condições de exclusão social, para dirigi-los a uma vida depois da penitenciária, evitando deste modo, o retorno à reincidência criminal. Sendo assim, o sistema prisional deve propiciar aos sentenciados uma série de benefícios que vão desde instrução, até assistência médica e psicológica para oferecer-lhes uma oportunidade de reinserção, reparando dessa forma, situações de carência e privação, quase sempre frequentes na história de vida dos presos, antes da sua entrada na trilha do crime. (BARATA, apud, BATACLINE, CORREIA JÚNIOR, 2004).
Um estudo feito em 2011 pela Diretora executiva da Funap (Fundação de Amparo ao Preso), Lúcia Casali, concluiu que 70% dos presos podem ser recuperados pelo trabalho e pela educação.[21] Isso é um dado muito interessante, tendo em vista que a reincidência dos presos gira em trono de 70%. Assim, somente com o trabalho e o estudo pode-se modificar o sistema carcerário. Mas, para isso, é necessário que a sociedade seja conscientizada a não excluir o preso, mas, ao contrário, incluí-lo para que volte para a sociedade reabilitado.
Assim, a exclusão do condenado dentro e fora do cárcere causa-lhe grandes prejuízos físicos e morais, que nunca serão revertidos. O único modo de amenizar tais consequências é a sua inclusão no meio social pela sociedade, através de políticas públicas e conscientização das pessoas para que não tenham preconceitos.
4. CONCLUSÃO
De forma conclusiva, verificamos que a exclusão social do preso é muito grave e significativa no nosso meio, pois não há qualquer interesse da sociedade, muito menos dos governantes, de resolverem tal problema, ficando tal assunto somente nas discussões. Na realidade, tal problema é verificado todos os dias pelo o Estado e pela Sociedade, mas todos preferem se envolver de forma superficial, sem adentrar no mérito e sem chegar a conclusões, com ações concretas e modificadoras.
Na realidade seria necessário, para diminuir a exclusão social, a concretização e várias ações em vários âmbitos. Por parte do Estado, seria necessário o cumprimento fiel da legislação penal, fazendo com que as penas fossem cumpridas de forma mais humana. Isso quer dizer que o condenado deve sim cumprir suas penas, mais somente a penas que a lei impõe, que é são as privativas de liberdade, restritiva de direitos ou multa. Não somar a tais penas a exclusão social e a tortura, como vemos em muitos casos.
É necessário, também, que o Estado implemente programas de conscientização das pessoas que trabalham com os presidiários, para que sejam mais humanos e que cumpram a legislação, sem qualquer tipo de excesso, punindo, de forma exemplar, quem infringir a lei e prejudicar os presos. Além disso, seria necessária também, a criação de uma política pública de punição sem reclusão, deixando sempre a pena privativa de liberdade para o último caso, por se tratar, conforme os estudos apontados, da pena com menos possibilidade de reabilitação do preso.
Por fim, tal assunto deve ser amplamente discutido e debatido em todo o meio social e político, pois hoje temos um dos piores sistemas carcerários do mundo, que visa somente a punição. Isso se dá pelo reflexo do pensamento da sociedade, que somente pensa na punição dos presos. Assim, com ações visando a conscientização da sociedade, com certeza iremos mudar também o sistema carcerário, cessando a exclusão social do preso.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BATACLINE, D. H.; CORREIA JÚNIOR, R.; Reflexões sobre a exclusão social no sistema prisional e suas consequências na reintegração social. 2004. [Acesso em 16/02/2015]: Disponível em: .
BECCARIA, C. B. M de. Dos delitos e das penas. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
CANOTILHO, J. J. G.; MENDES, G. F.; SARLET, I. W.; STRECK, L. L. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013.
DOTTI, R. A. Curso de direito penal: parte geral. 5ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
MASSON, C. R. Direito penal esquematizado. 4ª. ed. São Paulo: Método, 2011, v. 1.
MIRABETE, J. F. Manual de direito penal. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2007.
PRADO, L. R. Curso de direito penal brasileiro. 9ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, v. 1.
VIEIRA, J. L. Código de Hamurabi: Código de Manu, excertos: Lei das XII Tábuas. 3ª. ed. São Paulo: Edipro, 2011.
[1] http://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2017/01/rebeliao-no-compaj-chega-ao-fim-com-mais-de-50-mortes-diz-ssp-am.html
[2] http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2014/10/dez-agentes-penitenciarios-sao-mantidos-refens-em-rebeliao-em-guarapuava-no-parana-4621034.html.
[3] http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/08/1505922-termina-rebeliao-em-penitenciaria-no-parana-cinco-morrem.shtml
[4] http://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2015/03/apos-onda-de-rebelioes-em-presidios-89-detentos-sao-transferidos-em-natal.html
[5] http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/10/04/apos-mandado-de-prisao-pms-acusados-de-matar-amarildo-se-apresentam-no-rio.htm.
[6] http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2014/07/cameras-em-carro-da-pm-incriminam-policiais-em-morte-de-menores-no-rj.html.
[7] http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL1541965-5598,00.html.
[8] http://exclusaosocialap12b.blogspot.com.br/
[9] http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/28746-cnj-divulga-dados-sobre-nova-populacao-carceraria-brasileira.
[10] http://www.ibge.gov.br/home/.
[11] http://countrymeters.info/pt/China.
[12] http://countrymeters.info/pt/United_States_of_America_(USA).
[13] http://www.depen.pr.gov.br/arquivos/File/PlanoDiretorSistemaPenal.pdf
[14] http://noticias.r7.com/cidades/juristas-estimam-em-70-a-reincidencia-nos-presidios-brasileiros-21012014.
[15] http://www.depen.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=217.
[16] http://glo.bo/1GEOvRb
[17] http://portal.mj.gov.br/main.asp?ViewID=%7B47E6462C-55C9-457C-99EC-5A46AFC02DA7%7D¶ms=itemID=%7B38622B1F-FD61-4264-8AD4-02215F6598F2%7D;&UIPartUID=%7B2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26%7D
[18] http://odia.ig.com.br/noticia/brasil/2014-08-02/preso-federal-custa-5-salarios-ao-mes-dobro-do-que-e-gasto-com-estadual.html.
[19] http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=1339475
[20] http://institutoavantebrasil.com.br/apenas-17-dos-presos-trabalham/
[21] http://noticias.r7.com/brasil/noticias/trabalho-e-educacao-podem-recuperar-70-dos-presos-20110816.html
Mestre em direito pela Universidade Paranaense; Especialista em direito e processo penal pela Universidade Estadual de Londrina; Professor das disciplinas de direito e processo penal da Universidade Paranaense; Advogado criminalista.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DORIGON, Alessandro. Exclusão social e o sistema carcerário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jan 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49032/exclusao-social-e-o-sistema-carcerario. Acesso em: 21 nov 2024.
Por: BRUNA RAPOSO JORGE
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