RESUMO: O breve estudo tem o objetivo de suscitar questões sobre o uso de informações coletadas nas diferentes etapas da apuração do caso criminal que embasam a denúncia, pronúncia e decisão do Conselho de sentença, quando ausente provas produzidas em audiência de instrução e julgamento e plenário, defendendo-se aplicação equânime do artigo 155 do Código de Processo Penal.
Palavras chave: Tribunal do júri; provas; contraditório e ampla defesa
1. Introdução
Imaginemos que em determinado julgamento relacionado a crimes contra a vida, compareça em plenário apenas réu. Algumas testemunhas arroladas na denúncia foram ouvidas no inquérito policial e primeira fase do júri. É justa e obedece o devido processo legal, o contraditório e ampla defesa a decisão dos jurados que condene este réu com base apenas no seu depoimento em plenário?
2. A possibilidade de aplicação do art. 155 do CPP nas decisões do Conselho de Sentença
Sabe-se que o procedimento de julgamento dos crimes contra a vida está dividido em várias etapas, sendo que, cada uma com finalidade específica.
Na fase inquisitorial, a missão da Polícia Judiciária é subsidiar o Ministério Público para oferecer a denúncia. Nesse sentido, Badaró(2015, p. 114-115) entende que:
a finalidade do inquérito policial é a apuração da existência da infração e a respectiva autoria(CPP, art. 4°e 12), fornecendo elementos para que o Ministério Público – ou o querelante – forme a opinio delicti e, em caso positivo, dê o embasamento probatório suficiente para que a ação penal tenha justa causa.
Por outro lado, na primeira fase do rito do júri, a decisão que finaliza o judicium acusationis tem como uma das possibilidades o reconhecimento da materialidade e indícios de autoria, de modo que é vedado ao juiz tecer considerações sobre o mérito da imputação, sendo o grau de cognição da sentença de pronúncia superficial quanto à existência de provas da autoria, sob pena de substituir o verdadeiro órgão competente para a apreciação do caso penal, o Conselho de sentença.
Nessa trilha, Eugênio Pacelli de Oliveira(2016, p. 735) acrescenta:
Na decisão de pronúncia, o que o juiz afirma, com efeito, é a existência de provas no sentido da materialidade e da autoria. Em relação à materialidade, a prova há de ser segura quanto ao fato. Já em relação à autoria, bastará a presença de elementos indicativos, devendo o juiz, tanto quanto possível, abster-se de revelar um convencimento absoluto quanto a ela. É preciso considerar que a decisão de pronúncia somente deve revelar um juízo de probabilidade e não o de certeza.
Pode-se afirmar que é no plenário, o local onde os jurados devem emitir uma decisão, não mais baseada em meros indícios, mas terem a certeza quanto à autoria e circunstâncias do crime.
Assim, para que o Ministério Público ofereça a peça inaugural, denúncia, necessário um procedimento preliminar denominado inquérito policial ou outro procedimento de investigação criminal, cujas missões consistem em proporcionar os elementos de materialidade e indícios de autoria. Só a partir deste suporte fático mínimo, o órgão acusatório poderá levar ao Poder Judiciário e, dentro do devido processo legal, amparado na ampla defesa e contraditório do acusado, possa chegar a um resultado.
Observa-se que no rito do júri, os elementos apresentados pelo Ministério Público têm como finalidade, na fase do judicium acusationis, levar o juízo a tecer uma decisão de pronúncia, impronúncia, desclassificação ou absolvição sumária do réu, dependendo do que produzido em juízo. Assim, a única decisão que permite seja o caso penal levado ao Conselho de sentença é a pronúncia.
Porém, a decisão interlocutória mista não terminativa não tem o mesmo grau de cognição e profundidade da sentença propriamente dita, de modo que verifica apenas se há existência de materialidade e indícios de autoria.
Diferente é a decisão do Conselho de sentença na segunda fase do rito do júri, judiciam causae, no qual definirá o mérito da imputação, absolvendo ou condenando o réu.
Neste sentido, natural que as decisões de mérito sejam amparadas em provas robustas contidas nos autos, no qual o julgador tem a possibilidade de avaliar sob o subprincípio da imediatidade, decorrente do princípio do juiz natural, e contato direto com as provas, para ter uma convicção segura sob o caso penal.
Sobre esse ponto, importante a lição de Aury Lopes Jr.(2015, p. 379):
O princípio da identidade física do juiz exige, por decorrência lógica, a observância dos subprincípios da oralidade, concentração dos atos e imediatidade. Foi seguindo essa lógica que se procedeu a alteração procedimental para criar condições de máxima eficácia dos subprincípios. É um “encadeamento sistêmico”, como define PORTANOVA, que começa com a necessidade de uma atuação direta e efetiva do juiz em relação à prova oralmente produzida, sem que possa ser mediatizada através de interposta pessoa.
Se na primeira fase do júri, o julgador aprecia a prova no sentido de verificar a presença da materialidade e indícios de autoria. Na segunda fase, o Conselho de sentença, além de afirmar a materialidade, deverá pronunciar-se não mais sobre a simples existência de indícios, mas proferir uma decisão com cognição plena e exauriente no que toca à autoria.
Nesse aspecto, a instrução probatória na segunda fase, quando disciplina uma reabertura da produção probatória sinaliza que não está satisfeita com o produzido na primeira fase do rito do júri, pois outra é a sua finalidade. Assim, necessário que as provas da primeira fase, principalmente as provas testemunhais sejam novamente produzidas, mas já na presença dos jurados, pois é este o competente constitucionalmente para decidir o mérito dos crimes dolosos contra a vida(art. 5°, XXXVIII, da CF).
No entanto, quando não há prova testemunhal produzida em plenário, segunda fase do júri, como podem os jurados decidirem o caso penal se não tiveram a mínima oportunidade de contato direto com quem supostamente presenciou o delito? Que não teve a oportunidade de fazer perguntar para as testemunhas? O jurado também tem direito de participar do contraditório.
3. Conclusão
Logo, quando ausente produção probatória em plenário do júri e quando os indícios de autoria da primeira fase recaíram sobre provas testemunhais, a decisão mais adequada no Estado de Direito é no caminho da absolvição do réu, guardando coerência sistêmica com a noção de que o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas(art. 155, do CPP), sob pena de afrontar-se o princípio do contraditório e subprincípio da imediatidade.
Referências
BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal. 3. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015
Código Penal, Código de Processo Penal, Constituição Federal, Legislação Penal e Processual Penal / obra coletiva de autoria da Editora Revista dos Tribunais – 16. ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. – (RT MiniCódigos)
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2015
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 20. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2016
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