RESUMO: Com a atual realidade do consumo de massa, é comum que as demandas judiciais neste cenário passem cada vez mais a possuírem feições coletivas. A repetição das demandas e das teses exigem do operador do direito o necessário equilíbrio na utilização das ferramentas processuais, sempre à luz da boa fé e do melhor interesse coletivo em sentido amplo.
PALAVRAS-CHAVE: Processo coletivo. Legitimidade. Representatividade adequada.
ABSTRACT: With the current reality of mass consumption, it is common for judicial demands in this scenario to increasingly have collective features. The repetition of demands and theses require the operator of the right the necessary balance in the use of procedural tools, always in the light of good faith and the best collective interest in a broad sense.
KEYWORD: Collective process. Legitimacy. Adequate representation.
1. INTRODUÇÃO.
Direitos e interesses coletivos.
Os conceitos de direitos coletivos em sentido amplo são encontrados no texto da Constituição Federal e nas legislações infraconstitucionais, além de possuírem abordagens mais aprofundadas por parte da doutrina e da jurisprudência.
Antes de demonstrar alguns desses conceitos, um importante recorte merece destaque. Trata-se da referência da defesa tanto de “direitos” quanto de “interesses”. Neste ponto, a doutrina especializada busca explicações históricas, sendo que “a doutrina mais conservadora, ainda movida pelos valores individualistas herdados dos ideais liberais, somente reconhece como direitos subjetivos, passíveis de tutela jurisdicional, aqueles cujos titulares seja perfeitamente individualizáveis (requisito de difícil ou impossível consecução no que toca aos interesses de dimensão coletiva). Por conta dessa divergência, e visando evitar questionamentos sobre a possibilidade de defesa judicial desses novos direitos (ou interesses, na voz da opinião conservadora), a Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor empregaram ambos os termos – direitos e interesses – , deixando clara a possibilidade da tutela judicial tanto de uns, quanto de outros[1]”. Grifos acrescidos.
Os conceitos e as classificações correspondentes os direitos coletivos em sentido amplo se mostram no parágrafo único do artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor, assim dispondo:
“Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum”. (grifos acrescidos).
Como se percebe, os denominados direitos difusos guardam relação com uma acentuada transindividualidade, com indeterminação dos titulares. Os direitos coletivos em sentido estrito possuem por características a transindividualidade restrita, com a determinabilidade dos titulares (grupo, categoria ou classe de pessoas). Já os direitos individuais homogêneos possuem transindividualidade instrumental e seus titulares são pessoas determinadas pela origem comum.
Ainda quanto ao tema correspondente à coletividade e sob uma perspectiva de indenizabilidade, merecem destaque os direitos sociais. Enquanto o instituto do dano moral coletivo guarda relação com as classificações dos direitos e interesses difusos em sentido amplo, “o dano social vem sendo reconhecido pela doutrina como uma nova espécie de dano reparável, decorrente de comportamentos socialmente reprováveis, pois diminuem o nível social de tranquilidade, tendo como fundamento legal o art. 944 do CC. Desse modo, diante da ocorrência de ato ilícito, a doutrina moderna tem admitido a possibilidade de condenação ao pagamento de indenização por dano social, como categoria inerente ao instituto da responsabilidade civil, além dos danos materiais, morais e estéticos” [2].
A propósito do tema, foi aprovado na V Jornada de Direito Civil do CJF o Enunciado 455, reconhecendo a existência do denominado dano social: "A expressão dano no art. 944 abrange não só os danos individuais, materiais ou imateriais, mas também os danos sociais, difusos, coletivos e individuais homogêneos a serem reclamados pelos legitimados para propor ações coletivas".
Assim, diante do cenário atual de massificação das relações sociais (de consumo, ambientais, financeiras etc.), importante evidenciar a necessidade de valorização das ferramentas protetivas, especialmente em favor daqueles considerados vulneráveis.
2. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL.
No ambiente da defesa judicial dos direitos e interesses coletivos em sentido amplo, como regra ocorre a substituição processual (“alguém”, autorizado por lei, age em nome próprio na defesa de interesse alheio). Trata-se da denominada legitimação extraordinária.
Mas para que um terceiro atue, em nome próprio, na defesa de interesse alheio, como dito, necessário que haja autorização legal. Ou melhor, nos termos do art. 18, caput, do atual Código de Processo Civil, necessário que seja autorizado pelo ordenamento jurídico[3].
Neste ponto, o ordenamento jurídico expande a legitimação extraordinária, como se percebe através do art. 129, III, e §1º, da Constituição Federal[4]; do art. 5º da Lei de Ação Civil Pública[5] e, ainda, do Código de Defesa do Consumidor[6], em seus artigos 83 e 92.
Ocorre que na doutrina ainda paira divergência quanto à natureza da legitimação nas ações em defesa dos interesses e direitos difusos em sentido amplo.
Excepcionalmente, há convergência de entendimento doutrinário quanto aos direitos individuais homogêneos. Aqui, mesmo que discutidos em ambiente processual coletivo, permanecem com sua natureza individual e divisível, de modo que a titularidade “alheia” se mostra de forma bastante evidente.
A maior divergência revela-se quanto aos interesses difusos e coletivos em sentido estrito. Uma primeira corrente defende tratar-se igualmente de legitimação extraordinária, vez que as entidades substitutas processuais continuam na defesa de interesse alheio, sendo sua presença no processo pressuposto de sua função institucional, não se confundindo, portanto, com a titularidade do direito defendido em juízo. Uma segunda corrente, por outro lado, defende tratar-se de legitimação ordinária, sendo que defende seus próprios interesses institucionais e não apenas direito de terceiros[7].
Há, ainda, uma quarta corrente defendida por Nery Júnior e Nery, no sentido de que “o substituo defende direito de titular determinado. Como os titulares dos direitos difusos são indetermináveis e os dos direitos coletivos indeterminados (CDC, art. 81, parágrafo único, I e II), sua defesa em juízo é realizada por meio de legitimação autônoma para a condução do processo, estando superada a dicotomia clássica legitimação ordinária e extraordinária[8]”.
Naturalmente que as convergências e divergências aqui destacadas não devem servir como motivo para se afetar os princípios da efetividade, da instrumentalidade das formas e da concretude ao direito material, congregados, dentre outros, pelo Novo Código de Processo Civil, cujos princípios foram elevados à condição de lei processual, logo em seus primeiros artigos.
3. REPRESENTATIVIDADE ADEQUADA.
Embora não disposta de forma explícita em nosso ordenamento jurídico, as leis que tratam a respeito da defesa de direitos coletivos em sentido amplo trazem em suas normas filtros a respeito de características necessárias aos legitimados ativos.
Trata-se de exigências sem as quais se permitiria a banalização no uso do processo coletivo, inclusive por entidades ou pessoas aventurando complexas demandas judiciais com propósitos escusos.
Dentre os legitimados (art. 5º da Lei de Ação Civil Publica), merece destaque as associações (inciso V). De acordo com a lei de regência, devem obedecer a certos requisitos, tais como: a) constituição legal, vez que, assim, pressupõe-se relativa segurança jurídica quanto à sua origem; b) pré-constituição ao ingresso da demanda judicial há pelo menos 01 (um) ano, de modo a se ter relativa garantia de não se tratar de associação criada com propósito direcionado à determinada lide; c) a chamada pertinência temática, pois naturalmente se espera haver relação entre o objetivo a que se propõe sua existência e o direito defendido em juízo.
Importante observar que o segundo requisito (pré-constituição temporal) possui flexibilização na própria legislação, podendo “ser dispensado pelo juiz, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido” [9].
Neste sentido entende o Superior Tribunal de Justiça:
“(...) Com efeito, atualmente se admite que as ações coletivas, quando propostas por uma associação, longa manus da coletividade, pressupõem uma legitimação prévia, oriunda do fim institucional relativo à tutela de interesses difusos (meio ambiente, saúde pública, consumidor, dentre outros), cujos interesses dos seus associados podem se sobrepor ao requisito da constituição temporal, formalidade superável em virtude da dimensão do dano ou relevância do bem jurídico a ser protegido e cuja defesa coletiva é ínsita à própria razão de ser da requerente”. REsp 1.600.172-GO, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 15/9/2016, DJe 11/10/2016.
4. CONCLUSÃO.
Ao passo que as inúmeras possibilidades e ferramentas processuais dispostas à defesa dos direitos coletivos em sentido amplo devem ser fortalecidas, sempre com a ideia de se desgarrar de formalismos exacerbados, especialmente quanto à inclusão (e não exclusão) de legitimados ativamente, por outro lado, há que se manter um mínimo de rigor quanto ao filtro temático daqueles que se lacem em demandas judiciais.
Isso para que não tenhamos uma disputa institucional aos direitos alheios (geralmente midiáticos) sob o pretexto da defesa dos vulneráveis, mas com interesses espúrios e unicamente políticos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Adriano. MASSON, Cleber. ANDRADE, Landolfo. Interesses difusos e coletivos esquematizado. 3ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2013.
GRINOVER, Ada Pellegrini. Código brasileiro de defesa do consumidor: v.1: comentado pelos autores do anteprojeto: direito material ( arts.1.° a 80 e 105 a 108). Rio de Janeiro: Forense, 2011.
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 3ª edição, revista, atualizada e ampliada, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1998.
MEDEIROS, Fábio Mauro de. As relações do Poder Público com o Código de Defesa do Consumidor. In: SPARAPANI, Priscilia; ADRI, Renata Porto (coord.). Intervenção do Estado no Domínio Econômico e no Domínio Social: em Homenagem a Celso Antônio Bandeira de Mello. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2010.
NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 4ª ed. rev. e ampl. São Paulo: RT, 1999.
NERY JÚNIOR, Nelson. Código brasileiro de defesa do consumidor: v.2: comentado pelos autores do anteprojeto: processo coletivo ( arts. 81 e 104 e
109 a 119). Rio de Janeiro: Forense, 2011.
NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor: com exercícios. São Paulo: Saraiva, 2012.
[1] Andrade, Adriano. Masson, Cleber. Andrade, Landolfo. Interesses difusos e coletivos esquematizado. 3ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2013. Pág. 15.
[2] STJ. Rcl 12.062-GO, Rel. Ministro Raul Araújo, julgado em 12/11/2014.
[3] Art. 18. Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico.
[4] Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
(...)
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
§ 1º A legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei.
[5] Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
(...)
[6] Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:
(...)
Art. 91. Os legitimados de que trata o art. 82 poderão propor, em nome próprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores, ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, de acordo com o disposto nos artigos seguintes.
[7] Andrade, Adriano. Masson, Cleber. Andrade, Landolfo. Interesses difusos e coletivos esquematizado. 3ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2013. Pág. 61.
[8] Nery Júnior, Nelson; Nery Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 4ª ed. rev. e ampl. São Paulo: RT, 1999.
[9] LACP. Art. 5º. § 4. ° O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.
Delegado da Polícia Civil de Pernambuco. Gestor da Divisão de Homicídios Metropolitana Norte do Recife/PE. Gestor da Divisão de Homicídios do Agreste. Delegado de Polícia do Município de Bezerros/PE (agreste pernambucano). Delegado de Polícia do Município de Tupanatinga (sertão pernambucano). Presidente do Tribunal de Justiça Desportiva de Pernambuco. Advogado durante 14 (quatorze) anos nos contenciosos estratégicos cível, consumidor, criminal e tributário. Pós Graduado em Direito Público (Estácio). Pós Graduado pela Escola Superior da Magistratura de Pernambuco (ESMAPE). Curso de Técnicas de Entrevista e Detecção de Mentiras. Curso de Inteligência de Investigação em Fontes Abertas. Curso de Investigação Criminal Digital. Curso de Gestão de Pessoas. Coautor do Livro “DIREITO PENAL sob a perspectiva da Investigação Criminal Tecnológica”, Editora JUSPODIVUM, 23/07/2021 (ISBN: 978-65-5680-663-1); Autor de artigos científicos (www.conteudojuridico.com.br). Cursos Operacionais: Curso de Nivelamento de Conhecimento de Sobrevivência na Caatinga (Companhia Independente de Operações e Sobrevivência em Área de Caatinga - CIOSAC), Abordagens Pessoal e Veicular, Progressão em Combate, Combate Urbano e Atendimento Pré-hospitalar em Combate. Curso de Pistola de Combate.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VIEIRA, Vitor Freitas Andrade. Interesses difusos e coletivos sob as perspectivas da substituição processual e da representatividade adequada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 fev 2017, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49297/interesses-difusos-e-coletivos-sob-as-perspectivas-da-substituicao-processual-e-da-representatividade-adequada. Acesso em: 22 nov 2024.
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