Resumo: A colocação da criança e do adolescente em família substituta através da adoção é um dos últimos recursos a que lançou mão o legislador para inseri-los em núcleo familiar, assegurando-lhes a dignidade e atendendo aos seus melhores interesses. Contudo, na impossibilidade da realização da adoção por pessoa ou casal domiciliado no país, é possível a quem reside no exterior adotar, implicando no deslocamento definitivo da criança ou do adolescente para o país de acolhida. Neste contexto, pretende o presente artigo pontuar sobre as principais características da adoção internacional, ressaltando as peculiaridades que tornam tal processo tão mais rigoroso que o realizado por quem reside no país. Para tanto, foi realizada pesquisa bibliográfica, considerando as contribuições de autores como FARIAS e ROSENVALD (2013), BARROS (2016), LIBERATI (2015) e MACHADO (2003). Concluiu-se que, respeitados os requisitos legais e atendendo-se ao melhor interesse do petiz, basta que o adotante esteja imbuído de afeto e carinho, pois, como ato de amor, tem a adoção um caráter universal.
Palavras-chave: Família Substituta. Criança. Adolescente. Adoção. Exterior.
Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento 3. Conclusão. 4. Referências
Introdução
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 – tem visão ampliada sobre o conceito de família, reconhecendo-a na forma de família natural, extensa e substituta.
A família substituta é aquela para a qual o menor deve ser encaminhado de maneira excepcional, mediante guarda, tutela e adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, conforme dispõe o art. 28 do ECA.
Conforme Barros,
“A terceira forma de colocação em família substituta é a adoção. É possível traçar uma gradação entre as formas de colocação em família substituta, segundo a força do vínculo jurídico formado entre a criança ou adolescente e o guardião/tutor/adotante. O vínculo mais tênue é o de guarda, que se destina a uma fase transitória no curso do processo de tutela e adoção ou a situações peculiares de eventual ausência de pais ou responsáveis. Em seguida, tem-se a tutela, que demanda a efetiva suspensão ou perda do poder familiar, implica o dever de guarda e também de administração de bens – além de conter efeitos previdenciários [...]. Por sua vez, a adoção cria um vínculo jurídico definitivo e irrevogável entre adotante e adotado. [...]” (BARROS, 2016, p. 67).
Neste contexto, não se pode negar à adoção seu caráter universal, sendo possível, portanto, a adoção de criança ou adolescente por pessoa ou casal domiciliado no exterior, a qual é nominada adoção internacional ou transnacional e encontra amparo no texto constitucional (art. 227, §5º, CF/88).
Assim, o presente trabalho versa sobre a adoção sob o prisma internacional.
Nas lições de Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald (2012):
“É preciso realçar que o critério determinante é territorial. A adoção internacional é aquela pleiteada por pessoa ou casal domiciliado fora do país, o que implicará no deslocamento definitivo da criança ou adolescente para o país de acolhida. Por isso, o estrangeiro domiciliado no território brasileiro que pretenda realizar uma adoção deverá seguir os trâmites da adoção nacional, pela ausência de deslocamento para o exterior” (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 1062).
A adoção internacional é regulada por um complexo normativo que abrange a Convenção de Haia, o Decreto 3.174/99 e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Pretende o presente trabalho trazer a lume as principais características da adoção realizada por adotante residente no exterior do país.
Cabe registro acerca do recurso metodológico utilizado, que perpassa pela pesquisa bibliográfica correlata à literatura publicada, sobretudo em artigos científicos divulgados no meio eletrônico, fundando-se o que ora é pontuado, no entendimento de doutrinadores como Barros (2016), Farias e Rosenvald (2012), Liberati (2015), Machado (2003).
Desenvolvimento
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 227, reconhece à criança e ao adolescente o direito fundamental à convivência familiar. Entende Martha de Toledo Machado que:
“[...] nesta conformação do direito à convivência familiar de crianças e adolescentes repousa um dos pontos de esteio da chamada doutrina da proteção integral, na medida que implica reconhecer que a personalidade infanto-juvenil tem atributos distintos da personalidade adulta, em decorrência da particular condição de pessoa ainda em fase de desenvolvimento, e que, portanto, crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e não meros objetos de intervenção nas relações jurídicas dos seres adultos, já que titulares de direitos fundamentais especiais em relação aos adultos” (MACHADO, 2003, p. 161).
Portanto, é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à convivência familiar (art. 227, CF/88), revelando-se excepcional a hipótese de colocação do menor no seio de família diversa daquela que lhe é natural.
Como sucedâneo do direito de convivência com pais naturais, há uma preferência do legislador em manter a criança e o adolescente no seio de sua família biológica ampliada (avós, tio, e.g.), como forma de manter os vínculos hereditários, afetivos e sociais a eles já inerentes, na tentativa de reduzir o trauma que a impossibilidade de convívio com os pais naturais gera (art. 28, §3º do ECA).
Contudo, restando inviável aludida medida, a colocação da criança e do adolescente em família substituta não consanguínea revela-se plausível, muito embora seja maior a possibilidade de culminar em consequências traumáticas para o menor.
Outrossim, é possível à criança e ao adolescente serem colocados em família substituta estrangeira, opção que, além dos traumas do afastamento dos pais biológicos gera o rompimento dos vínculos sociais, culturais e linguísticos, dentre outros. Tal modalidade só é possível na forma de adoção.
A título ilustrativo, lições de Cristiano Farias e Nelson Rosenvald:
Trilhando as sendas abertas pelo constituinte (humanista e garantista), nota-se a adoção como um mecanismo de prestígio da convivência familiar, estabelecendo a relação filiatória por perspectiva afetiva, inserindo alguém em família substituta. Aliás, de todas as formas de inserção em família substituta, a adoção é a mais ampla e completa, propiciando o enquadramento de alguém no seio de um novo núcleo familiar, transformando o adotado em membro da nova família” (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 1028).
Sobre as características da adoção, registre-se serem todas judiciais, definidas por sentença constitutiva e têm caráter de irrevogabilidade do vínculo a partir da sentença, repercutindo na esfera do dever de alimentos, direitos sucessórios, direito de visita, dentre outros, ressaltando-se o repique dos vínculos de parentesco entre adotando e os adotantes também no que tange ao adotante com relação aos descendentes do adotado e entre o adotado e todos os parentes do adotante. Não se olvide da manutenção do vínculo consanguíneo do adotado com os pais e parentes naturais (biológicos) em virtude dos impedimentos matrimoniais.
O procedimento é assistido pelo Poder Público, ressaltando-se que as adoções devem ser realizadas no interesse da criança e do adolescente e fundar-se em motivos legítimos.
Consoante Liberati,
“A adoção internacional de criança ou adolescente brasileiro ou domiciliado no Brasil somente terá lugar quando restar comprovado: I – que a colocação em família substituta é a solução adequada ao caso concreto; II – que foram esgotadas todas as possibilidades de colocação da criança ou do adolescente em família substituta brasileira, após consulta aos cadastros mencionados no art. 50 do ECA; III – que, tratando-se de adoção de adolescente, este foi consultado, por meios adequados ao seu estágio de desenvolvimento, e que se encontra preparado para a medida, mediante parecer elaborado por equipe interprofissional, observado o disposto nos §§1º e 2º do art. 28 do ECA (ECA, art. 51, §1º).
Os brasileiros residentes no exterior terão preferência aos estrangeiros nos casos de adoção internacional de criança ou adolescente brasileiro (ECA, art. 51, §2º). A adoção internacional pressupõe a intervenção das Autoridades Centrais Estaduais e Federal em matéria de adoção internacional (ECA. Art. 51, §3º). (LIBERATI, 2015, p. 70)
Ademais, é mister que adoção seja precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, a fim de se verificar a adaptação do adotando na futura família, consistindo em medida obrigatória na adoção internacional, não podendo ser dispensada pelo magistrado, devendo ser integralmente cumprido em território nacional, e com prazo de duração mínimo de trinta dias.
Portanto, para a adoção internacional são imprescindíveis requisitos específicos mais rigorosos, em decorrência da dificuldade de acompanhamento e vigilância da família adotante pelas autoridades brasileiras. As regras brasileiras se encontram em consonância com a Convenção de Haia.
A adoção internacional se divide em um complexo de atos, que envolvem uma fase preparatória e de habilitação, e uma fase judicial. Conforme expõe Barros,
“O artigo 52 elenca normas específicas a serem seguidas para a adoção estrangeira. O procedimento se inicia com o pedido de habilitação no país de origem, onde os postulantes residem e, naturalmente, para onde a criança será levada (inciso I). Deferida a habilitação, que demanda estudo psicossocial por profissionais habilitados (inc. IV), a autoridade do país de origem emitirá relatório pormenorizado acerca dos postulantes, devidamente autenticado pelo consulado e traduzido por tradutor juramentado (inc. V), e o encaminhará às autoridades estadual e federal (inc. II e III), com cópia da legislação pertinente do país de origem e prova de sua vigência (inc. IV).
A autoridade estadual pode solicitar a complementação dos estudos psicossociais já realizados (inc. VI), caso os entenda insuficientes.
Verificada a acuidade de toda a documentação apresentada, a autoridade central estadual expede laudo de habilitação à adoção internacional, cuja validade é de, no máximo, um ano, e encaminha o postulante ao Juizado da Infância e da Juventude do local em que se encontra a criança ou adolescente (inc. VII e VIII).
A habilitação do postulante à adoção internacional tem prazo de validade de um ano e pode ser renovada (art. 52, §13).” (BARROS, 2016, p. 90).
Aspecto interessante a ser pontuado é a necessidade de se aguardar o trânsito em julgado da concessão da adoção para que a criança ou adolescente possa ser levado para fora do país (art. 52, §8, do ECA). Verificando-se a ocorrência do trânsito, o Juízo da Infância e da Juventude expede alvarás de autorização de viagem e de obtenção de passaporte (art. 52, §9, do ECA).
Destarte, conclui-se que a legislação correlata à adoção internacional encerra circunstâncias específicas para se concretizar e exige do adotante a aprovação em minucioso processo de habilitação. Tais condições não se faziam presentes no antigo Código de Menores, que permitia a adoção por procuração e sem intervenção judicial.
Neste viés, não causa espanto as denúncias de outrora, sobre a adoção de crianças brasileiras por estrangeiros, com a pecha de “ilegais”, notadamente porque, podendo ser realizada por meio de escritura pública, não raro eram intermediadas por profissionais que convenciam os pais a consentir com o ato mediante paga, condutas que são inclusive tipificadas pelo ECA (arts. 238 e 239).
Desta forma, tratando-se de medida excepcional, porquanto devem ser priorizadas as famílias substitutas brasileiras e, cumpridos os critérios legais, não há óbice à adoção internacional, sobretudo porque há ainda muitas crianças abandonadas em abrigos, necessitando de carinho e amor, principalmente as de idade mais avançada.
Conclusão
Hodiernamente, a adoção era fundada na necessidade de suprir um interesse do pai, no que concerne à transmissão da herança. Desta forma, era utilizada como substitutivo para a frustração da procriação pelo método sexual.
Numa visão contemporânea, contudo, a adoção tem como espeque atender ao interesse de convivência familiar da criança e do adolescente de forma excepcional, isto é, sob a perspectiva substitutiva, diante da impossibilidade do convívio com a família natural.
Neste contexto e, por força do princípio da proteção integral à criança e ao adolescente, é imprescindível que o afeto continue a contagiar os corações de pessoas dispostas ao ato de amor que é a adoção e, desde que respeitados todos os requisitos legais e atendido o melhor interesse do infante – estando ele em ambiente familiar saudável – pouco importa o manto cultural (ainda que estrangeiro) que o envolverá, desde que ele seja permeado de carinho, afeto e amor, basta.
Referências
BARROS, Guilherme Freire de Melo. Estatuto da Criança e do Adolescente. 10ª ed. rev. atual. e ampl. Salvador: Juspodivm, 2016.
FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Famílias. 4ª ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2016.
LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 12ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiro, 2015.
MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional de crianças e adolescentes e os direitos humanos. Barueri: Manole, 2003.
Graduada em Direito pela Universidade Presidente Antônio Carlos/Barbacena em 2004. Pós-graduanda em Direito Penal Militar e Processual Penal Militar pela Academia da Polícia Militar de Minas Gerais. Tecnóloga em Gestão Pública pela Faculdade Estácio de Sá em 2016. Analista Judiciária do Ministério Público de Minas Gerais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Erica Machado da Costa e. Adoção Internacional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 mar 2017, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49690/adocao-internacional. Acesso em: 22 nov 2024.
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