RESUMO: Como se sabe, o STF decidiu pela a obrigação do Estado de ressarcir os danos, inclusive morais, comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou insuficiência das condições legais de encarceramento. A pretensão deste artigo é esmiuçar criticamente o julgado, trazendo à tona inclusive os julgados do STJ.
1- Introdução:
É possível que se conceda danos morais aos presos pelas condições insuficientes do encarceramento?
Não se nega que O Estado é responsável pela guarda e segurança das pessoas submetidas a encarceramento, enquanto ali permanecerem detidas.
Assim, é dever do Poder Público mantê-las em condições carcerárias com mínimos padrões de humanidade estabelecidos em lei, bem como, se for o caso, ressarcir os danos que daí decorrerem.
Mesmo assim, torna-se possível que haja a concessão de danos morais ao preso? Trata-se de medida palpável e justa?
2- Da (ir)razoabilidade da concessão de danos morais aos presos
Sabe-se que, a jurisprudência do STF entende que o Estado possui responsabilidade objetiva pela integridade física e psíquica daqueles que estão sob sua custódia.
“A negligência estatal no cumprimento do dever de guarda e vigilância dos detentos configura ato omissivo a dar ensejo à responsabilidade objetiva do Estado, uma vez que, na condição de garante, tem o dever de zelar pela integridade física dos custodiados” (trecho do voto do Min. Gilmar Mendes no ARE 662563 AgR, julgado em 20/03/2012).
No entanto, no dia 16/02/2017 o STF foi mais além e fixou a seguinte tese:
“Considerando que é dever do Estado, imposto pelo sistema normativo, manter em seus presídios os padrões mínimos de humanidade previstos no ordenamento jurídico, é de sua responsabilidade, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição, a obrigação de ressarcir os danos, inclusive morais, comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou insuficiência das condições legais de encarceramento. STF. Plenário. RE 580252/MS, rel. orig. Min. Teori Zavascki, red. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgado em 16/2/2017 (repercussão geral) (Info 854).”
No caso concreto, foi fixada a indenização em R$ 2.000,00 (dois mil reais) por presidiário.
O que se pretende é demonstrar que não há razoabilidade que a medida ilícita do estado seja compensada financeiramente.
Ora, o STJ chegando a se posicionar sobre o tema considerou que seria um verdadeiro “pedágio-masmorra”.
Ora, em nada contribui para a melhoria do sistema prisional do Brasil a concessão, individualmente, de indenização por dano moral a detento submetido à superlotação e a outras agruras que permeiam (e envergonham) nossos estabelecimentos carcerários.
A medida, quando muito, servirá tão-só para drenar e canalizar escassos recursos públicos, aplicando-os na simples mitigação do problema de um ou só de alguns, em vez de resolvê-lo, de uma vez por todas, em favor da coletividade dos prisioneiros.
Isto é, de acordo com a maioria dos Ministros que compõem o STJ: “a condenação do Estado à indenização por danos morais individuais, como remédio isolado, arrisca a instituir uma espécie de ‘pedágio-masmorra’, ou seja, deixa a impressão de que ao Poder Público, em vez de garantir direitos inalienáveis e imprescritíveis de que são titulares, por igual, todos os presos, bastará pagar, aos prisioneiros que disponham de advogado para postular em seu favor,uma ‘bolsa-indignidade’ pela ofensa diária, continuada e indesculpável aos mais fundamentais dos direitos, assegurados constitucionalmente” (STJ – REsp: 962934 MS 2007/0145328-6, Ministro Herman Benjamin, DJe 04/05/2011).
Oriente-se, a questão não trata da incidência da cláusula da reserva do possível, nem de assegurar o mínimo existencial (único ponto enfrentado no RE pelo STF), mas sim da necessidade urgente de aprimoramento das condições do sistema prisional, que deverá ser feito por meio de melhor planejamento e estruturação física, e não mediante pagamento pecuniário e individual aos apenados.
Ademais, perceba-se que o Min. Roberto Barroso propôs que a indenização não fosse em dinheiro, mas sim por meio de remição da pena. Dessa forma, em vez de receber uma reparação pecuniária, os presos que sofrem danos morais por cumprirem pena em presídios com condições degradantes teriam direito ao "abatimento" de dias da pena.
No entanto, restou voto vencido.
3- Conclusão:
Face ao exposto, data vênia o entendimento prevalecente, vê-se que o STF perdeu a oportunidade de enfrentar o caráter prospectivo e o ativismo judicial oriundo de suas decisões.
Não se respeitou a jurisprudência do STJ, quiçá enfrentou a possiblidade de uma bolsa ao presidiário, uma vez que é patente as condições perturbadoras e insuficientes de todos os sistemas presidiários brasileiros, porém a configuração de danos morais não resolve o problema em lato sensu.
Relembre-se: o STF esqueceu do caráter do Estado de Coisas Inconstitucional reconhecido na ADPF 347, quanto aos sistemas prisionais, em que aí sim, efetivou uma vedação à tredestinação das verbas a serem investidas no sistema penitenciário.
Porém, conceder indenizações por danos morais ao invés de outras medidas que minores a condição de ataque aos direitos fundamentais do presidiário, como a possibilidade de abatimento da pena que sugeriu o Ministro Barroso seria uma decisão muito mais técnica e voltada à realidade de aprimoramento do sistema carcerário.
4- Referências:
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2600961
http://www.dizerodireito.com.br/2017/03/estado-tem-o-dever-de-indenizar-pessoa.html
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