André de Paula Viana (Orientador)
RESUMO: Executar provisoriamente a pena significa que se o acusado for condenado em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, sua prisão não viola o princípio da presunção de inocência. Esse é o entendimento atual do Supremo Tribunal Federal. Ocorre que, com a promulgação da Constituição Federa de 1988, o STF ora admitia a execução provisória da pena, ora admitia a prisão somente após o transito em julgado da sentença penal condenatória. Essa transição é que trouxe a relevância do tema e sua importância nos dias atuais, tanto para os aplicadores do direito, quanto para a sociedade, uma vez que relativizou a inocência do acusado antes de esgotarem todos os recursos, possibilitando sua prisão de forma definitiva.
Palavras-chave: execução provisória da pena, presunção de inocência, habeas corpus, ação declaratória de constitucionalidade.
ABSTRACT: Provisional execution of the sentence means that if the accused is convicted on appeal, even if subject to a special or extraordinary appeal, his arrest does not violate the principle of presumption of innocence. This is the current understanding of the Federal Supreme Court. It occurs that, with the promulgation of the Federal Constitution of 1988, the STF now admits the provisional execution of the sentence, or admitted the arrest only after the final sentence of the conviction has passed. This transition brought the relevance of the issue and its importance in the present day, both for lawyers and for society, since it relativized the innocence of the accused before exhausting all the resources, allowing for their definitive arrest.
Key words: provisional execution of sentence, presumption of innocence, habeas corpus, declaratory action of constitutionality.
SUMÁRIO: 1.INTRODUÇÃO 2.Presunção de Inocência X Não Culpabilidade. 2.1Limite Temporal. 3.Recursos Extraordinários. 3.1Recurso Especial. 3.2Recurso Extraordinário. 3.3Impossibilidade de Revisão de Matéria de Fato. 4.Prisão Cautelar. 4.1Prisão Temporária. 4.2Prisão Preventiva. 5.Execução Provisória da Pena. 5.1Habeas Corpus 84.078 de 2009. 5.2Habeas Corpus 126.292 de 2016. 5.3Ação Declaratória de Constitucionalidade. 6CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
A decisão do HC 126.292 pelo STF gerou muita polêmica entre os estudiosos do Direito. Ocorre que no dia 17 de fevereiro de 2016 a Suprema Corte mudou o seu entendimento acerca do princípio da presunção de inocência estampado no art. 5º LVII que diz “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”, relativizando, assim, a sua aplicação.
Nessa decisão, o STF retomou o entendimento antes consolidado da execução provisória da pena. A conclusão que se chegou foi a de que para executar a pena e prender o condenado não necessita mais esperar o transito em julgado da sentença penal condenatória, bastando que ocorra um acórdão condenatório de um órgão colegiado, independentemente de qualquer hipótese que autorize a prisão cautelar.
A discussão sobre a decisão da Suprema Corte se dá pelo motivo de a prisão ocorrer antes do trânsito em julgado, que é quando a decisão não comporta mais recurso ordinário, especial ou extraordinário. Entretanto, na visão do STF o condenado seria considerado culpado antes mesmo de sua própria decisão definitiva e o esgotamento de todas as vias recursais.
O presente trabalho tem como objetivo explorar o entendimento da doutrina e da jurisprudência através de bibliografias, de pesquisa na internet e do direito comparado. A decisão do STF será abordada com base no princípio da presunção de inocência, a evolução de seu entendimento pela Suprema corte com o passar dos anos, abordando os principais votos que ensejou tal entendimento, assim como os reflexos da decisão para os aplicadores do direito e suas consequências para a sociedade.
O artigo 5º da Constituição Federal se encontra no rol Dos Direitos e Garantias Fundamentais, que trata das prerrogativas que o cidadão tem em face do Estado. O inciso LVII, cuida do princípio da não culpabilidade, estabelecendo que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Antes da entrada em vigor da Constituição de 1988, esse princípio somente existia de forma implícita, como decorrência da clausula do devido processo legal. Após, passou a ser tratado de forma expressa como direito e garantia fundamental do cidadão.
Os princípios constitucionais se mostram bastante eficientes na função de garantir direitos aos cidadãos e restringir abusos por parte do Estado. Em matéria de Direito Penal, durante toda a sua evolução, o princípio da não culpabilidade passou a ter cada vez mais importância, uma vez que trata de uma prerrogativa do acusado enquanto sujeito de um processo.
Em 1764, CesareBeccaria, através de seu livro dos delitos e das penas, já advertia sobre sua importância. O autor fazia referência a tal princípio, estabelecendo que “um homem não poderia ser considerado culpado antes da sentença do juiz, e a sociedade só lhe poderia tirar a proteção pública depois de que ele se convencesse de ter violado as condições com as quais tivera de acordo”. (CesareBecaria, dos delitos e das penas, p.69).
Em 1789, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em seu art. 9º também fez referência ao princípio, estabelecendo que “todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei”
Em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembléia da ONU, trouxe tal princípio fundamentado na dignidade da pessoa humana, mais precisamente que “o homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias a sua defesa”.
A doutrina brasileira também tem destaque fundamental no estudo dos princípios constitucionais e na sua interpretação.
Segundo Gilmar Mendes e Paulo Gustavo tal princípio é o que " impede a outorga de consequências jurídicas sobre o investigado ou denunciado antes do transito em julgado dasentença criminal por parte do Estado". (Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco, Curso de Direito Constitucional, p. 539). Na esteira do que pensam os autores, o acusado, no curso do processo, somente poderia sofrer restrições à liberdade de maneira cautelar, desde que preenchidos os pressupostos legais, mas nunca de maneira definitiva.
Pedro Lenza ensina que “em decorrência da presunção de inocência torna-se natural a inversão do ônus da prova”, ou seja, como é presumida, cabe ao Ministério Público ou a parte acusadora provar a culpa, caso não o faça a ação será julgada improcedente”. (Pedro Lenza, Direito Constitucional Esquematizado, p. 1223).
Dentre outros tratados, o Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos, chamada de Pacto de San José da Costa Rica, que constitui um tratado internacional de direitos humanos, o qual foi ratificado através do decreto 678/92.
Tal tratado foi recepcionado pela Constituição Federal com status de norma infraconstitucional, por não ter sido recepcionado nos moldes do art. 5ª §3 da carta magna. Com isso, reservou-se a esse diploma lugar específico no ordenamento jurídico brasileiro, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna.
A convenção Americana trata do princípio em seu art. 8º §2º, estabelecendo que “toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”.
Nota-se que, ao comparar a forma com que cada princípio foi previsto em seus respectivos ordenamentos jurídicos, percebe-se uma diferença de terminológica, isto é, a Constituição Federal positivou como princípio da não culpabilidade enquanto a Convenção Americana de Direitos Humanos tratou como presunção de inocência.
Para a maioria da doutrina, ambos princípios devem ser tratados como sinônimos, devendo ser interpretados de forma diferente apenas quanto ao limite temporal de aplicação no caso concreto.
A par dessa diferenciação terminológica, deve-se fazer uma análise quanto ao limite temporal de aplicação de cada princípio.
A Convenção Americana de Direitos Humanos traz como limite temporal da presunção de inocência o momento em que é legalmente comprovada a culpa do acusado, quer dizer que não exige o trânsito em julgado, mas apenas que se demonstre a autoria do crime praticado.
Acontece que a expressão “enquanto não for comprovada a sua culpa” trata-se de um termo aberto e que, segundo o Professor Renato Brasileiro, para melhor entendê-la, deve ser feita uma interpretação sistemática da própria Convenção.
Neste Tratado está estampado o princípio do duplo grau de jurisdição, o que deve ser entendido como a possibilidade de um reexame integral da matéria de fato e de direito da sentença proferida pelo juízo a quoe que deve ser analisada por um Tribunal diverso do que a proferiu. Com isso, entende-se que é com o reexame da matéria que se tem comprovada a culpa.
Já a Constituição Federal trata do princípio da não culpabilidade, a qual estabelece o limite temporal pelo trânsito em julgado da sentença penal condenatória, mais amplo e mais benéfico ao acusado que a Convenção Americana de Direitos Humanos. Trata-se de uma expressão que indica o fim de qualquer possibilidade de interposição recurso, seja porque as partes deixaram de recorrer no prazo legal, seja pela impossibilidade de recorrer por ter esgotados todas as vias recursais.
Recurso, para Renato Brasileiro (2016, p. 1339) [3], “é um instrumento processual voluntario de impugnação de decisões judiciais, previsto em lei federal, utilizado antes da preclusão e na mesma relação jurídica processual, objetivando a reforma, a invalidação, a integração, ou o esclarecimento da decisão judicial impugnada”.
A última instância recursal que o acusado pode valer-se para modificar as decisões das instâncias inferiores é perante o Superior Tribunal de Justiça, através do recurso especial, e pelo Supremo Tribunal Federal através do recurso extraordinário.
Para que se possa interpor tais recursos deve-se saber que, em regra, não são dotados de efeito suspensivo; devem ser esgotadas as vias ordinárias e que não serão analisadas matérias de direito, mas somente questões constitucionais ou infraconstitucionais.
O Recurso Especial está previsto no art. 105 da Constituição Federal, inciso III, prevendo que compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar em recurso especial, as causas decididas em última ou única instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando: a) a decisão recorrida contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal ou; c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.
A finalidade do Recurso Especial é a de uniformizar o entendimento da legislação, buscando igualdade entre todos os órgãos jurisdicionais que estejam diante de uma situação fática parecida, para que suas decisões tenham tratamento idêntico.
O Recurso Extraordinário está previsto no art. 102 da Constituição Federal, inciso II, estabelecendo que cabe ao STF julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo da Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta constituição; e d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.
Trata-se de um recurso excepcional, que tem como finalidade resguardar a Constituição e seus princípios básicos. Diferente do recurso especial, para se interpor o recurso extraordinário o recorrente deve obrigatoriamente demonstrar a repercussão geral, isto é, que a demanda em questão tem relevância do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo.
Dentre as características dos recursos extraordinários nota-se, como de suma importância, a de não analisar matéria de fato, como estabelece a súmula 279 do STF “Para simples reexame de provas não cabe recurso extraordinário”, ou seja, não tem o condão de analisar provas que foram produzidas durante as instâncias inferiores, uma vez que foram discutidas e analisadas de forma exaustiva, pautando-se apenas a analisar matéria de direito, ou seja, se violaram a constituição ou leis infraconstitucionais.
3.4 Do efeito suspensivo.
Cuida-se do efeito que tem certos recursos e que suspende a eficácia da decisão até o seu julgamento final, havendo previsão legal impossibilita a execução, mesmo que provisória, até que sejam esgotadas todas as vias recursais
Os recursos extraordinários, em regra, não têm a característica do efeito suspensivo, como prevê o art. 637 do Código de Processo Penal ao estabelecer que a sentenças proferidas nas instâncias inferiores já nascem aptas à produzirem seus efeitos. Além do mais, a súmula 267 do STJ, traz que “ a interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão”, podendo ser executada desde logo.
Para Renato Brasileiro “O efeito suspensivo, em processo penal, está diretamente ligado a possibilidade, ou não, de poder determinar o recolhimento do acusado à prisão a partir da prolação da sentença condenatória. Para o professor, em decorrência do princípio da presunção de inocência, qualquer restrição à liberdade antes de formada a coisa julgada só pode ser admitida a título de prisão cautelar, desde que presentes o fumus comissidelict e o periculum libertatis".(Renato Brasileiro, Manual de Processo Penal, p.1603)”.
Prisão Cautelar é uma medida coercitiva utilizada no processo penal com a finalidade de restringir a liberdade do acusado de um crime, buscando resguardar as investigações, além de garantir a ordem pública. Tais medidas devem ser aplicadas de acordo com a necessidade e urgência do caso concreto, não com base na culpa, mas sim de acordo com a periculosidade do agente ou em um momento específico da fase investigatória, a fim de resguardar ou colher melhores fontes de provas.
A prisão temporária tem previsão na lei 7960/89, que traz um rol taxativo para sua aplicação. Essa espécie de medida cautelar somente pode ser imposta na fase de investigação pelo juiz, de ofício, ou mediante representação da Autoridade Policial ou requerimento do Ministério Público, pelo prazo de cinco dias, prorrogáveis por igual período, ou no caso de crimes hediondos no prazo de 30 dias prorrogáveis por igual período, desde que preenchidos os pressupostos legais e presente a materialidade do fato e indícios de autoria do crime.
Trata-se de uma medida cautelar que deve ser imposta somente na fase de investigação, com a finalidade de averiguar determinada conduta do acusado. Caso seja oferecida a denúncia não poderá ter continuidade, devendo o juiz revogá-la ou converter a temporária em preventiva.
A prisão preventiva está prevista no Código de Processo Penal dos art. 311 ao 316. Trata-se de uma medida que restringe a liberdade do acusado, podendo ser decretada durante toda a persecução penal, desde o inquérito policial (quando não couber prisão temporária) e ao longo de todo o processo penal, até o trânsito em julgado.
A preventiva tem clausula de reserva jurisdicional, podendo ser decretada somente pelo juiz, de ofício, na fase processual, ou mediante requerimento do Ministério Público ou representação da Autoridade Policial, durante a fase de investigação.
Para aplicação dessa medida devem ser preenchidos os requisitos legais do art. 313, assim como estar presentes os pressupostos do art. 312, quais sejam: a prova da existência do crime e indícios de autoria, visando a garantia da ordem pública ou econômica, garantia da aplicação da lei penal ou conveniência da instrução criminal
Importante lembrar que a prisão preventiva não tem prazo determinado de duração, subsistindo enquanto houver necessidade que se justifique pela presença dos requisitos de admissibilidade, devendo respeitar a razoável duração do processo, a fim de não constituir privação ilegal da liberdade de locomoção por excesso de prazo.
A execução provisória da pena, um dos temas atuais mais discutidos, tem causado bastante divergência entre advogados, doutrinadores e própria jurisprudência.
Trata-se da prisão de um condenado após o acórdão condenatório de um órgão colegiado de segundo grau. Ocorre que, após a sentença de primeira instância o réu tem direito a recorrer da decisão, através de apelação, para o Tribunal respectivo, a fim de modificar ou anular a decisão que foi contrária a seus interesses. Proferida a decisão do órgão colegiado e, preenchidos os requisitos constitucionais, o acusado ainda tem direito a interpor recursos extraordinários, tanto para o STJ, quanto ao STF.
Durante muitos anos, prevaleceu o entendimento da jurisprudência no sentido de ser possível a execução provisória da pena após acórdão condenatório de segunda instância. As decisões do STF já eram nesse sentido desde os primeiros anos da Constituição, conforme o julgamento do HC 68.728, de 28 de junho de 1991:
“(...) mantida, por unanimidade, a sentença condenatória, contra a qual o réuapelara em liberdade, exauridas estão as instâncias ordinárias criminais, não sendo, assim, ilegal o mandado de prisão que órgão julgador de segundo grau determina se expeça contra o réu. Habeas corpus indeferido”.
Em julgado mais recente, no ano de 2007, de acordo com o HC 91.675/PR, o STF ratificou o seu entendimento, estabelecendo que, “(...) a jurisprudência deste tribunal é firme no sentido de ser possível a execução provisória da pena privativa de liberdade, quando os recursos pendentes de julgamento não têm efeito suspensivo (...)”.
Acontece que nem sempre esse foi o entendimento dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. A Suprema Corte, no decorrer dos anos divergiu sobre o tema, mais precisamente nos anos de 2009 e 2016. Tais decisões demonstraram a relevância do tema, sua importância, assim como os reflexos para a sociedade, até os dias atuais.
Até o ano de 2009, o STF admitia a possibilidade da execução provisória da pena, após um acórdão condenatório de segundo grau. Entretanto, alterou o seu entendimento através da decisão do HC 84.078/09, sobrepondo a previsão do art. 637 do Código de Processo Penal, ainda que os recursos extraordinários não sejam dotados de efeito suspensivo.
Passou a se entender, através de uma hermenêutica constitucional, que a antecipação da prisão antes do trânsito em julgado seria incompatível com o texto constitucional, art. 5º LVII, e o art. 283 do CPP, ferindo assim o princípio da presunção de inocência. O acusado, durante todo o processo, seria presumido não culpado, só podendo ser recolhido a prisão de forma cautelar, mas não de forma definitiva como era aceito até então.
Diante dessa decisão, o acusado passou ter resguardado todos os seus direitos enquanto sujeito a um processo. A ampla defesa deixou de ser vista de modo restrito, podendo o condenado utilizar de todos os meios de defesa inerentes ao processo em todas as fases processuais e, principalmente, o de não ser considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, respondendo ao processo em liberdade.
No dia 17 de fevereiro de 2016, o STF decidiu que “a execução provisória de acordão penal condenatório proferida em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não viola o princípio constitucional da presunção de inocência”.
A Suprema Corte, através dessa decisão, deixa claro a alteração de seu posicionamento quanto ao tema. Fredie Didier Junior trata dessa mudança pela denominação de Overruling, que na visão do autor " é a superação de um precedente ou de um entendimento jurisprudencial" (editorial-166/).
Nota-se que se trata de uma interpretação evolutiva da própria constituição sobre o tema. O Art. 5º LVII, que trata da presunção de inocência, passou por uma mudança de sentido, denominada de mutação constitucional, que segundo Luís Roberto Barroso é "a alteração por via informal do sentido e do alcance de normas da Constituição, sem que se opere, no entanto, qualquer modificação do seu texto" (Luís Roberto Barros, Curso de Direito Constitucional Contemporâneo, 2015, p. 158).
Se por um lado o STF passou a admitir a prisão definitiva antes do transito em julgado, por outro possibilitou a execução provisórias de benefícios penais. Com a edição da Sumula 716, reconheceu a progressão de regime de cumprimento da pena, mesmo antes de transitar em julgado a sentença, para aquele que tiver preso com fundamento no art. 112 da lei de execuções penais.
O preso provisoriamente, antes do transito em julgado, que cumprir tempo suficiente para pedir a progressão de regime (1/6 da pena máxima prevista em abstrato) terá direito aos benefícios da lei de execução penal, ou seja: a concessão de indulto, a progressão de regime de execução da pena e o livramento condicional, exigindo para tanto o preenchimento de requisitos subjetivos previstos em lei.
Nesta decisão, os Ministros fundamentaram a possibilidade de prisão penal antes do transito em julgado na impossibilidade de se debater nas instancias extraordinárias matérias probatórias e na previsão do art. 637 CPP de execução da sentença, quando da pendência de recurso extraordinário, haja vista não serem dotado de efeito suspensivo.
A ação declaratória de constitucionalidade (ADC) é uma ação judicial proposta com o objetivo de tornar certo judicialmente que uma dada norma é compatível com a Constituição. No HC 126.292 de 2016, o STF ao pronunciar sobre o cabimento da execução provisória da pena, os ministros deixaram de analisar a constitucionalidadedo art. 283 do CPP, que é de fundamental relevância para o tema. Este artigo estabelece as possibilidades de restrição da liberdade do acusado antes do transito em julgado, de forma categórica, podendo ocorrer nas hipóteses de flagrante delito, e nas prisões temporária e definitiva, ou melhor, somente de maneira cautelar.
Diante dessa controvérsia, o Partido Ecológico Nacional (PEN) e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, ajuizaram as ADCs 43 e 44, visando o reconhecimento da legitimidade constitucional da redação do art. 283 do CPP. Para essas entidades, como o artigo não foi analisado na decisão anterior, continua válido, devendo ser aplicado pelos tribunais.
Buscou-se com isso, pedido de medida cautelar para suspender as execuções da pena que tivessem sido proferidas por Tribunais com base no HC 126.292 ignorando o art. 283 do CPP. Assim, as entidades solicitaram a procedência da ação para declarar a constitucionalidade do dispositivo em questão, com eficácia erga omnes e efeito vinculante.
Por maioria dos votos, o STF indeferiu a cautelar e decidiu pela constitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal, significando que não fere a constituição, devendo ser feita uma interpretação conforme.
Os principais argumentos dos Ministros que ensejaram tal entendimento foram:
a. O recurso especial e o extraordinário não são dotados, em regra, de efeitos suspensivo, podendo, em virtude disto, a pena ser executada de imediato;
b. É na instância ordinária, com o recurso de apelação, que se analisa e esgota toda a matéria fática, não tendo a característica de debater provas nas instâncias extraordinárias.
c. O princípio da presunção de inocência não é violado, porque tem sentido dinâmico, ou seja, o seu valor varia conforme o transcurso do feito. Tal princípio na fase de inquérito é quase que absoluto, em virtude da vasta matéria probatória, já após a condenação de segundo grau deixa de existir a possibilidade de discussão de matéria probatória, somente podendo debater questões constitucionais;
d. O constituinte não quis impedir a execução provisória da pena antes do trânsito em julgado, se quisesse impedir teria colocado a proibição no art. 5º LXVI, da Constituição Federal, que é o inciso que trata das modalidades de prisão antes do transito em julgado.
e. A presunção de inocência é princípio e não regra, por isso pode ser ponderado com outros princípios, como em relação a efetividade do sistema penal o qual protege a vida dos demais cidadãos, buscando a efetividade da lei, em detrimento dos bens jurídicos que ela visa proteger.
f. Evitar o excesso de recursos com a finalidade de postergar o transito em julgado e ocorrer a prescrição do crime.
g. Impedir a execução provisória da pena acaba fomentando o direito penal seletivo, porque pessoas que tem poder aquisitivo maior consegue que os recursos cheguem aos tribunais superiores, já quem tem um menor poder aquisitivo não terá esse privilégio, violando, assim, a igualdade processual.
h. No caso de se constatar abuso da condenação, os tribunais disporão de meios para sustar a decisão tomada, através de Habeas Corpus e de Recurso Extraordinário ou Recurso Especial com efeito suspensivo (art. 1029 § 5º).
i. Os réus com foro por prerrogativa de função, depois de julgados pelos seus Tribunais respectivos, já podem ser presos em execução provisória da pena, uma vez que essa análise faz esgotar toda a matéria probatória.
j. Não se faz necessária a exigência de convergência das duas instancia para que seja aplicada a pena. Ocorrendo divergência, isto é, o juiz de primeiro grau absolver e o Tribunal condenar, é suficiente para que se determine a execução da pena.
k. Existe a possibilidade de interposição de embargos infringentes, que é o recurso que tem cabimento contra decisão não unânime de um acórdão. A prisão do condenado, somente terá cabimento após o julgamento do referido recurso.
Por fim, ainda sob a decisão em análise, constatou-se que o Brasil é o único país do mundo em que o condenado em duplo grau de jurisdição pode esperar a análise de recursos constitucionais em liberdade, aguardando ser referendado pela Suprema Corte. A prisão após o duplo grau de jurisdição, portanto, deve obedecer ao que descreve o art. 637 do Código de Processo Penal, ou seja, o fato de, em regra, não ter efeito suspensivo faz com que seja baixado os autos à primeira instância para que seja executada a pena do condenado e colocado de imediato à prisão.
É notório que o tema execução provisória da pena tem grande relevância no cenário político na atualidade, pois tem relação com a privação da liberdade do acusado antes mesmo do transito em julgado da sentença penal condenatória.
O Supremo Tribunal Federal, corte máxima do poder judiciário, é o órgão que tem papel fundamental na guarda e na interpretação da Constituição. Desde a sua Promulgação, executar a pena do condenado antes de se esgotarem todos os recursos já era debatido de forma veemente pela Suprema Corte e pela doutrina em geral.
Durante toda a vigência da nossa Carta Política, as decisões do STF em relação ao tema colidiam com o art. 5º da Constituição Federal, inciso LVII, o qual estampa o princípio da não culpabilidade. Diante desse choque de interpretação é que surge a relevância desse instituto para os aplicadores do direito.
Em face dos vários julgamentos acerca do tema, a partir do ano de 2009 através do HC 84.072, o STF consolidou o entendimento de que não seria possível a prisão definitiva antes de se esgotarem todos os recursos, ou melhor, a prisão antes do transito em julgado somente poderia ocorrer de maneira cautelar, temporária ou preventivamente.
Ocorre que, no ano de 2016, através do HC 126.292, o STF em um julgamento histórico mudou o seu entendimento passando a prever a possibilidade de prisão do condenado após o acórdão condenatório de segunda instância.
Diante dos fatos apresentados, pode-se concluir que o STF, com a interpretação evolutiva constitucional sobre o tema execução provisória da pena buscou dar a sociedade uma proteção mais célere e eficiente, conforme nos ensina a presidente do STF Carmem Lúcia “a comunidade quer uma resposta, e quer obtê-la com uma razoável duração do processo”.
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Bacharelando em Direito pela Universidade Brasil - Fernandópolis.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TONON, Igor eduardo. Execução provisória da pena Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 maio 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50088/execucao-provisoria-da-pena. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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