RESUMO: O presente artigo pretende analisar os aspectos práticos dos efeitos da condenação pelo crime de tortura imprópria, em especial no que se refere à perda do cargo e ao regime inicial de cumprimento da pena. Para tanto utilizou-se do método dedutivo e dividiu-se o estudo em dois capítulos principais, além das considerações e conclusão. No capítulo 2 abordou-se os efeitos da condenação para os crimes em geral e os efeitos específicos para os crimes previstos na Lei de Tortura. No capitulo 3 analisou-se as implicâncias práticas de tais efeitos em relação ao crime de tortura omissiva.
Palavras-chave: Condenação; Efeitos; Tortura omissiva; Perda do cargo; Regime inicial de cumprimento da pena.
Sumário: 1 Considerações Gerais Sobre o Crime de Tortura. 2 Os Efeitos da Condenação Por Crimes de Tortura. 2.1 Efeitos Penais da Condenação. 2.2 Efeitos Extrapenais da Condenação Previstos no Código Penal. 2.3 Efeitos Extrapenais da Condenação Previstos na Lei de Tortura. 3 Aspectos Práticos dos Efeitos da Condenação no Crime de Tortura Imprópria. 4 Conclusão. 5 Bibliografia
1 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O CRIME DE TORTURA
O art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/88[1] estabelece no inciso III que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante. Além disso, no inciso XLIII refere que:
Art. 5º, XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;
A CRFB/88 considera que a tortura é crime inafiançável e insuscetível de graça e anistia. O Supremo Tribunal Federal – STF já decidiu por negar também o instituto do indulto aos condenados por crime de tortura:
“1. A concessão de indulto aos condenados a penas privativas de liberdade insere-se no exercício do poder discricionário do Presidente da República, limitado à vedação prevista no inciso XLIII do artigo 5º da Carta da República. A outorga do benefício, precedido das cautelas devidas, não pode ser obstado por hipotética alegação de ameaça à segurança social, que tem como parâmetro simplesmente o montante da pena aplicada. 2. Revela-se inconstitucional a possibilidade de que o indulto seja concedido aos condenados por crimes hediondos, de tortura, terrorismo ou tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, independentemente do lapso temporal da condenação. Interpretação conforme a Constituição dada ao § 2º do artigo 7º do Decreto 4495/02 para fixar os limites de sua aplicação, assegurando-se legitimidade à indulgencia principis. Referendada a cautelar deferida pelo Ministro Vice-Presidente no período de férias forenses.”[2]
Somando-se, o Brasil é signatário de tratados internacionais anteriores que obrigam que os países criminalizem a tortura em seus respectivos ordenamentos jurídicos internos, dentre eles a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes, de 1984; e a Convenção lnteramericana para Prevenir e Punir a Tortura, de 1985. A CRFB/88 veio também nesse intento.
Segundo o art. 1º da referida Convenção Internacional contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos e Degradantes, define-se tortura da seguinte forma:
“(...) o termo tortura designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de uma terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza, quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionários público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência.”[3]
A Lei n.º 9.455/97[4] – Lei de Tortura – adveio com o propósito de definir os crimes de tortura, uma vez não foram previstos no Código Penal e ainda não constavam de legislações extravagantes.
Nesta lei, o inciso I do caput do art. 1º apresenta o crime de tortura em sua modalidade clássica, que pode ser praticado por qualquer pessoa:
Art. 1º Constitui crime de tortura:
I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:
a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;
b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
c) em razão de discriminação racial ou religiosa;
A alínea a trata da chamada tortura-prova ou tortura persecutória; a alínea b, da tortura para a prática de crime ou tortura-crime; e a alínea c, da tortura discriminatória ou tortura-racismo. Trata-se de denominações criadas pela doutrina, a exemplo de Gabriel Habib[5].
O inciso II, por sua vez, trata da chamada tortura-castigo, em que se exige uma condição especial tanto do sujeito ativo, quanto do sujeito passivo:
Art. 1º Constitui crime de tortura:
II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
O §1º do art. 1º prevê uma modalidade equiparada, para a qual se comina a mesma pena do caput: reclusão de 2 a 8 anos. Fala-se da denominada tortura do preso ou de pessoa sujeita a medida de segurança. Vejamos:
Art. 1º, § 1º Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal.
Por fim, o §2º do art. 1º contém o delito de médio potencial ofensivo chamado de omissão na tortura, tortura imprópria ou tortura omissiva, par ao qual foi prevista a pena de detenção de 1 a 4 anos:
Art. 1º, § 2º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos.
Os §§ 3º e 4º tratam respectivamente de qualificadoras e causas de aumento da pena.
Além disso, salienta-se que a CRFB/88, no art. 5º XLIII, e a Lei n.º 8.072/90[6], no art. 2º equiparou o crime de tortura aos crimes hediondos, estendendo-lhe os rigores desta lei para aqueles crimes. Entretanto, ressalva-se a modalidade de tortura imprópria, caso em que não é equiparada a crime hediondo.
No presente trabalho abordaremos os efeitos específicos da condenação nos crimes de tortura. Para tanto, diante da grande sensibilidade do tema, construiremos uma estudo completo dos efeitos da condenação previstos no Código Penal e em leis especiais, vez se também se aplicam aos crimes de tortura.
2 OS EFEITOS DA CONDENAÇÃO POR CRIMES DE TORTURA
Segundo Cleber Masson, efeitos da condenação são todas as consequências que direta ou indiretamente atingem o condenado em razão de uma condenação definitiva[7]. São efeitos que ocorre principalmente na esfera penal, mas também na área cível, administrativa, trabalhista e etc.
O pressuposto para que ocorram tais efeitos é justamente a existência de uma condenação definitiva.
Os efeitos da condenação em geral podem ser divididos em efeito principal e efeitos secundários.
Por efeito principal considera-se a imposição da pena ou de da medida de segurança. A pena poderá ser privativa de liberdade, restritiva de direitos ou de multa; a medida de segurança poderá ser detentiva ou restritiva, a depender do caso concreto.
2.1 Efeitos Penais da Condenação
Os efeitos secundários, por sua vez, podem ter natureza penal ou extrapenal e estarem previstos no Código Penal ou em outras leis penais.
Dentre os efeitos secundários de natureza penal previstos no Código Penal, MASSON[8] elenca os seguintes: caracterização da reincidência para crimes futuros (art. 63 e art. 64); imposição do regime fechado se for praticado novo crime (art. 33, §2º); configuração de maus antecedentes (art. 59); aumento em 1/3 do prazo da prescrição da pretensão executória (art. 110, caput, e art. 117, VI); impedimento à concessão e revogação da suspensão condicional da pena e do livramento condicional (art. 77, I e §1º; art. 81, I; art. 86, caput; art. 87); entre outros.
Fora do Código Penal o mesmo autor cita impossibilidade de concessão de transação penal e da suspensão condicional do processo em caso de novo delito (art. 76, §2º, I e art. 89 da Lei n.º 9.099/95[9]). Acrescentamos a inscrição do nome do condenado no rol dos culpados (art. 393, III do Código de Processo Penal – CPP[10])
Entretanto, interessa mais ao presente estudo os efeitos extrapenais decorrentes da condenação.
2.2 Efeitos Extrapenais da Condenação Previstos no Código Penal
Igualmente os efeitos extrapenais da condenação podem estar previstos no Código Penal e na legislação especial.
O Código Penal prevê efeitos extrapenais da condenação genéricos e específicos, previstos respectivamente nos art. 91 e 92.
Os efeitos do art. 91 são automáticos, ou seja, não precisam ser declarados expressamente na sentença. Por outro lado, os efeitos do art. 92 não são automáticos, precisam ser expressamente declarados na sentença. Se os juiz não os declarar expressamente na sentença eles não são aplicáveis.
Ademais, os efeitos extrapenais genéricos previstos no CP são aplicáveis a todo qualquer crime, ao passo que os específicos dependem de alguma condição descrita no dispositivo legal.
O art. 91 do CP prevê uma série de consequência que ocorrem independentemente de qualquer manifestação na sentença, de forma automática. O dispositivo é autoexplicativo e dispensa maiores comentários. Vejamos:
Art. 91 - São efeitos da condenação: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito;
b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.
§ 1o Poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior. (Incluído pela Lei nº 12.694, de 2012)
§ 2o Na hipótese do § 1o, as medidas assecuratórias previstas na legislação processual poderão abranger bens ou valores equivalentes do investigado ou acusado para posterior decretação de perda. (Incluído pela Lei nº 12.694, de 2012)[11]
Ao seu tempo, o art. 92 do CP dispõe a respeito de efeitos específicos, que não são automáticos, dependem de uma declaração expressa na sentença, e que só podem ser aplicados para determinados crimes. Vejamos os seus termos:
Art. 92 - São também efeitos da condenação: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: (Redação dada pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; (Incluído pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)
b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos. (Incluído pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)
II - a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Parágrafo único - Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)[12]
Especial atenção merece ser dispensada ao efeito de perda de cargo, função pública ou mandato eletivo.
O Código Penal considera duas hipóteses para esse efeito possa ocorrer. A primeira é para os crimes que forem praticados com abuso de poder ou violação dever funcional e a pena privativa de liberdade for igual ou superior a 1 ano. Na segunda hipótese, se a condenação for por crime comum (sem abuso de poder ou violação de dever funcional), o condenado só perderá o cargo público, função pública ou mandato eletivo se a pena privativa de liberdade ultrapassar 4 anos.
Estas hipóteses de perda do cargo, apesar de serem considerados efeitos específicos aplicam-se aos crimes em geral, sendo que no primeiro caso basta o abuso de poder ou violação de dever funcional e pena privativa de liberdade igual ou superior a 1 ano; e, no segundo, basta condenação à pena privativa de liberdade superior 4 anos.
Não se confunde a hipótese de perda do cargo prevista na lei de tortura, que depende de outros requisitos para sua implementação, conforme veremos.
2.3 Efeitos Extrapenais da Condenação Previstos na Lei de Tortura
A Lei de Tortura prevê no §5º do art. 1º efeitos extrapenais específicos, que se aplicam exclusivamente aos crimes previsto na referida Lei. In verbis:
Art. 1º, § 5º A condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada.
Trata-se de efeito da condenação que só pode ser aplicado após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. São efeitos automáticos, que decorrem diretamente da condenação, prescindindo-se de qualquer declaração expressa na sentença.
Gabriel Habib aponta importantes diferenças entre os efeitos previsto na Lei 9.455/97 e o previsto no art. 92, I do CP:
“No art. 92, I do Código Penal, a lei trata da perda do cargo que já era ocupado pelo condenado. No art. 1º, §5º da lei 9.455/97, a lei trata não só da perda do cargo, como também da interdição, que é a impossibilidade de se vir a ocupar cargo ou função pública, com efeitos futuros. Ademais, no art. 92, I, do Código Penal a perda do cargo não é automática, dependendo de motivação expressa na sentença, ao contrário do previsto na lei de tortura, em que a perda do cargo é automática.”[13]
Nesse sentido já decidiu o Superior Tribunal de Justiça – STJ, no REsp 1044866:
“A determinação da perda de cargo público fundada na aplicação de pena privativa de liberdade superior a 4 anos (art. 92, I, b, do CP) pressupõe fundamentação concreta que justifique o cabimento da medida. De fato, para que seja declarada a perda do cargo público, na hipótese descrita no art. 92, I, b, do CP, são necessários dois requisitos: a) que o quantum da sanção penal privativa de liberdade seja superior a 4 anos; e b) que a decisão proferida apresente-se de forma motivada, com a explicitação das razões que ensejaram o cabimento da medida. A motivação dos atos jurisdicionais, conforme imposição do art. 93, IX, da CF ("Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade..."), funciona como garantia da atuação imparcial e secundum legis (sentido lato) do órgão julgador. Ademais, a motivação dos atos judiciais serve de controle social sobre os atos judiciais e de controle pelas partes sobre a atividade intelectual do julgador, para que verifiquem se este, ao decidir, considerou todos os argumentos e as provas produzidas pelas partes e se bem aplicou o direito ao caso concreto. Por fim, registre-se que o tratamento jurídico-penal será diverso quando se tratar de crimes previstos no art. 1º da Lei 9.455/1997 (Lei de Tortura). Isso porque, conforme dispõe o § 5º do art. 1º deste diploma legal, a perda do cargo, função ou emprego público é efeito automático da condenação, sendo dispensável fundamentação concreta.”[14]
Portanto, percebe-se que apesar de possuírem redações semelhantes são perceptíveis as diferenças entre a perda do cargo prevista no CP e a perda do cargo prevista na Lei de Tortura. Ao passo que aquela só produz efeitos em relação ao passado, ocasionando, eventualmente, a perda do cargo, função o mandado eletivo do agente que já o possui; esta, além desses efeitos pretéritos, impede a assunção de novos cargos, funções ou mandatos eletivos pelo dobro do tempo de pena aplicada.
Este instituto previsto na legislação especial produz implicações de ordem prática que merecem ser analisadas, especialmente nas diversas modalidades de tortura, uma vez que a depender do caso, a comina cominada poda determinar trâmites processuais distintos.
3 ASPECTOS PRÁTICOS DOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO NO CRIME DE TORTURA IMPRÓPRIA
Assim como todos os demais efeitos da condenação, a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada previstos no art. 1º, §5º da Lei n.º 9.455/97 só se aplicam em caso de condenação penal definitiva, com trânsito em julgado, por alguns dos crimes previstos no caput, §1º ou §2º do referido artigo. Isto é, os efeitos da condenação se aplicam para todas as modalidades de tortura.
Via de regra, os crimes de tortura são de elevadíssimo potencial ofensivo, uma vez que possuem pena mínima acima de 1 ano e são equiparados a hediondos. Com exceção da tortura imprópria, a pena para os referidos crimes é de reclusão de 2 a 8 anos, com a possibilidade de qualificadoras aumentarem os limites da pena em abstrato, a depender do caso, para 4 a 10 anos e 8 a 16 anos de reclusão (art. 1º, §3º); e de incidir causa de aumento da pena de 1/6 a 1/3 (art. 1º, §4º).
Por conta disto, o crime de tortura em suas modalidades equiparadas crime hediondo serão incompatíveis com os institutos da suspensão condicional do processo e da transação penal.
A suspensão condicional do processo (sursis processual), conforme o art. 89, caput, da Lei n.º 9.099/95, possibilita que o Ministério Público proponha proposta de suspensão do processo para os crimes em que a pena mínima cominada seja igual ou inferior a 1 ano, desde que o indivíduo não tenha condenado anteriormente pela prática de crime e não estiver sendo processado, observando-se os demais requisitos legais e atendendo-se a determinadas condições (§1º):
Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).
§ 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:
I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;
II - proibição de freqüentar determinados lugares;
III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;
IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.[15]
Aceitando determinada proposta, o processo ficará suspenso por 2 a 4 anos sob o implemento das referidas condições. Ao final deste prazo, caso não ocorra revogação do benefício, será declarada a extinção da punibilidade, nos termos do §5º do art. 89:
Art. 89, § 5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade.
Nestes casos, declarando-se a extinção da punibilidade nestes termos não há se falar em condenação e, por conseguinte, não incidirão os efeitos de tal condenação. Como vimos, este instituto não se aplica, em regra, aos crimes de tortura.
No entanto, devemos atentar para o crime previsto no art. 1º, §2º da lei 9.455/97, que trata da omissão na tortura, tortura omissiva ou tortura imprópria.
Inicialmente, percebe-se que a pena prevista é de detenção de 1 a 4 anos. Trata-se de um delito de médio potencial ofensivo, que, em regra admite suspensão condicional do processo, nos termos do caput art. 89 da lei 9.099/95. Em outras palavras, enquanto as demais modalidades de tortura são delitos de elevadíssimo potencial ofensivo (equiparados a crimes hediondos), a tortura imprópria é crime de médio potencial ofensivo, que admite sursis processual.
Justamente por este motivo é que a omissão na tortura não é marcada pela hediondez, presente nas demais espécies de tortura. Não se fala em crime hediondo que admite medida despenalizadora prevista na dos Juizados Especiais, tal como é o sursis processual.
Visualizaremos um exemplo prático para melhor elucidar a questão: um agente de policial civil foi denunciado por omissão na tortura (art. 1º, §2º), entendendo o titular da ação que a vítima foi torturada na base da Polícia Civil do respectivo Estado-membro pelos colegas do denunciado. Apurou-se que o denunciado total condição de ouvir os gritos da vítima e nada fez. Os agentes que efetivamente torturaram a vítima foram denunciados por tortura persecutória (art. 1º, I) e foram efetivamente condenados. Os colegas do denunciado perderam o cargo de forma automática, enquanto o denunciado por omissão na tortura foi beneficiado pelo sursis processual, que, ao final, implicou na extinção da punibilidade, sem ocorrência dos efeitos da condenação.
Imaginemos agora que esse policial civil, embora fizesse jus ao sursis processual por conta da pena do referido crime, não preenchesse os requisitos por estar sendo processado. Nesse caso, não haverá proposta de suspensão condicional do processo e, por consequência, caso condenado em definitivo, sofrerá os efeitos da condenação, em especial a perda do cargo prevista no art. 1º, §5º da lei n.º 9.455/97.
De outra banda, também merece análise tema atinente a aos efeitos primários da condenação por crimes de tortura, que também se altera quando se tratar de omissão na tortura. Como efeito primário da condenação, temos a imposição de uma pena, e, por consequência, o início de seu cumprimento, que impõe a análise do regime inicial de cumprimento.
O STF, no HC 111840, já pacificou o entendimento pela inconstitucionalidade do art. 2º, §1º da Lei n.º 8.072/90, que prevê que a pena dos crimes hediondos e equiparados deverá necessariamente ser cumprida no regime inicial fechado. Vejamos a decisão:
“1. Verifica-se que o delito foi praticado em 10/10/09, já na vigência da Lei nº 11.464/07, a qual instituiu a obrigatoriedade da imposição do regime inicialmente fechado aos crimes hediondos e assemelhados.
2. Se a Constituição Federal menciona que a lei regulará a individualização da pena, é natural que ela exista. Do mesmo modo, os critérios para a fixação do regime prisional inicial devem-se harmonizar com as garantias constitucionais, sendo necessário exigir-se sempre a fundamentação do regime imposto, ainda que se trate de crime hediondo ou equiparado.
3. Na situação em análise, em que o paciente, condenado a cumprir pena de seis (6) anos de reclusão, ostenta circunstâncias subjetivas favoráveis, o regime prisional, à luz do art. 33, § 2º, alínea b, deve ser o semiaberto.
4. Tais circunstâncias não elidem a possibilidade de o magistrado, em eventual apreciação das condições subjetivas desfavoráveis, vir a estabelecer regime prisional mais severo, desde que o faça em razão de elementos concretos e individualizados, aptos a demonstrar a necessidade de maior rigor da medida privativa de liberdade do indivíduo, nos termos do § 3º do art. 33, c/c o art. 59, do Código Penal.
5. Ordem concedida tão somente para remover o óbice constante do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/07, o qual determina que “[a] pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado“. Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da obrigatoriedade de fixação do regime fechado para início do cumprimento de pena decorrente da condenação por crime hediondo ou equiparado.”[16]
Contudo, em decisão mais recente, especialmente no que tange aos crimes de tortura, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, no HC 123316[17] considerou constitucional o dispositivo da Lei de Tortura (artigo 1º parágrafo 7º da Lei 9.455/97) que estabelece regime inicial obrigatoriamente fechado, independentemente do quantum da pena aplicada, para os crimes previstos na referida Lei.
No presente caso, o Ministro Relator Marco Aurélio assinalou que o legislador ordinário, em consonância com a CRFB/88, teria feito uma opção válida, ao prever que, considerada a gravidade do crime de tortura, a execução da pena, ainda que fixada no mínimo legal, deveria ser cumprida inicialmente em regime fechado, sem prejuízo de posterior progressão.
Entretanto, salienta-se que esse raciocínio não se aplica ao crime de tortura imprópria. O condenado em definitivo em tortura-imprópria poderá inicial o cumprimento da pena privativa de liberdade no regime aberto, semiaberto ou fechado, a depender das circunstâncias do caso concreto. O legislador de 1997 foi expresso nesse sentido, ao referir no §7º do art. 2º da Lei n.º 9.455/97 que “O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado.”[18]
4 CONCLUSÃO
O crime de omissão na tortura é cercado de peculiaridades, a começar pela pena cominada: detenção de 1 a 4 anos. Trata-se de infração de médio potencial ofensivo, enquanto que a tortura comum possui pena de reclusão de 2 a 8 anos e é o considerada equipara a crime hediondo.
Por ser delito de médio potencial ofensivo, haverá possibilidades de concessão de suspensão condicional do processo, que, uma vez decorrido o seu prazo sem revogação, implicará na extinção do processo e na inocorrência de todos os efeitos da condenação, especialmente no que tange ao efeito automático de perda do cargo, previsto no §5º do art. 1º da lei n.º 9.455/97.
Caso o sujeito não faça jus ao sursis processual, ou seja, ele revogado, sendo condenado, sofrerá os efeitos da condenação, dentre eles a perda do cargo de forma automática.
Além disso, havendo condenação em definitivo pela prática do crime de tortura omissiva, não haverá necessidade do regime inicial fechado obrigatório.
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[1] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: . Acesso em: 14 de junho de 2017.
[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 2795 MC, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 08/05/2003, DJ 20-06-2003 PP-00056 EMENT VOL-02115-22 PP-04558 JBC n. 49, 2004, p. 87-90. Disponível em: . Acesso em: 14 de junho de 2017.
[3] BRASIL. Decreto n.º 40 de 15 de fevereiro de 1991. Disponível em: . Acesso em: 14 de junho de 2017.
[4] BRASIL. Lei n.º 9.455 de 7 de abril de 1997. Disponível em: . Acesso em: 14 de junho de 2017.
[5] HABIB. Gabriel. Leis Penais Especiais – Tomo I – 7ª ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Editora JusPodivum. 2015.
[6] BRASIL. Lei n.º 8.072 de 25 de julho de 1990. Disponível em: . Acesso em: 14 de junho de 2017.
[7] MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado – Parte Geral – vol. 1. 10.ª ed. ver., atual., e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016, p. 905.
[8] MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado – Parte Geral – vol. 1. 10.ª ed. ver., atual., e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016, p. 907 e 908.
[9] BRASIL. Lei n.º 9.099 de 25 de setembro de 1995. Disponível em: . Acesso em: 14 de junho de 2017.
[10] BRASIL. Decreto-Lei n.º 3.689 de 03 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal. Disponível em: . Acesso em: 14 de junho de 2017.
[11] BRASIL. Decreto-Lei n.º 2.848 de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Disponível em: . Acesso em: 14 de junho de 2017.
[12] BRASIL. Decreto-Lei n.º 2.848 de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Disponível em: . Acesso em: 14 de junho de 2017.
[13] HABIB. Gabriel. Leis Penais Especiais – Tomo I – 7ª ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Editora JusPodivum. 2015, p. 309.
[14] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.044.866-MG, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 2/10/2014. Disponível em: [email protected] =0549>. Acesso em: 14 de junho de 2017.
[15] BRASIL. Lei n.º 9.099 de 25 de setembro de 1995. Disponível em: . Acesso em: 14 de junho de 2017.
[16] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 111840, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 27/06/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-249 DIVULG 16-12-2013 PUBLIC 17-12-2013. Disponível em: . Acesso em: 14 de junho de 2017.
[17] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 123316/SE, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 9/6/2015.
[18] BRASIL. Lei n.º 9.455 de 7 de abril de 1997. Disponível em: . Acesso em: 14 de junho de 2017.
Advogado, formado pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MELLO, Bruno de Ugalde. Dos efeitos da condenação pelo crime de tortura imprópria Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 jun 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50321/dos-efeitos-da-condenacao-pelo-crime-de-tortura-impropria. Acesso em: 22 nov 2024.
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