RESUMO: O presente artigo apresenta as mudanças implementadas no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro no que concerne ao crime de embriaguez ao volante, em especial, as modificações referentes à infração administrativa, ao crime de embriaguez ao volante e sua natureza jurídica.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO 2. HISTÓRICO DO TRÂNSITO NO BRASIL 3. RESUMO DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO (CTB) 4. MUDANÇAS IMPLEMENTADAS AO CTB PELA LEI 11.705/08 5. MUDANÇAS IMPLEMENTADAS AO CTB PELA LEI 12.971/14 6. CONCLUSÃO 7. REFERÊNCIAS
Palavras chave: Lei seca, Código de Trânsito Brasileiro, Embriaguez ao volante.
1 – INTRODUÇÃO
Através de uma síntese do histórico do trânsito no Brasil acompanhado da evolução das legislações de trânsito, foram observadas as principais características do Código de Trânsito Brasileiro, bem como as alterações a cerca das mudanças inseridas pela lei 11.705/08 e através da lei 12.971/14.
O tema discutido está tanto na mídia quanto nos tribunais e é de grande importância na sociedade eis que os acidentes de trânsito crescem a cada ano e em sua grande maioria, são por causa da combinação álcool e direção.
Foram juntados os principais pontos do Código Brasileiro de Trânsito que evoluíram e foram mudados, bem como as consequências que a sociedade sofreu por conta dessas mudanças.
2 – HISTÓRICO DO TRÂNSITO
A necessidade da locomoção sempre existiu, sendo imprescindível a existência de um meio de transporte ainda nas civilizações antigas. Os egípcios, por exemplo, usavam a carreta puxada pelos bois como meio de transporte familiar como pode se ver pelos monumentos da Antiguidade.
Já os romanos tiveram que criar um sistema rodoviário avançado para o deslocamento de suas tropas, e por causa disso, ainda se diz popularmente que todos os caminhos dão em Roma.
Com relação à legislação da época, podia ser percebida a prioridade dada ao trânsito terrestre sobre o marítimo, pois era necessário unir as províncias do Império Romano que se estendiam desde a Península Ibérica até a Síria, bem como a necessidade de deslocamento das suas tropas.
A preocupação com as estradas só veio séculos mais tarde na Espanha que passou a considerar o Caminho para Santiago de Compostella um bem publico, e por consequência, todos poderiam usá-lo e não poderia ser adquirido por meio de usucapião. A partir disso, passou-se a reclamar a proteção a esses e seus usuários, surgindo então “a Paz do Caminho, como forma de paz especial, ou seja, “ao gozar de uma paz especial, [o caminho] é equiparado a instituições medievais tão importantes quanto o próprio Rei, seus funcionários e seu exército (...). Ao proteger-se o lugar, também protegia por extensão as pessoas que por ele transitavam. ”Assim, - conclui o autor – “na Idade Média, ao constituir o caminho um centro de vida jurídica, surge o verdadeiro Direito do Caminho” (HONORATO, 2004, p. 3).
No inicio do século XX, a produção automobilística alcançou seu apogeu, tendo como consequência a crescente construção de estradas e o surgimento de moderna legislação de trânsito na Europa.
Como consequência à importância dada às estradas, ocorreu a supranacionalidade do trânsito, que pode ser vista em estágio avançado na União Europeia que conta com a livre circulação de pessoas e mercadorias, ou mesmo nas Américas, que tem, por exemplo, a Estrada Pan-Americana Washington-Brasília de cerca de 28.000km.
Já no Brasil, com a colonização Portuguesa, e diante do profundo atraso brasileiro, aconteceu o episódio chamado “bifurcação brasileira”, ou seja, “a transplantação do organismo jurídico-político português (sic) para esta região da América” (HONORATO, 2004, p. 18), eis que os indígenas não vislumbravam nenhum dinamismo ou semente de progresso quando encontrados aqui.
Evidentemente que no Brasil Colônia, devido ao extenso litoral e a vocação marítima aprimorada, predominava o transporte marítimo e fluvial. Sendo o transporte de cargas e pessoas sendo realizado através de trilhas indígenas.
Durante o período colonial, os centros urbanos eram rústicos e simples em relação à ocupação de lotes, residências e traçado das ruas. O principal meio de transporte eram os animais. As casas que definiam as ruas e nem sempre elas eram alinhadas e tinham calçadas como somos acostumados de ver.
Com a chegada da família real portuguesa em 1808, o Brasil sofreu grandes transformações. As cidades, finalmente, começaram a se organizar nos moldes e padrões europeus.
O Rio de Janeiro, por abrigar a família real, sofreu uma serie de melhorias, tornando-se o centro político, administrativo, financeiro e social do país.
Apesar da rede rodoviária tem sido o principal fator de integração brasileira, apenas 9.2% das estradas tenham sido pavimentadas até o inicio do século X. Temos cerca de 1.649.239,20 quilômetros de estradas computadas até tal período, conforme estatística apresentada no Livro 500 anos de trânsito no Brasil. (RODRIGUES, 2000, p. 15).
Ainda que haja um déficit com relação às estradas e rodovias, elas cobrem a maior parte do país e são o meio de locomoção mais eficaz e utilizado aqui.
Tal importância dada às rodovias em detrimento às ferrovias ou hidrovias é totalmente ligada ao forte investimento dado pela indústria automobilística no Brasil, principalmente a partir de 1950.
Foi a indústria automobilística que construiu a base do modelo econômico brasileiro pós-guerra, o que levou ao esquecimento da indústria ferroviária desde 1991.
Com a chegada dos primeiros automotores e mediante a influência de Washington Luis Pereira de Souza, foi construída a Estrada do Vergueiro, em 1917, entre Santos e a capital paulista, completamente asfaltada.
Dentre os textos legais que tratavam de trânsito a época, podemos destacar: a) Postura Municipal do Rio de Janeiro n. 858, de 15 de abril de 1902, que determinava a velocidade máxima de 10km/h na região urbana do então Distrito Federal, 20km/h na região suburbana e 30km/h na região rural; b) Decreto n. 8324, de 27 de outubro de 1910, o qual aprovou o serviço subvencionado de transporte por automóveis; c) Decreto Legislativo n. 4460, de 11 de janeiro de 1922, que autorizou a subvenção ao Distrito Federal e aos estados que construíssem e conservassem estradas de rodagem nos respectivos territórios; d) Decreto Legislativo 5141, de 5 de janeiro de 1927, que criou um fundo especial para construção e conservação de estradas de rodagem federais; e) Decreto n. 18323, de 24 de julho de 1928, que aprovou o regulamento para a circulação internacional de automóveis, no território brasileiro e para sinalização, segurança do trânsito e policia das estradas de rodagem. (RODRIGUES, 2000, pp. 23 e 24)
Com relação às penalidades impostas, poderiam ser desde multas, as quais seriam cobradas em dobro no caso de reincidência, bem como a apreensão do veiculo e animais para que fosse garantido o pagamento destas multas e impostos. Não sendo satisfeita a multa, os bens poderiam ser levados à praça. Também poderia haver a cassação temporária ou definitiva da habilitação nos casos em que ficasse comprovada a incompetência ou falta de idoneidade ou prudência para continuar a exercer a profissão ou conduzir o veiculo, ou mesmo, quando suspensa a habilitação, se não respeitada, a mesma poderia ser cassada definitivamente.
Curiosamente no art. 86 do Dec. 18.323/1928, qualquer pessoa poderia levar as infrações ao conhecimento de quem de direito, inclusive tendo o direito a metade do valor da multa.
Com o passar do tempo, assim como as legislações foram evoluindo, as cidades também cresceram sem muito planejamento. No ano de 2000,
(...) transitavam cerca de 165 milhões de pessoas, a grande maioria conduzida pelos mais de 30.939.466 de veículos registrados (ônibus, automóvel, motocicletas, caminhões etc.). E, pelo que leva a crer, as cidades continuaram crescendo, pois segundo projeções do IBGE, daqui a duas décadas, em 2020, o Brasil terá atingido o numero de 200.306.300 habitantes e, aproximadamente, de 137 milhões de veículos. (RODRIGUES, 2000, p.75)
A solução para esse problema seria uma rede de transportes públicos eficientes. Porém, seu objetivo que seria satisfazer a todas as classes, com conforto, qualidade, acessibilidade e segurança, não conseguiu ser atingido.
A disponibilidade da rede de ônibus é precária e decadente. As cidades de São Paulo e Rio de Janeiro estão entre as metrópoles que mais perderam passageiros nos últimos anos. São Paulo transportava 10 milhões de passageiros por dia e, hoje, transporta apenas 8,5 milhões. Já no Rio, onde eram transportados 4 milhões de passageiros diariamente, esse número caiu para 2,5 milhões. Tal fato se deve, principalmente, ao aumento das tarifas tornando-as incompatível com o salário mínimo, bem como a prioridade dada pelo governo aos automóveis.
Deveria haver a obrigatoriedade do Poder Público em viabilizar transporte público alternativo adequado. É inviável que à noite cessem os serviços do Metrô, sejam reduzidos os horários de circulação de ônibus, cujos motoristas não são regularmente fiscalizados, sem contar o péssimo estado dos táxis, que cobram bandeira dois e são conduzidos por motoristas cada vez menos preparados.
As pessoas e os veículos conduzidos por elas locomovem-se, diariamente, para garantir o direito de ir e vir do cidadão. Entretanto, muitos não compreendem que o espaço por onde transitam é público, ou seja, pertence a todos, criando assim, uma guerra surda dos egoístas que é um fenômeno característico da atualidade.
Atualmente, o carro acabou sendo mais do que um meio de locomoção, é o meio capaz de inserir o cidadão na sociedade. Com certeza para muitos, ainda não passa de um meio eficaz de locomoção, enquanto que para outros, significa, também, inclusão. Não há discussão de que o automóvel revolucionou a nossa época.
Diante da crescente importância dada aos automóveis, o Brasil teve que adotar técnicas para evitar os acidentes. Elas foram feitas de uma maneira que mostrasse à população cenas de trânsito estupidamente trágicas. Tais técnicas são denominadas campanhas educativas de trânsito.
Sabemos também que os acidentes de trânsito são comuns em metrópoles, sendo parte considerável deles causado por embriaguez. Então, motoristas embriagados são um problema existente (e recorrente) e que deve ser solucionado para a segurança de todos. O foco do problema está em dois pontos principais: o condutor não beber acima do nível permitido de álcool e a fiscalização apanhar aqueles que ultrapassarem os limites. A lei 11.705/08 que alterou o CTB, conhecida também como Lei Seca, atinge o primeiro caso.
Sabe-se que:
O álcool foi o responsável por 76.6 mil acidentes de trânsito com vítimas ocorridos no ano passado no Brasil. Significam 30% dos 255 mil acidentes registrados em todo país nesse período. Um total de 25 mil pessoas morreram e outras 321 mil ficaram feridas nesses acidentes. Estima-se que um terço dessas pessoas – 7.6 mortos e 96.3 feridos – tenham sido vítimas de motoristas que dirigiam embriagados. (RODRIGUES, 2000, p. 93)
Por fim, embora a fiscalização tenha melhorado bastante, ainda estamos longe de ser exemplares. Motoristas hoje em dia se utilizam de redes sociais na internet para saber onde está a fiscalização e, com isso, trocam suas rotas para que possam beber e dirigir sem que se preocupem.
É importante ressaltar que a abrangência e aplicabilidade dos códigos de trânsito com o passar do tempo foram sendo aprimoradas.
Em um primeiro momento, no art. 1º do Decreto Lei n. 2.994/41, o qual regeu o primeiro Código Nacional de Trânsito, tinha em seu texto: “A circulação de veículos automotores de qualquer natureza, nas vias terrestres, abertas à circulação pública, em qualquer ponto do território nacional”.
Diante dessa norma, percebemos três limitações que merecem destaque: 1ª) as vias não abertas à circulação pública como condomínios fechados e vias publicam que não fossem de uso comum, encontravam-se afastadas da aplicabilidade do dispositivo legal; 2ª) deslocamentos a pé, a cavalo, ou por meio de veiculo movido a tração animal e propulsão humana também ficavam de fora e 3ª) ao ser empregada a palavra circulação, importantes ações de trânsito como estacionamento e parada também ficavam de fora da regulamentação do Decreto Lei 2.994/41.
Já o segundo CNT, que veio através do Decreto Lei n. 3.651/41, apenas substituiu a palavra circulação por trânsito, tendo como consequência a eliminação da 3ª limitação citada, pois agora o estacionamento e a parada poderiam ser regulamentados.
A Lei n. 5.108/66 veio para ampliar mais ainda a incidência do CNT, pois além de manter afastada a 3ª limitação, com relação ao estacionamento e parada, mas também afastou a 2ª limitação, já que seu texto não havia só relação com os veículos automotores, mas também todos os outros veículos, pessoas e animais que utilizassem vias terrestres abertas a circulação publica.
Por fim, com o atual Código de Trânsito Brasileiro, houve a quebra de todas as limitações impostas pelo então primeiro CNT, tendo por isso a aplicação mais ampla até hoje já vista. Tal fato se materializou por conta do art. 1º da Lei 9.503/97 que diz: “O trânsito de qualquer natureza, rege-se por este Código”, como se pode perceber o limitador público não foi inserido no texto legal.
3 – RESUMO DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO
O nosso atual Código de Trânsito Brasileiro é criticado por alguns autores que acreditam que seu nome correto deveria ser Código de Trânsito Nacional, já que o trânsito não é brasileiro e sim nacional.
Dentre as inovações trazidas pelo nosso código, uma das principais é norma legal presente no Capitulo XIX, que trata dos Crimes de Trânsito, dividido em parte geral e parte especial.
Diferentemente do que havia sido visto anteriormente, a atual lei de trânsito concentra em um único corpo legislativo as normas de trânsito, tendo em vista que anteriormente a legislação de trânsito era toda retalhada, sendo muito dificultosa sua compreensão.
Os veículos foram criados para transportar as pessoas e transportar as coisas, servindo para cumprir a função vital e o direito adquirido de ir e vir e transitar.
Segundo o atual Código de Trânsito Brasileiro, Lei 9503 de 23 de setembro de 1997, em seu art. 1º, parágrafo 2º, o trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito.
Porém, vem sendo difícil para o Governo assegurar esse direito. O crescimento populacional, o aumento do volume de veículos, a falta de planejamento urbano e a concentração de automóveis em determinadas regiões das cidades acabam por ser a principal dificuldade a ser enfrentada para a locomoção no espaço publico.
Como intuito de garantir o direito ao trânsito em condições seguras, foi editado o atual CTB com novas normas administrativas e penais, as quais visam reduzir o número de acidentes envolvendo veículos automotores.
Dentre as novidades, cabe destacar a criação da multa reparatória e da pena de suspensão ou proibição de se obter permissão ou habilitação para dirigir, bem como da criação de novas figuras penais como o crime de fuga do local do acidente, embriaguez ao volante, excesso de velocidade em alguns locais.
Porém,
O numero de acidentes de trânsito em nosso país assume o caráter de verdadeira calamidade pública. Ao cabo das férias escolares, a cada final de semana prolongado, as estatísticas traçam um perfil aterrorizante da situação nas estradas. São milhares de vítimas da imprudência. Mortos e feridos que engrossam melancólica lista, ceifando vidas inocentes, com prejuízos irreparáveis de ordem emocional e mesmo para o Estado, obrigando muitas vezes – depois – a zelar pela recuperação dos feridos. Dentre tais acidentes, muitos são cometidos, quer nas estradas, quer nas vias urbanas, com o agente em estado de embriaguez. Algo precisava ser feito. Era evidente que o CTB, ao permitir a aplicação dos Juizados especiais criminais aos crimes de embriaguez, racha e lesão corporal culposa (mesmo embriagado o agente), já não mais cumpria qualquer papel repressor. Chegava a ser constrangedor a situação que se estabelecia em uma audiência para fins de transação penal, na qual o agente, após ter sido surpreendido em estado avançado de embriaguez, se aplicava uma pena de cesta básica. Pior quando se tratava de uma lesão corporal culposa, com a vítima presente à audiência. Frustrada a composição civil dos danos, cabia ao Promotor de Justiça encaminhar a esdrúxula proposta, para a surpresa da vítima, espantada com a desproporção entre a lesão que suportou e a resposta estatal. (GOMES e CUNHA, 2010, p. 1065).
Conforme o disposto no art. 292 do CTB, “a suspensão ou a proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veiculo automotor pode ser imposta isolada ou cumulativamente com outras penalidades” Deve ter, ainda, duração de no máximo cinco anos e mínimo de dois meses, nos termos do art. 293.
Tal período é bastante elástico, e cabe ao julgador eleger o tempo de duração da medida que melhor se adeque ao caso, tendo em vista os antecedentes do acusado, a gravidade do crime, a forma pela qual foi o mesmo perpetrado.
Suspender a possibilidade de pilotar veículo automotor de um motorista profissional, que obtém no exercício da profissão sua forma de subsistência, não será o mesmo, decerto, de impor igual medida a um estudante, que utiliza seu automóvel como mera forma de transporte. (...) A jurisprudência tem sugerido que, aplicada a pena principal no mínimo, seja a pena acessória (de suspensão ou de proibição de se obter a permissão ou a habilitação para condução de veiculo automotor), também dosada em seu patamar mínimo. Trata-se, contudo, de regra que não é absoluta, a depender da analise do caso concreto. (GOMES e CUNHA, 2010, pp. 1067 e 1068).
Nos crimes de homicídio culposo e lesões corporais culposas praticados na condução do veículo automotor, direção em estado de embriaguez, violação de suspensão ou proibição e participação em competição não autorizada (racha), a lei prevê não só a aplicação dessas penas juntamente com a pena privativa de liberdade, bem como a pena de multa. No entanto, os demais crimes, ainda que prevejam a pena de suspensão ou proibição da permissão ou habilitação, só poderão ser aplicadas quando o réu for reincidente na prática do crime previsto no CTB.
A suspensão ou proibição de se o obter a permissão ou habilitação está disposta tanto no Código Penal, no art. 47, III, como no Código de Trânsito Brasileiro, em seu art. 292.
Dentre as diferenças entre as citadas normas legais, no Código Penal, só está disposta a suspensão, ou seja, deve-se partir do princípio que apenas quem já é habilitado pode sofrer esse tipo de pena. Ademais, conforme o art. 44, do próprio CP, as penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, tendo, por isso, a mesma duração da pena privativa de liberdade, primeiramente imposta.
Já em se tratando da suspensão ou proibição de se obter a permissão ou habilitação trazida pelo CTB, também chamada de interdição temporária de direitos, não tem caráter substitutivo, ou seja, não substituem a pena privativa de liberdade fixada pelo mesmo tempo de duração, sendo, cominadas abstrativamente, tendo, inclusive, seus limites impostos pela lei. Por tal fato, podem ser aplicadas cumulativamente com a pena privativa de liberdade.
Por causa do advento dessa nova penalidade prevista no CTB, a pena restritiva de direitos disposta no CP, em seu art. 47, III, não é mais utilizada nos crimes previstos no Código de Trânsito Brasileiro, eis que foi cominada a nova interdição temporária de direitos.
Não teria sentido, por exemplo, no crime de lesão corporal culposa na direção de veículo automotor, substituir a pena privativa de liberdade pela suspensão de habilitação prevista no Código Penal e cumulá-la com a suspensão ou proibição da nova Lei. É possível, no entanto, substituir a pena privativa de liberdade concretamente fixada por outra restritiva de direitos, como a prestação de serviços à comunidade ou a limitação de fim de semana, e cumulá-la com a nova interdição de direitos, já que não são incompatíveis ou redundantes. (CAPEZ, 2011, p. 307)
Cabe ressaltar que todos os crimes culposos de trânsito passaram a ser punidos com a interdição temporária de direitos, levando, por isso, a uma revogação tácita do art. 47, III do CP.
Por fim, deve-se dizer que,
Há entendimento jurisprudencial no sentido de se impor ao motorista profissional a suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor, traduzir-se-ia em verdadeira inconstitucionalidade, na medida em que ele se acharia privado de exercer sua profissão. Prevalece, no entanto, o entendimento de que essa pena tem expressa previsão legal e, portanto, sua imposição é obrigatória, em atendimento ao mandamento legal. É a posição do Superior Tribunal de Justiça. (GOMES e CUNHA, 2010, p. 1081).
Diferentemente do que era visto há décadas atrás e em decorrência dos avanços da Vitimologia,
(...) rompendo com o modelo processual penal clássico, que inspira nosso processo, prevê a possibilidade de, por meio de uma sentença penal condenatória, ser importa uma multa reparatória que será revertida em prol do ofendido. Dá-se, assim, uma valorização da vítima, tão ignorada em nosso sistema, mais preocupado com a relação Estado e réu. Nesse passo, o CTB seguiu orientação inaugurada pela Lei 9.099/95 fortemente comprometida com a figura do ofendido, cuja presença é reclamada para fins de transação penal e suspensão condicional do processo. (GOMES e CUNHA, 2010, p. 1072).
O CTB adotou a linha doutrinário-vitimológica atual, em seu art. 297, impondo que:
Art. 297 - A penalidade de multa reparatória consiste no pagamento, mediante depósito judicial em favor da vítima, ou seus sucessores, de quantia calculada com base no disposto no §1º do art. 49 do Código Penal, sempre que houver prejuízo material resultante do crime.
Esse instituto só se aplica aos crimes cometidos na direção do veiculo automotor e desde que resulte prejuízo material para a vítima, sendo, portanto, restrita aos crimes de homicídio culposo, lesão corporal culposa e omissão de socorro, uma vez que apenas nestes existe a figura do ofendido. Não sendo aplicado nos crimes de perigo, exatamente por não haver um dano material concreto.
Para Fernando Capez, embora o art. 297 fale em penalidade de multa reparatória, a mesma não deve ser entendida como pena, já que,
(...) a condenação criminal transitada em julgado torna certa a obrigação de reparar o dano (CP, art. 91, I). A vítima ou seus familiares não precisarão ingressar com uma demorada ação de conhecimento, pelo rito ordinário, para obter indenização civil. Em poder da certidão da condenação definitiva, basta que promovam a liquidação do valor do dano (ação de liquidação por artigos) para, em seguida, executarem-no no respectivo juízo cível. Trata-se de um efeito genérico, incidente sobre todas as infrações penais, e automático, porque independe de manifestação do juiz na sentença. Sendo assim, não há necessidade de cominação especifica no tipo incriminar, já que não se trata de pena. (CAPEZ, 2011, pp. 312 e 313)
Ressalta-se que a multa reparatória nada tem a ver com a pena pecuniária, esta sim, é prevista apenas em alguns delitos como arts. 304 e 312 do CTB.
No Código Penal, em seus arts. 61 e 62 há a previsão de agravantes genéricas que só se aplicam aos crimes dolosos. Por causa disso, o legislador na legislação de trânsito se atentou a este fato para estabelecer agravantes cabíveis aos delitos de trânsito em geral, tanto os dolosos quando os culposos, devendo as mesmas serem aplicadas na fase de fixação da pena.
Dentre as agravantes dispostas no CTB, podemos destacar o art. 298, que são aplicadas quando o motorista do veiculo tiver cometido a infração: a) com dano potencial para duas ou mais pessoas ou com grande risco de grave dano patrimonial a terceiros (inciso I); b) utilizando o veiculo sem placas, com placas falsas ou adulteradas (inciso II); c) sem possuir Permissão para dirigir ou Carteira de Habilitação (inciso III); d) com Permissão para dirigir ou Carteira de Habilitação de categoria diferente da do veículo (inciso IV); e) quando a sua profissão ou atividade exigir cuidados especiais com o transporte de passageiros ou de carga (inciso V); f) utilizando veículo em que se tenha sido adulterados equipamentos ou características que afetem a sua segurança ou o seu funcionamento de acordo com os limites de velocidade prescritos nas especificações do fabricante (inciso VI); g) sobre faixa de trânsito temporária ou permanente destinada a pedestres (inciso VI).
Conforme o disposto no art. 16 do Código Penal, tem sido admitida a aplicação do instituto do arrependimento posterior ao crime de homicídio culposo, permitindo a redução da pena de 1/3 a 2/3 quando os crimes são cometidos sem violência ou grave ameaça. Isso acontece, pois o homicídio culposo é visto como um crime de violência involuntária, e por isso não ficaria afastada essa causa de redução de pena.
Diante disso, há divergência quanto ao critério utilizado para apurar o quantum de redução.
Damásio E. de Jesus, por exemplo, sustentam que deve ser levada em conta a presteza da reparação do dano, ou seja, quando mais rápida a conduta reparadora, maior a diminuição de pena. De outro lado, Heleno Claudio Fragoso entende que a redução deve manter relação de proporcionalidade com o quantum da reparação prestada.
Parece-nos, em verdade, que o melhor critério é o primeiro, uma vez que entendemos incabível a aplicação do instituto quando a reparação não é integral. (CAPEZ, 2011, p. 323)
Ademais, se o texto balizasse o quanto a pena poderia ser agravada, estaríamos diante de uma causa especial de aumento (como ocorre nas hipóteses dos incisos I a IV do art. 302, parágrafo único, do CTB) e não de uma agravante genérica. Tendo como consequência, uma maior necessidade de fundamentação das causas que levaram ao Magistrado a optar pelos valores aplicados. (GOMES e CUNHA, 2012, p. 1075)
Deve-se ressaltar que se a reparação do dano ocorrer antes do oferecimento da denuncia, a vítima perderá o seu direito a representação, ressalvando-se os casos em que os crimes deixam de se sujeitar a ação penal publica condicionada a representação e tornam-se ação penal publica incondicionada conforme o disposto no §1º do art. 291 do CTB.
Assim, sendo ação penal publica condicionada a representação ou incondicionada, caso haja a reparação do dano antes da sentença de primeira instância, haverá a incidência da atenuante genérica do art. 65, III do Código Penal.
No tocante às causas de aumento de pena, a legislação de trânsito brasileira estabelece algumas hipóteses em que a pena poderá ser aumentada de 1/3 a 1/2. Entretanto, não pode o magistrado reconhecer mais de uma causa de aumento por causa de vedação expressa do art. 68, parágrafo único, do Código Penal, devendo, portanto, majorar o aumento de acordo com a quantidade de causas de aumento presentes.
Assim, de acordo com o art. 302, §1º, e art. 303, parágrafo único, do Código de Trânsito Brasileiro, no homicídio culposo ou lesão culposa cometida na direção de veiculo automotor, a pena poderá ser aumentada quando: a) o agente não possuir permissão para dirigir ou carteira de habilitação, não sendo punido pelo crime autônomo de dirigir veiculo na via pública sem permissão ou habilitação; b) quando praticada na faixa de pedestres ou na calçada, entendendo o legislador que o crime culposo nesses casos é mais grave, não havendo distinção entre o condutor perder o controle e adentrar a calçada atingindo os pedestres ou mesmo quando estiver saindo da garagem, bem como, efetuando alguma manobra e em razão da desatenção, acabar atingindo algum pedestre; c) ao deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, a vítima do acidente, devendo-se ressaltar que essa causa de aumento é apenas para os crimes culposos, já que nos crimes dolosos, ao deixar de prestar socorro, o condutor estará incurso também no crime de omissão de socorro presente no art. 304 do CTB; d) o agente estiver no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veiculo de transporte de passageiros, destacando-se que o instituto não deixará de ser aplicado ainda que o veículo esteja vazio ou quando está sendo conduzido até a empresa após o término da jornada, portanto, sendo aplicado mesmo que o resultado tenha alcançado pessoa que não esteja dentro do veiculo; e) se o condutor estiver sob influência de álcool ou substancia toxica ou entorpecente de efeitos análogos, ressaltando-se que esta previsão estava no inciso V do art. 302, mas foi suprimido pela Lei Seca (lei 11.705/08) e mais adiante explicaremos o porquê.
Por fim, cumpre salientar que algumas causas especiais de aumento de pena também são consideradas agravantes genéricas.
Assim, por exemplo, a falta de habilitação para dirigir veículo automotor. Tanto é uma agravante genérica (art. 298, III), como é uma causa especial de aumento de pena (art. 302, parágrafo único, I). Quando se verificar essa hipótese, é evidente que o juiz não poderá considerar as duas situações, majorando duplamente a pena, pois incorreria em indesejável bis in idem. Tratando-se, pois, de homicídio culposo – e também de lesão corporal culposa nos termos do art. 303, parágrafo único, do CTB –, sendo idênticas a agravante genérica e a causa especial de aumento de pena, deve ser observada apenas a última. (GOMES e CUNHA, 2010, p. 1090).
Deve-se ressaltar que o direito penal não deve se preocupar com bagatelas, nem condutas que ainda que contenham tipos incriminadores são incapazes de lesar qualquer bem jurídico. Por isso, são considerados atípicos dependendo do caso concreto.
Não podemos confundir os crimes insignificantes com os de menor potencial ofensivo. Estes são regidos pela lei 9.099/95, e embora tenham uma gravidade menos perceptível socialmente, não são insignificantes.
A jurisprudência e a doutrina vêm aplicando o principio da insignificância ou bagatela ao delito de lesão corporal no trânsito, sempre que a ofensa à integridade física ou à saúde da vítima for considerada mínima, como esquimoses de absoluta inexpressividade, sendo irrelevante ao direito penal.
4 – MUDANÇAS IMPLEMENTADAS AO CTB PELA LEI 11.705/08
Diante das pesquisas de que a maioria dos acidentes de trânsito se dá em razão da ingestão de bebida alcoólica ou de substâncias psicoativa, o legislador mudou a categoria da conduta do crime de embriaguez ao volante de contravenção penal para crime.
Diante disso, em 2008, o legislador ordinário alterou o CTB através da lei 11.705/08 de forma que, tal alteração, foi extremamente criticada tanto pela doutrina como pela jurisprudência, embora na prática tenha acarretado a diminuição dos acidentes de trânsito causados por conta da infeliz combinação de “direção + álcool”.
A principal mudança foi no artigo 306 do Código Brasileiro de Trânsito, para que ficasse com a seguinte redação: “Conduzir veículo automotor na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência constitui o crime conhecido como embriaguez ao volante, sujeitando o infrator as penas de 6 (seis) meses a 3 (três) anos de detenção, multa e suspensão do direito de dirigir veículo automotor.”.
Enquanto que a antiga redação previa a necessidade de que o motorista estivesse dirigindo sob a influência de álcool, o que foi retirado na nova lei com relação ao álcool, porque, como visto acima, o legislador manteve a necessidade de que, no caso de outras substâncias psicoativas que determinem dependência, haja uma efetiva influência no modo de dirigir do agente em decorrência do uso ou da ingestão da substância.
Observa-se, então, que para caracterização deste crime pela legislação comentada era preciso que o condutor tão somente estivesse com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, modificando, assim a natureza do crime e é o que se verá adiante.
Antes do advento da lei 11.705/08, a ocorrência do crime definido pelo art. 306 era de crime de efetiva lesão ao bem jurídico (segurança viária) conforme entendia Capez (2011, p. 339) e Gonçalves (2007, p. 211, apud GOMES e CUNHA, 2011, p.1098), passando a ser de perigo abstrato com advento da Lei 11.705/2008.
O legislador entendeu que conduzir veículo na via pública, encontrando-se o condutor nas condições previstas no art. 306, caput, é por si só, conduta que gera perigo suficiente ao bem jurídico tutelado, de molde a justificar a imposição de pena criminal.
Segundo a visão de Alexandre de Moraes, o crime de perigo concreto para caracterização de crime dessa natureza faz-se necessário que o motorista com seu comportamento tenha exposto a segurança de alguém a perigo efetivo, que deve ser demonstrado caso a caso. Não basta a mera condução anormal do veículo sob efeito de álcool ou substância análoga; deve haver perigo a terceiros. (DE MORAES, 2000, p. 226)
Por entender da mesma maneira, Fernando Capez afirma que o crime de embriaguez ao volante descrito na antiga redação do art. 306 do CTB, não era um crime de perigo abstrato ou concreto, mas crime de efetiva lesão ao bem jurídico, conforme explica adiante:
Em suma, se fosse crime de perigo abstrato, bastaria à acusação a prova da conduta (dirigir em estado de embriaguez), hipótese em que a situação de risco seria presumida; se fosse crime de perigo concreto, seria necessário que se provasse que pessoa certa e determinada fora exposta a situação de risco. Acontece que, no crime de efetiva lesão ao bem jurídico (segurança de trânsito), podia-se concluir que caberia à acusação demonstrar que o agente, por estar sob influência de álcool, dirigiu de forma anormal, ainda que sem expor o risco de determinada pessoa. (CAPEZ, 2011, p. 340)
Porém, com o advento da lei 11.705/08 que mudou a redação do art. 306, não se fazia mais necessária a conduta de que o agente exponha a dano potencial a incolumidade de outrem, bastando que dirigisse embriagado, pois se presume o perigo. Não sendo necessário ainda que a acusação comprove que o agente dirigia de forma anormal, colocando em risco a segurança viária. Basta a prova da embriaguez.
Na visão do professor Luiz Flávio Gomes, o referido artigo não pode ser interpretado como delito de perigo abstrato, que é válido somente no campo administrativo, ele acredita que é inadmissível no âmbito penal por violar o princípio da ofensividade. (GOMES, 2008, p. 31)
Alguns advogados criminalistas também defendem a tese citada pelo professor e argumentam pela inconstitucionalidade da Lei.
O princípio da ofensividade é aquele, segundo o qual, não se deve incriminar uma atitude interna, nem atitudes que não excedam o âmbito do próprio autor ou ainda condutas desviadas que não afetem qualquer bem jurídico. (GRECO, 2005, p. 54)
Para Fernando Capez, há uma grande diferença entre o perigo abstrato e o perigo impossível, já que em nenhum lugar da nossa Constituição Federal encontra-se contida qualquer proibição de tutela ao bem jurídico contra condutas potencialmente lesivas ao mesmo. Ademais, afirma ainda que do mesmo jeito que o Poder Público pode recorrer ao Direito Penal para proibir que um sujeito circule pelas vias públicas com uma arma de fogo carregada, sem autorização legal para tanto, pode também vedar o motorista embriagado de assim circular por ruas e avenidas conduzindo um automóvel. Não é necessário em nenhum desses casos demonstrar que alguém ficou efetivamente exposto a uma situação de perigo concreto. É certo que os dois eventos reduzem o nível de segurança da sociedade. Algo bem diferente é o sujeito portar uma arma totalmente inapta a efetuar disparos, comportamento absolutamente inidôneo à criação de qualquer tipo de perigo. Ao contrário de quem dirige um veiculo automotor sob efeito de álcool ou qualquer outra droga, o perigo é mais que possível, provável. (CAPEZ, 2011, pp. 340 e 341)
Ainda para reforçar a posição do ilustre doutrinador, conforme pesquisa realizada pela UNICAMP[1], pode ser afirmado que um motorista embriagado, mesmo que se sinta lúcido, terá seus reflexos psicomotores desorganizados, por isso é um suicida e um criminoso em potencial, ainda que involuntário.
É inegável que a conduta descrita no mencionado dispositivo legal realmente constitui crime de perigo abstrato, em que, a partir de dados estatísticos, constatou-se a necessidade de antecipar a barreira de proteção da conduta ali tipificada para fins de serem abarcadas pelo direito penal.
Diante da falta de efetividade das sanções administrativas cominadas, tornou-se imperiosa a intervenção do direito penal.
A posição daqueles que entendem pela inconstitucionalidade da lei, com argumento que não existe crime de perigo abstrato na esfera penal é contrária a decisões do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, conforme alguns dos julgados que reconhece a existência do perigo abstrato.
Dessa forma, não há que se falar da inexistência do crime de perigo abstrato na esfera penal, bem como da inconstitucionalidade da lei sobre esse aspecto.
4.1 – Origem da Lei 11.705/08
Sabemos que existe um problema em relação aos acidentes de trânsito diariamente. Nem sempre as leis conseguem atingir seu objetivo de prevenir os acidentes, que em sua grande maioria acontecem devido a motoristas alcoolizados e pouca eficácia no combate à redução de acidentes.
Com a finalidade de reduzir os índices desses acidentes, no dia 21 de janeiro de 2008 foi entregue ao Presidente da República proposta do projeto de lei, que tinha como objetivo dispor sobre a proibição à comercialização de bebidas alcoólicas em rodovias federais e alterar a Lei nº 9.503, 23 de setembro de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro. Na exposição de motivos desse projeto constam vários estudos sobre o consumo de bebidas alcoólicas e problemas ocasionados pelo álcool.
O Projeto de medida provisória n. 415/2008 foi aprovado e convertido na Lei n. 11.705 em 16 de junho de 2008, publicada em 19 de junho do mesmo ano, passando a ter vigência a partir dessa data. O objetivo dessa Lei é estabelecer alcoolemia 0 (zero) e impor penalidades mais severas para o condutor que dirigir sob a influência de álcool, além de restringir o uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas.
Ressalte-se que, conforme informação no site da Organização Mundial de Saúde, a mera presença de qualquer concentração de álcool no organismo humano já tem como consequência efeitos como o aumento do ritmo cardíaco e respiratório, diminuição da atenção e da vigilância e reflexos mais lentos, entre outros.
Considerando-se a amplitude de tais efeitos, não é necessário que o condutor apresente qualquer alteração na forma com a qual dirige seu automóvel, sendo a incidência de qualquer desses efeitos suficientemente apta a colocar em perigo a segurança viária, que é o bem jurídico tutelado pela norma do art. 306 da lei 9503/97.
Ao contrário do que aconteceu nos EUA em 1920 a 1933, que era proibido o consumo e comercialização de bebidas alcoólicas, no Brasil, a lei seca tem um objetivo diferente. Aqui, além da proibição de bebidas alcoólicas ao longo das rodovias federais, seu principal objetivo é impedir o consumo da bebida antes de se dirigir. Tal iniciativa aconteceu devido aos elevados índices de acidentes por embriaguez ao volante que levam a muitas mortes.
As leis mais rigorosas acabam sendo inúteis se não há um poder de fiscalizar as leis já vigentes. O limite não foi definido incorretamente, mas há mortes atrás de mortes por não haver um corpo fiscal capaz de repreender motoristas embriagados e fazer valer a lei.
Por fim, vale ressaltar que no âmbito da lei em questão, sem a prova da materialidade do delito (prova de 0,6 decigramas de álcool por litro de sangue) nem sequer prisão em flagrante poderia haver. De outro lado, sem tal materialidade, não há como comprovar a existência do crime. Havendo prova de que o agente estava bêbado, mas não se comprovando o nível de dosagem alcoólica, punia-se o sujeito pela infração administrativa, mas não há que se falar em delito. Entendimento que era pacífico no STJ.
5 – MUDANÇAS IMPLEMENTADAS AO CTB PELA LEI 12.971/2014
As principais modificações trazidas pela citada Lei Federal nº 12.971/2014, em síntese, são inerentes aos quatro delitos do CTB: o homicídio culposo e a lesão corporal culposa na direção de veículo automotor (arts. 302 e 303), a “embriaguez ao volante” (art. 306) e o “racha” (art. 308).
No art. 302, foi adicionado o §2º, com a intenção de se estabelecer uma qualificadora para o delito do caput com a intenção de impor maior rigor quando se tratar de homicídio culposo cometido por motorista embriagado álcool ou outra substância psicoativa, ou nos casos em que o agente participa de “racha”. Assim preceitua:
§ 2º - Se o agente conduz veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência ou participa, em via, de corrida, disputa ou competição automobilística ou ainda de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada pela autoridade competente:
Penas - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
No entanto, na prática, a inovação fez com que, no máximo, a sanção possa influir no regime de pena a ser cumprida. Isso ainda, devendo-se considerar apenas nos raros casos nos quais não há possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos ou suspensão condicional da pena. Isso porque, foi mantida a quantidade de pena e o preceito secundário ora previsto apresentou tão somente uma diferenciação na espécie de pena privativa de liberdade, cominando reclusão no lugar da detenção como previsto para o tipo penal do caput.
Com relação à alteração no art. 306, acertadamente e a lei trouxe o teste do bafômetro apenas como mais uma opção de comprovação da embriaguez que também pode ser constatada por sinais que indiquem alteração na capacidade motora e o teste toxicológico, já no §2º do mesmo artigo, disposição estas que não estavam presentes na redação anterior dada pela lei 11.705/2008.
O maior objetivo da dessas alterações no CTB é a preservação da vida humana, direito principal a ser amparado por qualquer ordem jurídica, porque é o pressuposto dos demais direitos.
Após a vigência das alterações, é possível verificar que o índice de acidentes no trânsito com vítimas fatais diminuiu muito.
O fim social desta lei é elevadíssimo, pois busca proteger o bem jurídico de maior importância: a própria vida e, ao protegê-la, cumpre também o princípio fundamental de preservação da dignidade humana (art. 1º, III, CF).
6 - CONCLUSÃO
Diante da grande importância dos meios de transporte para a vida em sociedade, bem como o aumento significativo dos acidentes de trânsito em decorrência da ingestão de bebida alcoólica com o passar dos anos, o legislador brasileiro impôs a partir de 2008 sanções mais graves à conduta de dirigir embriagado.
No ano de 2012, depois de muitas críticas à lei 11.705/12, por definir o crime de embriaguez ao volante através da limitação tão somente à comprovação por teste do bafômetro, alterou o artigo pela lei 12.971/12, a qual definiu mais meios de prova para a comprovação do grave crime em questão.
Embora haja quem ainda defenda que a limitação de dirigir após a ingetsão de álcool é inconstitucionalidade, por supostamente violar os princípios como da liberdade, presunção de inocência e ofensividade, o entendimento pelo qual o Supremo Tribunal Federal tende é pela constitucionalidade da lei.
Tal entendimento se confirma a partir do entendimento consolidado pela doutrina e jurisprudência de que tais direitos não são absolutos e podem ser limitados pelo Estado quando estão em conflito com bens da coletividade.
Foi visto que o maior objetivo da lei em questão é proteger o bem supremo: A Vida, pois ela passou a ser ameaçada cada dia mais pelos motoristas embriagados. Por causa disso, o legislador buscou limitar a liberdade daqueles que bebem antes de dirigir, para resguardar o bem comum. Não quis, nem mesmo proibiu ninguém de beber, mas sim limitou essa liberdade impedindo que se ingerisse bebida alcoólica e depois dirigisse. Do mesmo modo, o direito de locomoção foi respeitado pelo legislador que apenas o restringiu em prol da vida.
Em relação às consequências geradas pelas mudanças trazidas, a principal delas pode ser vista na diminuição do número de acidentes no trânsito. É certo que logo que a lei entrou em vigor, essa diminuição foi bem mais significativa, mas hoje em dia ainda podemos notar uma melhora significativa.
Por fim, verifica-se que as alterações trazidas, apesar de toda polêmica gerada em relação à tolerância zero e sobre sua constitucionalidade, é positiva para a sociedade brasileira, tendo em vista significativa diminuição no índice de acidentes de trânsito, a conscientização dos condutores de veículos automotores de não beber se for dirigir.
Seja pela consciência de cada um ou pelo teste do bafômetro, o fato é que com a vigência da lei, o número de mortes e acidentes nas rodovias e estradas brasileiras diminuiu. A sociedade ganhou em vidas e segurança no trânsito.
7 – REFERÊNCIAS
CAPEZ, F., CURSO DE DIREITO PENAL - V. 4 - Legislação Penal Especial. 6ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2016.
DE JESUS, D., Direito Penal. Parte Geral. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
DE MORAES, A., Coleção Temas Jurídicos. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2000.
GOMES, L. F., Inexistência de perigo abstrato. Revista Jurídica Consulex, ano XI, n. 276, 15 jul. 2008.
GOMES, L.F. e CUNHA, R. S., Legislação criminal especial. 2ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
GRECO, R. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 5ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2016.
HONORATO, C. M., Sanções do Código de Trânsito Brasileiro: Análise das Penalidades e das Medidas Administrativas cominadas na Lei n. 9.503/97. Edição única. Campinas: Millennium Editora Ltda., 2004.
RODRIGUES, J., 500 anos de trânsito no Brasil – Convite a uma viagem. Edição única. Brasilia: Opta Originais Gráficos e Editora Ltda., 2000.
DA SILVA, J. A., Curso de Direito Constitucional Positivo. 22ª ed. São Paulo, Editora Malheiros, 2013.
ABICAIR, B., Abordagem só vale se motorista cometeu infração. Revista Consultor Jurídico. Publicado em 29/07/09. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2009-jul-21/inconcebivel-abordagem-criterio-ver-motorista-bebado>. Acesso em: 10/07/17.
DE CICCO, L. H. S., Saúde e vida online. Publicado em 30 Set. 2008. Disponível em: <http://www.saudevidaonline.com.br/alcool.htm>. Acesso em: 10/07/17.
GOMES, L. F., Lei seca: já não evita mortes e ainda gera impunidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2194, 04/07/09, Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/13100/lei-seca-ja-nao-evita-mortes-e-ainda-gera-impunidade>. Acesso em: 10/07/17.
Nucci, G. S., A Presunção de Inocência e a "Lei Seca", Publicado em: 12/02/09. Disponível em: <http://www.mp.go.gov.br/portalweb/hp/7/docs/a_presuncao_da_inocencia_e_a_lei_seca.pdf>. Acesso em: 10/07/17.
[1] DE CICCO, L. H. S., Saúde e vida online. Publicado em 30 Set. 2008. Disponível em: http://www.saudevidaonline.com.br/alcool.htm. Acesso em: 10/07/17.
Advogada formada pela Universidade Cândido Mendes.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NOGUEIRA, Ana Luiza Rangel. Importância do trânsito na história e as mudanças implementadas no crime de embriaguez ao volante Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 jul 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50483/importancia-do-transito-na-historia-e-as-mudancas-implementadas-no-crime-de-embriaguez-ao-volante. Acesso em: 22 nov 2024.
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