RESUMO: A nova lei processual civil intencionou ser mais célere. Trouxe inovações, tornando o processo judicial mais eficiente. Entretanto, ao prever as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento, não previu expressamente seu cabimento contra decisões envolvendo competência do juízo. O presente artigo pretende mostrar manobras processuais para que a questão seja apreciada antes do recurso de apelação.
PALAVRAS CHAVE: competência, recurso processual, agravo de instrumento.
SUMÁRIO. 1. Introdução 2.Da taxatividade das hipóteses do art. 1015 do NCPC 3. Do caso concreto 4.Da providência tomada no caso concreto 5.Conclusão
1.INTRODUÇÃO
O novo código de processo civil trouxe como princípio baluarte a primazia da resolução do mérito Isso foi uma resposta aos inúmeros entraves processuais insertos no CPC/73 que, de fato, fazia prevalecer normas instrumentais, em detrimento da pacificação social trazida pela resolução de pretensões resistidas.
2. DA TAXATIVIDADE DAS HIPÓTESES DO ART. 1.015 DO NCPC.
Ao tempo em que extinguiu recursos, primou pela celeridade e eficiência processuais. Porém, trouxe também inovações que não trouxeram a rápida solução dos litígios. Dentre elas, foca-se o presente artigo no rol do artigo 1.015, que se refere ao cabimento do agravo de instrumento. Não há previsão expressa de seu cabimento frente decisão de declínio de competência.
Trata-se de um rol taxativo? Jurisprudência recente diz que sim. Vejamos. “Não se conhece de agravo de instrumento interposto fora das hipóteses do art. 1.015 do Código de Processo Civil. É opção política da sistemática atual afastar a compreensão de que toda interlocutória tem que ser recorrível imediatamente.” [1]
3. DO CASO CONCRETO
O que fazer, então, quando o magistrado entende que é incompetente para julgar tal ação e remete os autos a outro magistrado? Seria o ideal lançar mão de mandado de segurança conforme autoriza o art. 5º, inc. II da Lei 12.016/09? Seria tal manobra eficiente?
Essa foi uma questão ocorrida no bojo de um processo judicial real, que felizmente teve um desfecho satisfatório, sem que se precisasse impetrar mandado de segurança para decidir acerca da (in)competência ventilada.
Resguardada a identidade dos polos a fim de evitar qualquer violação de direitos, eis o fato concreto:
A pessoa jurídica “A” celebrou com o Estado “B” o contrato nº 01/2012. Em razão de improbidade identificada, o MP ajuizou ação distribuída para a 1ª Vara da Fazenda Pública. Em 2013, a mesma pessoa jurídica “A” celebrou contrato nº 02/2014 também com o Estado “B”, mas com objetos diferentes. No entanto, o projeto básico continha cláusulas similares, vício no processo licitatório (dispensa indevida), ausência de prévia dotação orçamentária, direcionamento convocatório e falta de análise pela procuradoria competente. O segundo contrato utilizou moldes formais do primeiro. Ajuizada nova ação de improbidade em 2016, referente ao contrato nº 02/2014, pelo Ministério Público, o processo foi distribuído à 2ª Vara da Fazenda Pública. Ouvidas as partes, o juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública declinou sua competência ao juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública, por julgar que a decisão de um processo poderia interferir no julgamento do posterior, em razão da similaridade de objetos.
O processo foi imediatamente remetido a 2ª Vara da Fazenda Pública.
Se estivesse vigente o CPC/73, caberia indubitavelmente agravo de instrumento da decisão, imediatamente, nos termos do seu artigo 522:
Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento. (Redação dada pela Lei nº 11.187, de 2005)
Parágrafo único. O agravo retido independe de preparo.
Ocorre que o atual diploma processual civil prevê as hipóteses de cabimento do Agravo de Instrumento, nos seguintes termos:
Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
I - tutelas provisórias;
II - mérito do processo;
III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem;
IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica;
V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação;
VI - exibição ou posse de documento ou coisa;
VII - exclusão de litisconsorte;
VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;
IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;
X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução;
XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1o;
XII - (VETADO);
XIII - outros casos expressamente referidos em lei.
Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.
Não há, portanto, menção expressa ao cabimento imediato de recurso à decisão de declínio de competência.
O que se tem no panorama atual é que decisões não citadas no referido artigo seriam atacáveis apenas em apelação (ou nas respectivas contrarrazões). Há decisões a respeito, reputando incabível o agravo de instrumento aos casos omissos. Senão vejamos:
PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO MULTIPLA. CONHECIMENTO EM PARTE DO RECURSO. HIPOTESE NÃO ALBERGADA PELO ART. 1.015 DO CPC/15. AGRAVO DE INSTRUMENTO. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. PESSOA JURÍDICA. DOCUMENTOS ANEXADOS. DENOTAM AUSÊNCIA PRESSUPOSTOS LEGAIS. INCAPACIDADE FINANCEIRA NÃO COMPROVADA.
I - O art. 1.015, do Código de Processo Civil, estabelece taxativamente, quais as hipóteses cabe o agravo de instrumento, sendo este recurso restrito aos casos nele estabelecidos.
II - Não há espaço interpretativo para o cabimento de agravo de instrumento contra decisões que não se inserem naquele rol.
III-Não logrando pessoa jurídica em comprovar sua pobreza jurídica, não lhe pode ser concedido o benefício da gratuidade de justiça
IV- Recurso parcialmente conhecido. NEGOU-SE provimento ao agravo de instrumento.
(Acórdão n.961196, 20160020206999AGI, Relator: GILBERTO PEREIRA DE OLIVEIRA 3ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 17/08/2016, Publicado no DJE: 29/08/2016. Pág.: 193/210)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO ATACADA FORA DAS HIPÓTESES DO ART. 1.015 DO CPC. ROL TAXATIVO. RECURSO NÃO CONHECIDO.
Não se conhece de agravo de instrumento interposto fora das hipóteses do art. 1.015 do Código de Processo Civil. É opção política da sistemática atual afastar a compreensão de que toda interlocutória tem que ser recorrível imediatamente.
(Acórdão n.949783, 20160020126340AGI, Relator: CARMELITA BRASIL 2ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 22/06/2016, Publicado no DJE: 27/06/2016. Pág.: 156/168)
Na lição de Fredie Didier Jr., o art. 1.015, III, CPC, prevê o cabimento de instrumento contra decisão interlocutória que rejeita a alegação de convenção de arbitragem prevê o agravo de instrumento, portanto, contra decisão que nega a eficácia a negócio processual que diz respeito à competência, ainda que reflexamente. Para Fredie, seria possível interpretação extensiva do retromencionado artigo, reputando cabível o agravo de instrumento de qualquer decisão sobre a competência do juízo, seja ela relativa ou absoluta[2],
Há decisão no mesmo sentido, conforme se vê a seguir:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO QUE ACOLHE PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA. CABIMENTO. ART. 1.015 DO CPC. INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA E EXTENSIVA. POSSIBILIDADE. CABIMENTO DO RECURSO. DECISÃO MONOCRÁTICA REFORMADA.
I. O Código de Processo Civil de 2015 não contempla a decisão que acolhe a preliminar de incompetência no rol dos pronunciamentos que podem ser impugnados por meio de agravo de instrumento descrito em seu artigo 1.015.
II. Não obstante o caráter exaustivo do catálogo do artigo 1.015, não é vedado o recurso à interpretação extensiva ou analógica de alguma das hipóteses nele listadas, sobretudo com o propósito de favorecer a segurança jurídica e a razoável duração do processo.
III. Se, por um lado, as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento são dispostas numerus clausus, de outro, mostra-se imperioso transigir quanto à possibilidade de extensão de alguma delas a situações dirimidas por decisões substancialmente similares.
IV. Se é agravável a decisão que rejeita a alegação de convenção de arbitragem e, por via de conseqüência, estabelece a competência do órgão jurisdicional, não há razão para excluir da abrangência recursal do agravo de instrumento a decisão que estabelece a competência interna, isto é, a competência de um órgão jurisdicional em face dos demais.
V. De acordo com a inteligência do parágrafo único do artigo 1.015 do Código de Processo Civil, no cumprimento de sentença a decisão sobre a competência do juízo da execução, argüida por meio de impugnação na forma do artigo 525, inciso VI, do mesmo diploma legal, pode ser impugnada mediante agravo de instrumento.
VI. O mesmo pode ocorrer até mesmo no processo de execução, tendo em vista que a incompetência absoluta, muito embora em regra deva ser suscitada por meio de embargos à execução, nos termos do artigo 917, inciso V, do Código de Processo Civil, por força do artigo 64, § 1º, do mesmo Estatuto Processual, "pode ser alegada em qualquer tempo e grau de jurisdição e deve ser declarada de ofício".
VII. A interpretação analógica, também em função desse quadro processual, parece inelutável: se é cabível agravo de instrumento contra decisão acerca de competência no cumprimento de sentença e no processo de execução, deve sê-lo também na fase cognitiva.
VIII. É o que também se verifica no inventário: o juiz considera que a questão que lhe foi submetida extravasa a cognoscibilidade do procedimento especial e remete as partes para as vias ordinárias, com arrimo no artigo 612 do Código de Processo Civil, essa decisão, que versa exatamente sobre competência, também desafia agravo de instrumento nos termos do parágrafo único do artigo 1.015.
IX. Recurso conhecido e provido.
(Acórdão n.978761, 20160020344135AGI, Relator: SÉRGIO ROCHA, Relator Designado: JAMES EDUARDO OLIVEIRA 4ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 19/10/2016, Publicado no DJE: 17/11/2016. Pág.: 529/542)
4. DA PROVIDÊNCIA TOMADA NO CASO CONCRETO
No caso concreto, era necessário lançar mão de qualquer medida processual rápida e eficaz para impedir o declínio de competência, tendo em vista que a remessa dos autos e sua permanência em outro juízo acarretaria atraso na instrução e julgamento. O caso envolvia questão urgente, inadiável, cheia de questões materiais envolvendo políticas de saúde, de forma que se tornou incabível o mandado de segurança.
Desta feita, no caso prático, utilizando a fundamentação de Fredie Didier Jr. interpôs-se agravo de instrumento, requerendo porém, na peça do art. 1.018 do CPC que o juízo de 1º grau (o da 2ª Vara da Fazenda Pública) suscitasse o conflito negativo de competência.
Ressalte-se que a petição prevista no artigo 1.018 do CPC existe para oportunizar o juízo de retratação. Ocorre que no caso concreto, o processo foi de imediato remetido a outro juízo. Diante disso, interpôs-se também ao juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública a peça de aviso de interposição de agravo de instrumento.
O desfecho do caso foi o seguinte: o agravo de instrumento não foi admitido sob o argumento de que a hipótese não estava prevista no rol taxativo do art. 1015 do CPC. Porém, felizmente, o juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública suscitou o conflito negativo de competência, deferindo pedido de petição neste sentido, utilizando os argumentos do agravo de instrumento anexado em cópia. Desse modo, a questão vai ser avaliada antes da apelação.
5. CONCLUSÃO
Assim, embora se questione a possibilidade de mandado de segurança, a depender do caso, a impetração dele pode não surtir o efeito que se espera. Aguardar o momento da apelação para discutir a (in)competência pode ser tarde demais. E não há empecilho no código processual vigente a que uma parte requeira a suscitação do conflito de competência. Tendo em vista não haver posição sedimentada acerca da taxatividade das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento, vale a pena interpô-lo e, ao mesmo tempo, requerer ao juízo para onde foi remetido o processo que suscite conflito de competência.
INDICAÇÃO BIBLIOGRÁFICA
Livros consultados:
DIDIER Jr., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 18. ed Salvador : Ed. Jus Podivm, vol. 1, 2016; f. 237/239;
Sites visitados:
2. MELLO, Rogerio Licastro Torres de. RAMOS, Fabiana Souza. BONAGURA, Anna Paola. MONTANS, Renato. O agravo de instrumento e o rol do art. 1.015 do novo CPC: taxatividade? Disponível em: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI235291,81042O+agravo+de+instrumento+e+o+rol+do+art+1015+do+novo+CPC+taxatividade. Acessi em 09/10/2017.
3. SOUZA, Hilton de. O agravo de instrumento no atual Código de Processo Civil. Ambito Jurídico. Rio Grande. no site http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=17530. Acesso em 10/10/2017.
Analista processual do Ministério Público do Distrito Federal E Territórios. Pós graduanda em Direito Administrativo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERNANDES, Camila Padilha. Qual medida processual tomar quando um juiz declina sua competência? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 out 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50870/qual-medida-processual-tomar-quando-um-juiz-declina-sua-competencia. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Por: PRISCILA GOULART GARRASTAZU XAVIER
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