RESUMO: A compensação ambiental prevista no art. 36, da Lei nº 9.985/00 sempre foi objeto de constantes debates doutrinários e jurisprudenciais, que vão desde a definição da sua natureza jurídica até o questionamento da própria constitucionalidade do instituto. Reconhecida a sua natureza reparatória, pretende o presente estudo fazer uma análise sobre os reflexos do pagamento da compensação ambiental na definição da responsabilidade civil objetiva do empreendedor por dano verificado após o licenciamento. Com base no entendimento do Superior Tribunal de Justiça, objetivou-se demonstrar que, por contemplar apenas a reparação por danos previsíveis e inevitáveis do empreendimento, o valor pago a título de compensação ambiental não pode servir para afastar eventual responsabilidade posterior do empreendedor por prejuízos não considerados ao longo do licenciamento.
Palavras-Chave: Direito Ambiental; Compensação ambiental; Responsabilidade civil objetiva.
Sumário: 1. INTRODUÇÃO; 2. A COMPENSAÇÃO AMBIENTAL; 2.1 Conceito e natureza jurídica; 2.2 Critérios para definição do valor pago a título de compensação; 3. COMPENSAÇÃO AMBIENTAL E RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO EMPREENDEDOR NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA; 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS; 5 REFERÊNCIAS
1 INTRODUÇÃO
Nos termos do que dispõe o art. 36, da Lei nº 9.985/00, nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, o empreendedor será obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral. A esse apoio previsto na lei, concretizado a partir da destinação de determinada quantia pelo empreendedor, com base nos estudos técnicos realizados pelo órgão licenciador, comumente é atribuída a denominação “compensação ambiental”.
Mais do que um simples nome, a compensação ambiental representa atualmente um objeto de estudo de importância singular no Direito Ambiental. Os debates doutrinários em torno de sua aplicabilidade vão desde a definição da natureza jurídica do instituto, até os critérios que devem ser observados pelo órgão licenciador para a definição dos valores cobrados do empreendedor.
Também na jurisprudência dos Tribunais Superiores, a compensação ambiental é objeto de intensas discussões. Como exemplo mais significativo desse contexto, pode-se citar o julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal no ano de 2008, referente à ADI nº 3378/DF, ajuizada pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI), que questionou justamente os parágrafos 1º, 2º e 3º, do artigo 36 da Lei n. 9.985/00. Naquela oportunidade, apesar de reconhecer a constitucionalidade do instituto, a Suprema Corte declarou a inconstitucionalidade da expressão “não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais para implantação do empreendimento”, prevista no § 1º do dito artigo 36 da Lei n. 9.985/00, entendimento este que reacendeu ainda mais os debates sobre o tema.
Assim, em razão da relevância prática do instituto, pretende o presente artigo, sem a intenção de esgotar a matéria, trazer os aspectos relacionados a um dos principais questionamentos atualmente existentes sobre a compensação ambiental. Especificamente, a partir do reconhecimento da natureza indenizatória do instituto, pretende-se fazer uma análise sobre os reflexos do pagamento da compensação ambiental na definição da responsabilidade civil objetiva do empreendedor por dano verificado após o licenciamento. Nesse intuito, utiliza-se, como base de estudo, a jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça.
2 A COMPENSAÇÃO AMBIENTAL
2.1 Conceito e natureza jurídica
Nas palavras de Garcia e Silva:
A compensação ambiental, também denominada “compartilhamento-compensação ambiental” pelo Exmo. Min. Do STF Carlos Ayres Britto, é um instrumento econômico de compensação dos impactos ambientais causados por determinadas atividades, onde o empreendedor deverá compartilhar com o Poder Público e com a sociedade os custos advindos da utilização dos recursos naturais e da implementação de instrumentos de prevenção, controle e reparação dos impactos negativos ao meio ambiente. (GARCIA; SILVA, 2015, p. 354).
Tal compensação é paga durante o processo de licenciamento e, portanto, antes das atividades da empresa. Seu fundamento é o de que toda atividade possui impactos ao meio ambiente e a prestação pecuniária tem a função de compensar os prejuízos que serão causados, com base nos estudos ambientais. Busca reparar os impactos negativos que serão inevitavelmente causados pelo empreendimento, impossíveis de serem mitigados.
Como explicam Milaré e Artigas (2006), a compensação ambiental serve como um contrapeso à coletividade pela utilização de recursos naturais que, mesmo por meio de atividade licenciada, levem a prejuízos ambientais. Segundo os autores, mesmo com os danos eventualmente ocasionados pela ação do empreendedor (custos sociais externos), a compensação ambiental serviria para diminuí-los e proporcionar o desenvolvimento econômico e social, ancorada no princípio do poluidor-pagador.
Para Paulo Affonso Leme Machado (2003), a compensação ambiental é uma contribuição financeira baseada no princípio do usuário-pagador, antecipando possíveis cobranças por danos ambientais. Segundo o autor, o referido instrumento leva à prática os princípios do usuário pagador, do poluidor-pagador, da prevenção, da precaução e da reparação.
Especificamente sobre a natureza jurídica do instituto, observa-se que a doutrina se divide, basicamente, entre três principais classificações. Para uma primeira parcela, capitaneada por autores como Edis Milaré e Priscila Santos Artigas, a compensação ambiental possuiria natureza de tributo. Já para outra parte de autores, como Ricardo Carneiro, o instituto constituiria verdadeiro preço público, fundamentado no princípio do usuário-pagador. Finalmente, para uma terceira corrente, a compensação ambiental possuiria natureza reparatória, de indenização por futuros danos ambientais.
Nesse último sentido, defende Ericka Bechara o seguinte:
Pelo entendimento que temos da compensação ambiental, fazemos coro à corrente que sustenta ser ela uma reparação de danos ambientais futuros, ou seja, uma reparação antecipada ou ex ante, devida em virtude de danos não mitigáveis/não evitáveis, identificados antes mesmo de sua ocorrência concreta, quando do licenciamento ambiental da atividade. (BECHARA, 2009, p. 194-195)
No âmbito da jurisprudência dos Tribunais Superiores, observa-se que o Superior Tribunal de Justiça também tem adotado esse último posicionamento, atribuindo à compensação uma natureza indenizatória, a exemplo do entendimento firmado no Recurso Especial n. 896.863/DF, que será analisado adiante em tópico próprio.
Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal, apesar de ter se debruçado sobre diversos aspectos do instituto, quando da análise da ADI nº 3378/DF, ainda não possui uma posição específica sobre o tema. Com efeito, da análise dos fundamentos presentes no acórdão de julgamento da referida ADI, percebe-se que, apenas de passagem, o Ministro Ayres Brito também demonstrou a tendência do reconhecimento da natureza indenizatória do instituto, ao afirmar que os valores pagos pelo empreendedor são “os custos de prevenção, controle e reparação dos impactos negativos ao meio ambiente”.
Assim, sem embargo da identificação da presença de características próprias de outros institutos do Direito, parece-nos mais apropriado considerar, de fato, a natureza indenizatória/reparatória da compensação ambiental, servindo o instrumento, fundamentalmente, à reparação dos impactos inevitáveis que o empreendimento a ser licenciado irá causar.
2.2 Critérios para definição do valor pago a título de compensação
Quanto aos parâmetros que devem ser observados na fixação do valor a ser pago pelo empreendedor a título de compensação ambiental, inicialmente mostra-se importante a transcrição da ementa do julgado da citada ADI nº 3378/DF, no qual foi estabelecido a inconstitucionalidade da expressão "não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento", prevista no § 1º do art. 36 da Lei nº 9.985/2000, in verbis:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 36 E SEUS §§ 1º, 2º E 3º DA LEI Nº 9.985, DE 18 DE JULHO DE 2000. CONSTITUCIONALIDADE DA COMPENSAÇÃO DEVIDA PELA IMPLANTAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS DE SIGNIFICATIVO IMPACTO AMBIENTAL. INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DO § 1º DO ART. 36. 1. O compartilhamento-compensação ambiental de que trata o art. 36 da Lei nº 9.985/2000 não ofende o princípio da legalidade, dado haver sido a própria lei que previu o modo de financiamento dos gastos com as unidades de conservação da natureza. De igual forma, não há violação ao princípio da separação dos Poderes, por não se tratar de delegação do Poder Legislativo para o Executivo impor deveres aos administrados. 2. Compete ao órgão licenciador fixar o quantum da compensação, de acordo com a compostura do impacto ambiental a ser dimensionado no relatório - EIA/RIMA. 3. O art. 36 da Lei nº 9.985/2000 densifica o princípio usuário-pagador, este a significar um mecanismo de assunção partilhada da responsabilidade social pelos custos ambientais derivados da atividade econômica. 4. Inexistente desrespeito ao postulado da razoabilidade. Compensação ambiental que se revela como instrumento adequado à defesa e preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações, não havendo outro meio eficaz para atingir essa finalidade constitucional. Medida amplamente compensada pelos benefícios que sempre resultam de um meio ambiente ecologicamente garantido em sua higidez. 5. Inconstitucionalidade da expressão "não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento", no § 1º do art. 36 da Lei nº 9.985/2000. O valor da compensação-compartilhamento é de ser fixado proporcionalmente ao impacto ambiental, após estudo em que se assegurem o contraditório e a ampla defesa. Prescindibilidade da fixação de percentual sobre os custos do empreendimento. 6. Ação parcialmente procedente. (STF. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 3378 - DF , Relator: Ministro CARLOS BRITTO, Data de Julgamento: 09/04/2008. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publ. 20-06-2008)
Logo, nos termos do que restou decidido pelo Supremo Tribunal Federal, afastada a aplicação do percentual mínimo de meio por cento dos custos totais para a implantação do empreendimento, “o valor da compensação-compartilhamento é de ser fixado proporcionalmente ao impacto ambiental, após estudo em que se assegurem o contraditório e a ampla defesa”.
Já no campo da normatividade, necessário ressaltar o disposto no art. 31 do Decreto n. 4.340/02, que regulamenta a Lei nº 9.985/00 e detalha a forma como o cálculo da compensação ocorrerá:
Art. 31. Para os fins de fixação da compensação ambiental de que trata o art. 36 da Lei no 9.985, de 2000, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA estabelecerá o grau de impacto a partir de estudo prévio de impacto ambiental e respectivo relatório - EIA/RIMA, ocasião em que considerará, exclusivamente, os impactos ambientais negativos sobre o meio ambiente.
§ 1o O impacto causado será levado em conta apenas uma vez no cálculo.
§ 2o O cálculo deverá conter os indicadores do impacto gerado pelo empreendimento e das características do ambiente a ser impactado.
§ 3o Não serão incluídos no cálculo da compensação ambiental os investimentos referentes aos planos, projetos e programas exigidos no procedimento de licenciamento ambiental para mitigação de impactos, bem como os encargos e custos incidentes sobre o financiamento do empreendimento, inclusive os relativos às garantias, e os custos com apólices e prêmios de seguros pessoais e reais.
§ 4o A compensação ambiental poderá incidir sobre cada trecho, naqueles empreendimentos em que for emitida a licença de instalação por trecho. (BRASIL, 2002)
Esclarecendo tais disposições normativas, Garcia e Silva explicam que:
Para os fins de fixação da compensação ambiental, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA estabelecerá o grau de impacto a partir do estudo prévio de impacto ambiental e respectivo relatório – EIA/RIMA, ocasião em que considerará, exclusivamente, os impactos ambientais negativos sobre o meio ambiente. Importante observar que não serão incluídos no cálculo da compensação ambiental os investimentos referentes aos planos, projetos e programas exigidos no procedimento de licenciamento ambiental para mitigação de impactos ambientais. Esclarece Milaré que a “(...) metodologia de cálculo da compensação ambiental não mais poderá se basear nos custos totais previstos para a implantação do empreendimento (...), pois o valor exigido deve se relacionar com o real impacto negativo e não mitigável a ser causado ao meio ambiente (...) os recursos que o empreendedor despender têm, em princípio, uma relação direta com a área em que os prejuízos ambientais possam ocorrer”. O objetivo da norma é excluir do cálculo da fixação da compensação ambiental investimentos a serem feitos pelo empreendedor em benefício da proteção ambiental. (GARCIA; SILVA, 2015, p. 357).
Dessa forma, em termos gerais, uma vez afastada a aplicação do percentual mínimo de meio por cento dos custos totais para a implantação do empreendimento, deve-se fixar o valor da compensação de modo proporcional, possibilitando-se sempre a participação do empreendedor ao longo do procedimento, a fim de que o contraditório e a ampla defesa sejam assegurados.
Ademais, sobre o procedimento específico a ser adotado, nos termos do que disciplina o art. art. 31 do Decreto n. 4.340/02, competirá ao IBAMA, com base no estudo prévio de impacto ambiental e respectivo relatório - EIA/RIMA, definir o grau de impacto da atividade. Nesse cálculo, somente poderão ser levados em conta os impactos negativos do empreendimento, sendo afastado, por via de consequência, os custos realizados pelo empreendedor em benefício da proteção ambiental.
3 COMPENSAÇÃO AMBIENTAL E RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO EMPREENDEDOR NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
De um modo geral, na esteira do assente entendimento adotado pelos Tribunais Superiores, a responsabilidade civil ambiental encontra-se pautada na teoria objetiva do risco integral, segundo a qual deve ser responsabilizado pelos danos ambientais todo aquele que exerce uma atividade de risco, não se admitindo, para essa hipótese, o reconhecimento da existência de eventuais excludentes de nexo causal, a exemplo do caso fortuito e força maior.
Nesse sentido, transcreve-se trecho de julgado paradigma do Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO. DANO AMBIENTAL. SANÇÃO ADMINISTRATIVA. IMPOSIÇÃO DE MULTA. EXECUÇÃO FISCAL. 1. Para fins da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, art 3º, entende-se por: I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; II - degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente; III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lançem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos; 2. Destarte, é poluidor a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental; 3. O poluidor, por seu turno, com base na mesma legislação, art. 14 - "sem obstar a aplicação das penalidades administrativas" é obrigado, "independentemente da existência de culpa", a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, "afetados por sua atividade". 4. Depreende-se do texto legal a sua responsabilidade pelo risco integral, por isso que em demanda infensa a administração, poderá, inter partes, discutir a culpa e o regresso pelo evento [...]. (STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 442586 - SP, Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 24/02/2003.)
Cabe destacar, por outro lado, que do ponto de vista da responsabilidade civil do empreendedor, a aplicação da teoria objetiva do risco integral, justamente por se basear unicamente no risco da atividade desenvolvida, faz com que seja irrelevante qualquer averiguação sobre a licitude ou ilicitude da conduta do agente. Em outras palavras, uma vez constatado o dano ambiental, será irrelevante verificar se o poluidor agiu ou não em desacordo com os padrões estabelecidos pela licença que autorizou o desenvolvimento da atividade. De toda forma, sendo lícita ou ilícita a conduta, haverá a responsabilização civil pelo dano causado.
Nesse contexto, Maria Izabel de Matos Rocha salienta que:
A permissão de atividade, mediante certos requisitos, e o fato de a empresa estar agindo com a observância desses requisitos não exclui a responsabilidade, pois não se trata de analisar a violação de uma norma preestabelecida, mas de verificar se houve dano causado pelo risco dessa atividade. (ROCHA, 1996, p. 145).
No mesmo norte, encontra-se a seguinte afirmação de José Afonso da Silva:
Não libera o responsável nem mesmo a prova de que atividade foi licenciada de acordo com o respectivo processo legal, já que as autorizações e licenças são outorgadas com a inerente ressalva de direitos de terceiros; nem que exerce a atividade poluidora dentro dos padrões fixados, pois isso não exonera o agente de verificar, por si mesmo, se sua atividade é ou não prejudicial, se está ou não causando dano. (SILVA, 2002, p. 314).
Todavia, em que pese ser de fácil compreensão o dever do empreendedor responder por todos os danos ambientais causados por sua atividade, sendo ela lícita ou não, o mesmo não ocorre quanto à obrigação de reparar os prejuízos causados em decorrência do desenvolvimento de empreendimento que já fora objeto de prévia compensação, nos moldes do que determina o § 1º do artigo 36 da Lei n. 9.985/00, ora objeto de análise.
De fato, no caso concreto, a verificação do pagamento prévio de certa quantia a título de compensação ambiental, como condicionante para a obtenção da licença ambiental, pode gerar a falsa ideia de que todos os danos futuros causados pelo empreendimento já se encontram devidamente reparados pelo empreendedor, sendo inviável qualquer responsabilização posterior, quando da efetiva constatação do prejuízo.
Essa falsa percepção é reforçada pela atribuição de natureza jurídica reparatória à compensação, bem como pela análise do procedimento adotado para a quantificação do valor a ser pago previamente pelo empreendedor, nos moldes como acima exposto.
Com efeito, em uma análise superficial do instituto, considerando-se que a compensação ambiental foi pensada justamente para reparar os efeitos negativos futuros do empreendimento, não seria razoável a posterior responsabilização do empreendedor por danos causados no desenvolvimento regular da atividade licenciada, sob pena de configuração de verdadeiro bis in idem.
Esse, contudo, não é o entendimento que deve prevalecer na prática. Isso porque, conforme acima ressaltado, a compensação ambiental somente se justifica em relação aos danos inevitáveis do empreendimento, não se prestando à reparação dos prejuízos que, sob qualquer aspecto, seriam passíveis de sofrer certa mitigação.
Nesse ponto, desde logo é pertinente notar que, caso seja comprovado no futuro que determinado dano causado pelo empreendimento poderia ter sido evitado com medidas preventivas mitigadoras, somente com base nessa constatação já seria possível o reconhecimento de novo dever de indenizar, ainda que presente o pagamento de compensação anterior, na fase de licenciamento.
Qualquer interpretação que se afaste dessa conclusão extrapola, inevitavelmente, os limites de aplicação do próprio princípio do poluidor-pagador, um dos vetores fundantes do instituto da compensação ambiental. Conforme ensina a melhor doutrina sobre o tema, apesar de ser dirigido à responsabilização do causador do dano ambiental, o princípio do poluidor-pagador não pode ser entendido como uma autorização para a poluição a qualquer preço, de modo a admitir a degradação até naquelas hipóteses em que seria possível a mitigação dos prejuízos.
Sobre esse aspecto, esclarecedoras são as lições de Frederico Amado:
Ressalte-se que este Princípio não deve ser interpretado de forma que haja abertura incondicional à poluição, desde que se pague (não é pagador-poluidor), só podendo o poluidor degradar o meio ambiente dentro dos limites de tolerância previstos na legislação ambiental, após licenciado. (AMADO, 2014, p.94)
Assim, havendo a ocorrência de danos evitáveis, não poderá o empreendedor se valer da compensação paga anteriormente como forma de evitar a incidência de responsabilização civil pelos prejuízos ambientais causados pelo empreendimento. A reparação decorrente da compensação ambiental, nessas circunstâncias, a contrário senso, somente deve ficar restrita àqueles danos inevitáveis, que decorram da natureza da própria atividade desenvolvida pelo empreendedor, já considerados pelo órgão licenciador na fase de definição do quantum indenizatório.
Esse, a propósito, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSO CIVIL E AMBIENTAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC.OMISSÃO NÃO CONFIGURADA. COMPENSAÇÃO AMBIENTAL. ART. 36 DA LEI Nº 9.985/2000.1. Não há violação do art. 535 do CPC quando o Tribunal de origem resolve a controvérsia de maneira sólida e fundamentada. 2. O artigo 36 da Lei n.º 9.985/2000 prevê o instituto de compensação ambiental com base em conclusão de EIA/RIMA, de que o empreendimento teria significativo impacto ambiental e mensuração do dano previsível e indispensável a sua realização. 3. A compensação tem conteúdo reparatório, em que o empreendedor destina parte considerável de seus esforços em ações que sirvam para contrabalançar o uso de recursos naturais indispensáveis à realização do empreendimento previsto no estudo de impacto ambiental e devidamente autorizados pelo órgão competente. 4. O montante da compensação deve ater-se àqueles danos inevitáveis e imprescindíveis ao empreendimento previsto no EIA/RIMA, não se incluindo aqueles que possam ser objeto de medidas mitigadoras ou preventivas. 5. A indenização por dano ambiental, por seu turno, tem assento no artigo 225, § 3º, da Carta da Republica, que cuida de hipótese de dano já ocorrido em que o autor terá obrigação de repará-lo ou indenizar a coletividade. Não há como se incluir nesse contexto aquele foi previsto e autorizado pelos órgãos ambientais já devidamente compensado. 6. Os dois institutos têm natureza distinta, não havendo bis in idem na cobrança de indenização, desde que nela não se inclua a compensação anteriormente realizada ainda na fase de implantação do projeto .7. O pleito de compensação por meio do oferecimento de gleba feito previamente pelo Governo do Distrito Federal como meio de reparar a construção da estrada em área de conservação não pode ser acolhido, seja pela inexistência de EIA/RIMA - requisito para aplicação do artigo 36 da Lei nº 9.985/2000-, seja pela existência de danos que não foram identificados nos relatórios técnicos que justificaram a dispensa do estudo.8. A indenização fixada em R$ 116.532,00 (cento e dezesseis mil,quinhentos e trinta e dois reais) já se justificaria pela existência dos danos ambientais gerados pela obra que não foram contemplados por medidas que os minorassem ou evitassem. O simples fato de o Governo do Distrito Federal gravar determinado espaço como área de conservação ambiental não lhe permite degradar como melhor lhe aprouver outra extensão da mesma unidade sem observar os princípios estabelecidos na Carta da Republica .9. Recursos especiais não providos. (STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 896.863 - DF, Relator: Ministro CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 19/05/2011, T2 - SEGUNDA TURMA)
Como se vê, no julgado acima, de modo acertado, a Corte Cidadã afastou a possibilidade de consideração dos valores pagos a título de compensação, sob o argumento de que os danos causados pelo empreendimento não haviam sido anteriormente reconhecidos pelo órgão ambiental licenciador. Dessa forma, por extrapolar o dano previsto na época do licenciamento, o prejuízo ambiental decorrente do empreendimento foi objeto de específica responsabilização, que desconsiderou o valor anteriormente pago a título de compensação.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenvolvimento de uma atividade econômica, por mais simples que seja, sempre será capaz de causar prejuízos ao meio ambiente. Justamente por serem inevitáveis, esses impactos devem sempre ser objeto de redobrada atenção do órgão ambiental responsável pela autorização da atividade. Em simples palavras, todo processo de licenciamento deverá possuir, obrigatoriamente, uma fase em que caberá ao órgão responsável avaliar e quantificar precisamente quais serão os danos inevitáveis do empreendimento. Somente a partir dessa análise é que, então, será possível calcular os riscos que a atividade representa ao meio ambiente.
Nesse contexto foi pensado o instituto da compensação ambiental. Com efeito, de acordo com previsão contida no art. 36, da Lei nº 9.985/00, sempre que o órgão ambiental licenciador identificar a presença de uma atividade que envolva significativo impacto ambiental, deverá cobrar, como contrapartida, um percentual do valor do empreendimento, a ser destinado à implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral.
Em tais circunstâncias, como visto acima, há uma verdadeira antecipação da reparação pelos danos ínsitos ao desenvolvimento da atividade de significativo impacto ambiental. Como resultado da aplicação de princípios típicos do Direito Ambiental, a exemplo do usuário-pagador e poluidor-pagador, objetivou a norma legal já, de antemão, impor uma obrigação reparatória prévia àqueles danos que são da própria natureza da atividade econômica desenvolvida. Por certo, se os danos do empreendimento irão repercutir em todos, dada a própria essência difusa do meio ambiente, nada mais justo que o empreendedor, maior beneficiário dos lucros da atividade, já antecipe, quando possível, a reparação dos prejuízos quantificados pelo órgão licenciador.
No entanto, de modo algum, o pagamento da compensação ambiental pode ser entendido como uma autorização desmedida para poluir. De fato, a teor do que ratifica o Superior Tribunal de Justiça, importante sempre ressaltar que a reparação contemplada pela compensação ambiental abarca tão apenas os danos inevitáveis do empreendimento, ou seja, aqueles que, sob qualquer aspecto, são impassíveis de sofrer qualquer tipo de mitigação. Naturalmente, caso ocorram outros danos ao longo do desenvolvimento da atividade econômica, seja por terem sido desconsiderados no momento do licenciamento, seja por extrapolarem os prejuízos inicialmente considerados, deverá incidir normalmente a responsabilização civil objetiva típica da seara ambiental.
5 REFERÊNCIAS
AMADO, Frederico Augusto Di Trindade. Direito ambiental esquematizado. 5.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
BECHARA, Érika. Licenciamento e compensação ambiental. Atlas: 2009.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL Nº 442586 - SP, Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 24/02/2003. Disponível em: . Acesso em: Out. 2017.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL Nº 896.863 - DF, Relator: Ministro CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 19/05/2011, T2 - SEGUNDA TURMA. Disponível em: . Acesso em: Out. 2017.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 3378 - DF , Relator: Ministro CARLOS BRITTO, Data de Julgamento: 09/04/2008. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publ. 20-06-2008. Disponível em: . Acesso em: Out. 2017.
GARCIA, Leonardo de Medeiros e SILVA, Romeu Faria Thomé. Direito Ambiental. 8ª ed. Salvador: Juspodivm, 2015.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2003.
MILARÉ, Édis e ARTIGAS, Priscila Santos. Compensação ambiental: questões controvertidas. Revista de Direito Ambiental, n. 43, jul-set. 2006. São Paulo: RT
ROCHA, Maria Izabel de Matos. Reparação de Danos Ambientais. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, v.5, n.19, Jul./ Set, 1996.
SILVA, José Afonso. Direito Ambiental Constitucional. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LUIZA TEODORO DE MENDONçA, . Reflexos da compensação ambiental no âmbito da responsabilização civil objetiva por dano ocorrido após o licenciamento Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 nov 2017, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50963/reflexos-da-compensacao-ambiental-no-ambito-da-responsabilizacao-civil-objetiva-por-dano-ocorrido-apos-o-licenciamento. Acesso em: 22 nov 2024.
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