RESUMO: O presente artigo parte do conceito de crime e de seu estudo doutrinário pelo direito criminal tendo por objetivo primeiro discorrer sobre seus conceitos teóricos envolvendo três acepções: material, formal e analítico; por meio da compreensão desses enfoques é possível construir a Teoria do Crime (ou Delito), ideologia que estuda o crime como fato punível, do ponto de vista jurídico e que estabelece e analisa suas características gerais. A partir disso, passa-se ao estudo do crime que se justifica por meio de elementos que o integram, a saber: tipicidade, ilicitude e punibilidade. Estes se compõem de outros elementos ou requisitos cujo ponto de partida é a tipicidade (composta pela conduta, nexo causal, resultado e tipicidade). A explanação é importante para que se possam trabalhar as teorias da conduta. Dessa forma, há de se compreender que cada teoria está ligada a um contexto histórico que justifica a evolução do crime e suas características. A partir disso passa-se à compreensão geral do segundo elemento do crime (ilicitude), até que se possa adentrar na culpabilidade. Esta contém uma análise mais profunda, cuja compreensão se fundamenta nas teorias da culpabilidade (diga-se de passagem, com estreita relação com as teorias do crime) e comporta como requisito a “potencial consciência da ilicitude”, donde busca se justificar no erro de proibição, meio de verificar se nas condições em que se encontrava o agente tinha ele condições de compreender que o fato que praticou era ilícito. O objetivo final deste artigo é exatamente traçar este parâmetro, que é pouco conhecido e pouco apreciado na dogmática penal: valoração paralela na esfera do profano.
Palavras chave: Crime. Teoria do crime. Valoração paralela na esfera do profano.
ABSTRACT: This article sought to explain the work of the prisoner in the prison units and questioned the instrumentalization of work as an effective resocialization of the victim. The present study, focused on the area of Criminal Law and Criminal Procedural Law, also sought to elucidate better explanations about the prison system and the remission of the sentence. Therefore, the norms applicable to the execution of the sentence and social labor legislation, legal institutes were prepared to analyze the topic in question and that give the sentenced rights for their resocialization.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Conceito de crime. 2. Fato típico. 2.1. Conduta. 2.1.1 Teorias da conduta. 2.1.1.1 Teoria naturalista ou causal. 2.1.1.2 A corrente neoclássica ou neokantista. 2.1.1.3 A teoria finalista da ação. 2.1.1.4 Teoria social da ação. 2.1.1.5 Teoria funcional. 3. Ilicitude. 4. Culpabilidade. 4.1 Evolução histórica da culpabilidade na teoria do delito. 4.2 Teorias da culpabilidade. 4.2.1 Teoria psicológica da culpabilidade. 4.2.2 Teoria psicológico-normativa ou normativa da culpabilidade. 4.2.3 Teoria normativa pura da culpabilidade. 4.2.4 Teoria estrita ou extremada da culpabilidade. 4.2.5 Teoria limitada da culpabilidade. 4.3 Potencial consciência da ilicitude. 4.3.1 Erro de proibição. 4.3.1.1 Valoração paralela na esfera do profano. 5. Referências.
INTRODUÇÃO
A responsabilização por comportamentos antissociais, assim como a recompensa por comportamentos socialmente úteis, conferem a tônica necessária para que seja possível viver em sociedade. A prática de um comportamento contrário à norma, que cause um dano a um bem juridicamente tutelado, inevitavelmente causa um abalo à ordem jurídico-social, e a conseqüente responsabilização do indivíduo causador deste comportamento anti-social é imprescindível, para que este abalo não venha a se transformar em ruptura do tecido social.
Para que esta ordem jurídico-social seja mantida, possibilitando o existir da sociedade, faz-se necessário que esta responsabilidade seja corretamente atribuída ao agente. E isto se realiza - sem prejuízo da análise de uma tipicidade e de uma antijuridicidade - principalmente por um juízo de valoração que permita justificar porque o sujeito é reprovado, afinal o princípio da culpabilidade é um dos pilares do moderno Direito Penal do Estado Democrático de Direito, "Nulla poena sine culpa".
O estudo da culpabilidade consiste na pesquisa de “defeitos” na formação da vontade antijurídica, a saber: a) na área da capacidade de vontade, por meio de defeitos orgânicos ou funcionais do aparelho psíquico; b) na área do conhecimento do injusto, sob análise de condições internas negativas do conhecimento real do que faz um indivíduo, expressas no erro de proibição; c) na área de exigibilidade, por meio de condições externas negativas do poder de não fazer o que faz: as situações de exculpação, determinantes de conflitos, pressões, perturbações, medos etc.[1]
É importante destacar que o elemento estruturante do conhecimento do injusto, como essencial à culpabilidade, sua própria razão de ser, pela imprescindibilidade do autor saber realmente que o que faz é contrário à norma, e para isto, relevante é a questão acerca do que consiste "o substrato psíquico mínimo de conhecimento do injusto para configurar a consciência da antijuridicidade do fato"[2]. Realmente, é imprescindível precisar o que o autor deve saber para ter conhecimento do injusto do fato e, assim, poder existir a reprovação.
Assim, procurou-se no presente trabalho, delimitar o que seria o objeto do conhecimento do injusto, a partir das principais teorias que tratam sobre o assunto, e com base nesta delimitação crítica, buscou-se a análise de critério (valoração paralela na esfera do profano) por vezes esquecido pela jurisprudência e doutrina, que podem questionar a concretude e real existência das condições internas negativas do conhecimento real do que se faz, expressas no erro de proibição, que afastam a culpabilidade do agente.
1. CONCEITO DE CRIME
De acordo com Fernando Capez,
o Direito Penal é o segmento do ordenamento jurídico que detém a função de selecionar os comportamentos humanos mais graves e perniciosos à coletividade, capazes de colocar em risco valores fundamentais para a convivência social, e descrevê-los como infrações penais, cominando-lhes, em conseqüência, as respectivas sanções, além de estabelecer todas as regras complementares e gerais necessárias à sua correta e justa aplicação.[3]
Trata-se, pois, de um conjunto de normas que regulam a atividade punitiva do Estado e que de forma racional determinam os modos e limites dentro dos quais deve se exercitar, bem como disciplinam as relações jurídicas daí derivadas para estabelecer a aplicabilidade de uma pena ou medida de segurança na eventual ocorrência de um crime.
Mas o que se entende por crime?
Em verdade o conceito de crime é artificial, ou seja, independe de fatores naturais, constatados por um juízo de percepção sensorial, uma vez que torna impossível classificar uma conduta, ontologicamente, como criminosa.
De fato é a sociedade quem cria o crime, qualificativo que reserva às condutas ilícitas mais gravosas e merecedoras de maior rigor punitivo. A partir disso, verifiquem-se os três prismas dispensados ao conceito de crime: material, formal e analítico.
O primeiro diz respeito àquele que busca estabelecer a essência do conceito, ou seja, o porquê de determinado fato ser considerado criminoso e outro não. Sob esse enfoque, crime pode ser definido como todo fato humano que, propositada ou descuidadamente, lesa ou expõe a perigo bens jurídicos considerados fundamentais para a existência da coletividade e da paz social.
Sob o aspecto formal o conceito de crime resulta da mera subsunção da conduta ao tipo legal e, portanto considera-se infração penal tudo aquilo que o legislador descreve como tal, pouco importando o seu conteúdo.
O aspecto analítico é aquele que busca, sob um prisma jurídico, estabelecer os elementos estruturais do crime. A finalidade desse enfoque é propiciar a correta e mais justa decisão sobre a infração penal e seu autor, fazendo com que o julgador ou intérprete desenvolva o seu raciocínio em etapas.
Aqui se insere o estudo da teoria do crime[4] (ou delito), onde busca ampliar os conhecimentos sobre a origem do crime, isto é, sua história, como também os seus principais doutrinadores; faz o sujeito cognoscível ter uma base e ter mais segurança e entendimento ao abordar os conceitos, as teorias, os caracteres e os elementos do delito.
Dessa forma, toda análise deve se orientar por certo critério, ou seja, um critério analítico. Este se traduz em critério sistemático no momento em que se toca construir o seu conceito. E é a partir desse ponto que se busca compreender as principais acepções ou correntes delineadoras do que se entende por crime.
Em síntese a teoria do delito é uma construção dogmática que proporciona um caminho lógico para averiguar se há delito em cada caso concreto. E o conceito ou a explicação a que se dá ao crime é estratificado, isto é, se integra em vários estratos, níveis ou planos de análise. Isto de forma alguma significa que estratificado seja o delito: estratificado é o conceito que do delito se obtém pela via de análise.
2. FATO TÍPICO
Os ilustres professores Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli explicam que
quando se busca averiguar o que é “delito” (isto é, quais são as características que deve ter um fato para se considerado delito), necessariamente devemos buscar a resposta no Código Penal. (...) sabemos que os delitos não podem ser nada diferentes que condutas humanas, pois não tem hoje sentido falar de “delitos” que não sejam condutas humanas.[5]
Dessa forma, o fato material que se amolda perfeitamente aos elementos constantes do modelo previsto na lei penal em seu espaço de regulação é o fato típico. Assim, se o tipo legal descrever como comportamento criminoso um fato cujas características sejam “X Y Z” e havendo a ocorrência de um fato com as características “X Y Z”, tal fato será típico, já que é subsumível à hipótese legal.
Todavia, faltando um desses elementos (seja “X”, “Y” ou “Z”), tal fato será penalmente atípico diante da ausência, distorção ou antinomia na composição de seus elementos, já que o que se apura é um fato-infração legal, ou seja, uma infração penal concretizada, na ocorrência historicamente definida.
Dessa forma, no que atine ao fato típico é possível assegurar a existência de quatro elementos integrantes, quais sejam: conduta, resultado, nexo causal e tipicidade.
2.1. Conduta
O direito pretende regular a conduta humana, não podendo ser o delito outra coisa além de uma conduta. Trata-se da ação ou omissão humana, consciente e voluntária, dirigida a uma finalidade. Este conceito se traduz pelo fato de os seres humanos serem entes dotados de razão e vontade. Suas mentes processam uma série de captações sensoriais, transformadas em necessidades.
O agir do homem é produto de uma opção em face de uma seleção de alternativas, uma vez que, sendo racional (exceto casos patológicos), foge ao determinismo dos demais animais que agem puramente pela força de seus instintos.
Assim, o direito penal só empresta relevo aos comportamentos humanos que tenham, na vontade, sua força motriz. E as pessoas humanas conhecedoras que são dos processos causais, e sendo dotadas de razão e livre-arbítrio, podem escolher entre um ou outro comportamento. É com isso que se preocupa o direito penal.
Partindo-se deste pressuposto é que surgiram as teorias que buscam explicar a conduta (teorias da conduta) a que se passa a expor.
2.1.1 Teorias da conduta
2.1.1.1 Teoria naturalista ou causal
Esta teoria foi concebida no século XIX, no Tratado de Franz Von Liszt e perdurou até meados do século XX sob forte influência das ciências físicas e naturais e do positivismo jurídico, caracterizado pelo excessivo apego à letra expressa da lei.
Foi uma época em que a sociedade, traumatizada pelos abusos cometidos durante o período anterior (Absolutismo Monárquico que vigorou até o final do século XVIII), instalou o Estado Formal de Direito, no qual todos estavam submetidos não mais ao império de uma pessoa, mas ao império da lei.
No Estado formal e positivista não havia campo para a interpretação das normas, que deviam ser cumpridas sem discussão quanto ao seu conteúdo. O lema era: lei se cumpre, não se discute, nem se interpreta. Vale o que está escrito. Sendo que a atividade de interpretação era vista como perigosa e subversiva, o que poderia significar um retorno aos tempos de arbítrio.
Dessa forma, crime não era algo que qualquer pessoa normal considera mal e pernicioso, mas aquilo que o legislador diz sê-lo e ponto final. Caso tenha ou não conteúdo de crime, não interessa. O que importa é o que está na lei. A configuração da conduta típica depende apenas de o agente causar fisicamente (naturalisticamente) um resultado previsto em lei como crime.
Causar objetivamente o evento, segundo a lei física da causa e efeito, era o que importava. O dolo e a culpa pertenciam ao terreno da culpabilidade, que só mais adiante era analisada.
O professor Fernando Capez assevera que
De acordo com o ensinamento de Liszt, uma modificação no mundo exterior, perceptível sensorialmente. Agir é dar causa a algum evento perceptível no mundo natural. O único nexo que importava estabelecer era o natural (da causa e efeito), desprezando-se os elementos volitivos (dolo) e normativo (culpa), cujo exame ficava relegado para o momento da verificação da culpabilidade.[6]
Deste modo, a estrutura do crime estava dividida em três partes: fato típico + antijuridicidade (ilicitude) + culpabilidade. A parte externa do crime ficava no tipo e a interna, na culpabilidade.
Ocorre que o direito tem uma função muito mais importante do que proteger bens; ele não depende tão somente da norma, sobretudo de princípios, valores e adequações. Sem isso, a sociedade fica ao talante da utilidade momentânea que o ditador vê em determinada norma.
Hoje a teoria naturalista ou causal está superada, já que uma conduta sem vontade é tão atípica quanto a origem de um dano por um animal ou fenômeno da natureza. Do contrário, o direito penal não conhecerá barreiras éticas ou morais à sua aplicação.
2.1.1.2 A corrente neoclássica ou neokantista
Ao que se sabe, a chamada corrente neoclássica teve em Zaffaroni um dos seus precursores críticos na América do Sul. Esta corrente surgiu como reação à concepção meramente positivista do tipo penal, vigente no sistema causal. O modelo incriminador deixa de ser visto como entidade formal abstrata, ao qual cumpria papel de simples descrição da conduta reprovável.
De acordo com o professor Antonio Luis Chaves de Camargo:
No direito penal brasileiro, a partir do código penal de 1940, embora a exposição de motivos sugira a orientação do tecnicismo jurídico, houve uma forte influência do neokantismo, que perdura até os nossos dias, não obstante a reformulação da parte geral do código penal, em 1984, que adotou o princípio da culpabilidade em toda a sua extensão.[7]
O enfoque deixa de ser meramente objetivo e passa a ser também normativo, tornando-se impossível uma análise de mera contemplação. Assim é possível identificar alguns tipos penais que exigem expressamente a finalidade do agente, ou seja, seu elemento subjetivo, quebrando o dogma de que a vontade e a finalidade se encontram na culpabilidade
Por óbvio que a finalidade exigida pela lei nada tem de externo, objetivo, mas mesmo assim se encontrava no tipo. Como, então, afirmar que o tipo só contém aspectos concretos, visíveis externamente, e que toda e qualquer análise da parte psicológica deve ficar relegada à culpabilidade?
Esta teoria conclui que a vontade, o dolo e a culpa, pertencem ao fato típico, desmoronando o dogma causal. Isso porque já não é mais possível se sustentar que a vontade e a finalidade não pertençam ao tipo, quando este as exige expressamente para se ver configurado.
Se no tipo legal existem elementos que demandam tamanha valoração (opinião, subjetividade e interpretação), não se poderia mais continuar a chamá-lo de meramente descritivo. Os tipos passam a ser identificados como normas de cultura bastante distinta daqueles modelos ocos do sistema anterior.
Essa mudança preparou o ambiente dogmático para a definitiva migração do dolo e da culpa para o terreno da tipicidade, e o conseqüente sepultamento do dogma naturalista. Foi um decisivo passo preparatório para teorias mais indagadoras da essência dos elementos do tipo legal e para a visão mais moderna do direito penal.
2.1.1.3 A teoria finalista da ação
O conceito finalista de ação começou a ser elaborado no final da década de 20 e início da década de 30 do século passado e teve como defensor mais ardoroso Hans Welzel, que constituiu reação diante do chamado dogma naturalista.
Welzel embasou sua tese acentuando que toda atuação própria do ser vivo se situa na esfera do ser final, demonstrando que a ação que se situa na base do crime só por intermédio da finalidade se pode conceitualizar. Evidencia-se assim a presença da primitiva visão aristotélica da conduta.
Nesse entendimento, o homem, ao atuar, antecipa mentalmente os fins que se propõe realizar e escolhe os meios para alcançá-los. Explica-se assim a estrutura ontológica da ação, distinguindo-a dos acontecimentos naturais, “esses, sim, cegos a sentidos e inelutavelmente sujeitos à causalidade”.[8]
O doutrinador Eduardo Correia assevera que para o finalismo “não é legítimo operar um duplo conceito (ontológico e jurídico) de ação. A ação, para o direito criminal, é exatamente a ação tal como ela deve, ontologicamente, estruturar-se: é, em suma, ‘a realização de um sentido posto pela vontade’. Por isso não pode a vontade, no conceito de ação, ser tomada – como querem todas as doutrinas não finalistas – num sentido causal-modificativo, mas antes num sentido pré-modelar final. Donde resulta que o conteúdo da vontade do agente, e por conseqüência o dolo (porquanto o dolo nada mais seria que o ‘conhecimento e a vontade do fato’) tem de considerar-se um momento da ação e não da culpa”[9]
Nessa linha de pensamento, os questionamentos dirigiam-se à injustificável desconsideração da vontade humana na apreciação do fato típico, por parte dos causalistas: ora, se, a despeito de o resultado ser idêntico – morte -, por que o homicídio doloso é considerado um crime mais grave do que o homicídio culposo?
Deve-se concluir que essa diferença de tratamento legal não depende apenas do que causou o resultado, mas sim da forma como foi praticada a ação. A partir dessa constatação, o delito não poderia mais ser qualificado como simples desvalor do resultado, passando antes a configurar um desvalor da própria conduta.
Dependendo do elemento subjetivo do agente, ou seja, de sua finalidade, a qualificação jurídica do crime muda completamente (crime doloso, crime culposo ou crime preterdoloso). Não se pode, à vista disso, desconhecer que a finalidade, o dolo e a culpa estão na própria conduta. Registre-se também, pela mera observação externa, alheio ao que se passou na mente do autor, não se sabe qual foi o crime praticado.
Descobriu-se, assim, a finalidade, como elemento inseparável da conduta. Sem o exame da vontade finalística não se sabe se o fato é típico ou não. Partindo desse pressuposto, distinguiu-se a finalidade da causalidade, para, em seguida, concluir que não existe conduta típica sem vontade e finalidade, e que não é possível separar o dolo e a culpa da conduta típica, como se fossem fenômenos distintos.
Fernando Capez acentua que
no dizer de Welzel, causalidade é o produzir cego; finalidade é o produzir que vê. Em outras palavras, a causalidade é a relação de causa e efeito que enxergamos externamente: por exemplo, o toque do médico na região pélvica da paciente. A finalidade, em contrapartida, é o fim visado pelo agente em sua conduta e que está em sua mente, invisível a nossos olhos: no exemplo do toque da moça despida, a finalidade pode ser tanto a vontade de efetuar um exame clínico quanto o desejo de satisfazer a própria concupiscência.[10]
Dessa forma, não se pode mais aceitar a existência de crimes ignorando totalmente a vontade, como se as pessoas não fossem dotadas de razão e de livre-arbítrio e como se todos os resultados, a priori, fossem idênticos. Não existe conduta relevante para o direito penal se não for animada pela vontade humana.
O nosso Código Penal seguiu essa orientação, fundindo a vontade e a finalidade na conduta, como seus componentes essenciais. Em seu artigo 18, incisos I e II, expressamente reconheceu que o crime ou é doloso ou é culposo, desconhecendo nossa legislação a existência de crime em que não haja dolo ou culpa.
No caso, então, de o sujeito vir a matar alguém sem dolo ou culpa, verbi gratia no caso de um motorista que atropela um suicida que se joga contra o veículo em trânsito, embora o resultado tenha sido produzido, não se pode falar em crime. Pois não existe homicídio que não seja doloso ou culposo. A exclusão do dolo e da culpa leva à atipicidade do fato.
Ao direito penal não interessam os resultados produzidos sem dolo ou culpa, porque sua razão maior de existir funda-se no princípio geral da evitabilidade da conduta, de modo que só se devem considerar penalmente relevantes as condutas propulsionadas pela vontade, pois essas poderiam ter sido evitadas.
Se assim não fosse, o direito penal, além de extremamente injusto, seria totalmente inútil. De que adiante punir um relâmpago por ter incendiado uma árvore? As normas jurídicas não podem, pois, ordenar ou proibir meros processos causais, mas somente atos orientados finalisticamente ou omissões destes atos.
2.1.1.4 Teoria social da ação
Propõe esta teoria que um fato considerado normal, correto, justo e adequado pela coletividade não pode ao mesmo tempo produzir algum dano a essa mesma coletividade, e, por essa razão, ainda que formalmente enquadrável em um tipo incriminador, não pode ser considerado típico.
Um fato não pode ser definido em lei como infração penal e, ao mesmo tempo, ser aplaudido, tolerado e aceito pela sociedade. Tal antinomia fere as bases de um sistema que se quer democrático.
Assim, o conceito social reconhece que essencial é que a atuação humana implique uma relação valorativa com o mundo circundante social. A ação é, portanto, a causa de um resultado típico socialmente relevante.
A teoria da adequação social foi construída para excluir do âmbito da incidência típica algumas condutas que são socialmente toleradas, praticadas e aceitas pela sociedade. Assim, a ação seria, no entender de Hans-Heinrich Jescheck, um comportamento humano socialmente relevante.
Por conta disso o Direito Penal só deve cuidar daquelas condutas voluntárias que produzam resultados típicos de relevância social. E a partir dessa idéia decorre uma importante conseqüência: se o aspecto social integra o fato típico, para que o agente pratique uma infração penal é preciso que, além da vontade de realizar todos os elementos contidos na norma penal, tenha também a intenção de produzir um resultado socialmente relevante.
Em suma, a teoria da ação socialmente adequada arrima-se na consideração de que as ações humanas que não produzirem um dano socialmente relevante e que se mostrarem ajustadas à vida societária, num determinado momento histórico, não podem ser consideradas crimes.
Cumpre observar que o critério para se eleger determinada conduta-crime ou irrelevante penal, de acordo com a nocividade social do comportamento, deve ficar a cargo do legislador, detentor de mandato popular, e não do juiz, cuja tarefa consiste na prestação jurisdicional, de acordo com as regras jurídicas vigentes.
Apesar do brilho dos defensores dessa teoria, verbi gratia Jescheck, há que se registrar que a mesma vem sendo repudiada pela maior parte dos doutrinadores. Zaffaroni chega a mencionar que
o suposto conceito social de conduta, que de modo algum serve de ponte entre causalismo e finalismo, padece dos mesmos defeitos de qualquer conceito teórico nebuloso: na melhor das hipóteses resulta estéril, porque não se pode extrair dele nenhuma conseqüência prática.[11]
E sintetiza seu raciocínio asseverando que “o conceito social de ação no direito penal nos parece impreciso no plano teórico e perigoso e inútil a nível prático”.
2.1.1.5 Teoria funcional
Desde aproximadamente 1970, começou-se a discutir e a se desenvolver um sistema entendido como racional-final (ou teleológico) ou funcional do direito penal. Os defensores desta teoria, a citar Roxin como seu maior expoente, concordam em rechaçar o ponto de partida do sistema finalista e partem da hipótese de que a formação do sistema jurídico-penal não pode vincular-se a realidades ontológicas prévias, senão que única e exclusivamente pode guiar-se pelas finalidades do direito penal.
Não se trata, aqui, de uma teoria da conduta. Seu objeto de estudo não é o fato típico. Pretende explicar o direito penal a partir de suas funções. Em primeiro lugar, pretende deixar claro de que serve esse ramo do ordenamento jurídico, para, só então, conhecendo suas finalidades, resolver os mais variados problemas do cotidiano.
Trata-se do direito penal estudado, entendido e aplicado de acordo com sua função social. Daí o nome teoria funcional. Em sede de estrutura jurídica do crime, o sistema funcional trabalha com duas vigas mestras: a teoria da imputação objetiva e a ampliação da culpabilidade para a categoria de responsabilidade.
A primeira delas, nos crimes de resultado, passa a exigir, além da material de causalidade, um nexo normativo de causalidade, a fim de aferir se o resultado produzido pelo agente pode, juridicamente, ser a ele imputado.
A segunda coluna do funcionalismo, ampliando o conceito de culpabilidade para o de responsabilidade, exige, sempre, a aferição da necessidade preventiva (especial ou geral) da pena, sem a qual se torna impossível a imposição desta.
3. ILICITUDE
A ilicitude (ou antijuridicidade) não surge do direito penal, mas de toda a ordem jurídica, porque a antinormatividade pode ser neutralizada por uma permissão que pode provir de qualquer parte do direito.
Assim, traduz-se pela relação de antagonismo, de contrariedade entre a conduta do agente e o ordenamento jurídico. É claro que para que se possa falar em ilicitude é preciso que o agente contrarie uma norma, pois, se não partirmos dessa premissa, sua conduta, por mais anti-social que seja, não poderá ser considerada ilícita, uma vez que não estaria contrariando o ordenamento jurídico-penal.
Sob o ponto de vista analítico do crime, para que ocorra infração penal é preciso que o agente tenha cometido um fato típico, antijurídico e culpável. Esses elementos devem ser analisados nessa ordem, já que na lição de Welzel
a tipicidade, antijuridicidade e a culpabilidade são três elementos que convertem uma ação em delito. A culpabilidade – a responsabilidade pessoal por um fato antijurídico – pressupõe a antijuridicidade do fato, do mesmo modo que a antijuridicidade, por sua vez, tem de estar concretizada em tipos legais. A tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade estão relacionadas logicamente de tal modo que cada elemento posterior do delito pressupõe o anterior.[12]
Pode-se assim dizer que todo fato penalmente ilícito é, antes de mais nada, típico. Se não fosse, nem existiria preocupação em aferir sua ilicitude. A partir daí é possível se compreender que o código penal, em seu art. 23[13], previu expressamente quatro causas que afastam a ilicitude da conduta praticada pelo agente, fazendo, assim, com que o fato por ele cometido seja considerado lícito, a saber: o estado de necessidade, a legítima defesa, o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular de direito.
Dessa forma, pode suceder que um fato típico não seja necessariamente ilícito, ante a ocorrência de alguma das causas excludentes. É o caso do homicídio praticado em legítima defesa. O fato é típico, mas não ilícito, daí resultando que não há crime.
4. CULPABILIDADE
Este é o conceito mais debatido da teoria do delito. No entender de Eugenio Raúl Zaffaroni “em toda a teoria tem estado presente o homem, mas na culpabilidade o enfrentamos mais do que nunca”.
Para conceituar este segmento, Rogério Greco aduz que
culpabilidade é o juízo de reprovação pessoal que se realiza sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente. Nas lições de Welzel, “culpabilidade é a ‘reprovabilidade’ da configuração da vontade. Toda culpabilidade é, segundo isso, ‘culpabilidade de vontade’. Somente aquilo a respeito do qual o homem pode algo voluntariamente lhe pode ser reprovado como culpabilidade”.[14]
Dessa forma a culpabilidade pode ser compreendida como reprovação, mais precisamente, como juízo de reprovação pessoal que recai sobre o autor, por ter agido de forma contrária ao direito, quando podia ter atuado em conformidade com a vontade da ordem jurídica.
Fernando Capez acentua que
quando se diz que “Fulano” foi o grande culpado pelo fracasso de sua equipe ou de sua empresa, está atribuindo-se-lhe um conceito negativo de reprovação. A culpabilidade é exatamente isso, ou seja, a possibilidade de se considerar alguém culpado pela prática de uma infração penal. Por essa razão, costuma ser definida como juízo de censurabilidade e reprovação exercido sobre alguém que praticou um fato típico e ilícito.[15]
Assim, a culpabilidade é vista como a possibilidade de reprovar o autor de um fato punível porque, de acordo com as circunstâncias concretas, podia e devia agir de modo diferente. Funda-se, portanto, na possibilidade de censurar alguém pela causa de um resultado provocado por sua vontade ou inaceitável descuido, quando era plenamente possível que o tivesse evitado.
4.1 Evolução histórica da culpabilidade na teoria do delito
Conforme já visto, o amadurecimento das reflexões e discussões sobre os elementos ou características da infração penal, várias modificações teóricas foram surgindo com o passar dos anos, fazendo com que houvesse gradual e significativo desenvolvimento da teoria do delito.
Nesta referida evolução, as teorias causal, final e social exerceram significativa importância de modo que para sua compreensão geral aos poucos foram sendo descobertas e estudadas as características fundamentais do delito: ação – tipicidade – antijuridicidade – culpabilidade.
Pôde-se observar que a responsabilidade objetiva (calcada exclusivamente na relação natural de causa e efeito) é insustentável no sistema penal vigente. Ela ocorria quando alguém era punido: sem ter agido com dolo ou culpa; sem culpabilidade. Superado esse período, surgiram teorias a respeito dos requisitos para responsabilização do agente.
4.2 Teorias da culpabilidade
4.2.1 Teoria psicológica da culpabilidade
Ao longo da evolução das teorias do delito houve época em que dominava o critério primário da estruturação do crime, consistente em alocar de um lado todos os componentes que se acreditava eminentemente objetivos e de outro os que eram considerados puramente subjetivos, a culpabilidade era a denominação deste último conjunto de elementos.
A culpabilidade era a relação psicológica que havia entre a conduta e o resultado, assim como a relação física era a causalidade. O injusto se ocupava, pois, dessa causalidade física - causação do resultado -, enquanto à culpabilidade cabia a tarefa de tratar a relação psíquica.
A culpabilidade, entendida como relação psíquica, dá lugar à chamada “teoria psicológica da culpabilidade”. Dentro desse conceito, a culpabilidade não é mais do que uma descrição de algo, concretamente, de uma relação psicológica, mas não contém qualquer elemento normativo, nada de valorativo, e sim a pura descrição de uma relação - pensamento positivista sociológico defendido por Von Liszt.
É interessante observar que essa teoria denomina culpabilidade àquilo que se considera o aspecto subjetivo do tipo, desaparecendo da teoria do delito toda a dimensão normativa, no que diz respeito à reprovação do autor. Dessa forma, para esta teoria, não era necessário assentar seus fundamentos numa concepção antropológica, em que o homem é capaz de autodeterminar-se, podendo sustentar-se perfeitamente mesmo sobre uma base determinista.
4.2.2 Teoria psicológico-normativa ou normativa da culpabilidade
Diante das deficiências apresentadas pela teoria psicológica da culpabilidade e da falta de explicação da culpa e da imputabilidade, concebeu-se a culpabilidade como um estrato normativo da teoria do delito, isto é, como reprovabilidade do injusto. Assim, procedeu Reinhardt Frank, em 1907, mas sem retirar o dolo e a culpa da culpabilidade.
Daí resultava que a culpabilidade era ao mesmo tempo uma relação psicológica e um juízo de reprovação ao autor da relação psicológica. É a chamada teoria complexa da culpabilidade.
Assim entendida, a culpabilidade só podia ter um conteúdo heterogêneo: o dolo e a culpa, e a reprovação dirigida ao autor por seu dolo ou sua culpa. Não obstante, a concepção de Frank foi bastante clara e permitiu o desenvolvimento posterior pela doutrina: para ele, o dolo não era desvalorado, e sim avalorado.
4.2.3 Teoria normativa pura da culpabilidade
Nasceu com a teoria finalista da ação (na década de 1930), que teve como Hartmann e Graf Zu Dohna como precursores e Welzel, como seu maior defensor. Este último observou que o dolo não pode permanecer dentro juízo de culpabilidade, deixando a ação humana sem o seu elemento característico, fundamental, que é a intencionalidade, o finalismo.
Verifica-se aqui que o dolo e a culpa integram a conduta e não a culpabilidade. Dessa forma, a teoria normativa pura exigiu apenas a imputabilidade e exigibilidade da conduta diversa como elementos integrantes da culpabilidade, deslocando o dolo e a culpa para a conduta.
Por sua vez a consciência da ilicitude destacou-se do dolo e passou a constituir elemento autônomo, integrante da culpabilidade, não mais, porém, como consciência atual, mas possibilidade de conhecimento do injusto. Dessa forma, para a teoria normativa pura (assim como para a teoria finalista) a culpabilidade é composta de três elementos: imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa.
4.2.4 Teoria estrita ou extremada da culpabilidade
Para a teoria extremada, representada pelos finalistas Welzel e Maurach, e, no Brasil, por Alcides Munhoz Neto e Mayrink da Costa, toda espécie de descriminante putativa, seja sobre os limites autorizadores da norma (por erro de proibição), seja incidente sobre situação fática pressuposto de uma causa de justificação (por erro de tipo), é sempre tratada como erro de proibição. Com isso, segundo Munhoz Neto, evita-se desigualdade no tratamento de situações análogas.
4.2.5 Teoria limitada da culpabilidade
Para a teoria limitada da culpabilidade, o erro que recai sobre uma situação de fato (descriminante putativa fática) é erro de tipo, enquanto o que incide sobre a existência ou limites de uma causa de justificação é erro de proibição. Defendem-na no Brasil, Assis Toledo e Damásio E. de Jesus.
Esta é a teoria adotada pelo Código Penal Brasileiro, cujos elementos da culpabilidade estão disposto por: imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa.
4.3 Potencial consciência da ilicitude
Depois da reforma da parte geral do Código Penal, ocorrida em 1984, o erro passou a receber um novo tratamento. As denominações erro de fato e erro de direito foram abolidas e, com o advento da teoria finalista da ação, o erro passou a ser reconhecido como erro de tipo e erro de proibição.
Tais disposições não representam uma simples renovação de normas, mas uma profunda modificação conceitual. Com o finalismo de Welzel, dolo e culpa devem ser analisados quando do estudo do fato típico. O elemento subjetivo que antes estava alocado na culpabilidade dela foi retirado e transferido para o tipo, mais especificamente para a conduta do agente.
Com essa transferência, o dolo deixou de ser considerado normativo, pois que seu elemento normativo, vale dizer, a potencial consciência sobre a ilicitude do fato, dele foi retirado e mantido na culpabilidade.
Desta forma, o erro de tipo incidirá sobre os elementos, circunstâncias ou qualquer outro dado que se agregue à figura típica. O erro de proibição, ao contrário, não é estudado no tipo penal, mas, sim, quando da aferição da culpabilidade do agente.
Com o erro de proibição procura-se verificar se nas condições em que se encontrava o agente tinha ele condições de compreender que o fato que praticava era ilícito. O erro de proibição vem previsto no art. 21 do Código Penal, assim redigido:
Art. 21. O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.
Parágrafo único. Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.
Dessa forma, o erro sobre a ilicitude do fato é erro de proibição; dá-se quando o agente por ignorância ou por representação falsa ou imperfeita da realidade supõe ser lícito o seu comportamento.
A diferença fundamental entre a consciência real e a consciência potencial reside no fato de que, naquela, o agente deve, efetivamente, saber que a conduta que pratica é ilícita; na consciência potencial, basta a possibilidade que o agente tinha, no caso concreto, de alcançar esse conhecimento.
Segundo Luis Augusto Sanzo Brodt,
conforme a concepção finalista da teoria do delito, à reprovação penal não é necessária a atual consciência da ilicitude; basta a possibilidade de obtê-la. Daí conceituarmos consciência da ilicitude como a capacidade do agente de uma conduta proibida, na situação concreta, apreender a ilicitude de seu comportamento.[16]
De acordo com as lições de Cesar Roberto Bittencourt[17], com a evolução do estudo da culpabilidade, não se exige mais a consciência da ilicitude, mas sim a potencial consciência. Não mais se admitem presunções irracionais, iníquas e absurdas. Não se trata de uma consciência técnico-jurídica, formal, mas da chamada consciência profana do injusto, constituída do conhecimento da anti-socialidade, da imoralidade ou da lesividade de sua conduta. Essa consciência provém das normas de cultura, dos princípios morais e éticos, enfim, dos conhecimentos adquiridos na vida em sociedade.
4.3.1 Erro de proibição
O erro de proibição de modo algum pertence à tipicidade, e nem com ela se vincula, sendo um puro problema da culpabilidade. Chama-se erro de proibição àquele que recai sobre a compreensão da antijuridicidade da conduta. Quando é invencível (ou seja, quando com a devida diligência o sujeito não teria podido compreender a antijuridicidade do seu injusto), tem o efeito de eliminar a culpabilidade. Quando é vencível, em nada afeta a tipicidade dolosa ou culposa que já está afirmada em nível correspondente.
Dessa forma, o erro de proibição faz com que o agente não saiba que pratica um ato ilícito. Por essa razão exclui do sujeito a consciência da ilicitude de sua ação ou omissão. Se, no momento em que realizava a conduta, não a sabia proibida, faltava-lhe naquele instante a consciência de que ela era ilícita, daí porque o erro de proibição sempre impedir o agente de ter a consciência atual da ilicitude.
A fim de se evitar abusos, o legislador erigiu como requisito da culpabilidade não o conhecimento do caráter injusto do fato, mas a possibilidade de que o agente tenha esse conhecimento no momento da ação ou omissão.
Dessa forma, o que importa é investigar se o sujeito, ao praticar o crime, tinha a possibilidade de saber que fazia algo errado ou injusto, de acordo com o meio social que o cerca, as tradições e costumes locais, sua formação cultural, seu nível intelectual, resistência emocional e psíquica e inúmeros outros fatores.
Agora, são aspectos externos, objetivos, que orientam o juiz na aferição da culpabilidade. Pouco adianta alegar não saber que a conduta era proibida, pois, se existia a possibilidade de sabê-la ilícita, o agente responderá pelo crime. A potencial consciência da ilicitude, portanto, só é eliminada quando o sujeito, além de não conhecer o caráter ilícito do fato, não tinha nenhuma possibilidade de fazê-lo.
O erro de proibição sempre exclui a atual consciência da ilicitude. No entanto, somente aquele que não poderia ter sido evitado elimina a potencial consciência. Com efeito, se esta é a possibilidade de conhecer o caráter injusto do fato e se o erro de proibição inevitável é aquele que o agente não tinha como evitar, somente essa modalidade de erro leva à exclusão da culpabilidade.
4.3.1.1 Valoração paralela na esfera do profano
Existem casos de consciência dissidente em que surge um verdadeiro erro de compreensão invencível e em cujas hipóteses não haverá culpabilidade. Nesse diapasão, serão particularmente relevantes os erros de compreensão culturamente condicionados, isto é, quando o indivíduo tenha sido educado numa cultura diferente da nossa, e desde criança tenha internalizado as regras de conduta desta cultura.
A exigibilidade da internação da regra de conduta estabelecida pela norma tem sempre um certo grau que, como toda a culpabilidade, não pode ser indicado como um limite fixo. Como regra geral, o erro de compreensão culturalmente condicionado será um erro de proibição invencível, que eliminará a culpabilidade da conduta, por mais que a consciência dissidente não seja um causa de inculpabilidade.
Trata-se de graus de exigibilidade da compreensão que se traduzem em graus de reprovabilidade, nem sempre simples de valorar. O problema que isso propõe, além de muito sério, deverá ser resolvido tanto pela lei como pela jurisprudência.
A título de exemplo, como julgar as mães da tribo dos Yanomami[18] que pratica infanticídio? Pois quando a criança nasce com um defeito físico, imediatamente observável, é a mãe mesma que pratica a sua supressão. Em caso de um parto de gêmeos, é eliminado sempre, pela mãe, o mais fraco. Se o defeito físico como a surdez, a cegueira, a epilepsia e outras doenças aparecem, quando a criança já cresceu e se desenvolveu, é proibido terminantemente eliminá-lo.
Muito embora exista delito que o silvícola pode entender perfeitamente, existem outros cuja ilicitude ele não pode compreender, e, em tal caso, não existe outra solução que não a de respeitar a sua cultura no seu meio, e não interferir mediante pretensões de tipo etnocentrista que escondem, ou exibem a pretendida superioridade de nossa civilização industrial, para destruir todas as relações culturais a ela alheias.
É interessante esclarecer que o silvícola não está desintegrado. Pelo contrario, encontra-se inserido, atrelado socialmente à sua cultura e a seu povo. Partir do pressuposto que o mesmo não está integrado na nossa sociedade é dever nosso aceitar que nós também estamos desintegrados de sua cultura.
Dessa forma, não se pode sustentar que o silvícola ou aquele que comparte de regras de qualquer outro grupo cultural diferenciado, seja um inimputável, ou uma pessoa com imputabilidade diminuída. Trata-se de pessoas que podem ser, ou não, inimputáveis, mas pelas mesmas razoes que podemos nós também o ser.
O objeto do conhecimento do injusto constitui-se na consciência de que a ação do sujeito ativo está em contradição com a ordem moral ou com os valores sociais, passando por considerar como seu objeto o conhecimento da punibilidade específica, até chegar a uma posição intermediária, traduzida na afirmação de que o objeto do conhecimento do injusto seria a contrariedade do comportamento ao ordenamento jurídico, ou seja, do conhecimento da lesão a um bem juridicamente protegido.
A valoração paralela na esfera do profano constitui-se em um critério utilizado para aferir a possibilidade da compreensão da ilicitude da conduta por parte do sujeito ativo no caso concreto. Isto porque, essa valoração traz no seu bojo de forma explícita um juízo axiomático, realizado de forma (paralela) ao conhecimento técnico jurídico, pelo homem leigo (profano), produzindo assim o conhecimento do injusto, ou seja, a consciência profana, não técnico jurídica, que é suficiente para indicar ao agente leigo que sua conduta é errada.
Esta consciência profana tem como fundamento as normas de cultura que são hauridas no convívio social, da apreensão e compreensão do que é proibido pelo consenso geral. Então a base desta valoração paralela, tem guarida na contradição do comportamento do sujeito ativo à ordem moral e aos valores sociais.
Não é diferente a opinião de Assis Toledo[19] quando afirma categoricamente que:
Para que se possa, mediante algum esforço da consciência, atingir o caráter injusto de uma ação é necessário que a matéria desse injusto já tenha penetrado anteriormente na consciência, o que só seria possível por meio das normas de cultura, únicas acessíveis ao leigo.
Se afirmarmos que ter conhecimento do injusto, significa compreender a contrariedade do fato com o ordenamento jurídico, como ficará o homem leigo, que muitas das vezes não terá este conhecimento técnico jurídico?
No clássico pensamento de Binding citado por Assis Toledo[20], ao considerar errada a conduta porque não gostaria que lhe fizessem, o ser humano já tem suficiente noção do caráter ilícito da conduta para merecer censura pelo universo do direito penal. Deste modo a consciência da ilicitude surge com "a naturalidade do ar que se respira", pelo próprio convívio social e universo comunicativo que circunda o agente.
Vê-se então que para determinados agentes o conhecimento de que seu comportamento contraria o ordenamento jurídico é encontrado através de um conhecimento técnico jurídico e é complementada em decorrência da aplicação da valoração paralela na esfera do profano, que impõe ao julgador que, quando da análise da existência ou não do erro de proibição, verifique em que condições socioculturais o agente realizou a valoração.
É importante destacar, neste momento do presente trabalho, a seguinte indagação: Se um agente realiza um comportamento em contrariedade com o ordenamento jurídico, ou seja, um comportamento definido como crime, não tendo conhecimento técnico jurídico e nem podendo se comportar de acordo com a norma, em virtude de ser impossível a valoração paralela na esfera do profano, pelo fato da proibição penal não coincidir com a ordem moral e os valores sociais, podemos afirmar que tal agente agiu em erro de proibição?
A consciência da contrariedade entre o comportamento e o valor pré-definido é o objeto do conhecimento do injusto, ou seja, o agente que atua sabendo que o seu comportamento é errado; atua com conhecimento do injusto, e consequentemente, tem-se a concretização da presença no agente da consciência atual da ilicitude, que se constitui em um dos elementos da culpabilidade.
Caso o agente atue sem saber que seu comportamento contraria um parâmetro pré-definido, é possível afirmar que atuou sem o conhecimento atual da ilicitude, incidindo em erro acerca da contrariedade entre o seu comportamento e o parâmetro considerado, a isto se dá o nome de erro de proibição, que afasta a consciência atual da ilicitude, afastando consequentemente a culpabilidade.
Pode-se então afirmar, em virtude do raciocínio até aqui exposto, que a total falta do conhecimento da contrariedade do comportamento com a norma (atual e potencial consciência do injusto – antijuridicidade concreta como objeto do conhecimento do injusto) isenta de pena.
Para se reconhecê-la e consequentemente excluir a culpabilidade do comportamento do agente, é preciso primeiramente que o juízo de censurabilidade realizado pelo julgador tendo como objeto o comportamento do agente, procure primeiramente identificar se o agente tinha conhecimento técnico-jurídico (conhecimento da punibilidade do comportamento como objeto do injusto), para avaliar se sua conduta contrariava a norma.
Se não existia este conhecimento técnico-jurídico o julgador deve perscrutar se teria sido fácil para ele, nas circunstâncias, através de uma reflexão, obter esta consciência com algum esforço de inteligência e com os conhecimentos auridos da vida comunitária de seu próprio meio (critério da valoração paralela na esfera do profano).
O julgador ao perceber que nem com conhecimento técnico jurídico, nem com a valoração paralela na esfera do profano, o agente podia atingir o conhecimento do injusto, em virtude de se estar frente a uma ação moralmente inocente, ou seja, comportamento criminalizado que não corresponde a nenhuma proibição moral, terá de identificar a presença ou a ausência de censurável desatenção ou falta do dever cívico de informar-se.
Não se pode esquecer que a culpabilidade é basicamente um juízo de censurabilidade sobre a ação humana, e sendo assim, só haverá erro de proibição inevitável no caso concreto, se este mesmo juízo valorativo por parte do julgador constatar que nas circunstâncias, não está presente uma censurável desatenção ou a falta de um dever cívico de informar-se.
Já que o Código Penal Brasileiro, em seu artigo 21, parágrafo único, deixa clara a adoção deste novo elemento, "dever de informar-se", introduzido sob os auspícios da doutrina finalista. "Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir esta consciência."
Caso presente este dever, ter-se-á a falta da atual consciência do injusto, mas em contrapartida a presença da potencial consciência do injusto, que não afasta a culpabilidade, mas a atenua. Ausente este dever de informar-se, teremos finalmente configurado o chamado erro de proibição inevitável que como vimos afasta a atual e a potencial consciência do injusto, impedindo assim que a realidade de fato psicológica se eleve ao conceito de culpabilidade.
Por fim, nos comportamentos proibidos que não guardam correspondência com as proibições morais - as chamadas ações moralmente inocentes mas penalmente proibidas – onde só se pode chegar ao conhecimento da norma se for possível o conhecimento do tipo penal respectivo, não se poderá aplicar a máxima "ignorantia legis neminem excusat", pois, nestes casos deve-se entender que o desconhecimento do injusto sobreleva-se em importância em relação ao desconhecimento da lei, tendo como conseqüência inarredável o reconhecimento de que não deve haver juízo de reprovação sobre o comportamento do agente, em virtude deste não possuir o conhecimento do injusto.
Portanto, deve-se ter em mente que o conhecimento do injusto, elemento principal da culpabilidade, é que comanda o princípio da irrelevância do desconhecimento da lei e lhe assinala o seu sentido e limites. Dessa forma, se ausente o desconhecimento do injusto - mesmo que haja o desconhecimento da lei - podemos afirmar que não deve haver juízo de reprovação ao comportamento do agente, não prevalecendo assim a máxima de que ninguém se escusa de cumprir a lei alegando que não a conhece, pois, o que deve prevalecer, é o erro de proibição inevitável.
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[1] SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: Parte Geral. 3ª ed. Curitiba: ICPC, Lumen Juris, 2008. p. 293.
[2] _______________________. Direito Penal: Parte Geral. 3ª ed. Curitiba: ICPC, Lumen Juris, 2008. p. 310.
[3] CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Volume 1, parte geral: (arts. 1º ao 120). 15ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011. Pág. 19.
[4] Parte da dogmática jurídico-penal que estuda o crime como fato punível, do ponto de vista jurídico, para estabelecer e analisar suas características gerais bem como suas formas especiais de aparecimento. Trata-se do alicerce do Direito Penal.
[5] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro, volume1: parte geral. 8ª edição. rev. e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. pág. 337.
[6] CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Volume 1, parte geral: (arts. 1º ao 120). 12ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2008. Pág. 119.
[7] CHAVES DE CAMARGO, Antonio Luis. Imputação objetiva e direito penal brasileiro. São Paulo: Cultural Paulista, 2002.
[8] CORREIA, Eduardo (com colaboração de Figueiredo Dias). Direito criminal. v. 1. Coimbra: Livr. Almedina, 1971. p. 239.
[9] ________Direito criminal, v.1, p. 239.
[10] BONFIM, Edilson Mougenot; CAPEZ, Fernando. Direito Penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 269.
[11] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de derecho penal, v. III, p. 120-121.
[12] Apud GRECO, Rogério. Direito Penal, v. I, p. 112-115.
[13] Também existem causas de exclusão da ilicitude na Parte Especial do Código Penal, a exemplo dos arts. 128 e 146, §3º, que, como se percebe, não deixam de se amoldar às quatro causas previstas na Parte Geral (art. 23).
[14] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 10ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008. p. 381.
[15] CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Volume 1, parte geral: (arts. 1º ao 120). 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. Pág. 299.
[16] SANZO BRODT, Luis Augusto. Da consciência da ilicitude no direito penal. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 17-18.
[17] BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2000. v. I. p. 326-327.
[18] O povo Yanomami habita a região da fronteira Brasil/Venezuela e conta com mais de 12 mil silvícolas no território brasileiro. Este povo possui uma língua e cultura própria e os meios de subsistência são extraídos da floresta e do rio: caça, pesca e agricultura de subsistência, além da coleta de frutas. Os Yanomami representam uma das etnias que mais recentemente manteve contato com a sociedade envolvente, cujos primeiros contatos foram estabelecidos em 1955.
[19] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal: de acordo com a Lei n. 7.209, de 11-7-1984 e com a Constituição Federal de 1988. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994.
[20] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal: de acordo com a Lei n. 7.209, de 11-7-1984 e com a Constituição Federal de 1988. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994.
Mestre em Direito do Trabalho e Relações Internacionais do Trabalho pela Universidad Nacional de Trés de Febrero (UNTREF), em Buenos Aires, Argentina; Especialista em Advocacia Criminal pela Faculdade Projeção, em Brasília-DF; Especialista em Direito do Trabalho pela Faculdade Venda Nova do Imigrante (FAVENI), em Caratinga-MG; Bacharelado em Direito pelo Centro de Ensino Unificado de Teresina (CEUT).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASILEIRO, Igor Leite. As teorias do crime e a valoração paralela na esfera do profano Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 jan 2018, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51197/as-teorias-do-crime-e-a-valoracao-paralela-na-esfera-do-profano. Acesso em: 26 nov 2024.
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