Resumo: O presente artigo visa analisar a vedação da condução coercitiva para o interrogatório em conjunto com os princípios da presunção de inocência e direito de presença assegurados ao acusado.
Palavras-Chave: processo penal; interrogatório; presunção de inocência; direito à presença; garantias constitucionais.
Abstract: This article aims to analyze the prohibition of coercive conduct for interrogation in conjunction with the principles of presumption of innocence and right of presence assured to the accused
Key-words: criminal proceedings; questioning; presumption of innocence; right to presence; constitutional garantes.
Sumário: 1. Introdução. 2. Do direito de presença e da presunção de inocência. 3.Da vedação à condução coercitiva para o interrogatório. 4. Conclusão. 5. Referências
1. INTRODUÇÃO
O Código de Processo Penal em seu artigo 260 estabelece que em caso de não comparecimento injustificado seja o acusado conduzido coercitivamente, tal previsão sempre foi alvo de críticas diante das garantias constitucionais asseguradas à toda pessoa humana.
Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal, em decisão liminar proferida pelo então ministro Gilmar Mendes, entendeu por vedar a condução coercitiva ao interrogatório levando em consideração o princípio da presunção de inocência.
A discussão mostra-se de salutar importância, principalmente nas atuais circunstâncias em que a força normativa da Constituição de Konrad Hesse ganha ainda mais poder e a visão sobre o Estado Democrático de Direito ganha mais destaque em nosso ordenamento jurídico.
2. Do direito de presença e da presunção de inocência
O direito à ampla defesa é princípio basilar do devido processo legal, sendo garantido pela Constituição em seu artigo 5°, LV. Dentro dele estão inseridos outros direitos como: audiência, presença e o de postular pessoalmente.
A defesa e o contraditório são manifestações simultâneas, intimamente ligadas pelo processo, sem que daí se possa concluir que uma derive da outra. É possível violar-se o contraditório, sem que se lesione o direito de defesa, uma vez que o contraditório diz respeito tanto à defesa como à acusação. O contraditório se manifesta em relação a ambas as partes, já a defesa diz respeito apenas ao réu
O direito de audiência representa a garantia de apresentar ao juiz da causa a sua defesa, pessoalmente, o qual materializa-se através do interrogatório. Já no direito de presença assegura-se a oportunidade de ao lado de seu defensor ou advogado, acompanhar os atos de instrução, auxiliando-o na realização da defesa.
E por fim, tem-se o direito de postular pessoalmente, através do qual em alguns momentos específicos do processo penal, defere-se ao acusado capacidade postulatória autônoma, independentemente da presença de seu advogado.
Sendo assim, o interrogatório é o meio pelo qual o acusado pode dar ao Juiz a sua versão a respeito dos fatos que lhe foram imputados pelo acusador. E ao mesmo tempo, é o momento em que o Magistrado poderá conhece-lo pessoalmente.
Sua natureza é alvo de controvérsia na doutrina, há quem entenda ser meio de prova, fundamentando na posição topográfica que este ocupa no Código de Processo Penal. Sendo, porém o entendimento majoritário aquele que defende ser o interrogatório meio de defesa:
"Note-se que o interrogatório é, fundamentadamente meio de defesa, pois a Constituição assegura ao réu o direito ao silêncio. Logo, a primeira alternativa que se avizinha ao acusado é calar-se, daí não advindo consequência alguma. Defende-se apenas. Entretanto, caso opte por falar, abrindo mão do direito ao silêncio, seja lá o que disser, constitui meio de prova inequívoco, pois o magistrado poderá levar em consideração suas declarações para condená-lo ou absolvê-lo.”(NUCCI, 2009, p. 404).
A presunção de inocência refere-se à garantia constitucional que tem o acusado, em razão da dignidade da pessoa humana, de que sua inocência seja presumida até que sobrevenha uma sentença penal transitada em julgado. Deste princípio decorrem: a regra probatória, ou seja, cabe a acusação provar que o réu é culpado e a regra de tratamento, que é justamente a presunção de inocência até que exista uma sentença definitiva.
3. Da vedação à condução coercitiva para o interrogatório
Segundo o próprio STF existem três corolários básicos do direito a não auto incriminação: o direito de permanecer em silêncio, o direito de não ser compelido a produzir elementos de incriminação contra si próprio nem de ser constrangido a apresentar provas que lhe comprometam a defesa e o direito de se recusar a participar, ativa ou passivamente, de procedimento probatório que lhe possam afetar a esfera jurídica, tais como a reprodução simulada do evento delituoso e o fornecimento de padrões gráficos ou de padrões vocais para efeito de perícia criminal.
Sendo assim em recente decisão a Suprema Corte Brasileira, em decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes, entendeu pela inconstitucionalidade da condução coercitiva para o interrogatório, alegando que há profundos riscos aos direitos fundamentais.
A decisão se deu em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) em sede de liminar, segundo Gilmar Mendes, a condução coercitiva fere o direito à liberdade de locomoção assim como o direito de que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo. Para o ministro, a partir do momento em que não há uma obrigação do réu de comparecer ao interrogatório não poderia também ser a ele conduzido coercitivamente.
O direito fundamental que tem o acusado de não se auto incriminar assim como o de não fazer prova contra si mesmo está também previsto expressamente no art. 8º, 2, g, do Pacto de São José da Costa Rica - Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969 e art. 14, 3, g do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova York, assinada em 19 de dezembro de 1966, ambos já incorporados em nosso ordenamento jurídico, por força, respectivamente, do Decreto n.º 678 de 6 de novembro de 1992 e do Decreto n.º 592, de 6 de julho de 1992.
Ademais, a realização da condução coercitiva apenas acaba por constranger o acusado, uma vez que pode esse usar do seu direito de permanecer em silêncio. Importante ressaltar a diferença entre a condução coercitiva com a prisão cautelar (prisão temporária ou preventiva).
O primeiro apenas trata da condução do indiciado para ser ouvido na Delegacia. Já as prisões cautelares decorrem de ordem judicial consubstanciadas em fortes indícios de provas da existência do crime e da autoria do fato que justificariam a prisão antecipada do acusado. Tendo a decisão apenas atingido o primeiro caso.
4. Conclusão
Diante de tudo o que foi exposto, nota-se ser de suma importância a decisão em comento, uma vez que a aplicação da condução coercitiva acaba por gerar um efeito encantatório dos direitos fundamentais, sendo estes apenas assegurados pela Constituição, mas não cumpridos pelo nosso ordenamento jurídico, o que acaba por não consolidar a força normativa da Constituição.
Sendo o interrogatório um meio de defesa, não deve ser o acusado obrigado a ele comparecer, sob pena de violação do à presunção de inocência, assim como ao direito ao silêncio, uma vez que são estes direitos fundamentais do acusado, incoerente a imposição de qualquer ônus diante do seu exercício e por consequência a condução coercitiva.
5. Referências
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 9ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
AVENA, Norberto. Processo Penal Esquematizado. São Paulo: Editora Método, 2012.
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal.22ª Ed. São Paulo: Atlas, 2014.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 18ª Ed. São Paulo: Atlas, 2014.
Superior Tribunal Federal, Decisão Monocrática, ADPF 444 MC/DF e ADPF 395 MC/DF, Relator Ministro Gilmar Mendes, julgados em 18/12/2017.
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