Resumo: Este trabalho pretende analisar os impactos do Novo Código de Processo Civil sobre o custeio dos honorários periciais em Ações Civis Públicas. Neste sentido, pretende-se abordar especificamente os precedentes judiciais que, por aplicação (analógica) da súmula n° 232 do STJ, determinam o adiantamento dos honorários periciais requeridos pelo Ministério Público à Fazenda Pública a qual este esteja vinculado. O que se discutirá, portanto, é a eventual superação desta jurisprudência em razão da nova sistemática trazida pelo artigo 91 do CPC/15, que, em tese, poderia robustece não só a autonomia processual e funcional do Parquet, mas também a financeira.
Palavras-chave
Honorários periciais. Encargo Financeiro. Ação civil pública. Código de processo civil/15.
Sumário: 1. Introdução – 2. A impossibilidade de adiantamento dos honorários periciais pelo Estado na Vigência do CPC/15 3. Considerações finais. 4. Referências
1. Introdução
Dentre as ondas de acesso à Justiça, destaca-se a de representação de interesses difusos e coletivos. A defesa coletiva de direitos surge como resposta aos ditames da economia processual e necessidade de representação adequada para demandas multíplices e massificadas.
Em se tratando de tutela coletiva, inevitável à menção ao microssistema de tutela coletiva existente no Brasil. Ora, no Brasil não há um único diploma sobre o assunto, mas uma regulamentação por meio de leis esparsas, que versam cada qual acerca de uma espécie diferente de ação coletiva, mas que simplesmente não tratam de todas as circunstâncias que podem surgir no desenrolar da demanda. Esta é a razão pela qual surge a necessidade de interação entre estas normas coletivas e o motivo pelo qual, mesmo que involuntariamente, formam um microssistema com aptidão para sanar omissões recíprocas.
Importante frisar, de antemão, que, via de regra, as ações coletivas envolvem matérias de grande complexidade técnica e alto custo probatório. De todo modo, em virtude dos interesses difusos e coletivos subjacentes, destaca-se, outrossim, à luz dos artigos 17, 18 e 87 da lei nº 7.347/85, a existência de um regime geral de impossibilidade de adiantamento de custas nas ações coletivas.
Ante o regramento legal, tornou-se prática jurisprudencial a mera inversão do ônus do adiantamento para o réu, com intimação para que a outra parte depositasse os honorários periciais. Todavia, ao analisar o tema, entendeu o STJ que inversão seria flagrantemente contrária à Teoria da Prova, aplicando o ônus probatório do CPC/73, já que subsidiariamente aplicável ao microssistema coletivo.
Assim, em um primeiro momento, o STJ, abandonando uma interpretação literal das normas atinentes ao processo coletivo, especificamente sob o argumento de que a ausência de prova técnica frustraria a própria tutela coletiva, passou a reconhecer que a isenção prevista na lei nº 7.347/85 não deveria ser admitida. Cite-se, como exemplo, o Recurso Especial nº 891.743 - SP (2006/0213263-0):
PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – HONORÁRIOS PERICIAIS – MINISTÉRIO PÚBLICO – ART. 18 DA LEI 7.347/85. 1. Na ação civil pública, a questão do adiantamento dos honorários periciais, como estabelecido nas normas próprias da Lei 7.347/85, com a redação dada ao art. 18 da Lei 8.078/90, foge inteiramente das regras gerais do CPC. 2. Posiciona-se o STJ no sentido de não impor ao Ministério Público condenação em honorários advocatícios, seguindo a regra de que na ação civil pública somente há condenação em honorários quando o autor for considerado litigante de má-fé. 3. Em relação ao adiantamento das despesas com a prova pericial, a isenção inicial do MP não é aceita pela jurisprudência de ambas as turmas, diante da dificuldade gerada pela adoção da tese. 4. Abandono da interpretação literal para impor ao parquet a obrigação de antecipar honorários de perito, quando figure como autor na ação civil pública. Precedentes. 5. Recurso especial não provido. (STJ - REsp: 891743 SP 2006/0213263-0, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 13/10/2009, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/11/2009) (grifamos)
O descaso com sentido próprio legislativo desempenhado pelo Tribunal foi alvo de severas críticas, o que levou o STJ a modificar seu entendimento, concluindo pela aplicação da literalidade das normas coletivas, concluindo pela impossibilidade de exigência de adiantamento dos honorários do autor e reforçando o raciocínio segundo o qual o réu não poderia ser obrigado a arcar com o custeio de prova que não solicitara.
Pois bem, diante da impossibilidade de se cobrar as custas, seja do autor, seja do réu, bem como da imprescindibilidade da produção probatória em demandas deste jaez, passou o STJ, mesmo que por curto espaço de tempo, a impor o sacrifício do perito, isto é, impondo ao expert a postergação de sua remuneração até o final da lide.
Diante da celeuma envolvendo o tópico, a questão do adiantamento dos honorários do perito foi objeto de julgamento sob o regime de casos repetitivos (então previsto no art. 543-C do CPC/73), oportunidade em que o STJ fixou a tese de que: “Não é possível se exigir do Ministério Público o adiantamento de honorários periciais em Ações Civis Públicas, ficando o encargo para a Fazenda Pública a qual se acha vinculado o Parquet”[1].
Na ocasião, adotou o tribunal o entendimento de que: “a referida isenção conferida ao Ministério Público em relação ao adiantamento dos honorários periciais não pode obrigar que o perito exerça seu ofício gratuitamente, tampouco transferir ao réu o encargo de financiar ações contra ele movidas. Dessa forma, considera-se aplicável, por analogia, a Súmula n. 232 desta Corte Superior ("A Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do perito"), a determinar que a Fazenda Pública ao qual se acha vinculado o Parquet arque com tais despesas.”[2]
Resta traçado o panorama jurisprudencial da temática acerca do custeio dos honorários periciais em Ações Civis Públicas, em que o último posicionamento da corte Superior se sedimentou no sentido de aplicação analógica de sua súmula 232 para possibilitar a atribuição do adiantamento dos honorários à Fazenda a que se vincule o MP.
Não obstante, há que se perquirir a manutenção de tais fundamentos sob o enfoque do Novo regramento processual Civil, o qual inegavelmente trouxe inovações em relação ao tema do custeio pericial por parte das Fazendas Públicas, do Ministério Público e da Defensoria Pública.
2. A impossibilidade de adiantamento dos honorários periciais pelo Estado na Vigência do CPC/15
Como visto, arrima-se a jurisprudência na aplicação analógica do enunciado da Súmula 232, do STJ, segundo a qual: “A Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do perito”. Ocorre que referida súmula restou concebida no ano de 1999, quando então vigorava o CPC/73, que simplesmente não previa regramento preciso acerca do pagamento de honorários periciais atribuíveis à Fazenda e ao Ministério Público.
Entretanto, a nova sistemática introduzida pelo CPC de 2015 parece não ter deixado dúvida quanto ao pagamento de honorários periciais pela Fazenda Pública, não remanescendo, assim, lacuna passível de preenchimento. Na forma do CPC, o ente público poderá adiantar o pagamento de honorários periciais na forma do art. 91, §§1º e 2º, in verbis:
“Art. 91. As despesas dos atos processuais praticados a requerimento da Fazenda Pública, do Ministério Público ou da Defensoria Pública serão pagas ao final pelo vencido.
§ 1o As perícias requeridas pela Fazenda Pública, pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública poderão ser realizadas por entidade pública ou, havendo previsão orçamentária, ter os valores adiantados por aquele que requerer a prova.
§ 2o Não havendo previsão orçamentária no exercício financeiro para adiantamento dos honorários periciais, eles serão pagos no exercício seguinte ou ao final, pelo vencido, caso o processo se encerre antes do adiantamento a ser feito pelo ente público.”. Grifos apostos.
A leitura do dispositivo evidencia que a Fazenda Pública e o Ministério Público são entidades processualmente distintas, gozando o Parquet de autonomia não só processual, como também funcional, mas acima de tudo financeira.
Neste sentido, a mera da aplicação da súmula 232 do STJ no caso de adiantamento dos honorários periciais em ações coletivas, desconsiderando por completo quem tenha solicitado a prova pericial, mesmo quando tenha sido por parte do MP, exterioriza verdadeira incoerência com a própria autonomia conferida ao Ministério Público. Quer dizer. Com os bônus, também vem os ônus. Não é possível, pois, pleitear – e gozar – de autonomia orçamentária apenas para aquilo que lhe aprouver e ser indiferente a outros – especialmente em casos que estejam diretamente ligados à própria atuação do órgão, como os custos processuais das perícias, que, não raras vezes, são pedidas exclusivamente pelo próprio MP.
Ora, atribuir ao Estado (lato sensu) a necessidade de custeio das referidas verbas, acaba por apequenar a própria autonomia constitucionalmente assegurada ao Parquet, além de onerar em demasia quem sequer é parte processual. De mais a mais, atribuir a incumbência ao órgão nos feitos em que ele próprio solicitou a realização da prova, possivelmente ocasionaria uma externalidade positiva, qual seja, induzi-lo-ia a adotar uma atuação mais zelosa quando da análise da necessidade de produção probante.
Neste contexto, o que se pretende demonstrar é que com o Novo CPC as perícias requeridas pelo Ministério Público poderão ser realizadas por entidade pública competente (como uma Universidade Pública, por exemplo), o que não importa em dispêndio financeiro para o órgão. Caso haja previsão orçamentária para tanto, pode o Ministério Público valer-se do Fundo Especial do Ministério Público (FEMP) para adiantar os valores necessários à produção da prova.
A título de exemplo, no Estado do Rio de Janeiro há o Fundo Especial do Ministério Público (FEMP), que em 2016 obteve R$ 45 milhões em receitas, seu saldo atual soma a considerável quantia de R$ R$ 220.827.015,34 [3], cuja aplicação só é vedada a gastos com pessoal, consoante expõe o art. 2º, § único, da Lei Estadual 2.819/1997.
De outro lado, caso não haja previsão orçamentária no corrente exercício financeiro, seria possível a aplicação do §2º do artigo 91, que expressamente prevê a possibilidade de que os honorários periciais sejam saldados no exercício seguinte, de maneira semelhante à sistemática aplicável aos precatórios.
Por derradeiro, indica o dispositivo em comento que os honorários periciais também poderão ser pagos ao final, pelo vencido, caso a demanda se encerre antes do adiantamento em análise, ou seja, antes do exercício financeiro no qual se dará o pagamento daqueles valores. Frisa-se que este entendimento já vem sendo acolhido por julgados do TJRJ. Veja-se, pois:
Agravo Interno no Agravo de Instrumento nº 0028028- 80.2017.8.19.0000 Relator: DES. CARLOS EDUARDO MOREIRA DA SILVA – Julgamento: 13/12/2017 Vigésima Segunda Câmara Cível
“Cumpre enfatizar que o artigo 95 do Código de Processo Civil é expresso no sentido de afirmar que “cada parte adiantará a remuneração do assistente técnico que houver indicado, sendo a do perito adiantada pela parte que houver requerido a perícia ou rateada quando a perícia for determinada de ofício ou requerida por ambas as partes.” Logo, pelo detido exame dos autos, apesar da estreita via do agravo de instrumento, verifica-se que a perícia foi requerida por ambas as partes, ainda que a parte ré tenha requerido de forma subsidiária, devendo, destarte, ambas as partes ratearem os honorários periciais. Dessa forma, O DISPOSITIVO DEIXA CLARO QUE A FAZENDA PÚBLICA E O MINISTÉRIO PÚBLICO SÃO PROCESSUALMENTE DISTINTOS, cabendo, no caso dos autos, ao Ministério Público e à Mineradora Santa Joanna Ltda, que são partes do processo, o rateio dos honorários periciais. Ante o exposto, voto no sentido do provimento do recurso para afastar a imposição de pagamento adiantado de honorários periciais ao Estado do Rio de Janeiro, bem como, determinar o rateio dos referidos honorários entre as partes Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e Mineradora Santa Joanna Ltda, com fulcro no art. 95 do NCPC.”
- AGRAVO DE INSTRUMENTO nº 0016177-44.2017.8.19.0000 - 1ª Ementa – Des (a). SIRLEY ABREU BIONDI - Julgamento: 05/07/2017 - DÉCIMA TERCEIRA CÂMARA CÍVEL. Agravo de Instrumento. Ação Renovatória. Decisão que determinou que as autoras arcassem com o pagamento integral dos honorários do perito. Alegação de que a responsabilidade pelo pagamento é da ré. Preliminar de instrução deficiente do recurso que se afasta. Autos originários que são eletrônicos. Exceção prevista no art. 1.017, §5º do novo CPC. Prova pericial requerida por ambas as partes. Alteração trazida pela nova Lei de Ritos que determina o rateio dos honorários na hipótese dos autos. Inteligência do art. 95 do novo CPC. Decisão que merece reforma. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO, para determinar o rateio dos honorários do perito. (grifos nossos)
A antiga solução adotada pelos tribunais impunha à Fazenda encargo sem lhe conferir a possibilidade de dele se desincumbir, uma vez que sequer integrara o curso processual. Esbarrava também nas inevitáveis questões orçamentárias. Onerar os cofres públicos mostra-se mais preocupante para a afirmação de direitos coletivos que a aplicação da regra do artigo 91 ao órgão que goza de independência há muito consolidada.
Considerações finais
Não restam dúvidas de que o custeio de provas complexas atinentes à tutela coletiva é uma das pedras de toque do acesso à Justiça. Em matéria de processo coletivo, a complexidade probatória somada à natureza imprecisa dos danos discutidos importa em elevadas montas que não podem obstaculizar a defesa dos direitos difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos.
Por tal razão, o tema do pagamento antecipado dos honorários periciais e sua responsabilização financeira apresenta enorme relevância e vem sendo incessantemente discutido pela doutrina e jurisprudência. Houve momentos em que se atribuiu o encargo econômico ao réu, ao próprio perito, que veria sua remuneração postergada e, finalmente, ao Estado.
A simples outorga do ônus à Fazenda desconsidera implacavelmente a unidade e gestão orçamentária a que se sujeita o Estado, impondo ao ente, que sequer integrou a formação processual, despesa não planejada e não incluída na lei, o que obviamente gera significativas distorções orçamentárias e necessidade de remanejo de valores então destinados aos fins tidos como prioritários.
Diante do exposto, uma vez que o Ministério Público possui capacidade para estar em juízo de per si e dotação orçamentária própria para o atingimento de seus fins institucionais, em que se incluem a salvaguarda dos direitos coletivos, é o próprio MP, por meio de seus órgãos internos e utilizando-se das verbas apropriadas de seu orçamento, que deve providenciar o pagamento de toda e qualquer despesa que lhe caiba no curso de uma dessas demandas.
Insta salientar que, a sistemática proposta já ocorre em relação às despesas com cópias, instruções, diligências, assistentes técnicos, remuneração do pessoal necessário, sistemas de acompanhamento e etc. Com a estreia do CPC/15, combinado com o exponencial reforço de autonomia do Ministério Público, não remanescem razões que justifiquem tratamento diverso na hipótese aqui discutida.
Por derradeiro, há que se recontextualizar a norma prevista na LACP, promulgada em um momento histórico de subjugo à independência do MP e dos direitos coletivos, colocando-a sob os holofotes da realidade atual de engrandecimento não apenas da tutela coletiva em si, como do próprio Ministério Público, dotado de meios institucionais e financeiros suficientes para promover autonomamente a guarda de tais direitos.
Referências
DIDIER JR., Fredie e TALAMINI, Eduardo. Coleção Repercussões do Novo CPC - V.10 - Processo e Administração Pública: JusPodivm, 2016.
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual Civil. v. 1. 17ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2015.
LEONEL, Ricardo de Barros. Ministério Público e despesas processuais no novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, n. 249, nov/2015, p. 180-183; MIRRA, Álvaro Luiz Valery. O ônus do adiantamento das despesas processuais na ação civil pública ambiental — a questão do custeio das perícias, cit., p. 224.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. MANUAL DE PROCESSO COLETIVO - VOLUME ÚNICO: JusPodivm, 2016.
[1] AgRg no Ag 1293413/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, 2ª Turma, julgado em 17/12/2013
[2](STJ - REsp: 1485939 ES 2014/0255980-0, Relator: Ministro BENEDITO GONÇALVES, Data de Publicação: DJ 16/03/2017)
Advogada formada na Universidade Federal Fluminense, residente jurídica da PGE-RJ. Especialista pós-graduada em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ABRUNHOSA, Olívia Waldemburgo de Oliveira. A impossibilidade de adiantamento pela Fazenda Pública dos honorários periciais na vigência do CPC/15 e a superação da aplicação analógica da Súmula 232 do STJ Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 mar 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51432/a-impossibilidade-de-adiantamento-pela-fazenda-publica-dos-honorarios-periciais-na-vigencia-do-cpc-15-e-a-superacao-da-aplicacao-analogica-da-sumula-232-do-stj. Acesso em: 22 nov 2024.
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